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Triagem do desenvolvimento de linguagem em prematuros: relação entre dois instrumentos de avaliação

RESUMO

Objetivo:

relacionar dois instrumentos de triagem para avaliação do desenvolvimento global e de linguagem de prematuros.

Métodos:

participaram da pesquisa 69 crianças de 0 a 24 meses de idade corrigida, prematuras ao nascimento, que estiveram internadas no setor de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal. Utilizou-se uma anamnese e os protocolos Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem (ELM) e o Roteiro de Observação e Acompanhamento de Crianças de 0 a 48 meses de idade. Os protocolos foram relacionados entre si, considerando as variáveis categóricas e numéricas de cada instrumento. Para tal, foram considerados percentuais descritivos e testes estatísticos não paramétricos como Qui-quadrado, Spearman e Mann Whitney, Kruskal-Wallis e de correspondências múltiplas (p<0,05).

Resultados:

constatou-se relação significante entre o Roteiro e a Escala ELM, ou seja, a classificação “não esperado para a idade” esteve associada a atraso/patológico do Roteiro e “esperado” relacionou-se com adequado. Observou-se, também, uma relação entre o percentil de ambos os instrumentos (ELM- R=0,564; p=0,000), indicando que ambos parecem se complementar nos resultados da avaliação.

Conclusão:

os protocolos para a avaliação da aquisição da linguagem em crianças mostram-se complementares, fornecendo uma avaliação completa, com dados importantes sobre o desenvolvimento do prematuro.

Descritores:
Recém-Nascido Prematuro; Desenvolvimento Infantil; Desenvolvimento da Linguagem

ABSTRACT

Purpose:

to associate two screening instruments used to assess global and language development of preterm infants.

Methods:

a study including 69 children aged 0-24 months of corrected age, premature at birth, who were admitted to the Neonatal Intensive Care Unit (NICU). Researchers used an anamnesis and two protocols: Early Language Milestone Scale (ELM) and Observation and Monitoring Guide for Children from 0-48 months of age. According to the categorical and numerical variables, the protocols were associated with each other through descriptive percentages and non-parametric statistical tests, such as the Chi-square, Spearman's rank correlation coefficient and Mann-Whitney U, Kruskal-Wallis test and multiple correspondences (p<0.05).

Results:

a significant relationship was found between the Guide and the ELM, since the “not expected for the age” classification was associated with delayed/pathological classification in the Guide, while “expected” results were related to “adequate”. There was also a relationship between the percentile of both instruments, as the higher the Guide value, the higher the ELM values (ELM-R=0.564; p=0.000), suggesting that both protocols complement each other in the evaluation results.

Conclusion:

the protocols for the assessment of language acquisition in children showed to be complementary, providing a complete assessment and relevant data on the development of preterm infants.

Keywords:
Infant, Premature; Child Development; Language Development

Introdução

A prematuridade, conceituada como idade gestacional abaixo de 37 semanas é considerada um dos principais agravantes da mortalidade e da morbidade neonatais, resultando em adversidades relacionadas à Saúde Pública11. Organização Mundial de Saúde. Preterm birth. [Homepage on the Internet] [accessed on 2018 June 19]. Available at: http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preterm-birth.
http://www.who.int/news-room/fact-sheets...
. As crianças pré-termo são privadas de um período crítico de crescimento intrauterino22. Ribeiro CC, Lamônica DAC. Communicative abilities in premature and extreme premature infants. Rev. CEFAC. 2014;16(3):830-9.. Quanto menor a idade gestacional, maior risco para a mortalidade, abandono e problemas de saúde pelo incompleto desenvolvimento fetal33. Teixeira LA, Vasconcelos LD, Ribeiro RAF. Prevalence of disease na relationship to preterm birth in high-risk pregnancy. Rev. Ciên.Saúd. 2015;5(4):35-2.. Além disso, o nascimento prematuro traz consigo a necessidade de internação da criança, sendo muitas vezes inevitável a permanência do neonato por um longo tempo na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)44. Melo MRO, Andrade ISNS. Child development and prematurity: a reflection on maternal knowledge and expectations. Rev Bras. Prom. Saúd. 2013;26(4):548-53..

O parto prematuro é apontado como um fator de risco biológico para o desenvolvimento típico infantil, aumentando a probabilidade para problemas em diversas áreas e momentos do desenvolvimento55. Linhares MBM. Estresse, resiliência e cuidado no desenvolvimento de neonatos de alto risco. In: Mendes EG, Almeida MA, Williams LCA, editors. Temas em educação especial: avanços recentes. São Carlos: EDUFSCar, 2004. p. 315-24..

Nas crianças pré-termo, o atraso na aquisição da linguagem é uma das desordens descritas na literatura66. Lamônica DAC, Picolini MM. Habilidades do desenvolvimento de prematuros. Rev. CEFAC. 2009;11Supl(2):145-53.. Quanto menor o peso ao nascimento e a idade gestacional, parece haver maior probabilidade de atrasos nos vários estágios do desenvolvimento da linguagem, tais como: marcos pré-linguísticos (ex. reconhecer objetos, obedecer a comando verbal, etc.), menor vocabulário e capacidade de formar frases aos 2-3 anos66. Lamônica DAC, Picolini MM. Habilidades do desenvolvimento de prematuros. Rev. CEFAC. 2009;11Supl(2):145-53..

