Saúde do trabalhador, práticas integrativas e complementares na atenção básica e pandemia da COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Identificar as possíveis repercussões da pandemia de COVID-19 na saúde dos trabalhadores, as estratégias de cuidado utilizadas e a oferta de Práticas Integrativas e Complementares em serviços de saúde no contexto da COVID-19.

Método:

Estudo descritivo, com abordagem qualitativa, que utilizou grupo focal para coleta de dados e análise de conteúdo segundo Bardin.

Resultados:

Participação de 11 profissionais de saúde da cidade de Registro (SP) e, a partir da análise de informações, emergiram quatro categorias: (1) As modificações na rotina de trabalho causadas pela pandemia e os sentimentos gerados nos profissionais de saúde; (2) Práticas Integrativas e Complementares como estratégia de autocuidado na pandemia; (3) A oferta de Práticas Integrativas e Complementares durante a pandemia; e (4) A saúde do trabalhador em foco e motivadora da estratégia para retomada da oferta de Práticas Integrativas e Complementares no município.

Conclusão:

Neste estudo, foi possível identificar o impacto da pandemia especialmente na saúde mental dos trabalhadores, o que influenciou a busca de estratégias de cuidado que incluíram as Práticas Integrativas e Complementares. Os profissionais com essa formação começaram a ofertar as Práticas Integrativas e Complementares no serviço aos demais trabalhadores, devido ao interrompimento da oferta das Práticas Integrativas e Complementares à população em consequência da pandemia de COVID-19.

DESCRITORES
Saúde do Trabalhador; Terapias Complementares; COVID-19; Atenção Primária à Saúde; Promoção da Saúde

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To identify the possible repercussions of the COVID-19 pandemic on the workers’ health, the care strategies used, and the provision of Integrative and Complementary Practices in health services in the context of COVID-19.

METHOD:

Descriptive study, with a qualitative approach, which used a focus group for data collection and content analysis according to Bardin.

RESULTS:

Eleven health professionals from the city of Registro (SP) participated and, based on the information analysis, four categories emerged: (1) Changes in work routine caused by the pandemic and the feelings they generate in health professionals; (2) Integrative and Complementary Practices as a self-care strategy in the pandemic; (3) Provision of Integrative and Complementary Practices during the pandemic; and (4) Occupational health as the focus and strategy motivator to resume the provision of Integrative and Complementary Practices in the municipality.

CONCLUSION:

This study allowed the identification of the impact of the pandemic, especially on workers’ mental health, which influenced the search for care strategies that included the Integrative and Complementary Practices. Professionals with this training began to offer the Integrative and Complementary Practices in the service to other workers, given the interruption of their provision to the population due to the COVID-19 pandemic.

DESCRIPTORS
Occupational Health; Complementary Therapies; COVID-19; Primary Health Care; Health Promotion

RESUMEN

Objetivo:

Identificar las posibles repercusiones de la pandemia de COVID-19 en la salud de los trabajadores, las estrategias de cuidado utilizadas y la oferta de prácticas integrativas y complementarias en servicios de salud en el contexto de COVID-19.

Método:

Estudio descriptivo, con abordaje cualitativo, que utilizó grupo focal para recolección de datos y análisis de contenido según Bardin.

Resultados:

Participación de 11 profesionales de salud de la ciudad de Registro (SP) y, a partir del análisis de informaciones, emergieron cuatro categorías: (1) Las modificaciones en la rutina de trabajo causadas por la pandemia y los sentimientos generados en los profesionales de salud; (2) Prácticas integrativas y complementarias como estrategia de autocuidado en la pandemia; (3) La oferta de prácticas integrativas y complementarias durante la pandemia; y (4) La salud del trabajador en foco y motivadora de la estrategia para el recomienzo de la oferta de prácticas integrativas y complementarias en el municipio.

Conclusión:

En este estudio, fue posible identificar el impacto de la pandemia especialmente en la salud mental de los trabajadores, que influyó la búsqueda de estratégias de cuidado que incluyeron las prácticas integrativas y complementarias. Los profesionales con esa formación comenzaron a ofertar las prácticas integrativas y complementarias en el servicio a los demás trabajadores, ya que hubo interrupción en la oferta de las prácticas integrativas y complementarias a la población debido a la pandemia de COVID-19.

