Treinamento perceptivo-auditivo para a avaliação da hipernasalidade de fala em indivíduos com fissura labiopalatina: uma revisão integrativa da literatura

RESUMO

Objetivo:

descrever as características dos treinamentos perceptivo-auditivos para a avaliação da hipernasalidade em indivíduos com fissura labiopalatina.

Métodos:

revisão integrativa de literatura nas bases de dados Biblioteca Virtual da Saúde, SciELO e PubMed que visou responder a seguinte pergunta norteadora “Quais são as características dos treinamentos perceptivos-auditivos para avaliação da hipernasalidade em indivíduos com fissura labiopalatina?”. Foram incluídos artigos em português e inglês, disponíveis na íntegra, sem restrição de data de publicação, que apresentassem programas de treinamento para hipernasalidade, inéditos, adaptados ou replicados. A busca dos descritores, seleção, extração e síntese dos dados foram feitas por três avaliadores independentes.

Revisão da Literatura:

foram incluídos dez artigos com base nos critérios estabelecidos. Cinco artigos investigaram o efeito do treinamento na análise perceptiva de ouvintes, com ou sem experiência. Outros cinco utilizaram treinamentos de fonoaudiólogos, ao validar protocolos de avaliação da fala. Análises consensuais e amostras de referências foram os treinamentos mais empregados. Julgamentos perceptivos de frases, usando escala de intervalos iguais, em modalidade presencial foram os mais descritos.

Conclusão:

treinamentos perceptivo-auditivos para identificação da hipernasalidade variaram, particularmente, em sua duração e ouvintes incluídos. A dificuldade em manter habilidades adquiridas a longo prazo é apontada.

Descritores:
Fissura Palatina; Insuficiência Velofaríngea; Fala; Distúrbios Da Fala; Tutoria

ABSTRACT

Purpose:

to describe the auditory-perceptual training for the assessment of hypernasality in individuals with cleft lip and palate.

Methods:

an integrative literature review in the databases Virtual Health Library, SciELO, and PubMed, aimed to answer the following guiding question: 1) What are the characteristics of auditory-perceptual training to assess hypernasality in individuals with cleft lip and palate? Articles in Portuguese and English, available in full access, without the restriction of the publication date, which presented programs of training for speech hypernasality, unprecedented, adapted, or replicated, were included. The pursuit of descriptors, selection, extraction, and synthesis of data was performed by three independent evaluators.

Literature Review:

10 articles were included in this study, based on established criteria. Five articles investigated the effectiveness of training on speech analysis by listeners, regardless of experience level. Another five articles pertained to training when validating speech assessment protocols. Consensus analyses and reference samples were the most used training reported. Perceptual rating of phrases, using the equal appearance scale and in person training, was the most reported one.

Conclusions:

the auditory-perceptual training of listeners to identify hypernasality showed variability in the proposed strategies, particularly when proposed for non-experienced listeners. The difficulty in maintaining acquired skills in the long term is pointed out.

Keywords:
Cleft Palate; Velopharyngeal Insufficiency; Speech; Speech Disorders; Mentoring

INTRODUÇÃO

A avaliação perceptivo-auditiva é considerada padrão-ouro na identificação e avaliação das alterações de fala de indivíduos com fissura labiopalatina e/ou disfunção velofaríngea. Dentre estas alterações, a hipernasalidade de fala é a mais frequente, sendo caracterizada pelo excesso de ressonância nasal que ocorre durante a produção de sons orais^1,2. A identificação da presença da hipernasalidade por meio da avaliação perceptivo-auditiva é essencial para o diagnóstico inicial da disfunção velofaríngea e, também, para aferir a efetividade do tratamento, mesmo que subjetivamente³. Medidas instrumentais (nasoendoscopia, videofluoroscopia, nasometria e técnica de fluxo-pressão) são comumente empregadas para complementação do diagnóstico, por oferecerem informações valiosas que corroboram achados perceptivos⁴.

