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O ritmo e a poesia de uma rapper lésbica nas lutas sociais

The Rhythm and Poetry of a Lesbian Rapper in Social Struggles

El ritmo y la poesía de una rapper lesbiana en las luchas sociales

Resumo:

Neste artigo, discutimos a relação entre mal-estar contemporâneo e resistência nos campos da experiência de gênero, sexualidade e lutas sociais, partindo da análise dos eixos políticos e simbólicos presentes nas práticas discursivas das letras produzidas pela rapper lésbica brasileira Luana Hansen. Os estudos feministas contemporâneos que se situam em espaços dialógicos, hifenizados e pós-coloniais dão fundamento teórico-metodológico ao trabalho realizado em contexto de ascensão da extrema direita e da articulação entre conservadorismo e neoliberalismo. Concluímos que práticas discursivas produzidas pelas letras da rapper apontam para a resistência como desejo de resistir e, assim, de multiplicar redes e de criar novos modos de expressão de luta e de existência de mulheres, negras e lésbicas, que vivem na periferia, de modo sempre localizado politicamente e estrategicamente assentado nos territórios urbanos.

Palavras-chaves:
lesbianidade; feminismos; música rap; resistências; Luana Hansen

Abstract:

This article discusses the relationship between contemporary malaise and resistance in the fields of gender, sexuality and social struggles, starting from political and symblic analysis axes present in the discursive practices of the lyrics produced by the Brazilian lesbian rapper Luana Hansen. Contemporary feminist studies located in dialogical, hyphenated and post-colonial spaces give theoretical and methodological foundation to the work carried out in the context of the rise of the extreme right and the articulation between conservatism and neoliberalism. It was concluded that discursive practices produced by the rapper's lyrics point to resistance as a desire to resist and, thus, to multiply networks and create new ways of expressing the struggle and existence of women, blacks and lesbians, who live in the periphery, always politically and strategically located in urban areas.

Keywords:
lesbian; feminisms; rap music; resistence; Luana Hansen

Resumen:

Este artículo discute la relación entre malestar contemporáneo y resistencia en los campos de género, sexualidad y luchas sociales, a partir del análisis de los ejes políticos y simbólicos presentes en las prácticas discursivas de las letras producidas por la rapper lesbiana brasileña Luana Hansen. Los estudios feministas contemporáneos ubicados en espacios dialógicos com guiones y poscoloniales dan fundamento teórico y metodológico al trabajo realizado en el contexto del auge de la extrema derecha y la articulación entre conservadurismo y neoliberalismo. Se concluyó que las prácticas discursivas producidas por las letras del rapper apuntan a la resistencia como un deseo de resistir y, así, de multiplicar las redes y crear nuevas formas de expresar la lucha y existencia de las mujeres, negras y lesbianas, en la periferia, de manera siempre localizado políticamente y estrategicamente sentado en áreas urbanas.

Palabras-clave:
lesbianidad; feminismos; música rap; resistencias; Luana Hansen

Introdução

Este artigo analisa a relação entre desejo e resistência das vozes lésbicas diante do mal-estar contemporâneo no Brasil. Busca, portanto, no campo do desejo de resistência, indicar elementos da contribuição da poesia e arte de mulheres lésbicas como contrapontos analíticos, em contexto de ascensão da extrema direita e de articulação entre conservadorismo e neoliberalismo.

Partimos da premissa, já levantada em outros termos por Cheryl Clarke (1988CLARKE, Cheryl. “El lesbianismo: un acto de resistencia”. In: MORAGA, Cherrie; CASTILLO, Ana (Orgs.). Esta puente, mi espalda - voces de mujeres tercermundistas en los Estados Unidos. San Francisco: ISM Press, 1988. p. 99-108.), de que a existência lésbica em uma cultura patriarcal, racista, lesbo-homo-bi-transfóbica, é um ato de resistência e, sendo assim, deve-se explicitar os modos como se dá esta resistência para, por conseguinte, acolhê-la nas lutas progressistas contra as desigualdades sociais. Uma das trilhas para a análise é que, seguindo ainda o argumento de Clarke (1988), as lésbicas, isto é, as mulheres que constroem relações afetivas, amorosas e sexuais com outras mulheres, ‘descolonizam o seu corpo’, desafiam, resistem e negam a exploração e dominação das relações heteronormativas e heterossexistas ocidentais.

Vale ressaltar que, neste trabalho, buscamos evitar a armadilha da construção de uma noção de ‘lésbica universal’, e sim nos preocupamos em enfatizar a potência das contribuições que as lésbicas, mulheres pretas, terceiro-mundistas, mulheres trabalhadoras, trouxeram para a crítica à universalidade do sujeito feminista, demostrando a indissociabilidade das categorias como sexualidade, gênero, raça e classe quando se analisa a exploração, dominação e opressão. E deste modo é que colocamos em relevo a urgente necessidade da visibilidade da existência lésbica nas lutas sociais em sua multiplicidade e afirmação das diferenças, na contramão do recorrente apagamento de sua especificidade no chamado movimento LGBT, ou nas políticas de diversidade sexual, dentre outros (CLARKE, 1988CLARKE, Cheryl. “El lesbianismo: un acto de resistencia”. In: MORAGA, Cherrie; CASTILLO, Ana (Orgs.). Esta puente, mi espalda - voces de mujeres tercermundistas en los Estados Unidos. San Francisco: ISM Press, 1988. p. 99-108.).

A visibilidade lésbica é um tema caro. O silenciamento das mulheres lésbicas no espaço público é fenômeno que requer constantes e maiores aprofundamentos, mas que pode ser explicado, a princípio - como discorreu Raquel Osborne (2008OSBORNE, Raquel. “Um espesso muro de silencio: de la relación entre una ‘identidade débil’ y la invisibilización de las lesbianas en el espácio público”. Asparkia, Castelló de la Plana, n. 19, p. 39-55, 2008. Disponível em Disponível em https://raco.cat/index.phpAsparkia/article/view/140637 . Acesso em 21/06/2021.
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) em seus estudos -, por uma pressuposta existência de uma identidade lésbica fragilizada, resultante de poucas representatividades positivas de lésbicas ‘fora do armário’ na vida pública, na política, nas artes e na mídia, que está aliada a um controle psíquico, heterossexista e patriarcal que é fundante da sexualidade e dos afetos das mulheres no âmbito do privado e do familiar.

Como consequência, partindo desse princípio, pareceu-nos entrar em um problema ainda mais grave quando nos deparamos com a invisibilidade persistente de mulheres, negras e lésbicas, na vida pública, tais como nas representatividades políticas, nas artes e nas mídias, o que indica as possibilidades de efeitos perversos para a constituição das subjetividades lésbicas, tendo em vista a dinâmica estrutural do racismo, classismo, sexismo, lesbofobia e patriarcalismo brasileiro.

Um contraponto, ou um respiro, parecia ter sido a eleição de Marielle Franco, socióloga e política brasileira, eleita pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), casada com uma mulher, assumindo publicamente a sua lesbianidade. Elegeu-se vereadora do Rio de Janeiro para a legislatura 2017-2020 com a quinta maior votação do município.

Marielle Franco assumia a pauta lésbica e feminista no Parlamento, assim como a antirracista e de direitos humanos, criticando a intervenção militar no Rio de Janeiro e a Polícia Militar. No entanto, tragicamente, o seu mandato foi interrompido em 14 de março de 2018, ao ser assassinada a tiros junto de seu motorista, Anderson Pedro Mathias Gomes, no Estácio, região central do Rio de Janeiro. O assassinato motivou reações nacionais e internacionais, como também a organização de diversos protestos em todo o território brasileiro, mas até 2021 segue ainda sem respostas sobre o mandante e o que motivou o crime, que tem sido tratado, segundo investigações, com a hipótese de um crime premeditado.