DESCRIPTORES
Salud Laboral; Terapias Complementarias; COVID-19; Atención Primaria de Salud; Promoción de la Salud

INTRODUÇÃO

Diferentes problemas afetam os profissionais de saúde envolvidos no enfrentamento da pandemia de COVID-19, destacando-se, por exemplo, sofrimento psíquico, transtorno de ansiedade, distúrbios do sono, risco de contaminação, doença e morte. Por esse motivo, há várias estratégias, não apenas para dar assistência e proteção à saúde desses profissionais(¹), mas também para estabelecer condições especiais na execução de trabalhos em meio à epidemia, na atenção às jornadas laborais e nas ações para redução de estressores ocupacionais(²) a fim preservar a saúde física e mental dos trabalhadores de saúde.

Práticas baseadas em evidências e mudanças realizadas nos serviços são fundamentais no combate à pandemia. No entanto, como a saúde do trabalhador é um tema transversal, identificar, na dimensão pessoal, a maneira como os trabalhadores da saúde estão sentindo e lidando com os impactos da pandemia na rotina e na saúde pode auxiliar a promoção de ações e medidas nesse período tão complexo. Em 2020, um documento(³) publicado pelo Ministério da Saúde buscou sumarizar as principais evidências sobre os benefícios das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) para a saúde do trabalhador. Por exemplo, auriculoterapia, para estresse laboral, e ioga, para síndrome de Burnout, além de meditação, contribuem positivamente para atenuar condições de saúde específicas.

Para tratar fadiga e burnout de trabalhadores de saúde durante a pandemia, uma equipe interdisciplinar da Unidade de Terapia Intensiva recomendou incluir exercícios respiratórios, biofeedback e mindfulness. Essas práticas podem ser utilizadas para mitigar episódios agudos de estresse e ansiedade, enquanto serviços de telessaúde podem ser usados para permitir apoio de pares e aconselhamento ocupacional(⁴).

As PICS foram instituídas por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Sistema Único de Saúde (SUS), em maio de 2006(⁵). Atualmente, 29 PICS estão disponíveis no SUS e, também, estão presentes em todos os pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS), prioritariamente na Atenção Primária à Saúde (APS). Alguns pontos comuns entre as diferentes práticas incluídas são a visão ampliada do processo saúde-doença, a promoção do autocuidado e da qualidade de vida(³,⁵,⁶).

Entre fevereiro de 2008 e julho de 2020, as informações, as quais foram extraídas do banco de dados oficial do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e geradas pelo aplicativo TABNET, apontaram a oferta de mais de 11.772 procedimentos relacionados às PICS no Vale do Ribeira, na região do sul do estado de São Paulo, que inclui o município de Registro, com destaque para a prática de acupuntura, com 8.606 sessões realizadas nesse período(⁶).

Durante o desenvolvimento de um projeto para promover a saúde e as PICS como estratégia de cuidado para trabalhadores da região do Vale do Ribeira, optou-se por montar grupo focal virtual formado por trabalhadores da área de abrangência do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Registro (CEREST-Registro)(⁶). Dessa forma, foi possível ouvir as percepções e trocar as experiências como parte da estratégia de coleta de dados de um estudo de caso. Os objetivos deste estudo foram identificar (a) as possíveis repercussões da pandemia na saúde dos trabalhadores, (b) as estratégias de cuidado utilizadas e (c) a oferta de PICS nos serviços de saúde em meio à pandemia de COVID-19.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Estudo descritivo, com abordagem qualitativa, parte de um estudo de caso(⁷), que utilizou a técnica de grupo focal(⁸) para a coleta de dados e análise de conteúdo segundo Bardin(⁹).

População

Profissionais e gestores dos serviços de saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e das equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Local

O cenário da pesquisa incluiu as seguintes organizações ligadas a serviços de saúde da Atenção Básica (AB) do município de Registro (SP): Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e sete Estratégias de Saúde da Família (ESF), pertencentes a quatro distritos de saúde (DS).

Coleta de Dados

Utiliza-se amplamente o grupo focal em pesquisas de saúde coletiva, visando obter dados de um grupo de indivíduos propositalmente selecionado(⁸). Para recrutar os participantes dos grupos focais, foi enviado aos coordenadores de DS um convite formal, e essa solicitação também se estendeu a todos profissionais de saúde, em especial àqueles que ofertam PICS, bem como aos que possuem formação em alguma prática.

