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Busca e inflação

Search and inflation

RESUMO

Para entender os aspectos macroeconômicos da inflação, é necessário investigar o que acontece no nível microeconômico. A inflação afeta substancialmente a interação microeconômica entre empresas e consumidores. As empresas escolhem regras de preços que afetam a pesquisa dos consumidores. A pesquisa é realizada nas empresas e no tempo. A teoria não fornece uma resposta clara ao efeito da inflação no bem-estar. Por um lado, devido aos custos de ajuste, uma inflação mais alta está associada a uma maior dispersão de preços, tornando a busca mais atraente. Por outro lado, deteriora o conteúdo de informações dos preços, reduzindo a capacidade dos consumidores de aproveitar a pesquisa. Este artigo examina as contribuições muito recentes para esse campo. Argumenta que, embora possamos obter informações importantes desses artigos, nenhum deles fornece uma resposta satisfatória à pergunta que intriga os macroeconomistas há mais de duas décadas: como explicar os custos sociais da inflação?

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; determinação de preços; busca

ABSTRACT

To understand the macroeconomic aspects of inflation, it is necessary to investigate what happens ai the microeconomic level. Inflation affects microeconomic interaction between firms and consumers in a substantial way. Firms choose pricing rules that affect consumer’s search. The search is realized across firms and through time. The theory does not provide a clear answer to the effect of inflation on welfare. On one hand, because of adjustment costs, a higher inflation is associated with a higher dispersion of prices, making search more attractive. On the other hand, it deteriorates the information content of prices, reducing the ability of consumers of taking advantage of search. This article surveys the very recent contributions to this field. It argues that although we can get important insights from those articles, none of them provide a satisfactory answer to the question that has puzzled macroeconomists for more than two decades: how to explain the social costs of inflation?

KEYWORDS:
Inflation; price determination; search

1. INTRODUÇÃO

Como seria de esperar, a produção teórica acerca das causas da inflação é bastante conhecida no Brasil. O que surpreende é que a produção teórica recente que tenta desvendar como a inflação afeta a interação dos agentes em nível microeconômico seja praticamente ignorada num país de inflação crônica. Essa literatura é importante porque o processo inflacionário não é neutro em nível microeconômico, isto é, diferentes níveis de inflação têm consequências diferentes sobre o comportamento dos agentes econômicos, afetando o poder de monopólio das firmas e o bem-estar social. Além disso, o entendimento das causas da inflação não está dissociado do conhecimento de como ela afeta a interação microeconômica entre os agentes.

Este artigo visa contribuir para o entendimento da interação entre a teoria da busca, regras de preço e inflação à luz da literatura econômica recente. A abordagem se baseia na interação entre dois lados: o da oferta-que inclui a escolha de regras de preço ótimas pelas firmas - e o da demanda - que se refere a como os consumidores, observando o comportamento dos preços de cada firma e do conjunto de firmas, agem no sentido de tirar o melhor proveito possível desse ambiente.

O artigo está organizado da seguinte forma. A escolha ótima de regras de preço é abordada brevemente na segunda seção, e a terceira relata como o consumidor pode tirar proveito do ambiente propiciado portais regras. A quarta seção aborda a literatura recente que trata das consequências da inflação que, ao afetar a interação entre a fixação de preços pelas firmas e o processo de busca pelos consumidores, têm efeito sobre o poder de monopólio das firmas e o bem-estar social. Os comentários finais são apresentados na quinta seção.

2. O LADO DA OFERTA: CUSTOS DE MENU E REGRAS DE PREÇO COM AJUSTAMENTO DESCONTÍNUO

Mesmo em economias com inflação alta, como a brasileira, em que o nível geral de preços está aumentando continuamente, o preço nominal de cada produto fica constante por um período de tempo e depois recebe um reajuste significativo, enquanto obviamente o preço ótimo da firma sobe de forma mais contínua. O que explica esse fato é a existência de custos de ajustamento. A justificativa da rigidez de preços em nível individual pela existência de custos de ajustamento é uma peça importante da teoria dos novos keynesianos. Quando esse custo de ajustamento é um custo de mudar preços no sentido estrito (por exemplo, não incluindo o custo de obter informação ou efetuar cálculos do novo preço ótimo), é referido como custo de menu ou etiquetagem. Obviamente, inclui mais que o custo físico de imprimir novas listas de preços ou colocar novas etiquetas, mas existem trabalhos demonstrando que, mesmo que sejam muito pequenos, podem ser suficientes para que a firma mantenha seu preço nominal fixo por um tempo significativo. V., por exemplo, Akerlof e Yellen (1985AKERLOF, G. e J. Yellen (1985) “A near-rational model of the business cycle, with wage and price inertia”. Quarterly Journal of Economics, 100 supplement: 823- 838; reproduzido em G. Mankiw e D. Romer, eds. (1991) New Keynesian Economics, Ch.2, MIT Press.), Mankiw (1985MANKIW, G. (1985). “Small menu costs and large business cycles: a macroeconomic model of monopoly”. Quarterly Journal of Economics , no. 100: 529-539; reproduzido em G. Mankiw e D. Romer, eds. (1991) New Keynesian Economics, MIT Press.) e Dixit (1991DIXIT, A. (1991). “Analytical approximations in models of hysteresis”. Review of Economic Studies , no. 58: 141-152.).