Embora essencial para fins clínicos, a avaliação perceptivo-auditiva da fala é subjetiva e, portanto, pode ser influenciada por fatores internos (ouvintes), fatores externos (tarefas), além da interação destes fatores⁵. Quanto aos fatores relacionados aos ouvintes, estes incluem o grau de experiência do avaliador, hábitos e erros, sensibilidade perceptiva, fadiga, lapsos e déficits de atenção⁵. Fonoaudiólogos com experiência na avaliação de fala de indivíduos com fissura labiopalatina são preferíveis para fins clínicos, de pesquisa e auditora⁶, embora a experiência, de forma isolada, não garanta índices suficientes de concordância intra e entre avaliadores. Padrões internos dos avaliadores podem ser instáveis ao longo tempo até mesmo para um avaliador experiente⁷.

Quanto aos fatores externos ao avaliador, estes incluem, por exemplo, o tipo e extensão da amostra que está sendo analisada⁸, o contexto fonético^8,9 e a presença de alterações de fala coexistentes, como as articulações compensatórias¹⁰ e disfonias¹¹. A avaliação perceptiva de um aspecto de fala pode ser afetada por alterações concorrentes em outros subsistemas da fala. Estudiosos apontam que ouvir várias dimensões no sinal da fala ao mesmo tempo pode ser uma tarefa difícil¹² e, portanto, o possível efeito da coexistência de alterações articulatórias¹⁰ e disfonia¹¹ na análise perceptivo-auditiva da hipernasalidade¹⁰ devem ser considerados.

Levando-se em conta que a variabilidade na avaliação perceptivo-auditiva pode ser decorrente de variações na percepção dos ouvintes e, também, nas tarefas de avaliação propriamente dita¹³, alcançar um alto índice de confiabilidade pode ser difícil, mesmo para avaliadores com experiência^14,15. A fim de minimizar erros e vieses da avaliação perceptivo-auditiva e, assim, aumentar a confiabilidade deste tipo de avaliação, estudiosos buscam por estratégias que otimizem a avaliação perceptivo-auditiva da fala, incluindo a hipernasalidade de fala.

Segundo alguns estudiosos¹³, a confiabilidade nas análises diz respeito à extensão de um método utilizado para a avaliação, que oferece o mesmo resultado quando se faz mensurações de forma repetidas. Conforme sintetizado por estes estudiosos¹³, a confiabilidade pode ser alcançada por meio de estratégias que incluem registros da fala em áudio e/ou vídeo com equipamentos de qualidade para análise de avaliadores múltiplos; definição de termos, padronização de materiais, uso de amostras de referência e, particularmente, treinamentos perceptivo-auditivos.

Em estudos prévios, o treinamento mostrou aumentar a confiabilidade de análises perceptivas de ouvintes sem¹⁶ e com experiência na avaliação da hipernasalidade de fala¹⁴. Alguns autores também sugerem que índices de concordância entre avaliadores podem aumentar após um sistemático programa de treinamento para o avaliador¹⁷. Outros apontaram melhora nos índices de concordância após treinamento realizado, porém sem diferença significativa entre os grupos controle (sem) e experimental (com treinamento)¹⁸.

A importância em se descrever e analisar atentamente os programas de treinamento perceptivo-auditivos empregados em pesquisas é enfatizada na literatura, uma vez que esta análise pode oferecer subsídios para melhorar os treinamentos de ouvintes, tanto para uso clínico, quanto na pesquisa¹⁹. Nesse sentido, faz-se necessário ampliar os conhecimentos sobre treinamentos perceptivo-auditivos para a hipernasalidade de fala e, sobretudo, analisar os treinamentos oferecidos no que se refere aos programas de treinamento e, particularmente, às características destes treinamentos (tipos, duração e modalidade de treinamento, estímulos de fala usados para os julgamentos, escalas utilizadas para avaliação da hipernasalidade e ouvintes treinados). Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo descrever as características dos treinamentos perceptivo-auditivos para a avaliação da hipernasalidade de fala em indivíduos com fissura labiopalatina.