A coleta de dados foi realizada em dois grupos focais, por meio da plataforma Google Meet, nos dias 1º e 8 de outubro de 2020. Os grupos, conduzidos por uma moderadora (ECP), tiveram a participação de duas observadoras (LZF e MCS) para assegurar a continuidade da atividade caso houvesse problemas com a conexão da internet. Os grupos tiveram duração média de 50 minutos e foram gravados. O direcionamento de debate guiou-se pelas seguintes questões: “Como vocês se sentem em relação à pandemia?”, “Como está o dia a dia, a prática de vocês?”, “Como estão lidando com as mudanças?”, “Qual a oferta de PICS nos serviços?” e “Existe demanda por PICS nos serviços?”.

Análise e Tratamento dos Dados

As sessões dos grupos focais foram transcritas (ECP) e submetidas à análise de conteúdo segundo Bardin, perpassando pelas etapas de (i) pré-análise, (ii) exploração do material, (iii) tratamento dos resultados e (iv) interpretação(⁹). A identificação dos extratos e a elaboração das categorias foram realizadas em grupo por todas as autoras. Para a apresentação dos resultados, foram utilizadas as seguintes codificações para os participantes: “P” para os profissionais ou “G” para gestores; para os serviços: “SMS”, “ESF” ou “DS”; e, para a sessão de grupo focal: GF-S “1” ou “2”.

Aspectos Éticos

Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com o número 3.802.064, em 2020. Os sujeitos entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em conformidade com a Resolução nº 466/12.

A realização do grupo focal foi parte de um projeto que teve o financiamento do CEREST-Registro, bem como o apoio da Secretaria Municipal de Saúde de Registro(⁶).

RESULTADOS

Participaram dos grupos focais 11 profissionais de saúde, e as sessões foram realizadas em outubro de 2020, sendo oito profissionais da ESF, dois gestores de DS e um gestor da SMS. Destes, dez eram do sexo feminino e um do masculino. Quanto à formação, nove participantes possuíam graduação em Enfermagem, um participante tinha graduação em Fisioterapia e um era agente comunitário de saúde. Cinco participantes tinham formação nas seguintes práticas que compõem a PNPIC: acupuntura, auriculoterapia e terapia floral.

As discussões grupais proporcionaram aprofundamento da investigação da oferta de PICS na Atenção Básica (AB), troca de experiências acerca da saúde dos trabalhadores e seu processo de trabalho no atual cenário de pandemia e discussão de estratégias para os desafios apresentados. A partir dessas discussões, quatro categorias foram elaboradas, e os principais extratos são apresentados a seguir:

Categoria 1 – Modificações na Rotina de Trabalho Causadas Pela Pandemia e Sentimentos Gerados nos Profissionais de Saúde

A pandemia de COVID-19 transformou consideravelmente a rotina de trabalho dos profissionais, exigindo uma nova postura. Distanciamento da rede familiar, maior carga de trabalho, dificuldade de conscientizar a população e inserção de novos protocolos na rotina tornaram o momento desafiador e estressante, bem como geraram sentimentos de cobrança, medo e insegurança nos profissionais.

(…) é uma coisa que a gente está cansado já e gostaria que passasse logo. Tipo, a sensação é: ‘já deu’ e não deu ainda, né, e a gente precisa arrumar mais força para aguentar mais um pouco aí porque ainda não está no fim, né? Eu acho que o mais angustiante, na minha situação, é essa questão da família, do não contato com eles, enfim, é isso. (G1/DS GF-S1)

O dia a dia está sendo muito conturbado. Não sei se posso usar essa palavra, muito mais agitado do que a gente estava acostumado, né, com ações sendo integradas, assim, no nosso dia a dia, de uma forma muito louca e que, às vezes, a gente nem está preparado para aquilo. (P1/ESF GF-S1)

Então, eu acho que, no começo, para todo mundo foi uma miscelânea de sentimentos, né? É medo, insegurança, então, às vezes, a gente não sabe como agir frente a algo desconhecido, frente a mudanças de protocolo, frente a sua família, frente a equipe, e todo mundo espera muito de você. (P2/ESF GF-S1)

Então, no momento está sendo um período, assim, bem desafiador mesmo, com uma carga de trabalho bem importante aí, né, que a gente está tentando se equilibrar, né, entre as demandas que a gente já carregava, né, como nossa responsabilidade e, somando a mais essa demanda, essa situação, né, da pandemia. (P3/ESF GF-S2)

É bastante estressante. É dia a dia, mesmo, e ir tentar se adequar às condições que a gente está tendo nesse momento. (P5/ESF GF-S2)

Categoria 2 – PICS Como Estratégia de Autocuidado na Pandemia

O autocuidado é essencial para a manutenção e preservação da saúde e, no contexto da pandemia, sua importância para a população como um todo se fez mais presente, o que não foi diferente para os participantes desta pesquisa. Reiki, meditação, aromaterapia e florais foram as práticas mencionadas como estratégia de autocuidado utilizadas.

