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Qualidade do sono de pacientes com diabetes mellitus: associação com ansiedade traço e estado

RESUMO

Objetivo:

Analisar a qualidade do sono e a associação com a ansiedade traço e estado em pacientes com diabetes mellitus.

Método:

Estudo transversal, quantitativo e analítico realizado entre janeiro e abril de 2022, no centro de referência em hipertensão e diabetes de Rio Verde - Goiás, com 81 pacientes. Utilizou-se o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado para coleta de dados. Análises incluíram testes T de Student e regressão logística multivariada.

Resultados:

Dos pacientes, 64,2% relataram qualidade do sono ruim. Houve diferenças significativas nos níveis de ansiedade traço, entre pacientes com boa e ruim qualidade do sono. A ansiedade traço associou-se com a qualidade do sono, sendo que o aumento no escore de ansiedade traço aumentou as chances de qualidade do sono ruim.

Conclusão:

Uma proporção significativa da amostra apresentou qualidade do sono ruim, e a ansiedade traço associou-se com essa condição.

Descritores:
Diabetes mellitus; Qualidade do sono; Ansiedade; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To assess sleep quality and the association of trait and state anxiety in patients with diabetes mellitus.

Method:

A cross-sectional, quantitative, and analytical study was conducted between January and April 2022, at the reference center for hypertension and diabetes in Rio Verde, Goiás, with 81 patients. The Pittsburgh Sleep Quality Index and State-Trait Anxiety Inventory were used for data collection. Analyses included the Student’s t-test and multivariate logistic regression analysis.

Results:

Of patients, 64.2% reported poor sleep quality. There were significant differences in trait anxiety levels between patients with good and poor sleep quality. Trait anxiety was associated with sleep quality, with an increase in the trait anxiety score increasing the chances of poor sleep quality.

Conclusion:

A significant proportion of the sample had poor sleep quality, and trait anxiety was found to be associated with this condition.

Descriptors:
Diabetes mellitus; Sleep quality; Anxiety; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la calidad del sueño y la asociación con ansiedad rasgo y estado en pacientes con diabetes mellitus.

Método:

Estudio transversal, cuantitativo y analítico realizado entre enero y abril de 2022, en el centro de referencia en hipertensión y diabetes de Rio Verde - Goiás, con 81 pacientes. Para recopilar datos se utilizaron el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh y el Inventario de Ansiedad Estado-Rasgo. Los análisis incluyeron pruebas t de Student y regresión logística multivariada.

Resultados:

De los pacientes, el 64,2% refirió mala calidad del sueño. Hubo diferencias significativas en los niveles de ansiedad rasgo entre pacientes con buena y mala calidad del sueño. La ansiedad rasgo se asoció con la calidad del sueño, y un aumento en la puntuación de ansiedad rasgo aumenta las posibilidades de una mala calidad del sueño.

Conclusión:

Una proporción significativa de la muestra tenía mala calidad del sueño y la ansiedad rasgo se asoció con esta condición.

Descriptores:
Diabetes mellitus; Calidad del sueño; Ansiedad; Enfermería

INTRODUÇÃO

A diabetes mellitus (DM) é uma síndrome caracterizada por hiperglicemia persistente, que resulta de distúrbios metabólicos, podendo ocorrer devido à destruição das células beta produtoras de insulina ou à resistência à ação insulínica11. Lee SH, Park SY, Choi CS. Insulin resistance: from mechanisms to therapeutic strategies. Diabetes Metab J. 2022;46(1):15-37. doi: https://doi.org/10.4093/dmj.2021.0280
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. Aproximadamente 537 milhões de pessoas entre 20 e 79 anos têm diabetes no mundo, sendo o Brasil o sexto país com maior número de portadores, com 15,7 milhões de casos. Além disso, estima-se que cerca de 5 milhões de brasileiros vivem com a doença subdiagnosticada22. Internation Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas 2021 [Internet]. 10th ed. Brussel; IDF; 2022 [cited 2023 Jun 10]. Available from: https://www.diabetesatlas.org
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.