Sheshinsky e Weiss (1977SHESHINSKY, E. e Y. Weiss (1977). “Inflation and the cost of price adjustment”. Review of Economic Studies , no. 44: 287-303.) derivaram a regra de preço ótima de um monopolista que se confronta com inflação constante e custos de menu.1 1 Sheshinsky e Weiss (1983) supõem uma inflação estocástica com preços não decrescentes e obtêm a regra Ss como política ótima de preços do monopolista. A regra ótima, representada na Figura 1, é do tipo Ss, ou seja, a firma mantém o preço nominal fixo, enquanto o preço real cai até atingir o nível mínimos. Então o preço nominal é reajustado de forma a restabelecera pico de preço real S e reiniciar um novo ciclo. Quanto maior a inflação, mais frequentes os reajustes e maior a razão entre S e s. É importante notar que o aumento da frequência de reajustes não é grande o suficiente para impedir que a razão entre S e s aumente. Tais resultados teóricos são observados na prática. Um país de inflação baixa dificilmente tem defasagens da ordem que apresenta o Brasil - onde os preços ficam 20% defasados e depois dão um salto grande. Portanto, com inflação alta, a diferença se torna exagerada, com consequências sobre o lado da demanda porque o consumidor tem oportunidade de explorar a diferença entre o preço de pico e o de vale.

FIGURA 1
Regra de preço Ss

3. O LADO DA DEMANDA: BUSCA INSTANTÂNEA ATRAVÉS DAS FIRMAS E BUSCA INTERTEMPORAL

Do lado do consumidor, isso não se faz sem custo. A visita a várias firmas ou a visita repetida à mesma firma envolve o que se chama de custo de busca. Ao observar um preço, o consumidor decidirá se vale a pena continuar a busca ou comprar. A compra é realizada se o preço encontrado é baixo o suficiente de forma a tornar o ganho esperado de continuar a busca - dado pela redução esperada no preço encontrado - inferior ao custo de busca.

Por motivos didáticos, caracterizamos dois processos distintos pelos quais o consumidor pode tentar obter ganhos com a diferença entre o preço mais alto (pico) e o mais baixo (vale):

  1. O primeiro se dá quando o consumidor, ao visitar uma firma, decide de acordo com o preço encontrado entre comprar e visitar outra firma no mesmo instante. É o que podemos chamar de busca instantânea através das firmas. Ele faz isso porque, normalmente, os preços das firmas não estão sincronizados - uma pode ter seu preço no pico, enquanto o de outra se encontra no vale. Então o consumidor pode explorar a diferença de preços entre elas num mesmo instante de tempo.

  2. O segundo processo consiste em explorar essa diferença através do tempo. Se o consumidor encontrar um preço muito alto, pode resolver voltar mais tarde à mesma firma, porque seu preço, que agora pode estar próximo ao pico, estará no vale mais tarde. Então o consumidor volta para tentar encontrar a firma com preço próximo ao vale.2 2 Se o consumidor consome o bem todo o período e procura estabelecer uma relação de longo prazo com uma firma de quem passará a comprar todo o período, seu problema pode ser inferir o preço médio dessa firma a partir do preço observado. V. seção 4.2.2. Podemos chamar esse processo de busca intertemporal.

A realidade contém elementos dos dois processos, porque o próprio ato de buscar leva tempo, e é comum em países de inflação alta o engajamento de consumidores em buscas através do tempo e através das firmas.