Considerando que o Brasil é um dos países que mais executam ativistas dos direitos humanos no mundo1 1 Segundo Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos (2020), entre os anos de 2015 e 2019 foram executados 174 ativistas brasileiros. Assim, o Brasil ocupa a segunda posição em um ranking geral que tem a Colômbia em primeiro lugar, com 397 execuções. Os dados revelam que um ativista brasileiro foi morto a cada oito dias e que o país é responsável por mais de 10% de todos os assassinatos desses indivíduos no mundo ao longo do período avaliado. O documento revela ainda que, no mundo, ocorreram 1.323 execuções de defensores, incluindo 166 mulheres e 22 jovens defensores dos direitos humanos. O Alto Comissariado das Nações Unidas também rastreou 45 lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros mortos entre 2015 e 2019. A ONU, no entanto, destaca o problema de uma grande subnotificação, devendo o número real ser bem maior que os apresentados. (UNITED NATIONS, 2020UNITED NATIONS (UN). Report of the Special Rapporteur on the Situation of Human Rights Defenders. Mary Lawlor, 2020, p. 9.), situação intensificada em tempos de ascensão da extrema direita, o assassinato de Marielle Franco nos apresenta uma peculiaridade nova: uma voz ativa na luta pela visibilidade lésbica e LGBT no Parlamento foi executada. A vereadora foi autora do Projeto de Lei nº 82/2017, que instituía o Dia Municipal da Visibilidade Lésbica na cidade do Rio de Janeiro, a ser realizado no dia 29 de agosto, mas rejeitado em 17/8/2017. Diante do silenciamento da sua voz, a voz de muitas lésbicas, pretas e faveladas, também foi silenciada, reiterando a invisibilidade lésbica na vida pública.

Decorrem desse acontecimento as indagações que trazemos neste artigo: qual a contribuição das vozes públicas de mulheres lésbicas para produção do desejo de resistência em tempos de ascensão da extrema direita no Brasil, quando há explícitas implicações e interesses econômicos em aliança com pautas conservadoras no campo dos costumes (Wendy BROWN, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019. )? Onde encontrar o desejo de resistência lésbica? Para além da representação político-parlamentar, como a música e a poesia, entrecruzadas com o ativismo, podem também ser uma máquina desejante de resistência, de visibilidade lésbica e de luta pelos direitos humanos? Como evidenciar, nestas perguntas, a indissociabilidade das categorias de gênero, raça, classe e sexualidade?

Para responder a estas indagações, fizemos um recorte temporal, explorando e conhecendo artistas assumidamente negras, lésbicas e militantes dos direitos humanos, que estavam em evidência no período de 2014-2018. Dentre elas, destacamos Luana Hansen pelo fato de sua produção artística dialogar mais intensamente com a conjuntura do período. Essa conjuntura é marcada pela retomada, no Brasil, das pautas conservadoras nos costumes associados a uma agenda ultraliberal na economia, tendo ainda como marcos o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e o governo de Michel Temer que, por fim, culminou com a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, estabelecendo - pela via eleitoral - aquela agenda ultraconservadora e ultraneoliberal nas políticas de governo. Ressalta-se também que, como um efeito dessa agenda e com forte adesão da elite econômica brasileira, os parlamentos brasileiros em nível municipal, estadual e federal tornaram-se, durante esse período, os mais conservadores das últimas décadas.

É nesse contexto social e político que encontramos em evidência a rapper Luana Hansen, a sua obra e sua luta. Luana Hansen é uma rapper paulistana, nascida em 1981 na cidade de São Paulo, periférica, lésbica, negra e feminista, filha mais velha entre seis irmãs e irmãos de uma mãe nordestina, pernambucana. Aos 14 anos se assumiu como lésbica, mas é na sua arte, música e poesia que a sua militância lésbica ficou reconhecida.

O que diz sobre si mesma produz aquilo que faz: ela é uma voz importante do movimento Hip Hop2 2 O Hip Hop é um movimento das periferias urbanas, que desenvolve uma cultura específica com a produção de estilo musical e poesia (Rhythm And Poetry ou RAP, MC e DJ), dança (Breakdance), arte plástica (Graffiti) e o conhecimento, que se constitui como expressão política que marca as exclusões sociais de raça e classe. Esta cultura é produzida, principalmente, por jovens negros/negras e tem representado, para muitos e muitas jovens, uma forma de lazer, cultura e arte, mas também luta e resistência. brasileiro, reconhecida pelas suas obras de cunho feminista, negro e lésbico, que denunciam também o machismo do movimento:

Num movimento machista como esse, quando se é mulher aí já fica tenso. Agora ser mulher feminista e lésbica é viver pisando em ovos. É luta constante pra se fazer visível, se fazer respeitada. [...] Temos que denunciar o machismo de quem quer que seja. Temos que dar nomes aos bois e denunciar letras machistas. Mostrar isso para, de fato, eliminar essas letras, atitudes e pensamentos machistas e racistas (PORTAL GELEDÉS, 2016PORTAL GELEDÉS. Mulher, negra e lésbica: conheça MC Luana Hansen e seu rap feminista. 2016. Disponível em Disponível em http://www.geledes.org.br/mulher-negra-e-lesbica-conheca-mc-luana-hansen-e-seu-rap-feminista/ . Acesso em 20/04/2017.
http://www.geledes.org.br/mulher-negra-e...
, s.p.).

É da potência de sua voz pública que nos propomos, nesta pesquisa, analisar algumas de suas produções e discorrer sobre o desejo de resistência, no período analisado. Portanto, com base na noção proposta pelo psicanalista Joel Birman (2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.) de ‘desejo de resistência’, assim como em estudos sobre o neoliberalismo como captura das subjetividades, desenvolvidos por Pierre Dardot e Christian Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian A. Nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.), e da articulação entre neoliberalismo e o conservadorismo contemporâneo analisada por Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019. ), fez-se uma imersão nas letras, canções e discursos produzidos pela rapper paulistana Luana Hansen. São seus escritos entendidos como práticas discursivas e polifônicas, trazendo para a análise, fundamentalmente, os estudos feministas de inspiração intersticial, localizados, lésbico, nômades e pós-coloniais de Gloria Anzaldúa (2000ANZALDÚA, Gloria. “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do Terceiro Mundo”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 229-236, jan. 2000. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880 . Acesso em 21/06/2021.
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), Adrienne Rich (2002RICH, Adrienne. “Notas para uma política da localização”. In: MACEDO, Ana Gabriela (Org.). Gênero, desejo e identidade. Lisboa: Cotovia, 2002. p. 15-35.), Donna Haraway (1991HARAWAY, Donna. “Situated Knowledges: The Science Question in Feminism and the Privilege of Partial Perspective”. In: HARAWAY, Donna (Org.). Symians, Cyborgs and Women: The Reinvention of Nature. New York: Routledge, 1991. p. 183-202.; 1992) e Rosi Braidotti (1994BRAIDOTTI, Rosi. Nomadic Subject: Embodiment and Sexual Diference in Compteporary Feminist Theory. New York: Columbia University Press, 1994.).

As práticas discursivas produzidas pelas letras de Luana Hansen foram compreendidas como práticas sociais, dialógicas e vivenciais, que revelam as diferentes formas pelas quais elas se constituem: por meio dos discursos, realidades psicológicas e sociais. Partimos da hipótese de que as práticas discursivas produzidas nos versos de uma artista lésbica apontam para a resistência como desejo, como desejo de resistir, de multiplicar redes e de criar novos modos de expressão de luta e de existência de mulheres das periferias urbanas, negras e lésbicas, de modo sempre localizado politicamente, e estrategicamente assentado. Que desejos de resistências atravessam os corpos que a escutam, que dançam no ritmo de sua música, cantam suas poesias? Que efeitos possíveis para a produção de subjetividades lésbicas, para as lutas sociais e para os feminismos? Como estas obras se situam no contexto neoliberal e conservador que vivemos, que produz um certo mal-estar?