MÉTODOS

Este estudo trata-se de uma revisão da literatura integrativa que tem como objetivo contribuir para o conhecimento das características dos treinamentos perceptivo-auditivos oferecidos para favorecerem análises perceptivo-auditivas da hipernasalidade de fala. A pergunta foi construída com base no acrônimo P - população, C - conceito e C - contexto, assim, nesta pesquisa tiveram-se P indivíduos com fissura labiopalatina ou insuficiência velofaríngea com hipernasalidade de fala, C - programas de treinamento perceptivo-auditivo e C - ouvintes e demais características dos treinamentos, conforme reportadas na metodologia. O estudo visa responder a seguinte pergunta norteadora: 1) Quais são as características dos treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade em indivíduos com fissura labiopalatina? A seleção de estudos contemplando treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade de fala foi feita por meio de uma busca na literatura científica nacional e internacional contemplando os treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade de fala em revistas especializadas disponíveis em três bases de dados: Biblioteca Virtual da Saúde (BVS) (Virtual Health Library), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), PubMed e, após, também no Google Acadêmico.

Os descritores de saúde (DeCS) e o correspondente Medical Subject Headings (MeSH) utilizados na busca foram: fissura palatina (cleft palate), insuficiência velofaríngea (velopharyngeal insufficiency), fala (speech), distúrbios da fala (speech disorders), educação (education), julgamento (judgment) e treinamento (training). A palavra-chave treinamento auditivo (listener training) foi utilizada para auxílio nas buscas. A identificação desses descritores e palavra-chave foi realizada por três pesquisadoras, de forma independente, no período de novembro de 2021 a junho de 2022.

Após, a busca na literatura foi feita utilizando a combinação dos descritores. Não houve restrição de período, idioma ou nacionalidade. Utilizaram-se os operadores booleanos “e” (português) “AND” (inglês) e “ou” (português) “OR” (inglês). As combinações utilizadas entre os descritores foram: fissura palatina AND distúrbios da fala AND fala AND julgamento; education AND speech disorders AND (velopharyngeal insufficiency OR cleft palate) AND listener training; cleft palate AND speech disorders AND judgment; education AND speech disorders AND velopharyngeal insufficiency AND cleft palate AND training; e speech disorders AND cleft palate OR velopharyngeal insufficiency AND training, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégia de busca para identificação dos textos

Base de dados	Descritores	Estratégia de busca	Resultados
SCIELO	MeSH terms	(((*cleft palate) OR (velopharyngeal insufficiency)) AND (speech disorders)) AND (judgment)	3
DeCS		(((*fissura palatina) OR (insuficiência velofaríngea)) AND (distúrbios da fala)) AND (julgamento)	6
BVS/VHL	DeCS	(fissura palatina) AND (distúrbios da fala) AND (fala) AND (julgamento)	14
PUBMED	MeSH terms	(((("Education" [Subheading])) AND ("Speech Disorders"[Mesh])) AND ("Velopharyngeal Insufficiency"[Mesh])) OR ("Cleft Palate"[Mesh]) AND (Listener Training)	37
		“Speech Disorders”[Mesh]) AND “Cleft Palate”[Mesh]) OR “Velopharyngeal Insufficiency”[Mesh]) AND (Training)	198

• Legenda: DeCS, Health Sciences Descriptors; MeSH, Medical Subject Headings.

Foi incluído neste estudo, ainda, um artigo encontrado por meio da busca na plataforma google acadêmico, literatura cinzenta, por atender aos critérios estabelecidos, por meio dos descritores e-learning AND perceptual assessment.

Critérios de seleção

Foram incluídos artigos originais presentes nas bases de dados pesquisadas e disponíveis na íntegra, sem restrição de data de publicação, que apresentassem programas de treinamentos para hipernasalidade de fala, sendo eles inéditos, adaptados ou replicados. Foram excluídos artigos repetidos nas bases de dados, teses ou publicações que não estivessem em português ou inglês, bem como estudos com outra proposta do tema de interesse ou que envolvessem outras alterações de fala diferente da hipernasalidade, estudos em que participantes somente foram instruídos a realizar a tarefa experimental, sem descrição do programa de treinamento propriamente dito e estudos sem detalhamento de treinamento.