Por outro lado, as firmas, conscientes das decisões de busca dos consumidores, escolhem suas regras de preços de forma a obter o maior lucro possível. Por exemplo, não é boa política para uma firma monopolista que vende bens de consumo duráveis anunciar que vai ajustar seu preço nominal todo dia 19. Porque, nesse caso, os consumidores vão esperar até o dia 18 para comprar, quando o preço real da firma estará no vale. Portanto, a tendência é que ela venda muito mais a preços próximos ao vale. Dessa forma, as firmas têm um incentivo para despistar os consumidores, podendo-se observar que isso frequentemente acontece.3 3 É comum que os comerciantes se neguem a revelar a data de aumento dos preços. Mais que isso: muitos deles tentam induzir o potencial comprador a acreditar que teve sorte no timing porque haverá um aumento em breve, ou seja, que o cobrado naquele momento é o menor preço real do ciclo. Bénabou (1989BÉNABOU, R. (1989). “Optimal price dynamics and speculation with a storable good”, Econométrica, n. 57: 41-80.) formaliza essa ideia em um modelo onde a regra de preços ótima é estocástica: o período decorrido entre reajustes é uma variável aleatória.

No caso de bens não estocáveis e de consumo diário, como o pão, leite, transportes, a procura é entre firmas. Como todas as firmas percorrem o ciclo Ss, interessa aos consumidores comprar de firmas que estejam com preço perto de s.4 4 Supomos aqui firmas idênticas. Caso as firmas sejam heterogêneas em termos de custo (e, consequentemente, de preço médio) e comprar a cada período de uma firma envolva um custo de transação muito alto, o problema do consumidor pode ser inferir o preço médio com o fim de estabelecer uma relação de clientela. Mas as firmas têm um incentivo a se coordenar de forma a evitar que os consumidores só comprem das que estejam com o preço perto do vale. Se as várias firmas percorrem o ciclo simultaneamente e os consumidores têm necessidade de consumir o produto diariamente, estes não têm como evitar de comprá-lo também a um preço próximo ao de pico. Essa coordenação acontece frequentemente na prática. As firmas se coordenam reajustando os preços ao mesmo tempo, para anular o poder de barganha que a possibilidade de busca oferece ao consumidor.

Em suma, qualquer que seja a característica do bem de consumo, a análise de seu mercado sob condições de inflação deve levarem consideração a existência de fricções tanto sobre o lado da oferta (custos de ajustar preços) quanto sobre a demanda (custos de busca). É possível então investigar o efeito da inflação sobre a interação entre consumidores que buscam e firmas (price setters) que determinam otimamente suas regras de preços. Grosso modo, a existência de custos de ajustamento faz com que a inflação afete as diferenças entre o pico e o vale, mudando o ambiente e o incentivo à busca, com consequências sobre o poder de mercado das firmas e o bem-estar social.

4. A LITERATURA RECENTE SOBRE INFLAÇÃO E BEM-ESTAR SOCIAL

Nesta seção relatamos alguns resultados de análise do bem-estar social com base no tipo de interação supracitada entre consumidores e firmas. A seção está dividida em duas partes. Na primeira descrevemos um modelo em que o nível de inflação não interfere diretamente na transmissão de informação ao consumidor. Nesse caso a inflação beneficia o consumidor. Na segunda subseção descrevemos modelos onde a introdução de perda de informação com a inflação é capaz de reverter esse resultado.

4.1 Busca instantânea através das firmas e inflação previsível

Bénabou (1988BÉNABOU, R. (1988). “Search, price setting and inflation”, Review of Economic Studies, no. 55: 353-373.)5 5 Em Bénabou (1988) os consumidores são homogêneos. Como consequência, não existe busca em equilíbrio porque, sendo o preço que mantém um consumidor indiferente entre buscar e comprar imediatamente o mesmo para todos os consumidores, se alguma firma cobrar mais que esse preço não vende para ninguém. Se cobrar menos, vende para todos os consumidores que a visitarem. Em Bénabou (1992), os consumidores são heterogêneos e, portanto, existe busca e recursos gastos nessa atividade. Com maior inflação, mais recursos são gastos na busca e o resultado sobre o bem-estar social é ambíguo. analisa a interação entre consumidores que realizam sua busca entre as firmas no mesmo instante e firmas que têm custo de menu. Devido a esse custo, um nível maior de inflação aumenta a razão entre o preço real de pico e o de vale. A maior dispersão dos preços das firmas num dado instante faz da busca uma atividade mais rentável, no sentido de que aumenta o ganho esperado com a atividade de busca. Reduz-se, portanto, o preço real máximo ao qual o consumidor está disposto a comprar o produto. Os produtores então perdem poder de barganha e reduzem seus preços em termos reais, aumentando consequentemente o bem-estar dos consumidores. Em suma, o nível de inflação estaria positivamente correlacionado com o bem-estar dos consumidores e negativamente correlacionado com o poder de monopólio das firmas.6 6 No modelo de Bénabou (1988), o bem-estar social aumenta porque os lucros são sempre zero. A redução do número de firmas reduz o custo fixo por unidade produzida, e essa redução de custo é integralmente repassada para o preço.