A frequência e a extensão do comportamento verbal dos bebês pré-termo mostram-se diminuídas em relação ao padrão de normalidade, porém constata-se, no estudo, uma aproximação a esse padrão do bebê nascido a termo por volta dos 24 meses. Na caracterização da linguagem dos recém-nascidos pré-termo, em que os riscos biológicos para o desenvolvimento são altos, os fatores ambientais e as condições econômicas são amplamente consideradas como fatores intervenientes no processo de desenvolvimento77. Isotami SM, Azevedo MF, Chiari BM, Perissinoto J. Linguagem expressiva de crianças nascidas pré-termo e termo aos dois anos de idade. Pró-Fono R. Atual. Cientif. 2009;21(2):155-60.,88. Foster-Cohen S, Edgin JO, Champion PR, Woodward LJ. Early delayed language development in very preterm infants: evidence from the MacArthur-Bates CDI. JChild Lang. 2007;34(3):655-75..

A pesquisa realizada por Isotami et al. (2009)77. Isotami SM, Azevedo MF, Chiari BM, Perissinoto J. Linguagem expressiva de crianças nascidas pré-termo e termo aos dois anos de idade. Pró-Fono R. Atual. Cientif. 2009;21(2):155-60. corrobora com as informações descritas acima. O estudo comparou a linguagem expressiva de crianças nascidas pré-termo com as nascidas a termo aos dois anos de idade. As crianças prematuras apresentaram vocabulário expressivo significantemente menor que as crianças a termo de mesma idade em todas as categorias semânticas. A renda familiar apresentou associação positiva à extensão frasal, assim como a idade gestacional, condições de nascimento e peso ao nascer.

As alterações de linguagem apresentadas pelas crianças nascidas pré-termo sugerem uma influência decorrente da alteração na maturidade auditiva. Rechia et al. (2016)99. Rechia IC, Oliveira LD, Crestani AH, Biaggio EP, Souza AP. Effects of prematurity on language acquisition and auditory maturation: a systematic review. CoDAS. 2016;28(6):843-54. e Azevedo & Vieira (1995)1010. Azevedo M, Vieira R. Desenvolvimento auditivo de crianças normais e de alto risco. Plexus Editora; 1995., em seus estudos com crianças a termo e prematuras, observaram que o nascimento antecipado e as intercorrências advindas deste processo podem trazer repercussões na maturidade auditiva, fazendo com que o desenvolvimento seja aquém do esperado. Gouveia et al. (2020)1111. Gouveia AS, Oliveira MMF, Goulart AL, de Azevedo MF, Perissinoto J. Development of speech and hearing skills in prematures adequate and small for gestational age: chronological age between 18 and 36 months. CoDAS. 2020;32(4):e20180275., pesquisaram a relação entre o desenvolvimento auditivo e de linguagem de crianças entre 18 a 36 meses, comparando crianças a termo e prematuras ao nascimento. Os autores observaram alteração na maturidade auditiva das crianças pré-termo e a relação entre a imaturidade deste grupo com alterações de linguagem, principalmente expressiva, reforçando a presença da alteração do desenvolvimento auditivo nesta população.

Diante das dificuldades observadas no desenvolvimento do prematuro, esses necessitam receber um acompanhamento diferenciado em seu desenvolvimento e crescimento, para que possíveis alterações possam ser identificadas precocemente e, assim, instituídas intervenções para minimizar as sequelas22. Ribeiro CC, Lamônica DAC. Communicative abilities in premature and extreme premature infants. Rev. CEFAC. 2014;16(3):830-9.,1212. Guarini A, Marini A, Savini S, Alessandroni R, Faldella G, Sansavini A. Linguistic features in children born very preterm at preschool age. Dev. Med. Child Neurol. 2016;58(9):949-56.,1313. Mello RR, Meio MDBB. Follow-up de recém-nascido de risco. In. Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, editors. Quando a vida começa diferente: o bebê a sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz; 2003. p.179-84., ajudando as crianças a alcançar o máximo de seu potencial, a se integrarem em seu ambiente familiar e escolar e a conquistarem uma boa qualidade de vida.

Dada a importância deste acompanhamento, a Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016 traz orientações e diretrizes para o cuidado na primeira infância, observando a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento infantil. Esta lei contempla a observação do desenvolvimento infantil (que engloba desde o período gestacional até a criança com 3 anos de idade), assim como a orientação aos pais ou responsáveis1414. Brasil, 2016 Presidência da República, Casa Civil Lei Nº 13.257, de 8 de Março de 2016. [Homepage on the Internet] [ accessed on 2021 May 11]. Available at: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
. Nesta lei está previsto acompanhamento para todos na primeira infância.

O Joint Commitee of Infant Hearing (JCIH), um comitê internacional sobre audição na infância descreve algumas intercorrências peri, pré ou pós natais como fatores de risco para a deficiência auditiva. Dentre esses fatores, a prematuridade apresenta-se como um dos indicadores de risco para alterações auditivas. Outros fatores também são considerados de risco e podem acontecer em conjunto com a prematuridade, tais como: permanência na UTI por mais de cinco dias, ou a ocorrência de qualquer uma das seguintes condições, independente do tempo de permanência na UTI: necessidade de ventilação extracorpórea; ventilação assistida; exposição a drogas ototóxicas como antibióticos aminoglicosídeos e/ou diuréticos de alça; hiperbilirrubinemia; anóxia perinatal grave; Apgar Neonatal de 0 a 4 no primeiro minuto, ou 0 a 6 no quinto minuto; peso ao nascer inferior a 1.500 gramas1515. Joint Committee on Infant Hearing. Year 2019 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. J Early hear det interv. 2019;4(2):1-44..

