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Estimulação de crianças com risco para atraso no desenvolvimento: impacto de uma intervenção com mães

RESUMO

Objetivo:

Analisar o impacto de uma intervenção educativa com mães sobre a estimulação de crianças com risco para atraso no desenvolvimento, à luz da Teoria de Paulo Freire.

Método:

Estudo de abordagem qualitativa, exploratório e descritivo, realizado em março de 2018 com mães de crianças menores de dois anos matriculadas em Centros de Referência em Educação Infantil. Realizaram-se entrevistas semiestruturadas após intervenção educativa e analisaram-se os dados obtidos pela técnica temática.

Resultados:

Evidenciou-se o aumento do conhecimento das mães e mudanças de atitudes quanto à estimulação infantil após a intervenção, possibilitando socialização das informações com outras mães e empoderamento materno, que ajudam na identificação de alterações, motivação e autonomia para buscar novas formas de promover o desenvolvimento infantil. Conclusão: A intervenção educativa se mostrou efetiva, pois as mães passaram a estimular seus filhos no domicílio e a compartilhar as informações com outras mães.

Palavras-chave:
Desenvolvimento infantil; Educação em saúde; Mães

ABSTRACT

Objective:

To analyze the impact of an educational intervention with mothers on the motivation of children at risk for development delay, in the light of Paulo Freire’s Theory.

Method:

A qualitative, exploratory and descriptive study carried out in March 2018 with mothers of children under two years old enrolled in Reference Centers in Early Childhood Education. Semi-structured interviews were carried out after an educational intervention and the data obtained by the thematic technique were analyzed.

Results:

There was an increase in maternal knowledge and changes in attitudes about child motivation after intervention, enabling them to share information with other mothers and maternal empowerment to identify changes, motivation and autonomy to seek new ways to promote child development.

Conclusion:

The educational intervention proved to be effective, as mothers began to encourage their children at home and share information with other mothers.

Keywords:
Child development; Health education; Mothers

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el impacto de una intervención educativa con madres a cerca de la estimulación de niños en riesgo para el desarrollo, a la luz de la teoría de Paulo Freire.

Método:

Estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo, celebrada en marzo de 2018 con madres de niños menores de dos años matriculados en Centros de Referencia en Educación Infantil. Se realizaron entrevistas semiestructuradas después de la intervención educativa y se analizaron los datos obtenidos mediante técnica temática.

Resultados:

Se evidenció un mayor conocimiento de las madres y cambios en las actitudes sobre la motivación infantil después de la intervención, que les permitió socializar información y empoderamiento materno para identificar cambios, motivación y autonomía para buscar nuevas formas de promover el desarrollo infantil.

Conclusión:

La intervención educativa resultó ser efectiva, ya que las madres comenzaron a animar a sus hijos en el hogar y a compartir información con otras madres.

Palabras clave:
Desarrollo infantil; Educación en salud; Madres

INTRODUCÃO

Os primeiros anos de vida consistem em um período de intensas modificações no desenvolvimento físico e neuropsicomotor da criança, exigindo cuidado contínuo norteado pelo acompanhamento regular do crescimento e desenvolvimento, com capacidade para identificar precocemente possíveis agravos a sua saúde11. Reichert APS, Collet N, Eickmann SH, Lima MC. Child development surveillance: intervention study with nurses of the family health strategy. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(5):954-62. doi: http://doi.org/10.1590/0104-1169.0272.2636
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O desenvolvimento infantil é um processo que começa na concepção e envolve aspectos como o crescimento físico, a maturação neurológica, comportamental, cognitiva, social e afetiva da criança22. Black MM, Walker SP, Fernald LCH, Andersen CT, DiGirolamo AM, Lu Chunling, et al. Early childhood development coming of age: science through the life course. Lancet. 2017;389(10064):77-90. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31389-7
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. Este acontece de forma contínua e sequenciada de mudanças motoras, psicocognitivas e de linguagem, que provém da inter-relação entre a herança genética e o meio em que vive a criança33. Silva WR, Lisboa T, Ferrari EP, Freitas KTD, Cardoso FL, Motta NFA, et al. Opportunities for motor motivation in the home environment of children. J Hum Growth Dev. 2017;27(1):84-90. doi: http://doi.org/10.7322/jhgd.127659
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. Portanto, a exposição às condições negativas, biológicas ou ambientais, a exemplo de prematuridade, doença crônica na infância, crianças que moram em áreas sem saneamento básico, grandes aglomerados de casas, filhos de usuários de drogas, dentre outras, pode ocasionar importantes agravos à saúde da criança, incluindo alterações em diferentes domínios do desenvolvimento44. Paula S, Rohr EB, Peixoto MCO, Sica CDA, Kunzler IM. Analysis of neuropsychomotor development of children participating in a mother-baby program. Rev Bras Promoç Saúde. 2019;32:8603. doi: http://doi.org/10.5020/18061230.2019.8603
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.