4.2 Inflação e informação

Esse resultado causou uma certa insatisfação em economistas que consideram que os sinais das correlações são opostos aos derivados, ou seja, que uma maior inflação tende a aumentar o poder de mercado das firmas e, consequentemente, a reduzir o bem-estar do consumidor. Essa relação pode se obter a partir de modelos em que um preço observado traz informação sobre o preço que o consumidor pode encontrar numa nova busca. Tal informação é imperfeita e a inflação interfere em sua transmissão, o que pode ocorrer através de vários mecanismos, dois dos quais descrevemos aqui.

4.2.1 Busca instantânea através das firmas e inflação incerta

O primeiro, devido a Bénabou e Gertner (1991BÉNABOU, R. e R. Gertner (1991). “The informativeness of prices: search with learning cost uncertainty”, NBER Working Paper no. 3833.), é baseado na informação que o preço de uma firma traz sobre o preço de outra. A análise negligencia o aspecto intertemporal e se concentra na busca instantânea entre firmas. Supõe que quanto maior a inflação, maior a variabilidade da inflação. Nesse sentido é essencial considerar a inflação um fenômeno que afeta não somente a média da alta do preço médio da economia como também a variância da alta do preço médio. Por isso, quando, nesse processo de busca, o consumidor encontra um preço maior que o esperado, não sabe distinguir se isso acontece porque a firma tem um custo mais alto que a média ou se esse preço está refletindo uma inflação mais alta que a esperada. Esse problema de inferir, a partir de um preço observado, quanto reflete o preço relativo e quanto o nível geral de preços corresponde ao conhecido problema de extração do sinal com que se deparam os produtores em Lucas (1973LUCAS Jr., R. “Some international evidence on output-inflation trade-offs”. American Economic Review, no. 63: 326-334.).

Para decidir se continua sua busca ou não, o consumidor leva em consideração que existe uma certa correlação entre os custos (e consequentemente entre os preços) das firmas. Supõe-se que a correlação entre os custos é maior quando a inflação é mais alta. A ideia é que o aumento da inflação aumenta a frequência relativa dos choques agregados (que afetam todas as unidades econômicas) vis-à-vis os choques idiossincráticos (que afetam uma única firma). Então, quando o nível médio de inflação é maior, o consumidor, ao encontrar um preço mais alto que o esperado, atribui uma maior parte do preço inesperadamente alto à ocorrência de um aumento de custos comum às firmas. Revisa, portanto, para cima o preço que espera encontrar em outra firma, reduzindo-se, em consequência, o estímulo à busca. Isso constitui um mecanismo pelo qual uma maior inflação pode aumentar o poder de monopólio das firmas, reduzindo o bem-estar dos consumidores.7 7 O argumento depende essencialmente de o custo de busca ser grande o suficiente para que o preço que deixa o consumidor indiferente entre continuar a buscar e comprar seja superior à esperança não condicional dos preços. Caso contrário, uma maior inflação tem efeito oposto. Existe um “efeito variância” que atua em sentido contrário: um aumento da variância dos choques agregados aumenta a variância do preço de uma firma condicional ao conhecimento do preço de outra. aumentando consequentemente o valor da busca.

4.2.2 Busca intertemporal

O segundo mecanismo, modelado por Tommasi (1992TOMMASI, M. (1992). “The welfare effects of inflation: the consequences of price instability on search markets”, mimeo, UCLA.) e Ball e Romer (1992BALL, L. e D. Romer (1992). “Inflation and the informativeness of prices”, mimeo, Princeton University e University of California, Berkeley.), se baseia na informação que um preço presente fornece sobre o preço futuro da mesma firma. Enfatiza, portanto, o aspecto intertemporal da informação. Em ambos os trabalhos, uma maior inflação leva a uma maior deterioração da informação que o preço presente oferece sobre o preço futuro da mesma firma, implicando maior poder de monopólio das firmas e redução do bem-estar dos consumidores. No entanto, os modelos são bem diferentes.