Discorrendo sobre este mal-estar contemporâneo, Birman (2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.) constrói uma argumentação problematizadora da relação existente entre desejo e resistência: algo que nos parece fundamental ao que se passa nestes tempos sombrios de recrudescimento de discursos e práticas conservadoras no Brasil, no campo político e econômico, mas também no território das experiências de gênero e sexualidade. Nessa relação, ele argumenta sobre a produção de um desejo de resistência, e assim o define:

Este, com efeito, se inscreve na atualidade em diferentes lugares do campo social e se propaga em diferentes pontos do planeta, nos quais as vozes mais diversas afirmam de maneira eloquente a liberdade de resistir. Nessa afirmação, a liberdade assume a posição crucial de valor supremo. Valor supremo nos registros ético e político, bem entendido, catalisador que é dos valores de igualdade e da fraternidade que, em conjunto, delinearam o horizonte da modernidade (BIRMAN, 2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017., p. 319).

O desejo de resistência está em toda parte. É o desejo que se espraia, que entra nas brechas do cotidiano; é o desejo, para usar as palavras de Birman, que se afirma estridentemente diante do mal-estar, da perplexidade e do conservadorismo de nossos tempos.

A resistência é entendida como a legitimidade do dizer não ao poder ou à autoridade, seja do psicanalista ou da ordem social, violenta ou opressora. Portanto, pode-se dizer que enunciar o não é afirmar o direito à resistência. Desse modo, a resistência seria então transformada em desejo, “enunciando-se de forma eloquente como desejo de resistência” (BIRMAN, 2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017., p. 235).

O objetivo deste artigo é discutir sobre a relação entre mal-estar e resistência na atualidade, partindo da análise dos eixos políticos e simbólicos presentes nas práticas discursivas de quatro letras escritas pela rapper brasileira Luana Hansen, durante o período de 2014 a 2017: “Ventre livre de fato”, “Funk da realidade”, “Pra quem vai o seu amém?” e “Flor de mulher”. O período analisado, que vai do golpe parlamentar sofrido pela presidenta Dilma Rousseff até a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República em 2018, foi marcado pelo ataque de grupos conservadores às questões de gênero, aos feminismos, aos movimentos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais e Travestis) e aos movimentos negros, concomitante ao ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários. As letras citadas foram selecionadas por terem sido as que tiveram maior número de acesso em plataformas digitais e divulgação na mídia no período analisado, não focando ainda, neste artigo, portanto, nas letras mais recentes produzidas no período bolsonarista.

Práticas discursivas são aqui trabalhadas na perspectiva dos sentidos e significados dos discursos produzidos no cotidiano, os quais refletem práticas sociais, dialógicas e vivenciais, que revelam as diferentes formas em que as pessoas produzem, através dos discursos, realidades psicológicas e sociais (Mary Jane SPINK; Benedito MEDRADO, 2000SPINK, Mary Jane; MEDRADO, Benedito (Orgs.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, 2000.). Assim, neste artigo, analisamos de que modo as práticas discursivas produzidas pelas letras de uma rapper jovem, mulher, preta e lésbica, e de projeção nacional, podem multiplicar redes e criar novos modos de expressão de luta e de existência de mulheres das periferias urbanas, faveladas, negras e lésbicas, que sejam mais comunitárias, igualitárias, afetivas, éticas, estéticas e, evidentemente, políticas.

Buscamos responder às questões aqui apresentadas em um procedimento crítico, que nos obriga a reconhecer que, na resistência em tempos de mal-estar, “o sujeito ainda se encontra presente, não obstante a fragmentação ampla, geral e irrestrita promovida pela contemporaneidade” (BIRMAN, 2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017., p. 19). Essas análises também tiveram como fundamento teórico-metodológico os estudos contemporâneos que se situam em espaços dialógicos, hifenizados, intersticiais, nômades e pós-coloniais dos feminismos negros e lésbicos.

O artigo tem a seguinte estrutura: primeiramente, discorremos sobre os versos e análises da produção artística de Luana Hansen, como também alguns trechos de suas entrevistas; em seguida, contextualizamos esta análise no âmbito do neoliberalismo e sua relação com o conservadorismo contemporâneo; e, por fim, apresentamos as considerações finais, buscando responder à pergunta sobre em que medida poesia e música de uma mulher lésbica e preta podem produzir contrapontos analíticos para as desigualdades sociais, étnico-raciais, econômicas e de gênero e sexualidade que vivemos no mundo atual.

Pra quem vai o seu amém? Mal-estar, desejo e resistência

Sabe aquele tipo de governador

Que manda taca bomba e pit bull em professor

Dita o que é família impõem o que é moral

E anda promovendo a cura homossexual

(Funk da Realidade - Luana Hansen, 2015HANSEN, MC Luana. Funk da realidade, 2015. Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/funk-da-realidade-dj-luana-hansen-mp3. Acesso em 10/05/2019.
https://soundcloud.com/luanahansen/funk-...
).

Começar com o trecho da letra “Funk da realidade”, de Luana Hansen (2015HANSEN, MC Luana. Funk da realidade, 2015. Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/funk-da-realidade-dj-luana-hansen-mp3. Acesso em 10/05/2019.
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), nos provoca a pensar sobre legitimidade do não como desejo transformado em resistência, no campo intersticial (Homi K. BHABBA, 2004) das categorias gênero, sexualidade, raça e classe dos feminismos contemporâneos. Nos versos transcritos, há um não à violência policial do Estado, um não às noções de família tradicional pautadas pelo que Michael Warner (1993WARNER, Michael (Ed.). Fear of a Queer Planet: Queer Politics and Social Theory. Minneapolis/London: University of Minnesota Press, 1993.) denomina de heteronormatividade.3 3 Heteronormatividade é um conceito-matriz que contribui para compreender as violências sexistas, heterossexistas e lesbo-homo-transfóbicas. A heteronormatividade é a ordem sexual da sociedade, ou seja, um pressuposto social de que todos/as somos ou deveríamos ser heterossexuais para cumprir as coerências entre sexo, gênero, desejo e prática sexual. O termo heteronormatividade refere-se, portanto, a um padrão de sexualidade que regula o modo como as sociedades ocidentais se organizam, bem como é o poder de ratificar, na cultura, a compreensão de que a norma e o normal são as relações afetivo-sexuais existentes entre pessoas de gêneros diferentes. É um não à patologização da homossexualidade. Tudo dito, cantado e poetizado por uma rapper mulher lésbica e negra e da periferia urbana. O corpo de resistência, uma voz de resistência, um desejo produtivo de diferenças.

Os versos são cantados em um período de aprovações em câmaras de vereadores de diversos municípios brasileiros de um projeto (embora inconstitucional) de ‘Escola sem Partido’, que restringe a liberdade de expressão de professores em escolas e, em algumas cidades, impede o debate de gênero e diversidade em sala de aula, chamando-o de ‘ideologia de gênero’ e reforçando o padrão heteronormativo dos desejos, afetos e corpos. Portanto,

os PL “Escola sem Partido” buscam proibir explicitamente que professoras e professores discutam, em suas aulas, temas como gênero, sexualidade, diversidade étnica e religiosa e direitos humanos, temas acusados de serem trabalhados com finalidade de “doutrinação ideológica e partidária”, em uma equivocação produtora de mal-entendidos em que partido é um reducionismo intencional de política. Ora, assumir uma perspectiva política não é o mesmo que partidarismo. Para o EsP, tais temas deveriam ficar ao encargo das concepções de educação de cada família, sendo proibidos no âmbito público da educação, de acordo com os idealizadores do EsP. Como slogan dessa pretensão, o movimento prega a autoridade dos pais sobre seus filhos, com os dizeres: “meu filho, minhas regras”. Trata-se evidentemente de uma paródia reativa a outro dizer construído como slogan de movimentos feministas - “meu corpo, minhas regras” -, utilizado em situações políticas de reivindicação, como: lutas pelo direito ao aborto, pela desnaturalização da maternidade compulsória, contra a cultura do estupro e da objetificação do corpo das mulheres, entre outras (Giovanna MARAFON, 2018MARAFON, Giovanna. “Análises críticas para desmontar o termo ‘ideologia de gênero’”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 70, número especial, p. 117-131, 2018. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672018000400010 . Acesso em 21/06/2021.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 127-128).