Uma das metas do Desenvolvimento Sustentável é assegurar que todos os seres humanos possam desenvolver seu potencial com dignidade e igualdade55. United Nations. Transforming our world: the 2030 agenda for sustainable development [Internet] Geneva: United Nations; 2015 [cited 2020 Feb 16]. Available from: https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/21252030%20Agenda%20for%20Sustainable%20Development%20web.pdf
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. Para isso, são necessários investimentos para proteção, promoção e suporte o mais precocemente possível na infância para que todas as crianças sejam capazes de alcançar seu potencial pleno para o desenvolvimento66. Richter LM, Daelmans B, Lombardi J, Heymann J, Boo FL, Behrman JR, et al. Investing in the foundation of sustainable development: pathways to scale up for early childhood development. Lancet. 2017;389(10064):103-18. doi: http://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31698-1
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Dentre as ações para o acompanhamento e promoção do desenvolvimento, destaca-se a Vigilância do Desenvolvimento Infantil (VDI), que deve ser iniciada desde o nascimento, visto que a fase de 0 a 3 anos representa um período oportuno e ideal para intervenções que previnam alterações no desenvolvimento infantil11. Reichert APS, Collet N, Eickmann SH, Lima MC. Child development surveillance: intervention study with nurses of the family health strategy. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(5):954-62. doi: http://doi.org/10.1590/0104-1169.0272.2636
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As ações de VDI, essenciais nesses primeiros anos de vida, envolvem não apenas a identificação de alterações no desenvolvimento, mas, também, a atenção à família, sobretudo às mães, quanto à oferta de orientações adequadas para a promoção do desenvolvimento infantil, a exemplo da estimulação precoce44. Paula S, Rohr EB, Peixoto MCO, Sica CDA, Kunzler IM. Analysis of neuropsychomotor development of children participating in a mother-baby program. Rev Bras Promoç Saúde. 2019;32:8603. doi: http://doi.org/10.5020/18061230.2019.8603
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A prática de estimulação nos primeiros 36 meses de vida é considerada um diferencial para otimizar o desenvolvimento devido à intensa neuroplasticidade cerebral. E a mãe, considerada a cuidadora primária, pode possibilitar espaços estimuladores no domicílio, seja por meio de brinquedos, objetos ou brincadeiras, a fim de incitar os sentidos da criança44. Paula S, Rohr EB, Peixoto MCO, Sica CDA, Kunzler IM. Analysis of neuropsychomotor development of children participating in a mother-baby program. Rev Bras Promoç Saúde. 2019;32:8603. doi: http://doi.org/10.5020/18061230.2019.8603
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. Ademais, ela é capaz de estabelecer vínculos afetivos mais fortes, importantes para a formação da personalidade e prevenção de distúrbios nesse domínio, na vida adulta77. Forlin KA, Castro A, Alberton NVB, Fernandes FS. Marcas da maternidade: do ventre para a vida toda. Rev Bras Psicodrama. 2019;27(2):186-98. doi: https://doi.org/10.15329/2318-0498.20190021
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Ao apresentar alguma vulnerabilidade, a criança encontra-se em risco para atraso no desenvolvimento, portanto intervenções centradas na família com informações sobre as estimulações, ações lúdicas e afetivas que promovam o desenvolvimento da criança, são alternativas importantes e devem envolver preparo e empoderamento dos pais88. Silva HL, Bezerra FHG, Brasileiro IC. Evaluation of educational materials targeted at the psychomotor development of the child. Rev Bras Promoç Saúde. 2018;30(3):1-6. doi: http://doi.org/10.5020/18061230.2017.6358
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. Atenção especial deve ser dada à mãe por normalmente assumir a função de principal cuidadora e promotora dos estímulos necessários aos filhos.

A intervenção educativa, indubitavelmente, pode ser considerada uma ferramenta importante e uma ação fundamental no processo de trabalho em saúde. Ela pode viabilizar a compreensão de dificuldades das mães, ajudando-as a enfrentar problemas, a empoderar-se99. Silva FB, Gondim EC, Henrique NCP, Fonseca LMM, Mello DF. Educational intervention involving young mothers: gaining knowledge on childcare. Acta Paul Enferm. 2018;31(1):32-8. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0194201800006
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) e (re)aprender a implementar estímulos corretamente, considerando as características e necessidades da criança1010. Vasconcelos LTS, Irineu MEN, Santos JN, Modesto TSFC. Early multiprofessional stimulation in children with impaired neuropsychomotor development: integrative review. Rev Pesqui Fisioter. 2019;9(2):284-92. doi: https://doi.org/10.17267/2238-2704rpf.v9i2.2302
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. Deve ser sensível à cultura, pautando-se no conhecimento prévio das mães.

Nesse contexto educativo, é mister que o processo de ensino-aprendizagem seja estabelecido de forma horizontal e participativa, pautado na escuta ativa, no respeito às experiências do aprendiz e no saber prévio sobre o tema1111. Pereira TI, Sartori J. Educação, diálogo e prática da liberdade em Paulo Freire: revisitando a pedagogia do oprimido. Espaç Pedagóg. 2020;27(3):643-64. doi: https://doi.org/10.5335/rep.v27i3.12368
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. Por meio do diálogo e da problematização do cotidiano o educando/mãe e o educador/profissional poderão aprender a fazer juntos, recriar o conhecimento, a fim de transformar a realidade a partir das atitudes humanas1212. Williamson G, Hidalgo C. La pedagogía del oprimido, la investigación en sala de clases y los profesores como investigadores. Educ Rev. 2019;35(e222219):1-26. doi: https://doi.org/10.1590/0102-4698222219
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-1313. Araújo BBM, Machado ACC, Rossi CS, Pacheco STA, Rodrigues BMRD, et al. Referencial teórico-metodológico de Paulo Freire: contribuições no campo da enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2018;26:e27310. doi: http://doi.org/10.12957/reuerj.2018.27310
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Este estudo pauta-se na seguinte questão problematizadora: A intervenção educativa pode ser considerada um instrumento importante para a promoção do conhecimento e mudanças de atitude das mães perante a estimulação do desenvolvimento da criança? Objetivou-se analisar o impacto de uma intervenção educativa com mães sobre a estimulação de crianças com risco para atraso no desenvolvimento, à luz da Teoria de Paulo Freire.

MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa, exploratório e descritivo, realizado nos seis Centros Públicos de Referência em Educação Infantil (CREI) também denominados creches, localizados nas zonas rural e urbana do município de Cuité, no estado da Paraíba. A cidade está situada a 235 km da capital João Pessoa, na microrregião do Curimataú Ocidental Paraibano, contempla 741.840 km de área territorial e uma população estimada de 20. 348 habitantes.

À época da coleta de dados, estavam matriculadas 392 crianças, sendo 137 menores de dois anos. Inicialmente, realizou-se a avaliação do desenvolvimento das crianças menores de dois anos, conforme o manual de Vigilância do Desenvolvimento Infantil no Contexto da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância1414. Figueiras ACM, Ríos VG, Souza ICN, Benguigui Y. Manual para la vigilancia del desarrollo infantil (0-6 años) en el contexto de AIEPI [Internet]. 2. ed. Washington, DC: OPS; 2011 [cited 2020 Feb 16]. Available from: https://www1.paho.org/hq/dmdocuments/manual-vigilancia-desarrollo-infantil-aiepi-2011.pdf
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, com o propósito de obter informações sobre os fatores de riscos, o desenvolvimento da criança, a verificação do perímetro cefálico, observação da presença de alterações fenotípicas, posturais, padrões motores, comportamentos e reflexos primitivos presentes na criança. Para isso, utilizaram as fichas de avaliação contidas no referido manual e amplamente utilizadas por profissionais atuantes na área da pediatria no contexto da atenção primária à saúde.

Após essa avaliação, 52 crianças foram classificadas com risco para atraso no desenvolvimento e, com isso, suas mães foram incluídas no estudo para participar da intervenção educativa. Desse modo, estabeleceram-se como critérios de inclusão para participação na pesquisa mães de crianças menores de 2 anos cujos filhos apresentassem risco para atraso no desenvolvimento infantil após avaliação física e que estivessem frequentando semanalmente as creches municipais de Cuité; e de exclusão, mães de crianças com necessidades especiais e mães que apresentassem comprometimentos visuais, auditivos e/ou de linguagem, visto que são fatores que interferem diretamente nos resultados da pesquisa.

Um convite impresso, informando o dia e o horário da sessão educativa, foi entregue, antecipadamente, às 52 mães pelos diretores das instituições. As ações educativas e a coleta de dados por formulário na perspectiva de pré-intervenção, o qual investigou características sociodemográficas e biológicas maternas (Idade materna, estado civil, escolaridade materna, trabalho remunerado, renda familiar e número de filhos), ocorreram nos turnos matutinos ou vespertinos, no mês de março de 2018, sendo realizado um encontro em cada Centro Público de Referência em Educação Infantil com duração média de cinco horas.

O conteúdo abordado na intervenção educativa relacionou-se ao desenvolvimento (definição, fatores de risco; principais marcos do desenvolvimento infantil; importância do acompanhamento do desenvolvimento infantil) e estimulação infantil (a importância da estimulação da criança no domicílio; apresentação de ambiente e recursos materiais adequados para a estimulação da criança; confecção de materiais para estimulação infantil; e realização de práticas sobre atividades que poderiam ser realizadas com as crianças para estimular o desenvolvimento infantil), preconizada no manual da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância1414. Figueiras ACM, Ríos VG, Souza ICN, Benguigui Y. Manual para la vigilancia del desarrollo infantil (0-6 años) en el contexto de AIEPI [Internet]. 2. ed. Washington, DC: OPS; 2011 [cited 2020 Feb 16]. Available from: https://www1.paho.org/hq/dmdocuments/manual-vigilancia-desarrollo-infantil-aiepi-2011.pdf
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. A estratégia de ensino-aprendizagem respaldou-se nos conceitos da educação popular, sob os princípios de Paulo Freire1212. Williamson G, Hidalgo C. La pedagogía del oprimido, la investigación en sala de clases y los profesores como investigadores. Educ Rev. 2019;35(e222219):1-26. doi: https://doi.org/10.1590/0102-4698222219
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, por meio de uma relação dialógica, escuta ativa, troca de experiências e problematização da realidade materna.

O referencial teórico-metodológico de Freire1212. Williamson G, Hidalgo C. La pedagogía del oprimido, la investigación en sala de clases y los profesores como investigadores. Educ Rev. 2019;35(e222219):1-26. doi: https://doi.org/10.1590/0102-4698222219
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, por meio da metodologia da problematização, constituiu-se o diferencial para a realização do estudo, visto que esse método oportunizou às participantes atribuírem significados às suas vivências durante as oficinas, levando-as à socialização de conhecimentos, autoconhecimento e, principalmente, ao empoderamento, do ponto de vista libertador1313. Araújo BBM, Machado ACC, Rossi CS, Pacheco STA, Rodrigues BMRD, et al. Referencial teórico-metodológico de Paulo Freire: contribuições no campo da enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2018;26:e27310. doi: http://doi.org/10.12957/reuerj.2018.27310
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Na intervenção educativa, as mães foram convidadas a discorrer sobre o desenvolvimento dos filhos por meio de questões disparadoras para estimular o debate. A partir das necessidades do grupo, realizaram-se trocas de experiências, ressignificação e construção de novos saberes compartilhados, oportunizando a todas momento de aprender e de ensinar. As questões disparadoras para estimular o debate e o diálogo foram: “O que vocês entendem sobre o desenvolvimento infantil?”; “Como vocês avaliam o desenvolvimento do seu filho”; “O que vocês gostariam de saber sobre o desenvolvimento e a estimulação do seu filho?”. A partir do exposto, buscou-se contemplar a necessidade das mães atrelando-se ao conteúdo planejado.

