Acessibilidade / Reportar erro

INOVAÇÃO E CULTURA: ENTRELAÇAMENTO DE SABERES E PRÁTICAS NAS PESQUISAS ORGANIZACIONAIS

Na edição que ora descortinamos, destaca-se o começo de um trabalho “a oito mãos”, realizado tanto pela editora que se expressa por meio deste editorial quanto pelos colegas Henrique Ramos, Lisiane Closs e Julice Salvagni. Nossa diversidade de background - a que escreve, na área de Sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa; Henrique, na área de Finanças; Lisiane, em Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, e Julice, em Estudos Organizacionais e Políticas Públicas - tem o intuito de incrementar a qualidade dos trabalhos selecionados, mantendo o compromisso da robustez teórica e metodológica que marca o intento da REAd nesses já 28 anos de caminhada.

Com esse novo fôlego editorial, convidamos os leitores a percorrer essa última edição de 2023, a qual abrimos ratificando a tendência à pluralidade disciplinar das pesquisas em Administração, como já constatado pelo nosso prévio editor (CÂMARA, 2023CÂMARA, G.D. Interdisciplinariedade na produção de conhecimento em Administração: para além da pluralidade monoepistêica. REAd, v. 29, n.º 2 , p. i-vi, 2023, http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.381.135184.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.381....
). Acrescentamos a esta ideia o fato de serem tais pesquisas, particularmente na América Latina, fortemente influenciadas pelo ambiente propício à colaboração tanto entre pesquisadores quanto entre esses e os grandes “laboratórios” que são as organizações abertas à participação para testar teorias e hipóteses (AGUINIS et al., 2020AGUINIS, H.; VILLAMOR, I.; LAZZARINI, S.G.; VASSOLO, R.S.; AMORÓS, J.E.; ALLEN, D.G. Conducting management research in Latin America: What’s in it for you? Journal of Management, v. 46, n. 5, p. 615-636, 2020, DOI: 10.1177/0149206320901581.
https://doi.org/10.1177/0149206320901581...
). De fato, as recentes pesquisas que chegaram à REAd atestam o elevado grau de comprometimento de seus autores com a investigação de mudanças tecnológicas e institucionais que se desenrolam nos mais diversos tipos de organizações - privadas, públicas - e em diferentes escalas - desde as locais às globais.

Há também um forte componente de entrelaçamento dos temas inovação e cultura organizacional, permeando boa parte dos trabalhos recebidos pela REAd.Em pelo menos seis dos nove artigos que trazemos aos leitores, essa tessitura conceitual e empírica aparece de forma mais ou menos explícita, indicando a inclinação dos pesquisadores da área de gestão a reforçar a necessidade de se debruçar sobre os efeitos da inovação e sobre as questões de cultura organizacional.

Em que pesem os esforços para compreender de forma abrangente como as inovações influenciam e são influenciadas por capacidades gerenciais que se sustentam sobre a égide da cultura organizacional, em especial num contexto crescentemente digitalizado e complexo (HEUBECK e MERCKEL, 2022HEUBECK, T.; REINHARD, M. More capable, more innovative? Na empirical inquiry in to the effects of dynamic managerial capabilities on digital firms’ innovativeness. European Journal of Innovation Management, v. 25, n. 6, p. 892-915, 2022, DOI 10.1108/EJIM-02-2022-0099.
https://doi.org/10.1108/EJIM-02-2022-009...
), ainda há muito que se trilhar na investigação das relações entre motores da inovação, como as capacidades dinâmicas, e consequências do desenvolvimento dessas capacidades para a efervescência dos ambientes de trabalho.