O que os versos de Luana Hansen dizem é um não a estes recorrentes atos, práticas e leis que exercem poder sobre corpos e subjetividades. Assim, o que se apresenta é uma contingência de onde surge a problemática da relação entre desejo e resistência, próprios de um mal-estar contemporâneo, que também se expressa nas recorrentes violências contra as mulheres.

Em “Flor de mulher” (HANSEN, 2014HANSEN, MC Luana. Flor de mulher, 2014. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/flor-de-mulher-luana-hansen . Acesso em 10/05/2019.
https://soundcloud.com/luanahansen/flor-...
), ela diz responder a uma música composta pelo rapper Emicida chamada “Trepadeira”, denuncia a violência contra mulher e afirma a sua liberdade:

A culpada, em todos os lugares/Violentada, por gestos, palavras, e olhares/Alvo do mais puro preconceito/Já que tá ruim, ela que não fez direito!/Objeto de satisfação do prazer/Desapropriada da opção do querer/Agredida em sua própria residência/Julgada sempre pela aparência [...] Sim, eu sou mulher, estou pronta pra lutar/Sim, eu sou mulher, vou sempre avançar/Sim, eu sou mulher, ninguém vai me parar/Ninguém vai me parar!/A raiz é o espelho/Do que eu digo/E a semente espalha/Tudo o que é dito (HANSEN, 2014HANSEN, MC Luana. Flor de mulher, 2014. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/flor-de-mulher-luana-hansen . Acesso em 10/05/2019.
https://soundcloud.com/luanahansen/flor-...
).

A letra de ‘Trepadeira’ do rapper Emicida é identificada como de cunho machista e misógino, gerando polêmica nas redes sociais no ano de 2013. Trata da história de uma mulher que tem uma vida sexual ativa, mas que é chamada na música de ‘biscate’ e, portanto, merecedora de “uma surra de espada de São Jorge” (GAZETA MT, 2013GAZETA MT. Letra machista de Emicida levanta polêmica, 2013. Disponível emDisponível em http://gazetamt.com.br/noticia/musica-letra-machista-de-emicida-levanta-polemica/ . Acesso em 20/09/2017.
http://gazetamt.com.br/noticia/musica-l...
). Os discursos praticados nesta letra engendram os efeitos e afetos de um mal-estar contemporâneo, que é próprio à condição de mulher brasileira, ainda mais se considerarmos outros marcadores das diferenças, que se situam no corpo e na subjetividade da mulher negra, lésbica e pobre. Este mal-estar é a violência. A subjetividade e corpo desta mulher são entendidos como construções históricas e como marcados por inscrições éticas, estéticas e políticas.

São inscrições políticas em corpos e subjetividades porque está em jogo a luta contra forças e poderes que obstruem as nascentes do inédito, do movimento e da transformação do mundo; são inscrições estéticas porque inscrevem o sentido de compromisso com a verdade e afirmação de si, em suas marcas, na produção de diferenças e um novo campo de saber; e são éticas porque permitem a escuta destas diferenças que se fazem em nós e afirmam o devir e a potência da vida (Sueli ROLNIK, 1993ROLNIK, Sueli. “Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estética/política no trabalho acadêmico”. Cadernos de Subjetividade, São Paulo, 1993. Disponível em Disponível em https://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/pensamentocorpodevir.pdf . Acesso em 10/05/2018.
https://www.pucsp.br/nucleodesubjetivida...
).

A subjetividade e o corpo da mulher brasileira localizam-se e engendram-se em um contexto de violências, atentados e agressões físicas e simbólicas por condição de gênero, que colocam o país na lista dos mais violentos do mundo e que mais matam mulheres.4 4 Segundo levantamento do Atlas da Violência 2017, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a mortalidade por homicídio de mulheres não negras (brancas, indígenas e amarelas) caiu 7,4% no período analisado (passando para 3,1 mortes para cada 100 mil mulheres), no entanto, chama atenção o dado que aponta para o aumento de 22% da mortalidade de mulheres negras, chegando à taxa de 5,2 mortes para cada 100 mil,. Além disso, outro dado ressalta a vulnerabilidade das mulheres negras: o índice de negras que já foram vítimas de agressão subiu de 54,8% para 65,3% entre 2005 e 2015. (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2017INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (Ipea). Atlas da violência 2017. Rio de Janeiro: Ipea, 2017.) Este é o mal-estar próprio da brasilidade em seu patriarcalismo e misoginia que incide, sobretudo, sobre as mulheres lésbicas e negras e, assim, ultrapassa a fronteira da culpa e se manifesta como vergonha.

Especificamente, o assassinato de mulheres lésbicas, no Brasil, vem aumentando ano a ano. Dados são sistematizados desde o ano 1983 pelo Grupo Gay da Bahia. Em que pese todas as dificuldades de registro desses casos, segundo o Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil de 2014 a 2017 (Milena C. C. PERES; Suane F. SOARES; Maria Clara DIAS, 2018PERES, Milena C. C.; SOARES, Suane F.; DIAS, Maria Clara. Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil: de 2014 até 2017. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2018.), há um aumento de 2.700% dos assassinatos, entre 2002 e 2017. Para o ano de 2018, na segunda semana de janeiro, ainda segundo o Dossiê, já se registravam mais dois casos de assassinatos e seis suicídios.

Por outro lado, produz-se o desejo de resistência diante da violência, politiza-se a sexualidade da mulher, o seu corpo, e reafirma-se a potência de vida e a liberdade. É a afirmação de si como mulher, como desejo de resistência, mas é também um desejo de afirmação de si como resistência que não se produz para si em um processo meramente narcísico. É um desejo que passa entre corpos, como um contrapoder que se opõe à violência (BIRMAN, 2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.), e que circula nestas fendas e frestas, coletiviza e engendra outros espaços e novas perspectivas na voz de uma cantora de rapper lésbica. É também a emergência dos acontecimentos e da presença do sujeito histórico mulher:

No seu jardim nasceu a flor desobediente/Enquanto ela existir vai ser diferente/ Destruindo e criando/ Saltando barreiras. [...] Mulher Ipanema, heroína/No grito e no ferro/Que nunca se entrega/Quebrando o tabu/Destruindo as regras/Autêntica, polêmica, combatente/Coloca a mulher sempre a frente/Enigmática, apoiada pela fé/Decidida, sabe sempre o que quer/Estrategista, de uma mente brilhante/Forte, corajosa, cativante/Guerreira, campeã, atrevida/Na luta diária pra ser reconhecida/A dona do seu corpo, imponente/De ampla visão, independente/A favor da liberdade eliminando o preconceito/Inteligente, merecedora de respeito/A trabalhadora, a chefe de família/A produtora, a feminista (HANSEN, 2014HANSEN, MC Luana. Flor de mulher, 2014. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/flor-de-mulher-luana-hansen . Acesso em 10/05/2019.
https://soundcloud.com/luanahansen/flor-...
).