Extração e Análise dos dados

A busca do material nas bases de dados foi realizada de forma manual e independente por três avaliadoras. A seleção do material foi realizada em três etapas de execução: 1) leitura de título dos artigos encontrados, 2) leitura dos resumos e, 3) leitura dos artigos na íntegra. Inicialmente, as avaliadoras realizaram as leituras, de forma individual, dos títulos e resumos para analisar a aderência ao tema. Foram excluídos os estudos que não atenderam aos critérios de elegibilidade definidos neste estudo (não aderência ao tema, estudos duplicados, outra língua que não o português ou inglês). Houve consenso entre as três avaliadoras quanto a estas exclusões. Após, as avaliadoras realizaram a leitura dos textos na íntegra, individualmente. Os resultados de cada uma das avaliadoras foram discutidos e um consenso foi obtido em relação às características da pesquisa.

Após a seleção, os dados dos estudos extraídos foram: autor e ano da publicação, objetivos dos estudos, métodos de treinamento (tipo, duração e modalidade), estímulos de fala usados nos julgamentos, escalas utilizadas para avaliação da hipernasalidade, caracterização dos ouvintes treinados e resultados obtidos. A extração e a organização dos dados foram realizadas em uma planilha no Excel. Para a extração, o instrumento foi adaptado, baseado em estudos prévios. Os itens considerados para análise foram: identificação do estudo e características do treinamento (tipos, duração, modalidade de treinamento, estímulos de fala e escalas usadas e ouvintes treinados). Além disso, uma síntese dos achados foi apresentada, porém, não foi objeto de análise identificar a melhor proposta de treinamento perceptivo que levaria a resultados mais confiáveis.

REVISÃO DA LITERATURA

A estratégia de busca resultou num total de 259 estudos. Deste total, nove artigos foram encontrados na base de dados SCIELO, utilizando descritores em português e inglês, sendo três deles duplicados. Após averiguação dos títulos, um único estudo foi selecionado para leitura do resumo e, posteriormente, este estudo foi lido na íntegra, pois tratava, especificamente, de treinamento de avaliadores para classificação da hipernasalidade, com descrição detalhada do treinamento proposto.

Outros 14 artigos, sendo um duplicado, foram encontrados pela busca na base de dados BVS/VHL, utilizando apenas descritores em português. Após a leitura dos títulos, dois artigos foram excluídos pois já haviam sido incluídos por meio da busca na base de dados SCIELO, e os demais 11 artigos não atendiam aos critérios de inclusão propostos e, portanto, nenhum artigo desta base de dados foi selecionado para o estudo.

Na base de dados PUBMED, foram encontrados 235 artigos, por meio de duas combinações de descritores. Após a análise de título, foram realizadas as seguintes exclusões: 22 deles não atendiam aos critérios referentes ao idioma, um referia-se a tese, 12 artigos não foram encontrados na íntegra e 25 eram duplicados ou repetidos de buscas realizadas em outras bases de dados. Com isso, 175 artigos foram analisados e destes, 117 foram excluídos devido a não aderência ao tema proposto para este estudo. Após, foram selecionados 58 artigos para a leitura dos resumos e destes, 29 foram excluídos, pois não apresentavam informações quanto ao treinamento para classificação da hipernasalidade. Por fim, 29 artigos da base de dados PUBMED foram lidos na íntegra e, desse total, 8 deles foram incluídos neste estudo.