Os indivíduos com DM estão sujeitos à angústia relacionada ao diagnóstico, dificuldade de adesão ao tratamento medicamentoso, inabilidade em combater o sedentarismo e inadequação a novos hábitos alimentares33. Bawa H, Poole L, Cooke D, Panagi L, Steptoe A, Hackett RA. Diabetes-related distress and daily cortisol output in people with type 2 diabetes. Diabetes Res Clin Pract. 2020;169:108472. doi: https://doi.org/10.1016/j.diabres.2020.108472
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. Fatores ansiogênicos também se manifestam por meio do sentimento de culpa por glicemia alterada e prostração, aliado às alterações de humor44. Dong D, Lou P, Wang J, Zhang P, Sun J, Chang G, et al. Interaction of sleep quality and anxiety on quality of life in individuals with type 2 diabetes mellitus. Health Qual Life Outcomes. 2020;18(1):150. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-020-01406-z
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. O DM associado com diferentes complicações pode apresentar repercussões importantes tanto para os indivíduos portadores da doença, quanto para suas famílias e o sistema de saúde. Fatores como medo, insegurança, ansiedade, depressão e má qualidade do sono, são complicações que podem estar associadas a falta de controle glicêmico e podem prejudicar o autocuidado a longo prazo44. Dong D, Lou P, Wang J, Zhang P, Sun J, Chang G, et al. Interaction of sleep quality and anxiety on quality of life in individuals with type 2 diabetes mellitus. Health Qual Life Outcomes. 2020;18(1):150. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-020-01406-z
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,55. Fisher L, Polonsky WH, Hessler D. Addressing diabetes distress in clinical care: a practical guide. Diabet Med. 2019;36(7):803-12. doi: https://doi.org/10.1111/dme.13967
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.

A qualidade do sono desempenha um papel fundamental na saúde e no bem-estar geral, e isso é especialmente importante para os pacientes com DM66. Quadra MR, Santos LP, Schäfer AA, Meller FO. Influência do sono e da crononutrição na hipertensão e diabetes: um estudo de base populacional. Cad Saúde Pública. 2022;38(7):e00291021. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT291021
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. É importante ressaltar que a má qualidade do sono pode ter implicações negativas na saúde física e mental dos pacientes com DM, pois pode afetar o controle glicêmico e aumentar o risco de complicações cardiovasculares e metabólicas77. Azharuddin M, Kapur P, Adil M, Ghosh P, Sharma M. The impact of sleep duration and sleep quality on glycaemic control in Asian population with type 2 diabetes mellitus: a systematic literature review and meta-analysis of observational studies. Clin Epidemiol Glob Health. 2020;8(3):967-75. doi: https://doi.org/10.1016/j.cegh.2020.03.006
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, o que pode prejudicar a qualidade de vida dos pacientes.

Estudos anteriores têm consistentemente identificado uma alta prevalência de má qualidade do sono especificamente em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2)88. Zewdu D, Gedamu H, Beyene Y, Tadesse M, Tamirat M, Muluken S. Sleep quality and associated factors among type 2 Dm patients and non-Dm individuals in Bahir Dar governmental hospitals: comparative cross-sectional study. Sleep Sci Pract. 2022;6(1):10. doi: https://doi.org/10.1186/s41606-022-00079-5
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,99. Kuo CP, Lu SH, Huang CN, Liao WC, Lee MC. Sleep quality and associated factors in adults with type 2 diabetes: a retrospective cohort study. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(6):3025. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph18063025
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. Um estudo realizado com adultos holandeses com DM demonstrou nos resultados que a prevalência de má qualidade de sono foi 31% para os pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) e 42% dos pacientes com DM211. Lee SH, Park SY, Choi CS. Insulin resistance: from mechanisms to therapeutic strategies. Diabetes Metab J. 2022;46(1):15-37. doi: https://doi.org/10.4093/dmj.2021.0280
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. Apesar desses resultados, é importante mencionar que a literatura científica é carente de estudos que investiguem a qualidade do sono em pacientes com diferentes tipos de diabetes mellitus, além do DM2. Somado a isso, é importante evidenciar que a qualidade do sono pode ser associada a diversos fatores, sendo os fatores ansiogênicos particularmente relevantes nesse contexto44. Dong D, Lou P, Wang J, Zhang P, Sun J, Chang G, et al. Interaction of sleep quality and anxiety on quality of life in individuals with type 2 diabetes mellitus. Health Qual Life Outcomes. 2020;18(1):150. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-020-01406-z
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.

A ansiedade é uma comorbidade comum em pessoas com DM e sua prevalência varia entre 26% a 31%1010. Mersha AG, Tollosa DN, Bagade T, Eftekhari P. A bidirectional relationship between diabetes mellitus and anxiety: a systematic review and meta-analysis. J Psychosom Res. 2022;162:110991. doi: https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2022.110991
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. As investigações científicas têm evidenciado de forma abrangente os efeitos da ansiedade e dos transtornos de ansiedade na qualidade do sono, porém os estudos têm utilizado medidas globais de ansiedade ou não tem diferenciado os componentes da ansiedade44. Dong D, Lou P, Wang J, Zhang P, Sun J, Chang G, et al. Interaction of sleep quality and anxiety on quality of life in individuals with type 2 diabetes mellitus. Health Qual Life Outcomes. 2020;18(1):150. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-020-01406-z
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. Uma lacuna de conhecimento ainda persiste quanto à necessidade de elucidar a distinção entre ansiedade como traço de personalidade estável, denominada de ansiedade traço, e situações transitórias e momentâneas desencadeadoras de ansiedade, denominada ansiedade estado1111. Biaggio AMB. A decade of research on state and trait anxiety in Brazil. In: Spielberger CD, Diaz-Guerrero R, editors. Cross-cultural anxiety. New York: Hemisphere Publishing Corporation; 1986. p. 113-28. doi: https://doi.org/10.4324/9781315825724-13
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, e seu impacto específico na qualidade do sono.