Com ancoramento no pensamento de Paulo Freire1212. Williamson G, Hidalgo C. La pedagogía del oprimido, la investigación en sala de clases y los profesores como investigadores. Educ Rev. 2019;35(e222219):1-26. doi: https://doi.org/10.1590/0102-4698222219
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e no marco teórico da educação popular, buscou-se possibilitar espaços de diálogo nas oficinas. As mães foram convidadas para refletir e explicitar suas percepções sobre o desenvolvimento infantil de seus filhos. A intervenção foi proposta como espaço para escuta, ressignificação e reinvenção, a partir das necessidades apresentadas pelo grupo. A problematização propiciou troca de experiências e construção de saberes, a partir da realidade e dos desafios de cada mãe. Assim, com base no que já se sabia e identificação de lacunas de conhecimento, foram sendo construídos novos saberes em um processo compartilhado por todas. Nesse cenário todos aprendem e ensinam.

Para facilitar a construção do conhecimento e a troca de experiências das mães sobre conceito, fatores de riscos, fases do desenvolvimento e os estímulos que deveriam ser praticados com as crianças no domicílio, conforme suas faixas etárias, utilizaram-se metodologias ativas nas oficinas, tais como, exposições dialogadas com o auxílio de banners ilustrativos; manuseio de bonecos, construção de objetos com materiais recicláveis para estimulação infantil, colchonetes, bolas, toalhas, tapetes emborrachados, brinquedos, dentre outros, a fim de simular situações realísticas do cotidiano; além dos relatos de experiências, discussões sobre a temática, inquietações e sugestões.

Ao longo das intervenções, as mães foram convidadas para manusear bonecos, utilizando materiais diversos como, colchonetes, bolas, toalhas, tapetes de estimulação, brinquedos, dentre outros, a fim de simular tarefas práticas de perseguição visual, atividades de estimulação do controle de tronco e diferentes trocas de posturas (sentar, rolar, arrastar, engatinhar, postura de quatro apoio para joelhos, semiajoelhados, ortostase e deambulação) para faixas etárias definidas, conforme preconiza o manual da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância. As mães também construíram, a partir de objetos descartáveis e de uso doméstico, materiais para estimulação dos seus filhos, relataram suas próprias histórias, experiências, desafios, formas de enfrentamento dos problemas, o saber popular sobre o assunto, suas dúvidas, inquietações e expuseram sugestões para que o conhecimento pudesse ser construído conjuntamente, entre o educando (mães) e o educador (pesquisadora).

Salienta-se que, ao término de cada atividade, as dúvidas eram sanadas coletivamente e, conforme as necessidades das participantes, novos temas iam sendo incluídos, como a importância do brincar, da afetividade e do diálogo para o desenvolvimento da criança.

Para facilitar a apreensão do conhecimento construído na intervenção educativa, as mães receberam uma cartilha impressa, confeccionada pela pesquisadora e design gráfico, contendo ilustrações e orientações sobre os exercícios realizados nas oficinas e que deveriam ser praticados com a criança em domicílio. A cartilha foi elaborada com respaldo textual no manual da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância1414. Figueiras ACM, Ríos VG, Souza ICN, Benguigui Y. Manual para la vigilancia del desarrollo infantil (0-6 años) en el contexto de AIEPI [Internet]. 2. ed. Washington, DC: OPS; 2011 [cited 2020 Feb 16]. Available from: https://www1.paho.org/hq/dmdocuments/manual-vigilancia-desarrollo-infantil-aiepi-2011.pdf
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, porém considerando o grau de escolaridade das mães, ou seja, adequando a linguagem científica e tornando-a mais apropriada ao público-alvo. Os conteúdos abordados na cartilha foram divididos em tópicos, a saber: “O que é desenvolvimento infantil?; O que pode afetar o desenvolvimento infantil?; Como ocorre o desenvolvimento da criança?; Por que e como podemos estimular o desenvolvimento infantil?”.

Após o término das intervenções educativas, realizou-se uma avaliação global da oficina por meio da dinâmica “Que bom... Que pena... e Que tal...”. As mães foram convidadas para completar as frases com esses termos explicitando suas opiniões sobre a sessão educativa.

A fase final da pesquisa ocorreu três meses após as ações educativas, considerando a importância do intervalo de tempo para que as mães implementassem os conteúdos abordados na intervenção educativa no contexto domiciliar com os filhos. Nessa etapa, das 52 mães que participaram integralmente da intervenção educativa, 12 delas, sendo duas de cada Centro Público de Referência em Educação Infantil, foram convidadas, aleatoriamente para a realização da entrevista semiestruturada, seguindo-se as questões norteadoras: Você sentiu alguma dificuldade para aplicar os conhecimentos adquiridos sobre estimulação infantil no domicílio? Fale sobre essas experiências; O que você acha do desenvolvimento do seu filho? Como você avalia a oficina sobre a estimulação do desenvolvimento infantil?