Dessa forma, o JCIH e o Comitê Multiprofissional de Saúde Auditiva (COMUSA), formado por profissionais brasileiros que atuam na área de audição, especialmente infantil, estabelecem que todas as crianças que nascem sejam avaliadas auditivamente e, aquelas com fatores de risco para a deficiência auditiva, seja acompanhada em termos auditivos e de linguagem até os 3 anos de idade1515. Joint Committee on Infant Hearing. Year 2019 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. J Early hear det interv. 2019;4(2):1-44.,1616. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva: COMUSA. Braz. J. Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8.. As Diretrizes para a Triagem Auditiva Neonatal, documento formulado pelo Ministério da Saúde (2012) também preconiza tal acompanhamento, corrigindo a idade das crianças pré-termo ao nascimento. Durante esse acompanhamento, se detectada alguma alteração, a criança será imediatamente encaminhada para os serviços médicos e reabilitação auditiva em serviços especializados.

O interesse de pesquisadores e clínicos sobre o desenvolvimento da linguagem tem crescido nos últimos anos, porém poucos são os instrumentos normatizados e validados, especialmente os que verificam o desenvolvimento da linguagem antes dos 4 anos1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas e Departamento de Atenção Especializada. - Brasília: Ministério da Saúde, 2012.,1818. O´Neil D. The language use inventory for young children: a parent-report measure of pragmatic language development for 18 to 47-months-old children. J Speec, Lang Hear Res. 2007;50(1):214-28..

Para a presente pesquisa, foram utilizados dois protocolos cuja avaliação se inicia com menos de um mês de vida: Escala ELM (Early Language Milestone Scale), publicada em 19831919. Coplan J. The Early Language Milestone Scale. Pro-ED, Austin, 1983. Revisada em 1993. e traduzida por Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem, publicada no Brasil2020. Oliveira LN, Lima MCMP, Gonçalves VMG. Acompanhamento de lactentes com baixo peso ao nascimento. Arq neuropsiq. 2003;61(3):802-7., avaliando lactentes normais e lactentes surdos. O instrumento já foi utilizado em muitas pesquisas com crianças de alto risco para a surdez, publicadas em Revistas Científicas da área.

Outro protocolo a ser utilizado foi o Roteiro de Observação e Acompanhamento de Crianças de 0 a 48 meses de idade. Este instrumento foi elaborado2121. Perissinoto J, Pedromônico MRM, Azevedo MF, Silva AAM, Tavares FM, Isotami SM. Roteiro de observação e acompanhamento do desenvolvimento de crianças de 0 a 48 meses de idade. Anais de IV Congresso Internacional de Fonoaudiologia e III Encontro Ibero-americano de Fonoaudiologia. São Paulo. 1999:46. em 1999, a partir da ampliação e atualização do Roteiro de avaliação do desenvolvimento de crianças de 0 a 36 meses de idade elaborado pelas mesmas autoras em 1992. Este roteiro assume “a Linguagem como um processo contínuo, configurador da mente humana, cujo suceder pode ser acompanhado por meio de comportamentos”2222. Perissinoto J, Isotani SM. Desenvolvimento da linguagem: programa de acompanhamento de recém nascidos de risco. In: Hernandez AM, editor. Conhecimentos essenciais para atender bem o neonato. São José dos Campos: Pulso; 2003. p.113-21.. Observando aspectos do desenvolvimento global da criança, possui o objetivo de identificar precocemente alterações nos processos de aquisição e desenvolvimento de linguagem, contemplando manifestações tanto verbais (de emissão e recepção linguística) quanto não verbais, no processo de evolução da criança. Os aspectos avaliados organizam-se em 3 níveis de manifestação: motor, cognitivo-social e auditivo-verbal (em que se inclui a linguagem), distribuídos por faixas etárias trimestrais entre 0 a 18 meses e semestrais entre 19 a 48 meses.

Ambos os instrumentos são de fácil aplicação e, quando utilizados em conjunto, abrangem áreas que influenciam diretamente no desenvolvimento das habilidades linguísticas das crianças.

Observa-se, portanto, que o recém-nascido pré-termo apresenta um risco biológico para alterações do desenvolvimento da linguagem. A detecção precoce dessas alterações, por meio de instrumentos formais, pode auxiliar na atenuação dos riscos e potencialização do desenvolvimento de prematuros. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi relacionar dois instrumentos de triagem para avaliação do desenvolvimento global e de linguagem de prematuros.

Métodos

Participantes

Trata-se de um estudo prospectivo de tipo transversal e quantitativo do desenvolvimento de linguagem de crianças de 0 a 24 meses com diagnóstico de prematuridade ao nascimento. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP 2.326.785/2017) da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil, e está de acordo com a Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Participaram da pesquisa 69 crianças de 0 a 24 meses de idade corrigida com diagnóstico de prematuridade ao nascimento, que nasceram e estiveram internadas no setor de UTI neonatal em um Hospital escola de um município do Interior do Estado de São Paulo. Todos os participantes foram acompanhados no Ambulatório de Alto Risco deste mesmo hospital no período de outubro de 2017 a novembro de 2018.

Este serviço é caracterizado pelo acompanhamento longitudinal (até 4 anos de idade) de crianças que estiveram internadas no serviço de UTI, nascidas com menos de 30 semanas de idade gestacional e/ou peso ao nascimento igual ou inferior a 1500 g. São acompanhados também os bebês com alterações neurológicas ou síndromes (neste caso, prematuras ou a termo). O acompanhamento é multidisciplinar, formado por pediatras, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e nutricionistas e ocorre mensalmente até o 6º mês de vida; a cada 3 meses, até um ano de idade. Após o 1º ano, as avaliações são quadrienais até 2 anos; e anual após essa idade.