Um único artigo, que não havia sido encontrado nas bases anteriores, mas que foi identificado no google acadêmico (literatura cinzenta) foi incluído devido à importância quanto ao tema proposto. Sendo assim, a amostra total de artigos que compõem esta revisão é de dez artigos (Scielo N=1, PUBMED N=8; Google acadêmico N=1). O processo de seleção dos artigos, considerando conjuntamente as três bases consultadas, é apresentado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos artigos

O objetivo deste estudo foi descrever as características dos treinamentos perceptivo-auditivos para a avaliação da hipernasalidade de fala em indivíduos com fissura labiopalatina e apresentar os resultados destes treinamentos. A partir da análise dos dados extraídos de todos os artigos selecionados, pode-se observar que a maior parte das produções científicas que abordam a temática proposta foi disponibilizada nos últimos 8 anos.

Essa revisão da literatura integrativa apresenta informações sobre aspectos relacionados aos treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade, incluindo: (a) identificação do estudo envolvendo treinamento; (b) características dos treinamentos perceptivo-auditivos e avaliadores incluídos nos treinamentos e (c) síntese dos resultados obtidos pelos treinamentos, conforme localizados na base de dados (Quadro 2).

Quadro 2
Estudos contemplando características dos treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade de fala

Autor/Ano	Identificação do estudo (Objetivo)	Características do treinamento			>Resultados
		Proposta, duração e modalidade	Estímulo de fala/ Escala	Ouvintes
John et al. (2006)21	Protocolo de avaliação perceptiva com treinamento para uso do protocolo. (Desenvolver um instrumento de avaliação (CAPS-A) para uso em estudos de auditoria intercentros na área da fissura labiopalatina e testar a confiabilidade e validade deste instrumento de avaliação)	Treinamento oferecido para avaliadores por fonoaudiólogas experientes no uso do novo protocolo de avaliação (CAPS-A) com análises consensuais (fase 3 do estudo) Duração: 6 horas Modalidade: presencial	Contagem, repetição de frases e conversa espontânea Escala: Intervalos iguais (5 pontos)	Fonoaudiólogos com experiência na avaliação da fala de fissura labiopalatina (N=4)	Índices de confiabilidade intra e entre avaliadores considerados bom/muito bom. Os dados sugerem que, após 6 horas de treinamento estruturado, a concordância entre avaliadores pode ser alcançada. Os avaliadores consideraram o protocolo CAPS-A como aceitável e fácil de utilizar com um treinamento apropriado.
Sell L et al. (2009) 22	Protocolo de avaliação perceptiva com treinamento para uso do protocolo. (Delinear, executar e avaliar um programa de treinamento para fonoaudiólogos com a sistematização e a confiabilidade no uso do protocolo de avaliação CAPS-A)	Treinamento oferecido por fonoaudiólogos integrantes do CAPS-A para uso do protocolo. Apresentação da construção e aspectos específicos do protocolo de avaliação (processo de desenvolvimento do protocolo, revisão das definições adotadas pelo protocolo, padronização das escalas numéricas de parâmetros de fala, revisão dos tipos erros na produção das consoantes na fala). Oferecimento de exemplos para ilustrar as escalas utilizadas, e, ainda, exercícios para estabelecimento de consenso. Após, prática com consenso (um caso) seguido de análises individuais, imediatamente ao treinamento e um mês após. Duração: 4 dias (incluindo dois dias de treinamento específico seguido de prática consensual previamente às análises individuais) Modalidade: presencial	Contagem, frases, rimas e amostra espontânea Escala: Intervalos iguais (4 pontos)	Fonoaudiólogos (N=36)	De forma geral, houve aumento de confiabilidade de análises intra e entre os avaliadores, incluindo o parâmetro de fala hipernasalidade. .