As entrevistas foram agendadas individualmente, conforme conveniência das mães em cada Centro Público de Referência em Educação Infantil, com duração média de 20 minutos, sendo gravadas em mídia digital e transcritas na íntegra pela pesquisadora principal, a qual possui aproximação laborativa com o cenário e participantes do estudo, experiência e treinamento para coleta de dados na referida técnica, escusando teste piloto. Utilizou-se como critério de encerramento de coleta a saturação teórica dos dados, considerando-se “saturada a coleta de dados quando nenhum novo elemento é encontrado e o acréscimo de novas informações deixa de ser necessário, pois não altera a compreensão do fenômeno estudado”1515. Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Theoretical saturation in qualitative research: an experience report in interview with schoolchildren. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):228-33. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0616
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Os resultados foram interpretados pela análise temática, de acordo com os seguintes passos: ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final. Os dados foram transcritos e lidos exaustivamente a fim de organizar os depoimentos em determinada ordem. Posteriormente, fez-se o reagrupamento dos temas encontrados, sendo construídas as estruturas de relevância para a análise e discussão final à luz da teoria de Paulo Freire e da literatura pertinente.

Para garantir o anonimato das mães, os relatos foram identificados pela letra “M”, seguida de uma ordenação numérica que representa a sequência de realização das entrevistas.

O estudo foi aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa, sob parecer nº 1.828.821, CAAE nº 82127817.3.0000.5188, respeitando os preceitos éticos previstos na Resolução 466/12. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo-lhes detalhados o objetivo e as etapas da pesquisa, além dos riscos, direito à desistência do estudo e garantia do sigilo e anonimato. Entregou-se uma cópia do referido termo a cada participante mediante concordância voluntária.

RESULTADOS

Participaram do estudo 12 mães com idade entre 19 e 41 anos, com baixa condição socioeconômica, união conjugal estável e com oito ou mais anos de estudo. As entrevistadas possuíam renda familiar mensal inferior a 1 salário mínimo. A maioria não exercia atividades laborais, e as que faziam, de forma esporádica, recebiam como diaristas. A maioria possuía 1 filho cuja idade variou entre 13 e 24 meses.

Mediante a análise dos dados, construíram-se duas categorias temáticas: (Re)aprendendo e socializando o conhecimento acerca da estimulação infantil; e Olhar qualificado pós-intervenção educativa: motivação e empoderamento materno.

(Re)aprendendo e socializando o conhecimento acerca da estimulação infantil

Ao serem questionadas quanto à intervenção educativa, as mães demonstraram satisfação em ter participado dessa iniciativa, afirmando ampliação do conhecimento sobre a estimulação do desenvolvimento dos seus filhos e mudanças de atitudes no cotidiano, perante os saberes adquiridos.

As mães relataram que a intervenção educativa contribuiu positivamente para suplantar o saber popular sobre o tema, pois várias coisas que as mães acreditavam ser corretas foram consideradas inadequadas para a criança. Ademais, o re(aprender) sobre o desenvolvimento e estimulação infantil também possibilitou a socialização das informações com outras mães, ou seja, essas mães passaram a ser multiplicadoras de conhecimentos.

[...] eu aprendi coisa que eu não sabia, nem imaginava como fazer e pude corrigir umas coisas que eu achava que era certo e não era. Por isso, que foi bom porque aprendi e porque passo o que sei para outas mães que conheço [...] (M3).

[...] eu pude aprender o certo e corrigir o que estava fazendo de errado. Muita coisa que foi conversado lá [na intervenção] eu não sabia para que servia e como era para fazer [...] e hoje eu sei o que estou fazendo e até já mostro para umas amigas (M5).

[...] eu aprendi muito sobre o assunto e tinha coisa que não sabia. Já falei para algumas mães como elas podem estar estimulando. Já expliquei a cartilha para umas três amigas minhas (M9).

Com os novos conhecimentos adquiridos, as mães também passaram a dar mais atenção e carinho aos seus filhos, bem como estimulá-los cotidianamente, compreendendo a estimulação do desenvolvimento como prioritária e inerente ao ato de cuidar. Assim sendo, elas proporcionaram um salto qualitativo no cuidado à criança com fortalecimento de vínculo mãe-filho, como também a transformação da realidade que vivem:

[...] para mim foi muito bom porque eu passei a entender que estimular também é um tipo de cuidado. Esse encontro fez a gente entender melhor que é preciso se sentar com a criança para brincar, porque é importante para o desenvolvimento. Eu mesma mudei em relação a dar mais valor às brincadeiras, contar histórias e dar ainda mais carinho [...] eu procuro estar mais presente (M6).

[...] hoje posso dizer com sinceridade que estimulo muito mais que antes. Hoje eu me dedico mais e procuro dar mais atenção às coisas simples que não fazia por causa de falta de tempo, como brincar com ela [filho], contar história e ficar mais tempo perto, dando atenção, mais carinho (M4).