Em virtude das lacunas existentes apresentadas torna-se necessário compreender como a ansiedade traço e ansiedade estado podem afetar a qualidade do sono o que poderá fornecer importantes insights para o manejo integrado dessas condições pelos profissionais de saúde que realizam de forma longitudinal o acompanhamento dos pacientes com DM. Portanto, o objetivo do estudo foi analisar a qualidade do sono e a associação com a ansiedade traço e estado em pacientes com DM.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal e analítico, com abordagem quantitativa, realizado no Centro de Referência em Hipertensão e Diabetes (CRHD), localizado na cidade de Rio Verde - Goiás, Brasil. O CRHD é um centro de nível secundário, criado pela Prefeitura Municipal de Rio Verde em 2007, com a finalidade de oferecer atendimento especializado a indivíduos diagnosticados com hipertensão e diabetes que apresentem descompensação da doença, mesmo recebendo tratamento em Unidades Básicas de Saúde. O estudo foi realizado com base nas recomendações do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

A amostra do estudo foi constituída por 81 pacientes com DM. Para definição da amostra, foi utilizada a técnica de amostragem não-probabilística por conveniência, não havendo, portanto, a necessidade de calcular o tamanho da amostra. Realizou-se o cálculo do poder da amostra levando em consideração o tamanho da amostra (81 pacientes), o tamanho de efeito (d de Cohen = 0,60), o nível de significância (α = 0,05) e o poder desejado (0,80), resultando em um valor aproximado de 0,859. Isso significa que há uma probabilidade de 86% de detectar associação entre as variáveis de interesse, considerando o tamanho da amostra e a significância estatística adotada.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de janeiro e abril de 2022, por meio de entrevista realizada por um profissional de saúde treinado previamente na aplicação dos instrumentos utilizados. Os dados foram coletados em sala privativa no centro de referência após a participação dos pacientes na rotina de atendimento e as entrevistas duraram aproximadamente 45 minutos.

Os critérios de inclusão e exclusão utilizados no presente estudo foram extraídos do prontuário de saúde de cada paciente, seguindo as informações registradas pelo profissional de saúde no momento do diagnóstico do DM. Definiram-se como critérios de inclusão: pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, diagnosticados com diabetes mellitus de acordo com os critérios recomendados pela Sociedade Brasileira de Diabetes1212. Cobas R, Rodacki M, Giacaglia L, Calliari LEP, Noronha RM, Valeiro C, et al. Diagnóstico do diabetes e rastreamento do diabetes tipo 2. In: Bertoluci M, editor. Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes 2023. São Paulo: Sociedade Brasileira de Diabetes; 2023. doi: https://doi.org/10.29327/557753.2022-2
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. Foram excluídos pacientes com distúrbios do sono previamente diagnosticados antes do diagnóstico de DM, bem como aqueles com transtornos ansiosos e depressivos, e que estavam fazendo uso de qualquer medicamento psicotrópico. Além disso, foram excluídos os pacientes que estavam fazendo tratamento para o distúrbio do sono. A utilização dos critérios de exclusão mencionados se justifica pelo objetivo de analisar especificamente pacientes que não apresentavam diagnóstico prévio de transtornos depressivos e ansiosos, uma vez que essas condições podem influenciar na qualidade do sono.

Para obtenção dos dados utilizou-se três instrumentos. Um questionário elaborado pelos autores, com 13 questões contendo as informações sociodemográficas (idade, sexo, estado civil, ocupação e escolaridade);variáveis clínicas (tipo e tempo de DM, glicemia capilar);variáveis comportamentais(uso de tabaco, álcool e atividade física). A glicemia capilar do paciente foi obtida por meio do autorrelato do exame realizado pelo paciente no dia da entrevista.

Os demais instrumentos foram o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI)1313. Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo ICS, Barba MEF, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12(1):70-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.sleep.2010.04.020
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, para avaliar a qualidade do sono e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE)1111. Biaggio AMB. A decade of research on state and trait anxiety in Brazil. In: Spielberger CD, Diaz-Guerrero R, editors. Cross-cultural anxiety. New York: Hemisphere Publishing Corporation; 1986. p. 113-28. doi: https://doi.org/10.4324/9781315825724-13
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para avaliar a ansiedade.