A presente pesquisa considerou a idade corrigida para a avaliação dos participantes da pesquisa por ser um dos critérios estabelecidos pelo serviço (todas as crianças são avaliadas pela equipe multidisciplinar considerando a idade corrigida). Além disso, o uso da idade corrigida na avaliação do crescimento e do desenvolvimento até os 2 anos de idade revela uma expectativa real para cada criança, sem subestimar o prematuro ao confrontá-lo com os padrões de referência.

Foram incluídas no estudo todas as crianças da faixa etária estipulada, com diagnóstico de prematuridade ao nascimento (na avaliação clínica realizada pelos pediatras do serviço, não houve presença de malformações neurológicas, auditivas, visuais ou alterações de síndrome); crianças cujos pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que realizaram toda a avaliação proposta.

Foram excluídos da pesquisa os participantes cuja idade era inferior ou superior a proposta, e/ou que possuíam alterações neurológicas, auditivas, visuais ou síndromes e que não finalizaram a avaliação. Devido aos critérios anteriormente descritos, 6 crianças foram excluídas por preenchimento incompleto da avaliação. Dessa forma, o estudo foi realizado com 69 crianças.

As crianças tinham, em média, 5,7 meses (DP = 6.6) de idade corrigida com idade mínima de 0 meses (os participantes seriam considerados recém-nascidos no momento da avaliação) e máxima de 23 meses. A maioria (71%) apresentava a faixa etária entre 0 a 6 meses, seguida da idade entre 13 e 20 meses (14,49%), 7 a 12 meses (8,6%) e 14 a 23 meses (5,8%).

Materiais

Para a pesquisa, foram utilizados os seguintes materiais:

Roteiro de anamnese2323. Brocchi BS, Leme MIS. Relation between mother-child interaction upon the development of oral language of the preterm newborn. Audiol., Commun Res. 2013;18(4):321-31.: Neste roteiro, há perguntas relativas aos dados de identificação da criança (idade, data de nascimento), dos pais (idade, data de nascimento, escolaridade, profissão), endereço, telefone e renda mensal. Há perguntas com relação à história materna pregressa, planejamento da gravidez, intercorrências no processo gestacional do participante, medicações utilizadas, uso de drogas lícitas e ilícitas e doenças maternas. Foi levantado o histórico de internação da criança como idade gestacional, peso, tempo de internação, ocorrências durante a estadia na UTI neonatal e exames realizados. Foram questionados também com todo o período de internação, relação à interação materno-infantil (como a mãe se sentiu quando soube que o bebê seria prematuro, sentimentos durante a internação) e atividades de vida diária da mãe com a criança.

Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem2424. Lima MCMP. Avaliação de fala em lactentes no período pré-linguístico: uma proposta para triagem de problemas auditivos [Dissertation]. Campinas (SP): Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas; 1997.: É utilizada como instrumento de triagem do desenvolvimento da linguagem de crianças de 0 a 36 meses que auxilia na determinação de padrões de comportamentos linguísticos esperados para cada fase do desenvolvimento infantil. É de fácil execução, realizada diretamente com a criança ou na forma de questionário aos pais e possui 41 itens no total, divididos em três habilidades: habilidades auditiva-expressiva, auditiva-receptiva e visual (essas habilidades somadas compõem o escore global e o percentil).

  1. Função auditiva expressiva: E1 (Gorjeio); E2 (vocalização recíproca); E3 (rir-gargalhar); E4 (Bolhas); E5 (balbucio monossilábico); E6 (balbucio monossilábico); E7 (mamã/papá para qualquer pessoa); E8 (mamã/papá corretamente); E9 (primeira palavra diferente de mamã/papá); E10 (Produção de 4 a 6 palavras únicas).

  2. Função auditiva receptiva: R1 (alerta para a voz); R2 (orientação lateral para a voz); R3 (reconhece sons); R4 (sino lateral); R5 (sino vertical); R6 (inibe-se ao “não”); R7 (sino diagonal-localização direta para baixo e indireta para cima); R8 (ordem de um comando sem gesto); R9 (aponta mais de uma parte do corpo); R10 (ordem de dois comandos sem gestos).

  3. Função visual: V1 (sorri); V2 (reconhece os pais); V3 (reconhece objetos); V4 (responde a expressões faciais); V5 (seguimento visual-horizontal e vertical); V6 (pisca para o perigo); V7 (imita jogos gestuais); V8 (ordem de um comando com gesto); V9 (imita jogos gestuais); V10 (aponta objetos desejados).

Cada habilidade está representada pela sua descrição (ex. faz pedido, reconhece pais, reconhece objetos) e um retângulo dividido em 4 partes. Cada parte equivale à porcentagem de crianças que realizaram o teste. Por meio do questionamento aos pais e observação do comportamento pelo avaliador, verificou-se se o item esperado para a idade já era realizado pela criança. Marcou-se os que são realizados e foi feito um X naqueles que ainda não são.

  • Roteiro de Observação e Acompanhamento de Crianças de 0 a 48 meses de idade2121. Perissinoto J, Pedromônico MRM, Azevedo MF, Silva AAM, Tavares FM, Isotami SM. Roteiro de observação e acompanhamento do desenvolvimento de crianças de 0 a 48 meses de idade. Anais de IV Congresso Internacional de Fonoaudiologia e III Encontro Ibero-americano de Fonoaudiologia. São Paulo. 1999:46.: Possui o objetivo de identificar precocemente alterações nos processos de aquisição e desenvolvimento de linguagem, dentro da rotina de acompanhamento do desenvolvimento. Contempla manifestações verbais (de emissão e recepção linguística) e não verbais no processo de evolução da criança.