Na letra “Flor de mulher”, a violência contra mulher é descrita, cantada, denunciada e marcada por um movimento de criação de uma rede de resistência de mulheres, amigas, amantes, companheiras, tecida por fios de um mal-estar e potências afetivas, que constrói territórios possíveis de existência na contemporaneidade. Assim, Luana Hansen canta no refrão deste rap “Flor de mulher”: “A raiz é o espelho/Do que eu digo/E a semente espalha/Tudo o que é dito” (HANSEN, 2014HANSEN, MC Luana. Flor de mulher, 2014. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/flor-de-mulher-luana-hansen . Acesso em 10/05/2019.
https://soundcloud.com/luanahansen/flor-...
).

Decorre que Luana Hansen também é colocada como representante do movimento LGBT, ou de um feminismo negro e lésbico. Pode-se dizer que é uma mulher que ocupa os interstícios, ou seja, aquela que recusa fronteiras estanques de saber e de luta, e que produz obras que estão implicadas em saberes contraditórios e hibridizados. Parte-se do pressuposto, com base no pensamento de Homi Bhabha (2004BHABHA, Homi K. The Location of Culture. New York: Routledge, 2004.), de que é na insurgência dos interstícios que são negociadas as experiências, seja de nação, de identidades, subjetividades e corpos, seja de interesse coletivo e comunitário ou de valor cultural.

Isto é, os discursos produzidos nessas letras de Luana Hansen tomam uma forma híbrida e intersticial de saberes que contribui para “compreender e ler um mundo onde se perdeu a ilusão da estabilidade identitária e onde a diversidade precisa de lentes mais afinadas e sofisticadas para ser percebida” (João Manuel OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, João Manuel. “Os feminismos habitam espaços hifenizados: a localização e interseccionalidade dos saberes feministas”. Ex aequo, Vila Franca de Xira, n. 22, p. 25-39, 2010. Disponível em Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-55602010000200005&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 21/06/2021.
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
, p. 25).

Mas também se pode falar que Luana Hansen, nesse jogo identitário, produz obras, raps, músicas e discursos que se configuram como uma política de localização do feminismo (RICH, 2002RICH, Adrienne. “Notas para uma política da localização”. In: MACEDO, Ana Gabriela (Org.). Gênero, desejo e identidade. Lisboa: Cotovia, 2002. p. 15-35.). A política de localização situa os estudos feministas como não universais, e realiza uma crítica forte à noção essencialista de mulher. Afirma-se, portanto, a diversidade das mulheres e de suas experiências pela noção de localização.

Esta política de localização é de território, mas também, e especificamente, é de um corpo, um desejo, uma raça/etnia, uma sexualidade, uma classe social, idades, ou seja, uma localização marcada pelas diferenças múltiplas e intensamente produzidas pelas mulheres, que se situam em condições políticas, históricas e sociais específicas. A política de localização, como analisa Rosi Braidotti (1994BRAIDOTTI, Rosi. Nomadic Subject: Embodiment and Sexual Diference in Compteporary Feminist Theory. New York: Columbia University Press, 1994.), refere-se à contra-memória ou ao desenvolvimento de genealogias alternativas às noções de sujeitos, das opressões ou exclusões, que pressupõe uma análise rigorosa das condições materiais que determinam uma posição de fala.

Seguindo o pensamento de Rich (2002RICH, Adrienne. “Notas para uma política da localização”. In: MACEDO, Ana Gabriela (Org.). Gênero, desejo e identidade. Lisboa: Cotovia, 2002. p. 15-35.), define-se a noção de gênero não de um modo reativo, mas criativo, ou seja, estético, ético e político. Realiza-se uma intersecção das categorias gênero, raça e classe com vistas a uma abordagem mais complexa (não binária) das mulheres, constituindo um sistema que produz diferenças e sujeitos nas relações de poder.

Na entrevista ao blog Capitolina, Luana Hansen expressa este lugar de interstício de onde se produzem saberes localizados e híbridos, e que se configuram com um fazer político e eticamente possível:

É por isso que, onde eu estiver, vou lembrar muito que, além de ser mulher, sou lésbica assumida e uso minhas músicas como uma verdadeira arma contra o machismo, racismo, misoginia e o genocídio da juventude negra (entrevista para Isabella PECCINI, 2015PECCINI, Isabella. “Profissão rapper: entrevista com Luana Hansen e Mc Soffia”. Capitolina, 2015. Disponível em Disponível em http://www.revistacapitolina.com.br/profissao-rapper-entrevista-com-luana-hansen-e-mc-soffia . Acesso em 10/05/2018.
http://www.revistacapitolina.com.br/prof...
).

As suas músicas são uma arma contra o machismo, o racismo, a misoginia e o genocídio da juventude negra. O Atlas da Violência (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2017), lançado pelo IPEA e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2017, apontou que homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no país. Ou seja, no Brasil, de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. Os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças/etnias, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência. É da experiência testemunhada no país, portanto, que no “Funk da realidade” Hansen canta:

Eu vou através do funk falar da realidade/Só quem caiu na tranca de valor pra liberdade/De frente com meninos aqui da fundação/Você sente na pele o valor da exclusão/Eu vou através do funk falar da realidade/Só quem caiu na tranca dá valor pra liberdade/De frente com meninos aqui da fundação/Você sente na pele o valor da exclusão/Sistema ditador de dentro das muralhas/Transforma um inocente em mais um, um ser canalha/Relatos de tortura e abuso do poder/Quebra ele, bate nele, que é pra ele aprender/E ainda tem uns trouxas no planalto central/Querendo a redução da maioridade penal (HANSEN, 2015HANSEN, MC Luana. Funk da realidade, 2015. Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/funk-da-realidade-dj-luana-hansen-mp3. Acesso em 10/05/2019.
https://soundcloud.com/luanahansen/funk-...
).

A letra afirma a potência da liberdade quando faz a imersão na realidade concreta, material, que é vivida intensamente de modo localizado nas suas condições de mulher de periferia e negra, atuando no interstício de classe e raça como categorias de análise de sua poesia. A violência policial do Estado e de parlamentares brasileiros é o alvo de suas palavras críticas. A violência, que é vivida na pele e em seu lugar de classe, desvela a desigualdade social e econômica da sociedade brasileira.

E assim, em sua obra, mantém o seu nomadismo identitário. Surge a mulher negra, que novamente se desloca e produz diferenças, constrói outras rimas, poesia e gritos que não param. O racismo presente nas experiências das mulheres negras e pobres é cantado na canção “Ventre livre de fato”. Coloca-se neste rap outro exemplo de hibridização crítica, agora das categorias classe, raça e gênero, quando trata e defende a legalização do aborto, uma pauta histórica dos movimentos feministas:

Hipocrisia, pra desconhecido é punição/Mas se for da família é só tratar com discrição/Morre negra, morre jovem, morre gente da favela/Morre o povo que é carente e que não passam na novela/ 28 de Setembro não é só mais um/É dia de luta não é um dia comum/Direito imediato, revolução de fato/Protesto na batida, ventre livre de fato (HANSEN; Elisa GARGIULO, 2014HANSEN, MC Luana; GARGIULO, Elisa. Ventre livre de fato. São Paulo: Gravadora, 2014. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen/ventre-livre-de-fato-luana . Acesso em 10/05/2019.
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).