O PSQI é um questionário de autorrelato composto por 19 itens que avaliam a qualidade do sono e o grau de dificuldade do sono no último mês. O instrumento é graduado em uma escala tipo Likert de 4 pontos, com variação de 0 a 3 e contém sete componentes que são avaliados: qualidade do sono, latência do sono, duração do sono, eficiência do sono, distúrbios do sono, uso de medicação para dormir e disfunção diurna. A pontuação total do PSQI é determinada pela soma dos componentes e varia de 0 a 21 pontos, com pontuações mais altas sugerindo pior qualidade do sono1313. Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo ICS, Barba MEF, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12(1):70-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.sleep.2010.04.020
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.

Para categorizar a qualidade do sono, foram utilizadas as especificações propostas pelos autores que desenvolveram o instrumento, os quais estabeleceram que uma pontuação global igual ou superior a 6 no PSQI (PSQI ≥ 6) possui uma sensibilidade diagnóstica de 89,6% e especificidade de 86,5% na diferenciação entre indivíduos com boa ou má qualidade de sono1414. Buysse DJ, Reynolds CF, Monk TH, Berman SR, Kupfer DJ. The Pittsburgh sleep quality index: a new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatry Res. 1989;28(2):193-213. doi: https://doi.org/10.1016/0165-1781(89)90047-4
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. Este ponto de corte tem sido adotado em estudos recentes realizados no contexto brasileiro para definir a qualidade do sono1515. Drager LF, Pachito DV, Morihisa R, Carvalho P, Lobao A, Poyares D. Sleep quality in the Brazilian general population: a cross-sectional study. SleepEpidemiol. 2022;2:100020. doi: https://doi.org/10.1016/j.sleepe.2022.100020
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,1616. Peixoto KO, Resende CMBM, Almeida EO, Almeida-Leite CM, Conti PCR, Barbosa GAS, et al. Association of sleep quality and psychological aspects with reports of bruxism and TMD in Brazilian dentists during the COVID-19 pandemic. J Appl Oral Sci. 2021;29:e20201089. doi: https://doi.org/10.1590/1678-7757-2020-1089
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. A confiabilidade do PSQI foi avaliada por meio de teste de alfa de Cronbach (α) e do coeficiente ômega de McDonalds (ω), e os resultados indicaram uma consistência interna satisfatória do instrumento (α = 0,669; ω = 0,728). Essas análises de confiabilidade são importantes para garantir que o PSQI possa ser utilizado como um instrumento válido e confiável para avaliar a qualidade do sono em pesquisas e práticas clínicas.

O Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) é um instrumento de avaliação psicológica que permite mensurar de forma quantitativa os sintomas relacionados à ansiedade traço e ansiedade estado, sendo validado e adaptado para o português desde 19901111. Biaggio AMB. A decade of research on state and trait anxiety in Brazil. In: Spielberger CD, Diaz-Guerrero R, editors. Cross-cultural anxiety. New York: Hemisphere Publishing Corporation; 1986. p. 113-28. doi: https://doi.org/10.4324/9781315825724-13
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.

O IDATE é composto por 40 questões divididas em dois grupos - IDATE estado e IDATE traço. A subescala IDATE estado é composta por 20 afirmações e mensura o estado-ansiedade, ou seja, a condição temporária de ansiedade referida em situações agudas e específicas. A subescala IDATE traço também é composta por 20 questões e avalia como o paciente se sente em um contexto mais amplo, nesse sentido o instrumento avalia um padrão mais estável e usual da ansiedade ao longo da vida. A pontuação do instrumento é obtida por meio de uma escala Likert com respostas variando de 1 (quase nunca) a 4 (quase sempre). O resultado final de cada uma das subescalas varia de 20 a 80 pontos, sendo que quanto maior a pontuação em cada subescala, maior é a presença de sintomas de ansiedade traço e estado. Os resultados da subescala estado e traço de ansiedade foram analisados separadamente, e os coeficientes de consistência interna obtidos foram α = 0,723 e ω = 0,786 para a subescala estado, e α = 0,748 e ω = 0,785 para a subescala traço. Os resultados dessas análises indicaram que o instrumento IDATE apresentou uma consistência interna satisfatória para ambas as subescalas1111. Biaggio AMB. A decade of research on state and trait anxiety in Brazil. In: Spielberger CD, Diaz-Guerrero R, editors. Cross-cultural anxiety. New York: Hemisphere Publishing Corporation; 1986. p. 113-28. doi: https://doi.org/10.4324/9781315825724-13
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.

Os resultados deste estudo foram apresentados por meio de análises descritivas, onde a frequência absoluta (n) e relativa (%) foram utilizadas para caracterizar a amostra. Para investigar a existência de associação significativa entre a qualidade do sono e as variáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais, foram realizados testes de qui-quadrado ou testes exatos de Fisher.