O avaliador deverá marcar se a criança realizou ou não determinado comportamento em coluna adequada. Todas as marcações e análises foram realizadas no próprio protocolo. Há também perguntas sobre identificação do sujeito, espaço para descrição física e comportamental de acordo com a data e idade cronológica e observações do comportamento da criança. O Roteiro permite a classificação do desenvolvimento normal, risco, atraso e patológico.

Os resultados foram transcritos em protocolos específicos e a análise foi realizada pela autora do trabalho, fonoaudióloga, especialista em linguagem infantil, treinada para utilizar os instrumentos acima descritos.

Procedimentos

Na rotina de avaliação pediátrica do Ambulatório de Alto risco, a avaliadora verificava, junto à equipe médica, quais pacientes agendados para o dia estavam dentro dos critérios de inclusão da pesquisa. Após esta etapa, a família era acolhida pela avaliadora que explicava sobre o projeto e solicitava a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este momento ocorria na sala de espera, antes da consulta da criança com a pediatria e a equipe multidisciplinar.

Depois deste procedimento (antecedendo o acompanhamento multidisciplinar), as perguntas relativas à anamnese eram realizadas e, com os dados relativos à data de nascimento e idade gestacional, calculava-se a idade corrigida. A partir deste cálculo, aplicou-se a escala ELM por meio de perguntas aos pais. Traçou-se uma linha na idade da criança em meses e os pais eram questionados quanto aos itens realizados pelas crianças. Se a criança estava acordada, esses dados eram complementados com a observação do comportamento da criança. Quando os pais relatavam que a criança já possuía um item questionado (exemplo: segue visualmente um objeto), a avaliadora considerada como comportamento presente e se os pais relatassem que a criança ainda não o fazia era considerado ausente. Ao final, os pais foram orientados com relação ao desenvolvimento da linguagem e como estimular a criança na rotina diária.

Análise de dados

Os protocolos foram relacionados entre si, considerando as variáveis categóricas e numéricas de cada instrumento.

  • Escala ELM: A avaliadora traçou uma linha na idade corrigida da criança e verificou, por meio das respostas obtidas pelos pais, quais eram as habilidades e porcentagem realizadas pela criança avaliada. Cada habilidade apresentou uma pontuação e, por meio de uma tabela específica do teste, considerando a idade da criança, observou-se se a mesma encontrava-se dentro do esperado para a idade (por habilidade). Somou-se todos os aspectos observados para obter uma pontuação total. Esse resultado também foi comparado à tabela para verificação de desempenho da criança em todo o instrumento. Dessa forma, obteve-se uma variável numérica (valor de cada aspecto e o valor global) e uma variável categórica (esperado/não esperado para a idade em cada aspecto e no escore global).

  • Roteiro de Observação e Desenvolvimento: o Roteiro consiste em comportamentos esperados para uma faixa etária (dividida trimestralmente) em 3 categorias: a categoria motora possui 10 itens a serem respondidas; a cognitivo-social possui 4 itens e a auditivo-verbal apresenta 5 itens em todas as idades (todos os 10 itens descritos são distribuídos nesta mesma proporção por faixa de idade avaliada). Após a somatória dos resultados obtidos, por meio de entrevista dos pais, foi realizada uma porcentagem do desempenho do avaliado, com relação ao total de itens (esse total foi considerado 100%) calculando a porcentagem do total de itens que a criança possui na faixa etária corrigida). Esse percentil foi comparado à tabela de desempenho construído pelos autores do instrumento e o avaliado poderia ser classificado como patológico, atraso, risco ou normal. Para a análise da população estudada, as classificações atraso e patológico foram unidas para obter um número de participantes necessário para aplicação dos testes estatísticos.

Para tal foram utilizados percentuais descritivos e testes estatísticos não paramétricos como Qui-quadrado, Spearman e Mann Whitney, Kruskal-wallis e de correspondências múltiplas, realizados por meio do programa SPSS 2.0. Foi adotado como hipótese básica (Ho=0) a presença de correlação e hipótese alternativa H(0, para um nível de significância (n.sig) 0,05, próprio para ciências humanas.

Resultados

Dos participantes avaliados, com relação às condições de nascimento, conforme descrito na Tabela 1, observou-se que praticamente metade (49,2%) foi classificado como prematuros extremos, uma vez que nasceram entre 24 e 30 semanas de idade gestacional (IG). Na Tabela 1, nota-se que a média da IG foi de 30,93 semanas (DP=2,4).

Trinta e duas crianças (46,3%) foram prematuras moderadas (31 a 34 semanas de idade gestacional) e apenas uma (1.44%), foi considerada prematura tardia (idade gestacional ao nascimento de 36 semanas).

O peso ao nascimento foi em média 1.427,14 g (DP=551,24). Metade das crianças (55,1%) esteve entre 1001-1500 g, seguido de crianças com peso acima de 1500 g (27,5%). 17,4% dos recém-nascidos nasceram abaixo de 1000 g.

O APGAR do 1º minuto foi 6,3 (DP=2,8) e 8,7 no 5º min (DP=1,2). O tempo e internação das crianças foi, em média 50, 96 dias (DP= 23,3), sendo o mínimo 8 e o máximo 90 dias.

Tabela 1:
Condições de nascimento dos participantes da pesquisa

Com relação à Escala de Aquisições Iniciais de Fala e Linguagem (ELM), observou-se o desempenho das crianças por categoria (auditivo-expressivo, auditivo-receptivo e visual) e na totalidade, por meio do desempenho global.