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional de saúde 2013: Ciclos de vida. Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.), o índice de aborto provocado das mulheres pretas é de 3,5%, o dobro do percentual entre as brancas (1,7%). O perfil mais comum de mulher que recorre ao aborto é o de uma jovem de até 19 anos, negra e já com filhos, segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA). O machismo, lesbo-homo-bi-transfobia, o racismo e o genocídio da juventude negra, a violência aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres jovens negras, marcam fundamentalmente o mal-estar na atualidade brasileira, configurado por mortes, suicídios, agressões físicas e simbólicas, sofrimentos psíquicos mais diversos, como fobias, depressões e pânico, distúrbios psicossomáticos e da imagem corporal. Este mal-estar presente nas letras de Luana Hansen e em suas entrevistas se constitui como pauta de resistência e de um desejo que circula no corpo negro e lésbico, e o ultrapassa na poesia, no som e batidas de rap, quando ela canta pelo fim de violências e opressões que ainda possuem registros em sua geração. Portanto, é um corpo e subjetividade localizados, situados em saberes e movimentos de transgressão que desconstroem o cinismo e a impotência produzidos pela naturalização das violências. É uma transgressão que envolve risco - até mesmo risco de vida - mas no sentido de que

viver ou morrer aqui podem ser as consequências do risco assumido pelo gesto transgressor, sem que queira dizer com isso que a subjetividade esteja buscando a morte, mas apenas a realização de algo que seja existencialmente mais condizente. Enfim, algo da ordem da afirmação do desejo estaria aqui em causa (BIRMAN, 2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017., p. 360).

Em outro deslocamento identitário, em seu nomadismo estratégico (BRAIDOTTI, 1994BRAIDOTTI, Rosi. Nomadic Subject: Embodiment and Sexual Diference in Compteporary Feminist Theory. New York: Columbia University Press, 1994.), na letra de “Pra quem vai o seu amém?”, Luana Hansen escreve:

Intolerância e ódio é projeto de poder/A moralização e o sermão/É só pra esconder/ A ganância pelo dinheiro suado de quem tem fé/ Um sistema de controle/Pra pastor enriquecer (HANSEN, 2017HANSEN, MC Luana. Pra quem vai o seu amém. São Paulo: Nosotras Music, 2017. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen-music/pra-quem-vai-o-seu-amem . Acesso em 10/05/2019.
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).

Em seguida, em ritmo pulsante, podemos escutar:

Lésbicas, gays, bis, trans, travestis/Pedem acesso ao estudo, vida, trabalho e futuro/Somos iguais em direitos/Mas não são iguais no sofrer/e quando ligar a tv, comédia, piada, clichê é sempre o estereótipo que querem promover/[...] Todos juntos queremos/Acabar com o medo/Direito ao nome social/Mas que fundamental/Em nome de Deus a transfobia é institucional (HANSEN, 2017HANSEN, MC Luana. Pra quem vai o seu amém. São Paulo: Nosotras Music, 2017. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen-music/pra-quem-vai-o-seu-amem . Acesso em 10/05/2019.
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).

Encontramos, nesses versos, a expressão da realidade de dor e sofrimento de parte da população LGBT de todas as idades e lugares. Estudos, pesquisas e vivências apontam que pessoas LGBT ainda estão morrendo assassinadas, agredidas, espancadas, discriminadas nas ruas do país, excluídas, muitas vezes, por quem mais amam e respeitam: familiares, amigos, escola e igrejas. Pessoas LGBT ainda são motivos de risada, vivem constrangimentos e tristezas. Portanto, pode-se dizer que é o mal-estar de uma sociedade que diz amém para a violência (Viviane MENDONÇA, 2020MENDONÇA, Viviane Melo. Um dia você vai sentir na própria carne - afeto, memória, gênero e sexualidade. Jundiaí: Paco, 2020.).

Luana Hansen (2017HANSEN, MC Luana. Pra quem vai o seu amém. São Paulo: Nosotras Music, 2017. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen-music/pra-quem-vai-o-seu-amem . Acesso em 10/05/2019.
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) canta no refrão: “Pra quem vai seu amém?/ pra quem julga e machuca?/ Pra quem vai seu amém?/ pra quem sobrevive e luta?”. E segue com a crítica ao poder institucional e político-econômico de algumas igrejas que promovem discursos de ódio às pessoas LGBT. Mas, por outro lado, do mal-estar da violência, segue o desejo de resistência, na potência de afetos e afirmação da diversidade e das diferenças como direito. É a transgressão que tem como alvo os sistemas heteronormativos e o patriarcalismo estrutural da sociedade brasileira, criando outros modos de viver as relações das subjetividades, dos corpos e desejos, que se situam em um registro ético, estético e político, que potencializa rupturas e descontinuidades que são próprias da experiência transgressiva. Assim, ela canta:

Nos levaram pra longe, não sei ao certo pra onde/no caminho pensei, preciso sim resistir/Senti menos dor quando lembrei das batalhas/venci porque lembrei que o som derruba muralhas/compraram nosso som, mas silenciam nossa voz/o estatuto da família não, não fala por nós/família de mãe solteira, família de amor diversa/família de todo o tipo, a cara do Brasil é essa./[...] Pra quem vai o seu amém? Pra quem sobrevive e luta como um ciclone que arranca o respeito pela raiz (HANSEN, 2017HANSEN, MC Luana. Pra quem vai o seu amém. São Paulo: Nosotras Music, 2017. Disponível em Disponível em https://soundcloud.com/luanahansen-music/pra-quem-vai-o-seu-amem . Acesso em 10/05/2019.
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).

A urgência de cantos de resistência lésbica

As letras e a voz potente de Luana Hansen se insurgem contra uma série de explorações, violências e opressões presentes na sociedade capitalista, ou seja, se insurgem contra a profunda exploração e desigualdade econômica do país que atinge trabalhadores e trabalhadoras e, sobremaneira, mulheres trabalhadoras negras; a violência manifesta nos altos índices de feminicídio e lesbocídio; a violência racial imposta a meninas e meninos negros da periferia das grandes cidades, nas penitenciárias e nas ‘fundações’ para menores; a LGBTfobia que faz o país ostentar um vergonhoso índice que o coloca entre os países mais violentos em relação à população LGBT. Enfim, suas letras se insurgem contra o racismo que estrutura as relações sociais e de classe no Brasil.

A música de Luana Hansen, uma mulher, negra, lésbica, faz ecoar as questões e os problemas de uma sociedade cada vez mais cindida cujos laços sociais, sempre precários, encontram-se cada vez mais esgarçados, fazendo com que nos deparemos com uma sociedade que vive, praticamente, em estado de anomia, uma sociedade que alimenta, intensifica e produz precariedades.

Podemos perceber, nos versos escritos e cantados por Hansen, a pergunta feita por Judith Butler (2019BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. São Paulo: Autêntica, 2019., p. 40) quando diz que: “a questão que me preocupa, à luz da violência global recente, é: quem conta como humano? Quais vidas contam como vidas? E, finalmente, o que concede a uma vida ser passível de luto?”. A autora sublinha, ainda, que a precarização do trabalho, fruto das políticas neoliberais, por exemplo, se alarga, se expande até tornar-se precariedade da vida e da existência, isto é, a precarização vai muito além do mundo do trabalho e penetra todas as esferas da vida. Esta precarização da existência passa a ser um ponto central para pensar não apenas o mundo do trabalho, mas para pensar todas as relações sociais.

Compreender, portanto, o contexto em que as letras e a potente presença de Luana Hansen se colocam requer uma aproximação da conjuntura em que vivemos. A conjuntura, na qual ecoa a voz de Luana Hansen, é aquela do agravamento das consequências das políticas neoliberais que foram adotadas a partir do fim dos anos de 1970 e que ganharam novos contornos, sobretudo, após a crise financeira e econômica iniciada em 2008 nos EUA e que se transformou em uma crise global. Crise esta que ainda mostrou seus efeitos deletérios quando a sociedade global foi tomada pela pandemia do Sars-CoV-2.

O neoliberalismo, desde sua implementação, vem aprofundando a extrema desigualdade de riqueza e renda, bem como as desigualdades advindas do ataque que se produz, cada vez mais intensamente, ao papel do Estado enquanto promotor e provedor de bens sociais para a população. Assim, assiste-se a privatizações dos bens públicos e à mercantilização de todos os aspectos da vida; promove-se uma intensa desregulamentação e desregramento que beneficiam não apenas o capital produtivo que se vê livre para deslocar suas plantas industriais pelo mundo, mas, sobretudo, deixa livre o capital financeiro e especulativo; promove-se uma política que visa quebrar a força dos trabalhadores e trabalhadoras organizados ao enfraquecer os sindicatos; insiste-se na redução e retirada de direitos como os direitos trabalhistas e previdenciários. As letras e músicas de Luana Hansen nos falam desta sociedade, destas desigualdades e inequidades.