Olhar qualificado pós-intervenção educativa: motivação e empoderamento materno

A intervenção educativa contribuiu para o empoderamento materno para estimular o desenvolvimento dos seus filhos. Além de motivadas, elas se sentiram seguras para identificar aspectos antes despercebidos, a exemplo das dificuldades e evoluções dos filhos relacionadas ao alcance dos marcos do desenvolvimento.

[...] me sinto muito mais segura hoje porque agora sei para que serve o que estou fazendo com ele [filho]. Antes eu não tinha muita noção e nem sabia o que a criança fazia em cada idade [...] estou mais preparada e mais estimulada para continuar (M1).

[...] eu consigo perceber melhora em algumas coisas depois que comecei a estimular mais ele [filho]. A reunião ajudou muito a observar mais meu filho. Hoje eu fico mais atenta para o desenvolvimento dele [filho], e já consigo identificar muitas coisas que antes nem sabia [...] (M2).

[...] fico mais motivada para estimular porque hoje posso dizer que aprendi muitas coisas e sei para que serve. Observo melhor o desenvolvimento dela [filho] (M10).

Somando-se à motivação, as mães apresentam maior autonomia no cuidar, pois buscam novas alternativas, como a tecnologia virtual, para explorar novas modalidades de estímulos e criação de novos objetos alternativos para promover o desenvolvimento do filho.

[...] agora eu tenho mais opção para tentar estimular ele [filho]. Com a ideia dos brinquedinhos que a gente pode fazer, eu sempre fico procurando coisas novas para criar na internet (M8).

[...] a gente fica sempre procurando coisas novas e a internet ajuda muito para dar novas ideias (M11).

[...] eu estou sempre procurando coisas de brincadeiras para fazer. Eu amei as ideias dos brinquedinhos e sempre fico procurando outras para fazer. Me abriu muito a mente para criar coisas legais para ele [filho] desenvolver melhor (M12).

A discussão da cartilha educativa elaborada sobre a estimulação do desenvolvimento infantil para as faixas etárias até os 24 meses com as mães também contribuiu para o aprendizado e manutenção da realização dos estímulos ao longo do tempo, tornando-as autônomas para promover o desenvolvimento dos filhos no domicílio. O fato de possuir o material com linguagem clara e objetiva, acompanhada de ilustrações, facilitou o acesso rápido aos marcos e estímulos nas diferentes faixas etárias pelas mães.

[...] achei que a cartilha me ajudou muito em casa para estimular ele [filho], e me fez ter mais confiança ainda. Facilitou bastante na hora de fazer em casa porque eu podia olhar e lembrar o que aprendi (M6).

[...] achei a cartilha muito boa porque tinha muitos desenhos que ajudava. Quando eu tinha dúvida eu olhava [...] me ajudou muito (M8).

DISCUSSÃO

As oficinas educativas sobre a estimulação infantil proporcionaram um impacto positivo, tanto para as mães de crianças dos CREI quanto para seus filhos, mostrando-se como uma estratégia efetiva capaz de aumentar o conhecimento e transformar atitudes.

As mães também reconheceram a sua importância para o cuidado à criança, pois se tornaram mais atentas ao desenvolvimento dos filhos, sentindo-se capacitadas e com autonomia para identificar desvios e estimulá-los corretamente.

Este estudo corrobora pesquisa que evidenciou que a vigilância do desenvolvimento no contexto da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância apresenta resultados positivos quando preconiza a importância das orientações familiares sobre o desenvolvimento e estimulação infantil11. Reichert APS, Collet N, Eickmann SH, Lima MC. Child development surveillance: intervention study with nurses of the family health strategy. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(5):954-62. doi: http://doi.org/10.1590/0104-1169.0272.2636
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. Promover intervenções educativas pautadas em uma pedagogia participativa pode ser uma estratégia relevante para ampliar o conhecimento das mães sobre o tema, fortalecer suas habilidades e promover mudanças de comportamentos para o cuidado da criança no contexto do desenvolvimento.

Além do fortalecimento das competências maternas para estimular a criança no domicílio, a melhora do conhecimento sobre o tema permitirá um diálogo ampliado com a equipe de saúde, durante o acompanhamento do desenvolvimento infantil1616. Torquato IMB, Collet N, Forte FDS, França JRFS, Silva MFOC, Reichert APS. Effectiveness of an intervention with mothers to stimulate children under two years. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3216. doi: http://doi.org/10.1590/1518-8345.3176.3216
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. Nesses encontros, o profissional terá a oportunidade de ouvir a mãe e agregar à sua avaliação novas informações, que poderão auxiliar no diagnóstico de anormalidades do desenvolvimento1717. Lucena DBA, Guedes ATA, Cruz TMAV, Santos NCCB, Collet N, Reichert APS. First week of integral health for the newborn:nursing actions of the Family Health Strategy. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0068. doi: http://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0068
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A mãe, comumente principal cuidadora, apropriando-se do novo conhecimento, proporcionará espaços no domicílio que oportunizem experiências que podem constituir-se em preditor para o aprimoramento do desenvolvimento infantil1818. Oliveira BSB, Melo FMS, Oliveira RKL, Figueiredo Neta JF, Monteiro FPM, Joventino ES. Early stimulation in the development of children with microcephaly: maternal perception. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):139-46. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0272
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. Esse aspecto ficou evidente quando as mães expressaram maior segurança e interesse para realizar os estímulos a partir do conhecimento apreendido na intervenção. Portanto, compreender a importância e a finalidade das atividades foi fundamental para que as participantes se sentissem motivadas para dar seguimento aos estímulos e cuidados no lar.