Na categoria auditivo-expressiva, como observado na tabela acima, a média de desempenho das crianças foi de 5,3 (DP=4,8), o que equivale, segundo o autor do teste, a performance de crianças de 7,2 meses de idade. Mais da metade das crianças (64,3%) obteve desempenho dentro do esperado para a idade corrigida.

O desempenho das crianças na categoria auditivo-receptivo foi semelhante, com média de 4,6 (DP=4,1). Metade das crianças obteve desempenho dentro do esperado para a idade corrigida, equivalente à idade de 6,2 meses. A categoria visual apresentou a maior média (5,5; DP=2,9) e mais da metade das crianças (60,7%) mostrou-se dentro do que seria esperado para a idade.

No que se refere ao desempenho global dos sujeitos (totalizando as 3 categorias juntas), as crianças obtiveram média de 15,4 (DP=6,3), com idade equivalente a 6,3 meses. Metade das crianças (57,1%) apresentou desempenho esperado para a idade corrigida.

Figura 1:
Desempenho esperado para os participantes, segundo a Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem

Roteiro de Observação e Desenvolvimento

Observou-se que a média do percentil encontrado entre os participantes da pesquisa foi de 81,2 (DP=16,2). Das crianças avaliadas, mais da metade apresentou alteração no desenvolvimento, conforme Tabela 3. Estiveram adequados 21,4% dos participantes e um quarto apresentou classificação de risco.

Figura 2:
Desempenho dos participantes no Roteiro de Diagnóstico e Acompanhamento

A partir da análise estatística realizada, observou-se, entre variáveis numéricas da Escala ELM (por habilidade e escore global) e do Roteiro de Desenvolvimento (por meio da correlação de Spearman), uma relação entre o percentil de ambos os instrumentos, ou seja, quanto maior o valor do Roteiro, maiores os valores da Escala ELM (ELM- R=0,564; p<0,001).

Após esta análise de parâmetros numéricos, foram consideradas as variáveis categóricas dos testes. Da Escala ELM levou-se em consideração o “esperado para a idade” e o “não esperado para a idade” em cada habilidade, o escore global e o percentil. Para o Roteiro de desenvolvimento, o desempenho foi classificado em adequado, de risco e atraso/patológico (estas últimas classificações foram agrupadas para a realização da análise estatística). Para a comparação entre os grupos, optou-se por utilizar o teste de Qui-quadrado.

Observou-se, conforme a Tabela 1 demonstra, que todos os aspectos da Escala ELM estão relacionados com o Roteiro do Desenvolvimento. Com exceção da habilidade auditivo-expressivo da Escala ELM, as outras habilidades apresentaram associação significante com a classificação do Roteiro de Desenvolvimento. Na Escala ELM, a classificação “não esperado para a idade” esteve associada a atraso/patológico do Roteiro e o “esperado” relacionou-se com adequado.

Tabela 2:
Correlação entre as variáveis categóricas dos instrumentos (Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem e Roteiro)

A partir dos achados das análises anteriores, realizou-se outras correlações dos dados numéricos da Escala ELM, para cada habilidade, escore global e percentil com os achados categóricos do Roteiro (adequado, risco e atraso/patológico). Para este tipo de análise, optou-se por utilizar os testes de Kruskal-Wallis com comparações múltiplas de Tukey quando significante.

Constatou-se relação significante entre o Roteiro e o escore de percentil (p<0,001) do ELM (considerando p<0,05). Nas comparações múltiplas desses dois aspectos, o aspecto Adequado apresentou maiores valores em relação a Atraso/patológico (Tabela 3).

Tabela 3:
Relação entre variáveis as numéricas da Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem e categóricas do Roteiro de Observação

A fim de uma verificação completa da relação entre os dois instrumentos, relacionou-se as variáveis categóricas do ELM (esperado para a idade e não esperado para a idade) e as variáveis categóricas do Roteiro (adequado, risco e atraso/patológico). Nota-se, na Tabela 4, correlação significante em todos os aspectos analisados. De acordo com os resultados, o “esperado para a idade” esteve associado aos maiores valores do percentil do Roteiro de Observação e Acompanhamento.

Tabela 4:
Relação entre variáveis categóricas da Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem e numéricas do Roteiro de Observação

Diante dos dados acima descritos, por meio dos diferentes testes estatísticos, observou-se relação significante entre os dois instrumentos utilizados na pesquisa com prematuros.

Discussão

O acompanhamento precoce da criança nascida prematura é consenso na literatura22. Ribeiro CC, Lamônica DAC. Communicative abilities in premature and extreme premature infants. Rev. CEFAC. 2014;16(3):830-9.,66. Lamônica DAC, Picolini MM. Habilidades do desenvolvimento de prematuros. Rev. CEFAC. 2009;11Supl(2):145-53.,1313. Mello RR, Meio MDBB. Follow-up de recém-nascido de risco. In. Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, editors. Quando a vida começa diferente: o bebê a sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz; 2003. p.179-84.,2020. Oliveira LN, Lima MCMP, Gonçalves VMG. Acompanhamento de lactentes com baixo peso ao nascimento. Arq neuropsiq. 2003;61(3):802-7.,2525. Rugolo LMSS. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. J. Pediatr. 2005;81(1):101-10.. As condições biológicas associadas às questões ambientais são fatores de risco para o desenvolvimento dessas crianças22. Ribeiro CC, Lamônica DAC. Communicative abilities in premature and extreme premature infants. Rev. CEFAC. 2014;16(3):830-9.,66. Lamônica DAC, Picolini MM. Habilidades do desenvolvimento de prematuros. Rev. CEFAC. 2009;11Supl(2):145-53.,77. Isotami SM, Azevedo MF, Chiari BM, Perissinoto J. Linguagem expressiva de crianças nascidas pré-termo e termo aos dois anos de idade. Pró-Fono R. Atual. Cientif. 2009;21(2):155-60.,1313. Mello RR, Meio MDBB. Follow-up de recém-nascido de risco. In. Moreira MEL, Braga NA, Morsch DS, editors. Quando a vida começa diferente: o bebê a sua família na UTI neonatal. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz; 2003. p.179-84.,2525. Rugolo LMSS. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. J. Pediatr. 2005;81(1):101-10..