A distribuição dos dados foi avaliada pelo teste Shapiro-Wilk e como os dados apresentaram distribuição normal, os resultados foram apresentados por meio de média e desvio padrão, além de que o teste t de Student para amostras independentes foi utilizado para investigar as diferenças nos níveis de ansiedade traço e estado entre os grupos de pacientes diabéticos, de acordo com a classificação da qualidade do sono. O tamanho do efeito das diferenças entre as médias foi avaliado pela estatística do d de Cohen e o tamanho de efeito das associações foram avaliados pela estatística V de Cramér, onde foram considerados efeitos irrisórios (≥ -0,20 e < 0,20), pequenos (≥ 0,21 e < 0,39), médios (≥ 0,40 e < 0,79) e altos (≥ 0,80)1717. Durlak JA. How to select, calculate, and interpret effect sizes. J PediatrPsychol. 2009;34(9):917-28. doi: https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsp004
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. Para complementar a análise dos níveis de ansiedade em pacientes diabéticos em relação à qualidade do sono, foram apresentados graficamente os resultados das médias das subescalas do IDATE por meio de gráficos de Raincloud. O objetivo foi apresentar a distribuição dos níveis de ansiedade entre os pacientes de acordo com a classificação da qualidade do sono.

Foi realizada uma análise de regressão logística multivariada (método enter) para verificar em que medida a qualidade do sono poderia ser prevista pelos níveis de ansiedade traço e estado. Os pressupostos da regressão logística multivariada foram avaliados pelos valores do fator de inflação da variância (VIF) e tolerância iguais a 1,17 e 0,852, respectivamente. As análises foram realizadas pelo programa estatístico JASP versão 16.1 e foram considerados significativos valores de p < 0,05.

O estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Rio Verde, sob CAAE: 29777520.6.0000.5077 e número do parecer: 4.708.420.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi constituída por 81 pacientes com idade média de 58 anos (±12,4), dos quais 60,5% eram do sexo feminino, 50,6% não tinham companheiro (a), 59,3% não exercia atividade remunerada e 56,8% tinham ensino fundamental incompleto/completo. Em relação à diabetes, 91,4% eram pacientes com diabetes tipo 2, 59,3% foram diagnosticados nos últimos 10 anos e a glicemia capilar apresentou valor médio de 142 (±31,2), além disso, 60,5% relataram diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica. Em relação aos comportamentos de saúde 86,4% relataram não usar tabaco, 91,4% não eram etilistas e 80,2% não praticavam atividade física (Tabela 1).

Tabela 1 -
Características sociodemográficas, clínicas e comportamentais dos pacientes com diabetes mellitus. Rio Verde, Goiás, Brasil, 2022

A Tabela 2 mostra os resultados das variáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais dos pacientes com DM de acordo com a qualidade do sono. Dos 81(100%) dos pacientes com DM, 35,8% (IC95% = 24,7 - 45,7) apresentaram boa qualidade do sono, enquanto 64,2% (IC95% = 54,3 - 75,3) apresentaram qualidade de sono ruim de acordo com o PSQI. Não houve associação significativa entre a qualidade do sono e as variáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais.

Tabela 2 -
Distribuição das características sociodemográficas, clínicas e comportamentais em pacientes com diabetes mellitus de acordo com a qualidade do sono. Rio Verde, Goiás, Brasil, 2022

Foram realizadas análises do teste t de Student para comparar as médias dos níveis de ansiedade traço e estado dos pacientes diabéticos de acordo com a classificação da qualidade do sono. Em relação à ansiedade traço, a média do escore para os participantes classificados como boa qualidade do sono foi de 43,82 (± 7,23) e para os pacientes com qualidade do sono ruim foi 49,07 (±7,14), resultando em diferença significativa entre os grupos (t (79) = -3,158; p = 0,002) e o tamanho de efeito da diferença entre as médias foi médio (d de Cohen = 0,732) (Tabela 3). Os resultados mostram que apesar de apresentar diferenças nos escores de ansiedade estado (48 ±9,10 vs. 51,61 ±7,27) essa diferença não foi significativa, no entanto, o tamanho de efeito apresentado entre as diferenças também foi médio, mas menos substancial (d de Cohen = 0,453). A distribuição dos participantes conforme os escores de ansiedade traço e estado foram representados na Figura 1.

Tabela 3-
Avaliação da ansiedade traço e estado de acordo com a classificação da qualidade do sono de pacientes com diabetes mellitus. Rio Verde, Goiás, Brasil, 2022

Figura 1 -
Distribuição dos escores de ansiedade traço e estado conforme qualidade do sono dos pacientes com diabetes mellitus. Rio Verde, Goiás, Brasil, 2021

Análises de regressão logística multivariada foram utilizadas para investigar se os níveis de ansiedade traço e estado foram preditores da qualidade do sono. Observou-se que a ansiedade associou significativamente com a qualidade do sono (OR = 1,10; IC = 1,01 - 1,19; p = 0,018), sugerindo que a cada aumento de uma unidade no escore de ansiedade traço, a chance de qualidade do sono ruim aumenta em 1,10 vezes. Por outro lado, a ansiedade estado não apresentou associação com a qualidade do sono (p = 0,524) (Tabela 4). O modelo foi estatisticamente significativo [χ2(2) = 10,232, p = 0,006; Nagelkerke R2 = 0,163].