Muitas são as análises feitas para compreensão do neoliberalismo, dentre elas as que buscam entender o modo como o neoliberalismo se constitui enquanto política econômica e suas agendas daí derivadas (Ricardo ANTUNES, 2000ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.; Ruy BRAGA, 2017BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no sul global. São Paulo: Boitempo, 2017.); outras que, embora tendo presente as questões socioeconômicas, se debruçam sobre a capacidade apresentada pelo neoliberalismo de captura das subjetividades das e dos trabalhadores (Giovanni ALVES, 2011ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011.). Há, ainda, a importante contribuição de Dardot e Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian A. Nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.), que trabalham a partir da perspectiva de que o neoliberalismo enseja a constituição de uma nova racionalidade que se constitui como uma nova razão de mundo. No entanto, gostaríamos de ressaltar, aqui, a importante contribuição de Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019. ), que nos ajuda a compreender melhor a relação entre neoliberalismo e a ascensão do (neo)conservadorismo que questiona direitos adquiridos por grupos minoritários fomentando, ainda, um processo de questionamento da própria democracia liberal (Kelen LEITE, 2020LEITE, Kelen Christina. “Trabalho precário: precariado, vidas precárias e processos de resistências”. Revista de Ciências Sociais - Política & Trabalho, João Pessoa, v. 51, p. 108-125, 13 maio 2020. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/50733 . Acesso em 21/06/2021.
https://periodicos.ufpb.br/index.php/pol...
).

Brown busca compreender os motivos pelos quais, hoje, a tentativa de resposta à questão da desigualdade se estabelece, em vários países, por meio de posturas antidemocráticas. Pergunta-se como e por quais motivos as análises críticas ao neoliberalismo negligenciaram, e ela se inclui nessa negligência, aspectos que ora se revelam importantes na compreensão do momento presente, ou seja, aspectos que estão para além da economia e dizem respeito a questões relacionadas com valores familiares conservadores, racismo/supremacia branca, nacionalismo, xenofobia, lesbo-homo-bi-transfobia, religiosidade, cristandade e tantos outros.

Deste modo, Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019. ), ainda que levando em consideração as análises socioeconômicas, o processo de captura das subjetividades e a racionalidade neoliberal, destaca como elemento essencial a ser analisado a confluência entre o plano político e o plano moral, questão esta apenas em aparência contrária aos ideais liberais. Compreender esses planos, político e moral, nos ajuda a entender o ataque neoliberal à democracia, aprofundando sua erosão e o processo de (des)democratização pelos quais passam muitas sociedades. Podemos dizer que tal aspecto, não considerado nas análises correntes sobre o neoliberalismo, ganhou ainda mais força a partir do agravamento das consequências econômicas advindas da crise de 2008 iniciada nos EUA, e da crise do Euro em 2010 que, subsequentemente, impactaram o mundo todo.

A ascensão da direita e da extrema direita em várias partes do mundo possui elementos em comum: suas campanhas eleitorais mobilizaram, em que pese as especificidades de cada país, alguns sentimentos compartilhados que vão desde a desilusão com a política, com as instituições, com a falta de perspectivas, até a mobilização do racismo, xenofobia, LGBTfobia, islamofobia, sexismo, misoginia, nacionalismo, patriotismo, discurso anticorrupção, dos valores cristãos, dos sentimentos antiglobalização etc.

Assim, outra característica do neoliberalismo hoje, necessária para compreender a situação em que vivemos e na qual se inserem as letras e músicas de Luana Hansen, é que ele se reforça justamente da hostilidade que ele mesmo gerou. Hoje, o neoliberalismo é capaz - e está demonstrando - de desfrutar da raiva, das frustrações, dos ressentimentos provocados pelas consequências sociais, econômicas, culturais e normativas do próprio neoliberalismo. Parece estar em curso uma contrarrevolução sem revolução. Instaura-se uma guerra contra o inimigo interno criado por meio de um discurso de ódio que é dirigido à esquerda, às feministas, aos LGBT, imigrantes, professores, imprensa, universidades, bens públicos, política, políticos, aos sindicatos e movimentos sociais em geral, e a lista parece não ter fim.

Assim, Luana Hansen escreve, canta e se insurge em uma conjuntura de agravamento das imposições do neoliberalismo, seja pelas suas capacidades de estabelecer determinadas políticas, seja pela ineficiência da oposição a elas. Como argumenta Carapanã (2018CARAPANÃ. “A nova direita e a normalização do nazismo e do fascismo”. In: GALLEGO, Esther Solano (Org.). O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 33-39.) (um pseudônimo usado por autor anônimo, que apresenta um panorama das direitas no mundo), se por um lado o neoliberalismo buscou desmontar o Estado do bem-estar social, e na maior parte dos casos obteve sucesso, a nova direita quer atacar o Estado como ente que garante direitos civis e direitos humanos.

A música potente de Luana Hansen, a manifestação pública da voz de uma artista, mulher, negra e lésbica, ajuda a compreender a realidade brasileira.

Considerações finais

A escritora feminista e queer Gloria Anzaldúa (2000ANZALDÚA, Gloria. “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do Terceiro Mundo”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 229-236, jan. 2000. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880 . Acesso em 21/06/2021.
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), quando discorre no ensaio “Falando em línguas: cartas para mulheres escritoras do terceiro mundo” sobre o que a leva a escrever, permite-nos ter algumas pistas sobre o que pretendíamos analisar nas práticas discursivas de uma rapper lésbica:

Porque a escrita me salva da complacência que me amedronta. Porque não tenho escolha. Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma alça para poder segurá-lo [...] Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você [...] Escreverei sobre o não dito, sem me importar com o suspiro de ultraje do censor e da audiência. Finalmente, escrevo porque tenho medo de escrever, mas tenho um medo maior de não escrever (ANZALDÚA, 2000ANZALDÚA, Gloria. “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do Terceiro Mundo”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 229-236, jan. 2000. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880 . Acesso em 21/06/2021.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
, p. 232).

Salvar da complacência que nos amedronta. Parece que escrever, cantar, fazer música, dançar, registrar assinaturas nos muros e praças públicas de nomes de mulheres, negras, lésbicas, da periferia, mobilizam o desejo de resistência ao mal-estar que nos assombra na sociedade brasileira - que é violenta, misógina, racista, lesbo-homo-bi-transfóbica, classista, e desigual socioeconomicamente. Assim como escrever faz sentido para Anzaldúa, a escrita, a poesia, as falas e raps de Luana Hansen parecem colocar ordem no mundo, dão uma alça para segurá-lo, e não apenas para ela, mas para outras mulheres, lésbicas e não lésbicas.

Escrever, cantar e dançar, portanto, se revelam como um modo de registrar o que os outros apagam quando um corpo abjeto fala, este corpo marcado pelas categorias de gênero, raça, classe e sexualidade. Estes são os corpos subalternizados, silenciados, cujas memórias são cotidianamente lançadas nos escombros (Michel POLLAK, 1989POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento e silêncio”. Estudos de História, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. ).

Pode-se dizer que cantar, dançar e fazer poesias engendram esta potência política de fronteiras, de interstícios, híbrida e monstruosa (HARAWAY, 1992HARAWAY, Donna. “Ecce homo, Ain’t (Ar’n’t) I a Woman and Innapropriate/d Others: The Human in a Post-Humanist Landscape”. In: BUTLER, Judith; SCOTT, Joan (Orgs.). Feminists Theorize the Political. New York: Routledge, 1992. p. 86-100.). Espalham, como discorre Birman (2017BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.), o desejo de resistência que se afirma de modo estridente diante das perplexidades e do conservadorismo de nossos tempos.