Os prematuros são privados de um período crítico de crescimento intrauterino, que ocorre no último trimestre de gestação2525. Rugolo LMSS. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. J. Pediatr. 2005;81(1):101-10.. Complicações médicas são muito comuns, como septicemia, apneia, bradicardia, doenças pulmonares crônicas, dentre outras, que exigem intervenção e ampliam a estadia na UTI neonatal. Todos estes fatores, somados à imaturidade biológica pode ter um impacto significativo no desenvolvimento cerebral da criança, uma vez que o sistema nervoso central ainda não estava totalmente preparado para funcionar fora do ambiente intra-uterino2626. Carniel CZ, Furtado MCC, Vivente JB, Abreu RZ, Tarozzo RM, Cardia SETR et al. Influence of risk factors on language development and contributions of early stimulation: an integrative literature review. Rev. CEFAC. 2017;19(1):109-18..

A imaturidade neurobiológica pode trazer consequências no desenvolvimento do prematuro; dessa forma, a avaliação do desenvolvimento global da criança nascida pré-termo é imprescindível para a detecção precoce de alterações de ordem motora, comportamental, cognitiva e de linguagem. Lamônica & Picolini (2009)66. Lamônica DAC, Picolini MM. Habilidades do desenvolvimento de prematuros. Rev. CEFAC. 2009;11Supl(2):145-53. verificaram o desempenho de habilidades do desenvolvimento linguístico, cognitivo, motor, de autocuidados e socialização em 30 crianças prematuras de ambos os sexos, de 6 a 24 meses. As autoras observaram que todas as crianças da faixa etária estudada apresentaram déficits linguísticos e de autocuidado se comparado a crianças a termo de mesma faixa etária. Outro estudo2727. Fernandes LV, Goulart AL, Santos AM, Barros MC, Guerra CC, Kopelman BI. Neurodevelopmental assessment of very low birth weight preterm infants at corrected age of 18-24 months by Bayley III scales. J Pediatr. 2012;88(6):471-8. sobre avaliação neurocomportamental de crianças prematuras, constatou que essas apresentam alterações mais frequentes nas áreas de linguagem, comportamento adaptativo, socioemocional e óculo-motriz. Pensando nos riscos que a população de prematuros apresenta para o desenvolvimento global, o presente estudo utilizou o Roteiro de Observação e Acompanhamento de Crianças de 0 a 48 meses de idade.

De acordo com a literatura pesquisada, a linguagem aparece como a alteração mais frequente nesta população. Dessa forma, acrescentou-se à avaliação, a Escala ELM. Assim como o Roteiro acima citado, a Escala ELM é rápida e de fácil execução e observa a linguagem expressiva e receptiva.

Uma pesquisa realizada com o mesmo instrumento (ELM)2020. Oliveira LN, Lima MCMP, Gonçalves VMG. Acompanhamento de lactentes com baixo peso ao nascimento. Arq neuropsiq. 2003;61(3):802-7. comprova os aspectos citados anteriormente. Oliveira, Lima & Gonçalves (2003)2020. Oliveira LN, Lima MCMP, Gonçalves VMG. Acompanhamento de lactentes com baixo peso ao nascimento. Arq neuropsiq. 2003;61(3):802-7. avaliaram longitudinalmente lactentes pré-termo e a termo, e observaram que, apesar de não haver diferença estatisticamente significante entre os dois grupos, as crianças pré-termo, com baixo peso no nascimento, apresentaram um atraso no desenvolvimento da expressão verbal com relação às crianças nascidas a termo. Outra pesquisa longitudinal que acompanhou o desempenho de linguagem e cognição de crianças prematuras de muito baixo peso, observou que a linguagem expressiva ocorreu tardiamente e que o atraso persistiu ao longo do período sensório-motor até o pré- operacional2828. Buhler KE, Limongi SC, Diniz EM. Language and cognition in very low birth weight preterm infants with PELCDO application. Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(2A):242-9..

As alterações de linguagem nessa população podem ocorrer por alterações na maturação da via auditiva central. Neonatos prematuros com alteração do desenvolvimento auditivo podem apresentar pior desempenho de linguagem2929. Luiz CBL, Garcia MV, Perissinoto J, Goulart AL, Azevedo MF. Relation between auditory abilities in the first year of life and language diagnosis in pre-terms. Rev. CEFAC. 2017;18(6):1316-22., uma vez que o nascimento prematuro é considerado um fator de risco para o processo maturacional do sistema auditivo central e, assim, trazer prejuízos à audição de crianças prematuras99. Rechia IC, Oliveira LD, Crestani AH, Biaggio EP, Souza AP. Effects of prematurity on language acquisition and auditory maturation: a systematic review. CoDAS. 2016;28(6):843-54.,1010. Azevedo M, Vieira R. Desenvolvimento auditivo de crianças normais e de alto risco. Plexus Editora; 1995.. Em um estudo com 66 crianças (termos e prematuros), verificou-se a relação entre desenvolvimento das habilidades auditivas no primeiro ano de vida e o desenvolvimento de linguagem em crianças nascidas pré-termo com idade cronológica entre 18 e 36 meses1111. Gouveia AS, Oliveira MMF, Goulart AL, de Azevedo MF, Perissinoto J. Development of speech and hearing skills in prematures adequate and small for gestational age: chronological age between 18 and 36 months. CoDAS. 2020;32(4):e20180275.. Neste trabalho, o grupo com desenvolvimento auditivo normal apresentou melhores resultados na avaliação de linguagem, principalmente na área receptiva.