Tabela 4 -
Análise de regressão logística multivariada de ansiedade estado e traço como preditores da qualidade do sono ruim em pacientes diabéticos. Rio Verde, Goiás, Brasil, 2022

DISCUSSÃO

O presente estudo mostrou que a ansiedade traço foi um preditor significativo da qualidade do sono, o que sugere que a cada aumento de uma unidade no escore de ansiedade traço, a chance de qualidade do sono ruim aumenta em 1,10 vezes. Cabe ressaltar que este é um dos primeiros estudos a avaliar a associação entre essas duas variáveis em pacientes com DM no contexto brasileiro. Os resultados do estudo indicaram que não houve diferença significativa na ansiedade estado, quando comparado os grupos de pacientes com qualidade de sono boa e ruim, e esta não foi um preditor significativo da qualidade do sono ruim em pacientes com DM. No entanto, observou-se uma associação significativa entre a ansiedade traço e a qualidade do sono ruim nesta população.

Ao analisar a qualidade do sono obteve-se que dos 81 pacientes com DM, a maioria apresentou má qualidade do sono. Esse resultado é consistente com estudos que utilizaram o PSQI e ponto de corte para avaliação da qualidade do sono ruim. Estudos conduzidos no Brasil também têm relatado altas prevalências de má qualidade do sono em diferentes grupos populacionais, como na população geral1515. Drager LF, Pachito DV, Morihisa R, Carvalho P, Lobao A, Poyares D. Sleep quality in the Brazilian general population: a cross-sectional study. SleepEpidemiol. 2022;2:100020. doi: https://doi.org/10.1016/j.sleepe.2022.100020
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, em cirurgiões dentistas1616. Peixoto KO, Resende CMBM, Almeida EO, Almeida-Leite CM, Conti PCR, Barbosa GAS, et al. Association of sleep quality and psychological aspects with reports of bruxism and TMD in Brazilian dentists during the COVID-19 pandemic. J Appl Oral Sci. 2021;29:e20201089. doi: https://doi.org/10.1590/1678-7757-2020-1089
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e em estudantes universitários1818. Araújo MFM de, Lima ACS, Araújo TM de, Veras VS, Zanetti ML, Damasceno MMC. Association of sociodemografic factors and sleep quality in brazilian university students. Texto Contexto - Enferm. 2014;23(1):176-84. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-07072014000100021
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.

Considerando o contexto da pesquisa sobre qualidade do sono em pacientes com diabetes mellitus, é possível verificar a existência de estudos internacionais que utilizaram a mesma metodologia (PSQI ≥ 6) para avaliar a qualidade do sono nesta população. Dentre esses estudos, um com pacientes com diabetes tipo 1 identificou que 59,8% tiveram qualidade do sono ruim1919. Suteau V, Saulnier PJ, Wargny M, Gonder-Frederick L, Gand E, Chaillous L, et al. Association between sleep disturbances, fear of hypoglycemia and psychological well-being in adults with type 1 diabetes mellitus, data from cross-sectional VARDIA study. Diabetes Res ClinPract. 2020;160:107988. doi: https://doi.org/10.1016/j.diabres.2019.107988
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, enquanto outros estudos com pacientes com diabetes tipo 2 encontraram prevalências de má qualidade do sono variando de 50,7% a 55,6%88. Zewdu D, Gedamu H, Beyene Y, Tadesse M, Tamirat M, Muluken S. Sleep quality and associated factors among type 2 Dm patients and non-Dm individuals in Bahir Dar governmental hospitals: comparative cross-sectional study. Sleep Sci Pract. 2022;6(1):10. doi: https://doi.org/10.1186/s41606-022-00079-5
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,2020. Jemere T, Mossie A, Berhanu H, Yeshaw Y. Poor sleep quality and its predictors among type 2 diabetes mellitus patients attending Jimma University Medical Center, Jimma, Ethiopia. BMC Res Notes. 2019;12(1):488. doi: https://doi.org/10.1186/s13104-019-4531-6
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. Ao comparar esses resultados com os do presente estudo, verifica-se que a prevalência de má qualidade do sono é ainda maior, o que reforça a problemática envolvendo a qualidade do sono em pacientes com diabetes. No contexto brasileiro, a escassez de estudos robustos e confiáveis sobre o tema é evidente, mas um estudo realizado no Paraná com pacientes diabéticos tipo 2 encontrou uma prevalência de 64,9% de má qualidade do sono2121. Rossi GRE, Kluthcovsky ACGC, Schrut GCA, Lima DVG, Oliveira MG. Avaliação da qualidade do sono e fatores associados em pacientes diabéticos tipo 2. Mundo Saúde. 2017;41(03):350-8. doi: https://doi.org/10.15343/0104-7809.20174103350358
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, enquanto outro estudo identificou uma prevalência de 53,3% de má qualidade do sono2222. Khalil M, Power N, Graham E, Deschênes SS, Schmitz N. The association between sleep and diabetes outcomes - a systematic review. Diabetes Res Clin Pract . 2020;161:108035. doi: https://doi.org/10.1016/j.diabres.2020.108035
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, semelhante à encontrada no presente estudo.