Em Tommasi (1992TOMMASI, M. (1992). “The welfare effects of inflation: the consequences of price instability on search markets”, mimeo, UCLA.) a busca é feita entre firmas e intertemporalmente, abrangendo assim os dois aspectos da busca ressaltados acima. Ele deduz que a autocorrelação do preço de uma mesma firma se reduz com o aumento da inflação, mas partindo do pressuposto que o mesmo acontece com a autocorrelação do custo de uma firma.8 8 Além do mais. em Bénabou e Gertner (1991) a relação negativa entre excedente do consumidor e inflação é apenas uma possibilidade. Ou seja, seu trabalho se resume em mostrar que, se uma maior inflação aumenta a deterioração da informação que o custo presente da firma confere sobre o custo futuro, esse processo se reflete nos preços da mesma maneira.

Em Ball e Romer (1992BALL, L. e D. Romer (1992). “Inflation and the informativeness of prices”, mimeo, Princeton University e University of California, Berkeley.), as firmas têm custos de menu, e, portanto, as políticas de preços são do tipo Ss, mas a busca entre firmas é negligenciada. Suponha-se, por exemplo, que um consumidor observe um preço relativamente alto de uma firma. Nesse caso, o problema é distinguir se o preço é alto porque ela enfrenta um custo mais alto que a média ou se seu preço se encontra próximo ao pico do ciclo Ss. Toda vez que o consumidor observa o preço de uma firma procura inferir qual seu preço médio, porque este é o que interessa numa relação de longo prazo em que se farão compras repetidamente a todos os preços do ciclo. Ball e Romer (1992BALL, L. e D. Romer (1992). “Inflation and the informativeness of prices”, mimeo, Princeton University e University of California, Berkeley.) restringem a escolha do consumidor às alternativas de estabelecer a relação de clientela com a firma ou desistir de consumir o produto. Essa informação dada pelo preço da firma em relação ao preço médio se torna muito pior quando há inflação; simplesmente existe um espectro muito maior de preços possíveis cobrados por uma firma com determinado custo. Então o consumidor tem muito mais possibilidade de errar na decisão quando a inflação é alta. Os erros de decisão significam que a utilidade do consumidor será mais baixa do que se tivesse tomado a decisão correta. Este é, portanto, um canal através do qual uma maior inflação prejudica o consumidor.

Outro canal é através do aumento do preço médio das firmas implicado pela redução da elasticidade da demanda pelo produto da firma que se dá quando o nível de inflação é mais alto. Para ganhar intuição sobre tal relação, imagine-se primeiramente uma economia sem inflação. Então cada firma apresenta um preço que permanece constante ao longo do tempo e, ao observar o preço de uma firma, o consumidor conhece exatamente seu preço médio. Se observa um preço mais alto, revisa sua projeção para o preço médio da firma para cima na mesma medida. Numa economia com inflação, como a mesma firma pode ter diferentes níveis reais de preços, quando o consumidor observa o preço não sabe onde a firma se situa no ciclo entre o pico e o vale. Com isso, passa a atribuir menor valor a essa informação. Portanto a firma sabe que, se aumentar o preço médio, a projeção que o consumidor fará acerca deste aumentará menos quanto maior for a inflação, devido ao problema de inferência. Consequentemente, com um nível maior de inflação a demanda fica menos elástica, levando a um aumento do mark-up das firmas.

5. COMENTÁRIOS FINAIS

A teoria econômica que trata do efeito do nível de inflação sobre a interação entre busca e regra de preço é muito recente e, portanto, se encontra ainda em sua fase de construção.

Os trabalhos que relacionam mais inflação com menor bem-estar do consumidor através da perda de informação, por exemplo, se baseiam em hipóteses indesejavelmente restritivas. Tommasi (1992TOMMASI, M. (1992). “The welfare effects of inflation: the consequences of price instability on search markets”, mimeo, UCLA.), conforme comentado acima, supõe para os custos o que quer derivar para os preços. Ball e Romer (1992BALL, L. e D. Romer (1992). “Inflation and the informativeness of prices”, mimeo, Princeton University e University of California, Berkeley.) não permitem que o consumidor busque através das firmas e impõem exogenamente o tipo de relação que ele terá com a firma - isto é, o número de períodos consecutivos em que comprará da firma - caso decida estabelecer com ela uma relação de clientela.