(…) eu tenho tentado fazer um pouquinho de meditação para ajudar, a autoaplicação do Reiki, também, tem me ajudado um pouco (…) (P1/ESF GF-S1)

A aromaterapia (…) meditação, também, eu tenho usado em casa. (G2/SMS GF-S1)

(…) na minha casa eu gosto de fazer meditação (…). (P4/ESF GF-S2)

Eu procuro fazer a meditação (…). (P5/ESF GF-S2)

(…) desde antes da pandemia eu já vinha com o processo de meditação para o cuidado próprio (…). (P6/ESF GF-S2)

(…) em casa, também, meditação (…) eu uso muito óleo essencial também, incenso, eu trabalho muito essa questão de aromaterapia em casa. (G3/DS GF-S2)

Então, no meu cuidado, eu uso os florais quânticos (…). (P7/ESF GF-S2)

Categoria 3 – Oferta de PICS Durante a Pandemia

A partir de relatos dos participantes, foi possível identificar diferentes dinâmicas na oferta de PICS durante a pandemia:

• interrupção da oferta de PICS para a população e busca por estratégias para seu retorno;

• interrupção da oferta de PICS para a população e seu direcionamento aos colegas de trabalho, especialmente auriculoterapia;

• oferta de PICS, inicialmente, direcionada aos colegas de trabalho para, posteriormente, ser oferecida à população geral;

• introdução de PICS com maior facilidade na rotina de atendimentos dos profissionais; e

• encaminhamento de casos para profissional de referência.

Aqui na unidade só eu que pratico, né? Os outros colegas daqui dessa unidade não tinham essas práticas. E, para alguns, eu tenho começado a fazer aurículo, que vieram assim com essa necessidade. Devagarzinho, eu estou tentando introduzir aqui na unidade primeiro com os meus colegas de trabalho. (P1/ESF GF-S1)

(…) Então, eu até já conversei com a minha médica aqui (…) ela vai acabar passando alguns pacientes que ela observa, que precisa dessa complementação, para gente poder estar começando a introduzir novamente. (…) eu tenho feito algumas assim, não tão rotineiramente como deveria ser, mas eu tenho feito (auriculoterapia) em algumas pessoas da equipe (…). (P2/ESF GF-S1)

Aqui eu não sei fazer, então não faço, mas já aconteceu de eu encaminhar para o naturólogo que a gente tem em Registro, e eu encaminhar o caso para ele. (P4/ESF GF-S2)

Bom, aqui na unidade o que eu consigo oferecer de rotina mais frequente, tem até alguns pacientes que eu atendia semanalmente, é a auriculoterapia. Esse é um serviço que eu consigo disponibilizar e tem alguns pacientes que eu consigo fazer a acupuntura mesmo, mas esses são pacientes mais… que eu não consigo ter tempo para fazer acupuntura aqui na unidade, mas o que mais, assim, de rotina é a auriculoterapia também, e a ventosa. (P5/ESF GF-S2)

(…) a gente estava com tudo programado para começar os atendimentos (auriculoterapia) nas unidades, mas aí veio a pandemia e ficou paralisado. E aí eu, por conta mesmo, atendi, na unidade, os funcionários que aceitaram. (P6/ESF GF-S2)

Aqui na nossa unidade também consigo atender a auriculoterapia, né, estar incluindo ela na nossa atividade e a ventosa, né, também, quando precisa. As outras técnicas que demandam mais, fica um pouquinho delicado, entendeu? (…) E aí os pacientes mesmo estão esperando eu voltar o atendimento na rotina para poder voltar com eles, né? Então, nesse momento, eu estou dando suporte para os colegas aqui dentro, é isso. (P7/ESF GF-S2)

Categoria 4 – Saúde do Trabalhador em Foco e Como Estratégia de Retomada da Oferta de PICS no Município

Além de modificar o processo de trabalho na AB, a pandemia de COVID-19 mostra a necessidade de priorizar a saúde dos trabalhadores. Os participantes entendem que, em um primeiro momento, retomar ou iniciar os atendimentos das PICS aos trabalhadores da saúde seria a melhor opção, a fim de reorganizar a oferta de PICS no município.