Os dois instrumentos utilizados de forma conjunta, apresentaram concordância satisfatória, ou seja, a classificação adequada do Roteiro esteve associada ao esperado pela escala ELM e o “não esperado” esteve associado ao atraso/patológico, mostrando a complementariedade e sincronia de ambos os testes juntos, na avaliação desta população.

A utilização conjunta dos dois instrumentos possibilita verificar o desenvolvimento global e observa, de forma detalhada, os aspectos da comunicação e da linguagem. O Roteiro apresenta 5 questões objetivas por faixa etária sobre o comportamento auditivo (ex. se a criança localiza o som diretamente para baixo), comunicação verbal (utiliza sílabas) e não verbal (realiza balbucio) e o ELM o complementa, com mais aspectos a serem verificados com relação à compreensão (ex. a criança entende “não”), expressão (uso de palavras, ex: “papai”, “mamãe”) e questões visuais (ex.faz seguimento visual do objeto). Observando os fatores de risco envolvidos no nascimento prematuro, os testes, utilizados em conjunto mostraram-se complementares uma vez que avaliaram aspectos relacionados às questões visuais, auditivas e de linguagem. Segundo os estudos anteriormente descritos66. Lamônica DAC, Picolini MM. Habilidades do desenvolvimento de prematuros. Rev. CEFAC. 2009;11Supl(2):145-53.,2020. Oliveira LN, Lima MCMP, Gonçalves VMG. Acompanhamento de lactentes com baixo peso ao nascimento. Arq neuropsiq. 2003;61(3):802-7.,2727. Fernandes LV, Goulart AL, Santos AM, Barros MC, Guerra CC, Kopelman BI. Neurodevelopmental assessment of very low birth weight preterm infants at corrected age of 18-24 months by Bayley III scales. J Pediatr. 2012;88(6):471-8., são áreas de risco do prematuro e permitem a detecção precoce de atrasos ou alterações para fins de intervenções precoces.

Em uma revisão sobre instrumentos de avaliação em prematuros, os autores propõem que, dos muitos testes que são utilizados para triagem e diagnóstico de anormalidades do desenvolvimento de prematuros, o examinador deve escolher o exame mais adequado aos seus objetivos, seja na sua utilização em pesquisas, triagem clínica ou na verificação da eficiência da intervenção precoce proposta3030. Silva NDSH, Lamy FF, Gama MEA, Lamy ZC, Pinheiro AL, Silva DN. Instrumentos de avaliação do desenvolvimento infantil de recém-nascidos prematuros. J Hum Grow Dev. 2011;21(1):85-98.. Os autores acrescentam que deve-se observar as condições clínicas e a faixa etária para a escolha do instrumento.

No presente estudo, as crianças possuíam idade de 0 a 24 meses, e mesmo com a correção da idade, todas puderam ser avaliadas. Dessa forma, ambos os testes podem ser utilizados em serviços fonoaudiológicos de puericultura e de acompanhamento do desenvolvimento, pois, além de fácil aplicação, mostraram-se eficazes na observação do desenvolvimento global e de linguagem.

O monitoramento auditivo de crianças com Indicadores de Risco para Deficiência Auditiva pode ser um exemplo de programa beneficiado com esses protocolos. O monitoramento, preconizado pelo Ministério da Saúde1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas e Departamento de Atenção Especializada. - Brasília: Ministério da Saúde, 2012., JCIH1515. Joint Committee on Infant Hearing. Year 2019 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. J Early hear det interv. 2019;4(2):1-44. e COMUSA1616. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Comitê multiprofissional em saúde auditiva: COMUSA. Braz. J. Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8. ressalta a importância, após a realização da triagem auditiva neonatal com resultado satisfatório, que toda criança com histórico de deficiência auditiva na família ou de intercorrências pré, peri ou pós natais, além de intercorrências maternas durante a gestação, passem por consultas de puericultura na Atenção Básica para avaliação do desenvolvimento auditivo e de linguagem até os 3 anos de idade. Neste programa, o uso de ambos os protocolos fornecerão, ao examinador, dados importantes do desenvolvimento global e de linguagem da criança. De acordo com as diretrizes para a Triagem auditiva neonatal1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas e Departamento de Atenção Especializada. - Brasília: Ministério da Saúde, 2012., no caso dos prematuros, as idades consideradas durante o monitoramento se referem à idade corrigida, ou seja, descontando a prematuridade, o que foi realizada no presente estudo.

Essa pesquisa focou na investigação de crianças prematuras ao nascimento. Sugere-se mais estudos para observação da utilização de ambos os protocolos em outras populações e faixas etárias.

Conclusão

A partir dos dados resultantes deste estudo, pode-se concluir que os protocolos Roteiro de Observação e Acompanhamento e a Escala de Aquisições Iniciais da Linguagem (ELM), para a avaliação da aquisição da linguagem em crianças, mostram-se complementares, fornecendo uma avaliação completa com dados importantes sobre o desenvolvimento do prematuro. Dessa forma, o acompanhamento dos processos de aquisição da linguagem das crianças prematuras e a intervenção oportuna podem evitar ou reduzir as sequelas decorrentes do parto prematuro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2021
  • Aceito
    26 Ago 2021
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