A intensa mobilidade de executivos, técnicos e demais portadores de conhecimentos estratégicos, especializados ou gerais, repercute fortemente na disseminação da inovação (CHESBROUGH, 2003CHESBROUGH, H.W. Open innovation: the new imperative for creating and profiting from technology. Boston: Harvard Business School Press, 2003.), que se torna cada vez mais difícil de restringir aos limites internos das organizações que as geram. Essa dinâmica, associada à condição de protagonismo dos indivíduos na transmissão e recepção de conhecimentos, impulsiona questionamentos sobre como considerar e relacionar tantos fatores organizacionais nos estudos - como devidamente classificá-los e ressignificá-los à medida que as organizações os transformam. Mesmo em meio a tantas dúvidas calcadas na complexidade, voltamos à certeza de que “o indivíduo é sempre o fator estratégico básico da organização” (BARNARD, 1968BARNARD, C.I. The functions of the executive. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1968., p. 139), confirmando a clássica teoria sobre a necessidade de cooperação e integração que rege uma organização bem comandada.

Passamos, então, ao conteúdo que oferecemos.

Em Inovatividade - validação de uma escala multidimensional para micro e pequenas empresas a partir dos princípios de gestão da qualidade total, Miler Franco D’anjour, Bruno Campelo Medeiros e Miguel Eduardo Moreno Añez avaliam o conceito de inovatividade no contexto de gestão da qualidade total em micro e pequenas empresas. Ao incursionarem pelas lacunas conceituais de inovatividade, os autores apontam equívocos, como a restrição do conceito à quantidade de inovações ou a aspectos estratégicos, que se projetam inicialmente para dentro das organizações (como aprendizagem) e, por extensão, para fora (como empreendedorismo e liderança). Ao ressignificarem a ideia de inovatividade em múltiplas dimensões, no âmbito da excelência em gestão, os autores propõem uma escala de mensuração que pode servir de ferramenta para micro e pequenas empresas impulsionarem suas vantagens competitivas.

Num contexto diverso, associando conhecimentos e experiências dos setores público e privado, Etienne Unias de Vasconcelos, Augusto César de Aquino Cabral, Sandra Maria dos Santos e Lizy Manayra Santos de Oliveira, em Inovação aberta em companhias de saneamento brasileiras descortinam o tema da inovação aberta mostrando como ideias gestadas em meios restritos acabam extrapolando as fronteiras organizacionais e se disseminando informalmente entre empresas do setor. Com isso, os autores ensejam o surgimento de um novo tipo de inovação aberta - a chamada “semiacoplada”, que surge de fora para dentro das empresas, desde suas interações com fornecedores.

O terceiro artigo desta edição, Empreendedorismo digital em organizações: revisão integrativa da literatura e proposição de elementos de análise sob a ótica das capacidades dinâmicas, assinado por Alexandre Rodrigues Pinto, Cristina Dai Prá Martens e Vanessa Vasconcelos Scazziota, alia uma densa revisão integrativa com reflexão sobre as práticas das organizações predominantemente digitais para oferecer contribuições em forma de um quadro de trabalho que oferece subsídios para potencializar capacidades dinâmicas nesse tipo de organização.

Retorna-se ao tema da inovação, mas com uma teia de relações e uma escala totalmente diversa das apresentadas no primeiro e segundo artigos desta edição, no trabalho de Daiane Migliolli Yetika e Nelson Hein. Em A influência da liberdade econômica na conexão entre inovação, corrupção e percepção de felicidade, os autores cotejam e trabalham sobre índices de felicidade, liberdade econômica e corrupção relativos a 119 países. Entre os principais achados de Yetika e Hein destacam-se: (i) ambientes reprimidos apresentam baixo índice de felicidade; (ii) a corrupção gera felicidade em ambientes reprimidos e reduz a percepção de felicidade em ambientes livres.