Eu acho legal. Eu acho que é até um jeito da gente organizar esses atendimentos para, depois, abrir para a população, né? (…) Além de estar cuidando de quem cuida, né, porque é muito complicado a gente, às vezes, cobra tanto dos nossos colegas aqui, funcionários, mas eles estão mais doentes, às vezes, que a população, né? Um jeito de valorizá-los também. (P1/ESF GF-S1)

Eu acho que a equipe vem. Ela tem que vir em primeiro lugar, porque uma equipe que se sente bem acolhida, que ela observa que nós profissionais estamos dando atenção para ela, eles conseguem desempenhar muito melhor. (…) Colocar como uma agenda, fazer toda aquela conversa que é necessário, né, e fazer todo esse acompanhamento. Eu acho uma proposta muito boa sim e eu vou implantar aqui sim. (P2/ESF GF-S1)

Mas eu acredito que a gente deve, nesse primeiro momento, pensar no cuidado com o trabalhador, com o autocuidado da equipe, para, depois, quando isso tudo estiver muito bonitinho, estruturado, ofertar para a população no seu contexto todo. (G2/SMS GF-S1)

Eu, particularmente, acharia ótimo se começasse com os trabalhadores de saúde porque nós somos os cuidadores diretos da comunidade de cada território, então, se nós formos fortalecidos, a gente tem mais a contribuir com a comunidade. Depois, espalhar e multiplicar, né? Eu acho que seria maravilhoso. (P3/ESF GF-S2)

Eu concordo também. Acho que vai ser muito bom e vai melhorar muito o processo de trabalho, de cuidar primeiro dos trabalhadores. Até para gente poder cuidar do outro, a gente precisa se cuidar, né? (P4/ESF GF-S2)

Assim, eu acho importante começar pelo trabalhador porque, assim, nós estamos em um momento difícil tanto pela questão da pandemia que a gente está passando que, querendo ou não, é muito estressante, é um momento novo. Você tem que estar se reinventando, se adequando todo dia. Por outra questão, também, esse ano é ano de eleição. É outro estresse para gente também. Então, assim, eu acho que é um momento de pensar no trabalhador sim. (P5/ESF GF-S2)

Não só da saúde também, mas de todo funcionário público, né, do município de Registro, mas que começasse pelo trabalhador da saúde para dar sustentação para nós porque aí nós também íamos estar sendo beneficiados, né, nesse meio. (P7/ESF GF-S2)

Eu acho interessante sim porque assim os trabalhadores em geral, né, da saúde, a gente está precisando bastante, viu? Muito interessante esse olhar. (…) o naturólogo, ele já está fazendo isso, abrindo a agenda dele para atender os profissionais e, assim como me ajudou, pode ajudar outras pessoas também. (P8/ESF GF-S2)

DISCUSSÃO

Entre as práticas integrativas e complementares que compõem a PNPIC, os participantes citaram formação em acupuntura, auriculoterapia e terapia floral. As duas primeiras práticas fazem parte do sistema integral da Medicina Tradicional Chinesa para promoção da saúde e tratamento de doenças. A primeira utiliza inserção de agulhas em pontos de acupuntura; e a segunda coloca sementes ou esferas metálicas em pontos no pavilhão auricular. A terceira, a terapia floral, é uma prática terapêutica que utiliza essências de flores para equilibrar e harmonizar o indivíduo(⁶).

Um projeto financiado pelo Ministério da Saúde (MS), em parceria com o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e a Biblioteca Regional de Medicina/ Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (BIREME/OPAS/OMS), buscou sistematizar, por meio de mapas, evidências científicas sobre Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI) com o objetivo de apoiar profissionais de saúde, tomadores de decisão e pesquisadores na construção de ações de saúde baseadas em evidências. Esses mapas apresentam uma visão geral das evidências nas PICS para problemas de saúde específicos, incluindo um mapa sobre acupuntura e outro sobre auriculoterapia, os quais estão disponíveis no site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) em MTCI (https://mtci.bvsalud.org/pt/mapas-de-evidencia-2/).