Entretanto, é necessário que, atrelado aos estímulos motores, o envolvimento afetivo também seja tema abordado nesse processo educativo sobre a estimulação infantil, visto que o pleno desenvolvimento biopsicossocial da criança depende da afetividade que a família lhe proporcionará. Estudo realizado no Peru evidenciou que interações de qualidade entre crianças e cuidadores melhoram significativamente a comunicação, a resolução de problemas e as habilidades motoras finas das crianças1919. Araújo MC, Dormal M, Schady N. Childcare quality and child development. J Human Resources. 2019;54(3):656-82. doi: https://doi.org/10.3368/jhr.54.3.0217.8572R1
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Diante da discussão coletiva, percebeu-se que, após a intervenção educativa, as mães despertaram para a importância da afetividade para o desenvolvimento saudável, demonstrando mudanças de atitudes a partir da maior oferta de carinho, tempo e atenção para o filho. Isso é fundamental, tendo em vista que sem investimento afetivo não há desenvolvimento infantil profícuo.

Por isso, faz-se necessário que os microssistemas em que a criança esteja inserida ofertem experiências diversas com recursos materiais, mas também com possibilidades de interações afetuosas que promovam o seu desenvolvimento sensório-motor e emocional2020. Correa W, Minetto MF, Crepaldi MA. Família como promotora do desenvolvimento de crianças que apresentam atrasos. Pensando Fam. 2018 [cited 2019 Apr 4];22(1):44-58. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v22n1/v22n1a05.pdf
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Estudo2020. Correa W, Minetto MF, Crepaldi MA. Família como promotora do desenvolvimento de crianças que apresentam atrasos. Pensando Fam. 2018 [cited 2019 Apr 4];22(1):44-58. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v22n1/v22n1a05.pdf
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aponta que maior nível socioeconômico e instrucional materno está associado às melhores oportunidades de estímulos ambientais, tanto pela oferta de brinquedos quanto pela melhor organização do ambiente físico para a criança. No entanto, apesar de as mães participantes desta pesquisa pertencerem a um grupo vulnerável, de baixa renda e escolaridade, tais variáveis não interferiram em seu interesse em promover melhores oportunidades de estimulações físicas e afetivas aos filhos, uma vez que puderam experenciar, durante e após a intervenção educativa, formas de enfrentamento dos problemas.

Diante dos resultados positivos analisados nesta pesquisa, compreende-se que a intervenção educativa na prática em saúde pode ser vislumbrada como uma importante estratégia transformadora de atitudes humanas1616. Torquato IMB, Collet N, Forte FDS, França JRFS, Silva MFOC, Reichert APS. Effectiveness of an intervention with mothers to stimulate children under two years. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3216. doi: http://doi.org/10.1590/1518-8345.3176.3216
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. Fato evidenciado nos relatos das mães que apontam que ao ampliarem o conhecimento sobre a estimulação infantil passaram a repensar suas práticas de cuidado à criança.

Desse modo, discutir a promoção do desenvolvimento infantil com as mães de crianças com risco para atraso empoderou-as com conhecimento embasado cientificamente para que fossem capazes de enriquecer as interações com outras pessoas da comunidade e/ou familiares, tornando satisfatórias as atividades voltadas ao desenvolvimento global da criança.

É importante que o profissional de saúde, no papel de educador, compreenda que o ensinar não se resume apenas à exposição de um conteúdo previamente planejado, em que ele é o detentor do saber absoluto, mas que as experiências humanas trazidas pelo aprendiz possam ser a fonte principal do aprendizado1616. Torquato IMB, Collet N, Forte FDS, França JRFS, Silva MFOC, Reichert APS. Effectiveness of an intervention with mothers to stimulate children under two years. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3216. doi: http://doi.org/10.1590/1518-8345.3176.3216
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Neste estudo, primou-se pela valorização do conhecimento prévio das mães, das suas experiências individuais e dos valores culturais a partir do diálogo problematizador. Isso foi fundamental para a reconstrução e ampliação de conhecimentos.

A utilização de uma metodologia participativa foi importante para o aprofundamento de questões antes desconhecidas pelas mães, de modo a despertar interesse, autonomia e agregar novas possibilidades para estimulação dos filhos. Um exemplo foi o uso da tecnologia para pesquisa de novas modalidades de estímulos com vistas a prevenir déficit futuro no desenvolvimento do filho.

As tecnologias da informação podem acrescentar ao processo de ensino-aprendizagem, uma vez que o aprendiz, nesse caso a mãe, acessa informações importantes sobre o desenvolvimento infantil, auxiliando-as no fomento à construção do conhecimento de forma autônoma e crítica-reflexiva88. Silva HL, Bezerra FHG, Brasileiro IC. Evaluation of educational materials targeted at the psychomotor development of the child. Rev Bras Promoç Saúde. 2018;30(3):1-6. doi: http://doi.org/10.5020/18061230.2017.6358
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. Ademais, com o advento dos espaços virtuais, as participantes buscaram a interatividade para partilhar experiências e apoio mútuo sobre esse e outros temas da infância.