Em outras palavras, são desejos de resistência que produzem subjetividades de fronteira, entre a periferia e o centro dos territórios urbanos. Mas estas subjetividades também são nômades e intersticiais. Podemos encontrar, nas letras dos raps aqui analisados, as experiências vividas de mulheres que, em suas diferenças, se lançam, sempre que possível, no espaço público, e então ocupam, com suas danças, pinturas, músicas, performance, sites, eventos, coletivos, blogs e redes sociais, os territórios que a elas foram negados. Assim, fazem do pessoal, o político. Anzaldúa (2000ANZALDÚA, Gloria. “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do Terceiro Mundo”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 229-236, jan. 2000. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880 . Acesso em 21/06/2021.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
), em sua obra, pode nos ajudar a entender o que este feminismo lésbico, negro, brasileiro de Luana Hansen tem produzido em seus discursos aqui apresentados:

Não estamos reconciliadas com o opressor que afia seu grito em nosso pesar. Não estamos reconciliadas. Encontrem a musa dentro de vocês. Desenterrem a voz que está soterrada em vocês. Não a falsifiquem, não tentem vendê-la por alguns aplausos ou para terem seus nomes impressos (ANZALDÚA, 2000ANZALDÚA, Gloria. “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do Terceiro Mundo”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 229-236, jan. 2000. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880 . Acesso em 21/06/2021.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
, p. 235).

O eixo político e simbólico das práticas discursivas das letras de Luana Hansen nos revela os processos de produção de subjetividades lésbicas na contemporaneidade, que se constituem na afirmação de suas experiências vividas de mal-estar e resistência. A artista/compositora, portanto, produz uma arte e cultura fronteiriça, subjetividades fronteiriças e politicamente localizadas em territórios urbanos brasileiros. Conclui-se, deste modo, que os discursos, os projetos e produções culturais descritos e analisados engendram acontecimentos que escapam aos padrões de (hetero)normatividade e de controle das mulheres negras e lésbicas, colocando na afetividade e na arte a possibilidade de resistências às desigualdades e às violências vividas. São resistências colocadas na ordem do desejo, e assim contribuem para afirmação do sujeito histórico mulher lésbica diante da fragmentação e impossibilidades contemporâneas de um mundo onde a perversidade da aliança entre conservadorismo e neoliberalismo se estabelece, sobretudo em territórios brasileiros.

Retomando a nossa hipótese inicial, concluímos que as práticas discursivas produzidas por uma poeta e musicista lésbica - que entrecruza a defesa pelos direitos humanos e feminista e a arte -, parecem, efetivamente, engendrar a resistência como desejo, contribuindo para criação de redes e novos modos de expressão de luta e de existência de mulheres das periferias urbanas, negras e lésbicas, e o faz de modo, portanto, localizado politicamente e estrategicamente assentado.

Por fim, como considerações finais, entramos em um debate que coloca a lesbianidade feminista não como uma identidade, ou orientação sexual, mas uma posição para a qual a heterossexualidade é um regime político, um controle sobre os corpos das mulheres, sobretudo (CLARKE, 1988CLARKE, Cheryl. “El lesbianismo: un acto de resistencia”. In: MORAGA, Cherrie; CASTILLO, Ana (Orgs.). Esta puente, mi espalda - voces de mujeres tercermundistas en los Estados Unidos. San Francisco: ISM Press, 1988. p. 99-108.). Por conseguinte, o desejo de resistência produzido implica a reivindicação e construção da liberdade e autonomia das mulheres - considerando as desigualdades produzidas pelas condições neoliberais e conservadoras que temos visto - que se fortalecem num mundo que tem colocado em sua agenda a defesa da heterossexualidade compulsória e da cisheteronormatividade.

Então, a pergunta que fica é: Que mundo desejamos como lésbicas e feministas? Seria um mundo que nos tolere, tal como preconizado por certo ativismo LGBT ou de diversidade sexual liberal, ou um mundo onde as desigualdades por questões de raça, etnia, classe, gênero e sexualidade sejam eliminadas? Esta é uma pergunta precisa feita por Clarke (1988CLARKE, Cheryl. “El lesbianismo: un acto de resistencia”. In: MORAGA, Cherrie; CASTILLO, Ana (Orgs.). Esta puente, mi espalda - voces de mujeres tercermundistas en los Estados Unidos. San Francisco: ISM Press, 1988. p. 99-108.) ainda na década de 1980. No entanto, parece-nos ainda haver um longo caminho a percorrer, e que, pelas análises realizadas nesta pesquisa, é um caminho que passa também pela escuta sensível das intervenções potentes de uma nova e jovem geração de mulheres lésbicas no ativismo e militância, dentro dos movimentos sociais e nas coletivas, nas artes e na cultura popular. Então sigamos o caminho, que é feito de palavras, palavras com ritmo, poesia e muito desejo de resistência

Referências

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  • 1
    Segundo Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos (2020), entre os anos de 2015 e 2019 foram executados 174 ativistas brasileiros. Assim, o Brasil ocupa a segunda posição em um ranking geral que tem a Colômbia em primeiro lugar, com 397 execuções. Os dados revelam que um ativista brasileiro foi morto a cada oito dias e que o país é responsável por mais de 10% de todos os assassinatos desses indivíduos no mundo ao longo do período avaliado. O documento revela ainda que, no mundo, ocorreram 1.323 execuções de defensores, incluindo 166 mulheres e 22 jovens defensores dos direitos humanos. O Alto Comissariado das Nações Unidas também rastreou 45 lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros mortos entre 2015 e 2019. A ONU, no entanto, destaca o problema de uma grande subnotificação, devendo o número real ser bem maior que os apresentados.
  • 2
    O Hip Hop é um movimento das periferias urbanas, que desenvolve uma cultura específica com a produção de estilo musical e poesia (Rhythm And Poetry ou RAP, MC e DJ), dança (Breakdance), arte plástica (Graffiti) e o conhecimento, que se constitui como expressão política que marca as exclusões sociais de raça e classe. Esta cultura é produzida, principalmente, por jovens negros/negras e tem representado, para muitos e muitas jovens, uma forma de lazer, cultura e arte, mas também luta e resistência.
  • 3
    Heteronormatividade é um conceito-matriz que contribui para compreender as violências sexistas, heterossexistas e lesbo-homo-transfóbicas. A heteronormatividade é a ordem sexual da sociedade, ou seja, um pressuposto social de que todos/as somos ou deveríamos ser heterossexuais para cumprir as coerências entre sexo, gênero, desejo e prática sexual. O termo heteronormatividade refere-se, portanto, a um padrão de sexualidade que regula o modo como as sociedades ocidentais se organizam, bem como é o poder de ratificar, na cultura, a compreensão de que a norma e o normal são as relações afetivo-sexuais existentes entre pessoas de gêneros diferentes.
  • 4
    Segundo levantamento do Atlas da Violência 2017, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a mortalidade por homicídio de mulheres não negras (brancas, indígenas e amarelas) caiu 7,4% no período analisado (passando para 3,1 mortes para cada 100 mil mulheres), no entanto, chama atenção o dado que aponta para o aumento de 22% da mortalidade de mulheres negras, chegando à taxa de 5,2 mortes para cada 100 mil,. Além disso, outro dado ressalta a vulnerabilidade das mulheres negras: o índice de negras que já foram vítimas de agressão subiu de 54,8% para 65,3% entre 2005 e 2015.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    MENDONÇA, Viviane Melo de; LEITE, Kelen Christina. “O ritmo e a poesia de uma rapper lésbica nas lutas sociais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e82482, 2021
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2021
  • Aceito
    30 Ago 2021
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