Lee, Whitehill, Ciocca (2009) 16	Treinamento (Investigar o efeito do treinamento e do feedback sobre a confiabilidade intra e entre avaliadores do julgamento da hipernasalidade)	Treinamento para três grupos (G1, G2, G3) Calibração (G1, G2, G3) (enfoque na hipernasalidade e alterações de fala coexistentes G1: Exposição a amostras de fala, exemplificando hipernasalidade, emissão nasal, alterações vocais e erros articulatórios G2 (prática sem feedback) G3 (prática com feedback) Prática: treinamento com hierarquia de dificuldade com 4 etapas: 1. identificação da presença ou ausência da hipernasalidade, emissão nasal, alterações vocais e erros articulatórios 2. identificação dos tipos de alterações 3. discriminação graus hipernasalidade (identificação da amostra mais hipernasal entre duas amostras 4. julgamento da hipernasalidade Duração: - calibração, 30 minutos; - prática 1 hora/grupo Modalidade: presencial	Frases Escala de Magnitude direta	Estudantes de Fonoaudiologia (N=36)	Diferença significativa na concordância interavaliadores entre os grupos com prática (treinamento com e sem feedback) e o grupo sem prática (exposição de amostras). Entre os dois grupos que realizaram a prática, não houve diferença significativa. Ambos os grupos com prática mostraram aumento na confiabilidade das análises intra e entre avaliadores. O treinamento (prática com e sem feedback), portanto, foi útil para melhorar a confiabilidade das classificações de hipernasalidade.
Chapman et al. (2016) 17	Protocolos de avaliação perceptiva com treinamento para uso do protocolo (Descrever os índices de confiabilidade da avaliação de fala de dois protocolos de avaliação perceptiva CAPS-A e CAPS-A-AM) *CAPS-A-AM: modificações realizadas no protocolo CAPS-A	Treinamento oferecido com uso do CAPS-A (estudo 1) Treinamento incluiu descrição das etapas e detalhamento dos procedimentos adotados; transcrição fonética e classificação dos parâmetros de fala com uso de escalas, e práticas com consenso. Duração: 3 dias Modalidade: presencial Análises individuais Estudo 1 (CAPS-A): antes, imediatamente, um mês após treinamento Estudo 2 (CAPS-A-AM): análises em duas ocasiões, 5 semanas após estudo 1	Contagem, rimas e frases Escala: Intervalos iguais (5 pontos)	Fonoaudiólogos com experiência na avaliação da fala de fissura labiopalatina (N=9) Estudo 1: N=9 Estudo 2: N=6, (incluídos também no estudo 1)	Estudo 1 CAPS-A: melhoras significativas nos índices de confiabilidade entre avaliadores, após treinamento, incluindo parâmetro de hipernasalidade . Estudo 2 CAPS-A-AM: Não houve diferenças significativas nos resultados entre avaliadores, inclusive para a hipernasalidade. Índices de confiabilidade entre avaliadores do estudo 2 inferiores ao do estudo 1. Após ajustes de procedimentos de análise dos dados, os achados foram similares Em ambas os estudos houve boa confiabilidade intra avaliadores.
Butts et al. (2016) 18	Treinamento (Avaliar a capacidade de residentes de Otorrinolaringologia (ORL) em avaliar a hipernasalidade em pacientes com disfunção velofaríngea)	Módulo Educacional (amostras de fala, explicações sobre disfunção velofaríngea relação com casos clínicos) e questionário sobre o módulo). Módulo educacional oferecido somente para o grupo experimental, entre as classificações das amostras de fala, inicial e final, realizadas pelos dois grupos (controle e experimental), com uma a duas semanas de intervalo entre as classificações Duração: 40 minutos Modalidade: online	Amostras de fala (módulo) não informada Escala: Intervalos iguais (4 pontos)	Residentes ORL (N=30)	Melhora na porcentagem da concordância (grupo experimental) após treinamento realizado, porém sem diferença estatística em relação ao grupo controle. Maior acurácia nas classificações para os graus ausente e grave