A elevada prevalência de má qualidade do sono em pacientes com DM pode ser atribuída a diversos fatores, incluindo complicações decorrentes da própria doença. Dentre essas complicações a neuropatia diabética e a nictúria foram identificadas como importantes fatores influenciadores da qualidade do sono em pacientes diabéticos2323. Choi D, Kim BY, Jung CH, Kim CH, Kang SK, Mok JO. Diabetic complications associated with poor sleep quality in type 2 diabetes. Diabetes. 2018;67( 1 Suplement):820-P. doi: https://doi.org/10.2337/db18-820-P
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. Somado a essa problemática é reconhecido que a qualidade do sono pode desempenhar um papel importante no que diz respeito ao controle glicêmico em pessoas com DM, sendo que estudos recentes de revisão sistemática e metanálises evidenciaram que durações de sono curtas e longas foram associadas significativamente a níveis mais altos de hemoglobina glicada e glicose plasmática em jejum77. Azharuddin M, Kapur P, Adil M, Ghosh P, Sharma M. The impact of sleep duration and sleep quality on glycaemic control in Asian population with type 2 diabetes mellitus: a systematic literature review and meta-analysis of observational studies. Clin Epidemiol Glob Health. 2020;8(3):967-75. doi: https://doi.org/10.1016/j.cegh.2020.03.006
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,2424. Simental Oliva IC, Baez Hernández FJ, Nava Navarro V, Flores Merlo M, Morales Nieto A, Zenteno López MA. Relación de la calidad de sueño, adherencia al tratamiento, hemoglobina glucosilada en mujeres con diabetes. Rev Cuid Cuidarte. 2022;13(1):1-12. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.1996
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.

É importante ressaltar que estudos recentes têm destacado a bidirecionalidade existente entre distúrbios do sono e ansiedade, visto que a ansiedade pode predizer o distúrbio do sono e vice-versa2525. Joensen LE, Madsen KP, Holm L, Nielsen KA, Rod MH, Petersen AA, Rod NH, Willaing I. Diabetes and COVID-19: psychosocial consequences of the COVID-19 pandemic in people with diabetes in Denmark-what characterizes people with high levels of COVID-19-related worries? Diabet Med . 2020;37(7):1146-54. doi: https://doi.org/10.1111/dme.14319
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. Nesse sentido, a literatura tem demonstrado que elevados níveis de ansiedade e qualidade do sono ruim têm efeito combinado no controle glicêmico e consequentemente diminui a qualidade de vida de pessoas com DM44. Dong D, Lou P, Wang J, Zhang P, Sun J, Chang G, et al. Interaction of sleep quality and anxiety on quality of life in individuals with type 2 diabetes mellitus. Health Qual Life Outcomes. 2020;18(1):150. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-020-01406-z
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.

A não associação observada entre o estado de ansiedade e a qualidade do sono dos pacientes pode ser explicada pelo fato de que uma das características centrais da qualidade do sono é o padrão de sono e este é determinado com base em um período relativamente longo.Já a ansiedade estado é uma característica transitória, o que pode levar a uma menor associação com a qualidade do sono avaliada pelo questionário PSQI. Semelhante ao encontrado em nosso estudo, uma pesquisa realizada no Irã demonstrou que a ansiedade traço teve maior associação com a qualidade do sono do que a ansiedade estado2626. Bavafa A, Foroughi AA, Khaledi-Paveh B, Taheri AA, Fehrest F, Amiri S. The comparison of effects of state and trait anxiety on the components of sleep quality. J Sleep Sci. 2018 [cited 2023 Jun 10];3(3-4):95-101. Available from: https://jss.tums.ac.ir/index.php/jss/article/view/113
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.