O debate do quinto artigo, Efeitos da participação orçamentária no comportamento organizacional em cooperativas de crédito: interveniência do capital psicológico, de Renata Mendes de Oliveira, Celliane Ferraz Pazetto, Ilse Maria Beuren e Carlos Eduardo Facin Lavarda, mostra a importância de se considerar o capital psicológico - traduzido em autoeficácia, esperança, resiliência e otimismo - na participação sobre decisões orçamentárias em cooperativas de crédito. É mais um exemplo que corrobora o avanço da pesquisa em Administração no sentido de tecer relações entre constructos de diversas áreas disciplinares para proporcionar melhores bases de tomada de decisão.

A fim de reforçar a ideia da importância de inferências significativas na descoberta e no estabelecimento de novas relações entre constructos organizacionais, apresentamos, na sequência, o artigo Traços da personalidade e cultura organizacional como fatores comportamentais para a colaboração com fornecedores na rede de suprimentos. Assinado por Roberta de Cássia Macedo, Ricardo Silveira Martins e Antônio Carlos Rodrigues, este trabalho conclui que indivíduos mais abertos e colaborativos, nos quais o neuroticismo esteja ausente enquanto traço de personalidade, trazem um aporte colaborativo mais significativo para as organizações; portanto, tais atributos, entrelaçados à cultura organizacional e à respectiva carga simbólica, devem ser considerados na seleção de profissionais de compras em redes de suprimentos.

O oitavo artigo desta edição, A influência da cultura organizacional sobre a relação entre o comportamento de cidadania organizacional e a qualidade assistencial, de Wilson Oliveira Junior e Guilherme Costa Wiedenhöft, conclui que, embora predomine a cultura de natureza hierárquica em organizações da rede Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), atributos de comportamento e cidadania identificados em profissionais das áreas médica, de enfermagem e de apoio assistencial, como conscienciosidade e espírito de iniciativa, contribuem para manter a qualidade assistencial nessas organizações.

Por último, mas não menos importante, apresentamos a pesquisa de Raquel Sastre e Silvia Bernardo, Estética organizacional e educação virtual: uma perspectiva semiótica. Trata-se de uma imersão em nove dimensões das organizações por meio das quais, com uma forte carga semiótica e estética, são identificadas as dimensões organizacionais mais valorizadas por docentes do ensino a distância. O diferencial do trabalho está na visão que entrelaça ética, estética e semiótica de origem peirceana, em que as autoras concluem que organizações mais belas, segundo as lentes de seus colaboradores, são as que incentivam e mantêm um clima organizacional favorável à criatividade e à inovação. Desta forma, iniciamos e fechamos este editorial tratando de inovação.

Boa leitura!

REFERÊNCIAS

  • AGUINIS, H.; VILLAMOR, I.; LAZZARINI, S.G.; VASSOLO, R.S.; AMORÓS, J.E.; ALLEN, D.G. Conducting management research in Latin America: What’s in it for you? Journal of Management, v. 46, n. 5, p. 615-636, 2020, DOI: 10.1177/0149206320901581.
    » https://doi.org/10.1177/0149206320901581.
  • BARNARD, C.I. The functions of the executive Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1968.
  • CÂMARA, G.D. Interdisciplinariedade na produção de conhecimento em Administração: para além da pluralidade monoepistêica. REAd, v. 29, n.º 2 , p. i-vi, 2023, http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.381.135184
    » http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.381.135184
  • CHESBROUGH, H.W. Open innovation: the new imperative for creating and profiting from technology. Boston: Harvard Business School Press, 2003.
  • HEUBECK, T.; REINHARD, M. More capable, more innovative? Na empirical inquiry in to the effects of dynamic managerial capabilities on digital firms’ innovativeness. European Journal of Innovation Management, v. 25, n. 6, p. 892-915, 2022, DOI 10.1108/EJIM-02-2022-0099.
    » https://doi.org/10.1108/EJIM-02-2022-0099.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023
Escola de Administração da UFRGS Escola de Administração da UFRGS, Rua Washington Luis, 855 - 2° Andar, 90010-460 Porto Alegre/RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-3823, Fax: (55 51) 3308 3991 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: read@ea.ufrgs.br