Há muito a ser feito, portanto. Bens duráveis e não duráveis, homogêneos e diferenciáveis; consumidores homogêneos e heterogêneos quanto às preferências ou quanto aos custos de busca; firmas homogêneas ou heterogêneas quanto aos custos de entrada, fixo, variável e de ajustar preço; diferentes tipos de custo de ajustamento; diferentes estruturas de informação - ou seja, todas essas possibilidades em grande parte já exploradas em contexto não inflacionário dão ideia do potencial de pesquisa teórica nesta área. Sem falar na pesquisa empírica, que se encontra em fase ainda mais preliminar.9 9 Um dos poucos trabalhos empíricos na área é o de Bénabou (1991).

A longa experiência brasileira com inflação alta e variável coloca os pesquisadores brasileiros em condições vantajosas para entender o efeito da inflação sobre os mercados, porque os efeitos aqui tendem a ser exacerbados. Da mesma forma, os dados brasileiros certamente constituem material extremamente útil para o teste dessas teorias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • TOMMASI, M. (1992). “The welfare effects of inflation: the consequences of price instability on search markets”, mimeo, UCLA.
  • 1
    Sheshinsky e Weiss (1983SHESHINSKY, E. e Y. Weiss (1983). “Optimal policy under stochastic inflation”. Review of Economic Studies , no. 50: 513-529.) supõem uma inflação estocástica com preços não decrescentes e obtêm a regra Ss como política ótima de preços do monopolista.
  • 2
    Se o consumidor consome o bem todo o período e procura estabelecer uma relação de longo prazo com uma firma de quem passará a comprar todo o período, seu problema pode ser inferir o preço médio dessa firma a partir do preço observado. V. seção 4.2.2.
  • 3
    É comum que os comerciantes se neguem a revelar a data de aumento dos preços. Mais que isso: muitos deles tentam induzir o potencial comprador a acreditar que teve sorte no timing porque haverá um aumento em breve, ou seja, que o cobrado naquele momento é o menor preço real do ciclo.
  • 4
    Supomos aqui firmas idênticas. Caso as firmas sejam heterogêneas em termos de custo (e, consequentemente, de preço médio) e comprar a cada período de uma firma envolva um custo de transação muito alto, o problema do consumidor pode ser inferir o preço médio com o fim de estabelecer uma relação de clientela.
  • 5
    Em Bénabou (1988BÉNABOU, R. (1988). “Search, price setting and inflation”, Review of Economic Studies, no. 55: 353-373.) os consumidores são homogêneos. Como consequência, não existe busca em equilíbrio porque, sendo o preço que mantém um consumidor indiferente entre buscar e comprar imediatamente o mesmo para todos os consumidores, se alguma firma cobrar mais que esse preço não vende para ninguém. Se cobrar menos, vende para todos os consumidores que a visitarem. Em Bénabou (1992BÉNABOU, R. (1992). “Inflation and efficiency in search markets”. Review of Economic Studies , no. 59: 299-330.), os consumidores são heterogêneos e, portanto, existe busca e recursos gastos nessa atividade. Com maior inflação, mais recursos são gastos na busca e o resultado sobre o bem-estar social é ambíguo.
  • 6
    No modelo de Bénabou (1988BÉNABOU, R. (1988). “Search, price setting and inflation”, Review of Economic Studies, no. 55: 353-373.), o bem-estar social aumenta porque os lucros são sempre zero. A redução do número de firmas reduz o custo fixo por unidade produzida, e essa redução de custo é integralmente repassada para o preço.
  • 7
    O argumento depende essencialmente de o custo de busca ser grande o suficiente para que o preço que deixa o consumidor indiferente entre continuar a buscar e comprar seja superior à esperança não condicional dos preços. Caso contrário, uma maior inflação tem efeito oposto. Existe um “efeito variância” que atua em sentido contrário: um aumento da variância dos choques agregados aumenta a variância do preço de uma firma condicional ao conhecimento do preço de outra. aumentando consequentemente o valor da busca.
  • 8
    Além do mais. em Bénabou e Gertner (1991BÉNABOU, R. e R. Gertner (1991). “The informativeness of prices: search with learning cost uncertainty”, NBER Working Paper no. 3833.) a relação negativa entre excedente do consumidor e inflação é apenas uma possibilidade.
  • 9
    Um dos poucos trabalhos empíricos na área é o de Bénabou (1991BÉNABOU, R. (1991). “Inflation and Mark-ups: theories and evidence from the retail trade sector”. MIT, mimeo.).
  • 10
    JEL Classification: D49; E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1993
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