A cartilha educativa também se constituiu como facilitadora para a aprendizagem sobre a estimulação infantil e fonte de consulta das mães a cada nova fase do desenvolvimento da criança. Assim como estudo1010. Vasconcelos LTS, Irineu MEN, Santos JN, Modesto TSFC. Early multiprofessional stimulation in children with impaired neuropsychomotor development: integrative review. Rev Pesqui Fisioter. 2019;9(2):284-92. doi: https://doi.org/10.17267/2238-2704rpf.v9i2.2302
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que implementou o uso de materiais educativos para pais e cuidadores de creches, os materiais impressos disponibilizados às mães foram úteis para reforçar as orientações ofertadas nas ações educativas, possibilitar fácil acesso a essas informações e, assim, ampliar o conhecimento.

No tocante ao impacto da intervenção no empoderamento e autonomia materna, esta proporcionou transformação de atitudes no cuidado ao filho. Isso só é possível quando há construção de vínculos, compromisso e quando as mães buscam meios para superar os problemas e tornam-se protagonistas das mudanças obtidas em sua realidade.

Acredita-se que a substituição do método tradicional e “bancário” da educação que cultiva o depósito de informações tecnicistas1111. Pereira TI, Sartori J. Educação, diálogo e prática da liberdade em Paulo Freire: revisitando a pedagogia do oprimido. Espaç Pedagóg. 2020;27(3):643-64. doi: https://doi.org/10.5335/rep.v27i3.12368
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, prontas e acabadas também contribuiu para que as participantes transformassem suas ações e se motivassem para a estimulação do desenvolvimento dos filhos. Durante as oficinas, as mães manuseavam bonecos, simulando atividades de estimulação visual, auditiva e postural, relatando suas próprias experiências e desafios enfrentados, compartilhando dúvidas e inquietações para que pudessem construir novo conhecimento de forma conjunta.

A busca pela autonomia e o despertar da criticidade do educando, almejados nesta pesquisa, constituem aspectos basilares da educação popular, pois, segundo seus preceitos teóricos, para a aprendizagem se fazer efetiva, faz-se necessário que o aprendiz possa perceber-se como protagonista da sua história de vida extinguindo sua passividade perante as experiências mundanas1212. Williamson G, Hidalgo C. La pedagogía del oprimido, la investigación en sala de clases y los profesores como investigadores. Educ Rev. 2019;35(e222219):1-26. doi: https://doi.org/10.1590/0102-4698222219
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Na abordagem libertadora da educação popular, a construção e a propagação coletiva do conhecimento a partir das experiências de vida do educando são possíveis, possibilitando-o tornar-se sujeito diferenciado na busca de transformações sociais1111. Pereira TI, Sartori J. Educação, diálogo e prática da liberdade em Paulo Freire: revisitando a pedagogia do oprimido. Espaç Pedagóg. 2020;27(3):643-64. doi: https://doi.org/10.5335/rep.v27i3.12368
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. Isso foi evidenciado nos relatos, uma vez que as mães conseguiram não apenas construir o conhecimento sobre o desenvolvimento infantil para implementá-lo no seu cotidiano, mas, também, propagá-lo para outras pessoas do seu convívio.

Salienta-se que a intervenção educativa em desenvolvimento infantil teve pretensão de transformar o conhecimento das mães, emponderando-as, a fim de facilitar as interações da criança com as pessoas e o contexto familiar no período crucial para o seu desenvolvimento, pois nos primeiros anos de vida há intensa plasticidade cerebral e possibilidade de reversão de possíveis alterações44. Paula S, Rohr EB, Peixoto MCO, Sica CDA, Kunzler IM. Analysis of neuropsychomotor development of children participating in a mother-baby program. Rev Bras Promoç Saúde. 2019;32:8603. doi: http://doi.org/10.5020/18061230.2019.8603
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Enfim, a intervenção educativa se mostrou eficaz, pois as mães descortinaram suas limitações sobre a estimulação do desenvolvimento infantil e se revelaram preparadas para implementar e compartilhar o conhecimento construído.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo evidenciou que uma intervenção educativa com mães sobre a estimulação de crianças com risco para atraso no desenvolvimento, à luz da Teoria de Paulo Freire, apresentou-se como uma estratégia importante, viável e capaz de promover conhecimento, reflexões e transformação da realidade de cada participante.

Problematizar situações do cotidiano em detrimento da transferência vertical de informações foi profícuo para a construção do saber coletivo e resolução de respostas às suas próprias necessidades. O uso da pedagogia participativa defendida pela educação popular, pautada no diálogo real, escuta, respeito aos valores culturais e ao saber prévio, constitui-se uma ferramenta fundamental para ser utilizada com as mães no cuidado à criança com risco para atraso no desenvolvimento infantil.

As principais limitações deste estudo estão relacionadas à delimitação de um município e número de encontros, tendo em vista a relevância da intervenção educativa para a promoção do desenvolvimento infantil saudável e a natureza da abordagem qualitativa, que não considera o número de participantes, mas o fenômeno e os significados atribuídos a estes, em um determinado contexto vivido. Entretanto, foi possível dar visibilidade à importância de intervenções educativas para a promoção do desenvolvimento de crianças com risco para atraso no desenvolvimento, baseadas na educação popular em saúde.

Por fim, recomenda-se a realização de intervenções educativas sobre estimulação infantil com aqueles que estão inseridos nos microssistemas da criança, a exemplo de parentes próximos e cuidadores de Centros Públicos de Referência em Educação Infantil, a fim de que também possam colaborar para o desenvolvimento da criança.

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Editado por

Editor associado:

Helena Becker Issi

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2021
  • Aceito
    14 Mar 2022
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