O aumento do escore de ansiedade traço foi associado a uma maior probabilidade de ter uma qualidade de sono ruim. Este resultado apresenta uma concordância com as descobertas de um estudo prévio que havia constatado uma correlação entre o aumento da ansiedade traço e a diminuição na qualidade do sono por meio de maior dificuldade em despertar após o período de sono e um agravamento nas dificuldades de comportamento após o acordar2727. Weeks P, Hayley A, Stough C. Do individual differences in state and trait anxiety predict sleep difficulties in healthy older adults? Personal Individ Differ. 2019;144:141-6. doi: http://doi.org/10.1016/j.paid.2019.03.004
http://doi.org/10.1016/j.paid.2019.03.00...
. Os resultados do presente estudo sugerem que a cronicidade da ansiedade traço tem um efeito mais prejudicial sobre o sono e pode ser explicado por um estudo que evidenciou uma relação significativa entre ansiedade traço e hiperestimulação, em que os componentes autonômicos (ativação cerebral) correspondem ao nível de ansiedade traço e um aumento desse constructo durante a vigília indicava hiperativação cerebral durante o sono2828. Li M, Wang N, Dupre ME. Association between the self-reported duration and quality of sleep and cognitive function among middle-aged and older adults in China. J Affect Disord. 2022;304:20-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.jad.2022.02.039
https://doi.org/10.1016/j.jad.2022.02.03...
. Dessa forma, o estudo atual fornece evidências adicionais de que a ansiedade traço é um fator significativo na determinação da qualidade do sono em indivíduos com DM.

A presente pesquisa contribui para o entendimento da relação entre ansiedade traço e estado e a qualidade do sono em pacientes com DM. Dessa forma, é importante que profissionais de saúde, principalmente as equipes de enfermagem, utilizem estratégias de rastreamento e avaliação da ansiedade e da qualidade do sono durante o acompanhamento clínico dos pacientes com DM. Além disso, os serviços de saúde que realizam o atendimento longitudinal de pacientes com DM devem considerar a inclusão de tratamentos comportamentais e farmacológicos eficazes para a diminuição dos níveis de ansiedade e melhora da qualidade do sono. Entre as opções terapêuticas de baixa densidade que podem ser implementadas na rotina dos cuidados de saúde para pacientes com DM, as práticas baseadas em mindfulness demonstraram evidências na redução dos níveis de ansiedade2929. Gherardi-Donato ECS, Díaz-Serrano KV, Barbosa MR, Fernandes MNF, Gonçalves-Ferri WA, Camargo Júnior EB, et al. The impact of an online mindfulness-based practice program on the mental health of Brazilian nurses during the COVID-19 pandemic. Int J Environ Res Public Health . 2023;20(4):3666. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph20043666
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e melhoria da qualidade do sono3030. Rusch HL, Rosario M, Levison LM, Olivera A, Livingston WS, Wu T, et al. The effect of mindfulness meditation on sleep quality: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Ann N Y Acad Sci. 2019;1445(1):5-16. doi: https://doi.org/10.1111/nyas.13996
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. Portanto, é necessário a implementação de práticas assistencialistas focadas na ansiedade e no sono com o objetivo de contribuir com a qualidade de vida de pessoas com DM.

O estudo em questão apresenta limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Uma das principais limitações é o tamanho da amostra, porém quando se considera o poder desejado com o tamanho do efeito e o nível de significância a probabilidade de associação entre as variáveis foi satisfatória. Além disso, embora tenham sido utilizados instrumentos validados e confiáveis para a avaliação da qualidade do sono e ansiedade, as medidas foram baseadas em relatos dos próprios participantes e não constituem diagnósticos clínicos de transtornos de ansiedade ou má qualidade do sono. Por fim, outra limitação importante do presente trabalho refere-se a perspectiva de que pacientes com outros quadros patológicos que ocasionam problemas no sono e aqueles que não estavam fazendo uso de psicotrópico podem ter sido incluídos na pesquisa.

CONCLUSÃO

A pesquisa evidenciou uma alta prevalência de má qualidade do sono em pacientes com DM e apontou associação entre os níveis de ansiedade traço e piora nos índices de qualidade do sono. Tendo em vista esses achados, a identificação precoce e o tratamento adequado desses sintomas são fundamentais para a saúde física e mental dos pacientes diabéticos.

Em virtude da importância dos níveis de ansiedade e qualidade do sono na saúde mental e física, especialmente em pacientes com DM esse estudo visa aprofundar a compreensão sobre esses fatores e suas interações. Espera-se que os resultados do presente estudo possam orientar o desenvolvimento de estratégias de intervenção e prevenção eficazes personalizadas que não apenas trate às questões físicas relacionadas ao DM, mas também contemplem de forma abrangente os fatores relacionados à saúde mental que podem influenciar o bem-estar desses pacientes. Nesse sentido, torna-se imprescindível que os profissionais de saúde possam abordar especificamente os distúrbios do sono e ansiedade durante o planejamento da sistematização da assistência para os pacientes com DM por meio de uma abordagem multidisciplinar.

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Editado por

Editor associado:

Gabriella de Andrade Boska

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2023
  • Aceito
    21 Set 2023
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