Ao analisar os 30 anos do SUS(⁵), as PICS destacam-se como importante estratégia no redirecionamento do modelo assistencial, bem como no aprofundamento da integralidade do cuidado e no alargamento de opções terapêuticas, em face de um cenário de transição demográfico-epidemiológica. Especificamente, as PICS provenientes de saberes tradicionais estão inscritas no campo de cuidados primários, com estímulo à utilização de recursos culturais e comunitários disponíveis, contribuindo para produção de mudanças no cuidado e no cotidiano dos serviços em saúde.

A pandemia produziu novos desafios aos profissionais, por exemplo, o de lidar não apenas com a rotina de trabalho direcionada às novas demandas do contexto vigente, mas também com o surgimento de sentimentos que podem causar prejuízo à saúde mental. A fim de minimizar efeitos negativos da pandemia, os profissionais recorrem às PICS tanto para o autocuidado, como para o cuidado à saúde dos colegas de trabalho. A reorganização da oferta de PICS, visando melhorar a atenção à saúde do trabalhador, pode ser uma estratégia para manter e/ou retomar a oferta dessas práticas no município.

A AB constitui-se a porta de entrada e a ordenadora do cuidado na complexa rede de atenção à saúde do SUS(¹⁰). Os profissionais nela atuantes ganham maior destaque na resolução das demandas de saúde dos territórios e ficam mais expostos a riscos. Para além da vulnerabilidade a riscos biológicos, como a contaminação pelo vírus, a pandemia de COVID-19 evidencia o sofrimento psíquico a que esses profissionais estão expostos no ambiente de trabalho. Uma revisão avaliou a relação entre os fatores vinculados ao local de trabalho e a saúde mental de trabalhadores durante a pandemia de COVID-19, revelando que esses trabalhadores estão mais propensos ao aumento de sintomas de depressão, estresse, ansiedade, insônia, entre outros(¹¹).

Os participantes deste estudo relataram elevada carga de trabalho, distanciamento da rede socioafetiva, sentimentos e sensações desagradáveis em relação às mudanças na rotina laboral e ao gerenciamento de suas próprias relações. Essas questões são esperadas no contexto atual de pandemia e refletem diretamente na qualidade de vida e no autocuidado desses profissionais. Por esse motivo, é importante adotar estratégias de cuidado à saúde mental desses trabalhadores e, assim, assegurar que eles tenham maior capacidade de desempenhar suas funções(¹²). Atualização precisa de informações sobre a doença, treinamentos para uso de equipamentos de proteção individual, acompanhamento relativo ao bem-estar da equipe e mapeamento e divulgação de ações acerca de cuidados disponíveis aos trabalhadores devem ser medidas a serem incorporadas nas recomendações aos gestores(¹²).

Neste estudo, identificou-se que as PICS são adotadas como estratégia de autocuidado na pandemia por trabalhadores que possuem formação em alguma prática. Entre as práticas mencionadas, a meditação apresenta robustas evidências clínicas no cuidado à saúde mental. O mapeamento sobre as possíveis evidências das PICS no contexto de COVID-19 mostra que técnicas de meditação surtem efeitos “positivos” e “potencialmente positivos” para o manejo de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, distúrbios do sono, estresse laboral e psicológico, entre outros. Os estudos incluídos no mapeamento e que investigaram essa prática ressaltam evidências com nível de confiança de “moderado” a “alto”(¹³,¹⁴).

A partir dos relatos dos participantes e das medidas de proteção que foram impostas no município, foi possível identificar que houve uma redução da oferta de PICS à população do município de Registro (SP) em virtude das necessidades de adaptação na assistência no contexto da pandemia. Nesse cenário, a oferta de PICS foi direcionada ao atendimento da demanda que surgiu por parte dos colegas de trabalho.

Em 2020, houve iniciativas para a oferta de PICS por conta da pandemia, e as ações da Rede Cuidar Enfermagem (https://redecuidarenfermagem.com.br/) e da Rede Colaborativa PICS (https://www.ufrgs.br/levi/rede-colaborativa-pics/#page-content) destacaram-se no cuidado à saúde do trabalhador. Esses projetos colaborativos receberam o apoio do Conselho Federal de Enfermagem (CFE) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), respectivamente, e contaram com a participação de profissionais de diversas formações, trabalhadores do SUS e terapeutas voluntários, que ofertaram diversas PICS por meio de teleatendimentos individuais ou coletivos.

A oferta de PICS na AB apresentou aumento de 324% entre 2017 e 2019, em especial a prática de auriculoterapia, com acréscimo de 40.818 para 423.774 registros(¹⁵). Esse montante pode ser explicado pela oferta da formação nessa prática para profissionais de saúde da AB, que teve início em 2016. O convênio entre a Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e a Universidade Federal de Santa Catarina já capacitou mais de 10 mil profissionais de nível superior(¹⁶). Essa prática já possui recomendações clínicas baseadas em evidências para tratamento de tabagismo, ansiedade, insônia, obesidade e lombalgia, que são condições prevalentes na AB, e esses protocolos podem ser direcionados à saúde do trabalhador.

Estudos apontam que o uso da auriculoterapia em profissionais de saúde durante a pandemia contribuiu para minimizar a dor; reduzir sintomas de estresse, depressão e ansiedade; promover o fortalecimento de vínculos; e, também, melhorar o ambiente de trabalho(¹⁷,¹⁸). Essa é uma das PICS que os participantes deste estudo utilizaram no cuidado à saúde de seus colegas de trabalho. A auriculoterapia e outras terapêuticas, como a acupuntura, bem como as práticas ligadas à mente e ao corpo da Medicina Tradicional Chinesa, como Tai Chi Chuan e Qi Gong, reúnem evidências clínicas para condições álgicas, tratamento de diversas doenças crônicas e agudas, saúde mental e qualidade de vida(¹⁹–²²).

A OMS determinou que 2021 fosse o Ano Internacional dos Trabalhadores de Saúde e Cuidadores como forma de reconhecer a dedicação dos profissionais de saúde, responsáveis pela linha de frente da COVID-19. Dessa forma, as PICS revelam-se como potente estratégia de cuidado à saúde desses trabalhadores, pois abordam aspectos físicos, emocionais, sociais e, também, espirituais no cuidado em saúde(²³).

A continuidade da oferta das PICS durante a pandemia por iniciativa de alguns dos trabalhadores participantes da pesquisa demonstra esse cuidado, mas o reconhecimento dos gestores e o adequado registro é fundamental para a expansão das PICS no SUS. Além disso, ainda que a PNPIC já tenha 15 anos de existência, a mobilização de recursos institucionais para sua manutenção e ampliação se faz cada vez mais necessária(²⁴).

A realização do grupo focal, portanto, possibilitou uma troca de experiências e de práticas de cuidado nesse momento complexo da pandemia, incluindo as PICS. Todavia, essa troca poderia ter sido potencializada caso as sessões do grupo tivessem ocorrido de forma presencial. Essa, de fato, era a proposta inicial do projeto. Pode-se inferir, portanto, que o formato virtual do grupo focal foi uma das limitações deste estudo, uma vez que houve desistência e/ou abandono das sessões por dificuldades tecnológicas ou pela falta de contato que, por sua vez, pode reduzir a noção de pertencimento grupal.

CONCLUSÃO

A partir deste estudo, foi possível identificar o impacto da pandemia na saúde dos trabalhadores, especialmente na saúde mental. Essa situação influenciou a busca de estratégias de cuidado que incluíram as PICS, pois os profissionais com essa formação começaram a ofertar as práticas no serviço aos demais trabalhadores, visto o interrompimento na oferta das PICS à população em consequência da pandemia de COVID-19.

Inúmeros foram – e continuam sendo – os desafios na rotina dos trabalhadores da saúde durante a pandemia. Neste estudo, as PICS foram citadas como estratégia de autocuidado, e sua oferta aos trabalhadores durante o período da pandemia resgatou a discussão sobre a importância da saúde do trabalhador. Inclusive, os trabalhadores indicaram a seguinte estratégia, na AB, para a retomada das PICS, as quais foram interrompidas no segundo semestre de 2020 em razão da pandemia: primeiramente as práticas deveriam ser ofertadas aos trabalhadores e, posteriormente, a toda população.

Dessa forma, além das adaptações dos serviços para garantir saúde e segurança aos trabalhadores durante a pandemia, a construção de redes de apoio e a sistematização da oferta de PICS aos trabalhadores, durante a jornada de trabalho, podem auxiliar no cuidado à saúde mental e na promoção da saúde.

EDITOR ASSOCIADO

Cássia Baldini Soares

• Apoio financeiro O projeto ‘Promoção da saúde e Práticas Integrativas e Complementares para os trabalhadores da área de abrangência do CEREST-Registro’ teve financiamento do CEREST-Registro e apoio da Secretaria Municipal de Saúde de Registro.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Mar 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  01 Set 2021
• Aceito
  09 Fev 2022