Oliveira, et al. (2016) 14	Treinamento (Investigar a influência do treinamento prévio sobre a concordância entre diferentes avaliadores no julgamento perceptivo da hipernasalidade)	Definição de critérios e estabelecimento de amostras de referência pelas fonoaudiólogas experientes (consenso) Duração: não especificada Modalidade: presencial	Frases e contagem Escala: Intervalos iguais (4 pontos)	Fonoaudiólogos com experiência na avaliação da fala de fissura labiopalatina (N=3)	Aumento dos índices de concordância intra e interavaliadores
Spruijt et al. (2018) 23	Protocolos de avaliação perceptiva com treinamento para uso do protocolo (Mensurar a confiabilidade intra e entre avaliadores, utilizando Dutch Cleft Speech Evaluation Test (DCSET) e converter o DCSET em escalas universais)	Treinamento para uso das modificações no Dutch Cleft Speech Evaluation Test (DCSET) com base em análises de vídeos e análises consensuais) (Fase 2 do estudo) Revisão das escalas para análise da ressonância e erros de produção de fala, após treinamento (Fase 2). Fase 2 realizada após fase 1 (protocolo sem revisões) Duração: não informada Modalidade: presencial	Frases Escala: Intervalos iguais (3 pontos) para hipernasalidade	Fonoaudiólogos com experiência na avaliação da fala de fissura labiopalatina (N=2)	Fase 1: não apresentou resultados esperados; realizados ajustes quanto à utilização da escala de alguns parâmetros de fala. Fase 2: índices de confiabilidade variaram de regular para bom (todos os parâmetros de fala) Hipernasalidade: Confiabilidade das análises entre avaliadores (amostras orais): regular
Bruneel et al. (2020) 24	Protocolos de avaliação perceptiva com treinamento para uso do protocolo (Desenvolver e validar um instrumento no idioma Belga para avaliação perceptiva em pacientes com fissura de palato)	Fase 1: Estudo preliminar Introdução de variáveis de fala e descrição da estrutura do protocolo de avaliação, com amostra de referência para cada grau e tipo de alteração de fala (duas horas) Prática de consenso (1 hora e meia) Duração total: 3 horas e meia Modalidade: presencial Fase 2 (validação): Descrição e explanação das definições e parâmetros adotados, descrição da estrutura do protocolo de avaliação e escalas de classificação. Prática de consenso. Duração total: 4 horas	Contagem, frases e fala encadeada Escala: Intervalos iguais (4 pontos)	Fonoaudiólogos, (N=2; estudo 1) Fonoaudiólogos (N=4; estudo 2)	Fase 1: Em geral, índices com boa confiabilidade de análises entre avaliadores, incluindo a hipernasalidade. Fase 2: Em geral, boa confiabilidade intra e entre avaliadores, incluindo a hipernasalidade de fala. Em ambas as fases, a confiabilidade entre avaliadores foi menor que a intra-avaliadores
Lohmander et al. (2021)13	Treinamento (Avaliar o resultado do treinamento, curto e longo prazo, por meio de uma ferramenta de e-learning)	O treinamento utilizando uma plataforma (PUMA website) com casos clínicos e feedback de fonoaudiólogos experientes na avaliação de alterações de fala na fissura labiopalatina Treinamento oferecido durante um curso estruturado (atividade de ensino, incluindo leituras, seminários e atividades de laboratório), em horário livre do aluno, por meio do website. Dois grupos de alunos, de duas diferentes universidades envolvidos no estudo. Treinamento perceptivo incluiu: - Ouvir amostras de fala contendo exemplos de diferentes tipos e graus alterações de fala em indivíduos com fissura labiopalatina - Transcrever foneticamente uma amostra em vídeo, com possibilidade de comparação com análise de fonoaudiólogos experientes - Analisar amostras de fala, utilizando escala de intervalos iguais, com possibilidade de comparação com amostras áudio com análises consensuais dos fonoaudiólogos Treinamento realizado de forma individual ou conjunta. Número de sessões e tempo direcionado ao treinamento: não especificado Modalidade: online Treinamento realizado na semana 2. Semana1: instrução/ pré-teste; Semana 3: pós teste	Palavras isoladas Escala: Intervalos iguais (4 pontos)	Estudantes de Fonoaudiologia (N=45)	Um total de 16,5 horas (atividades de transcrição) e 8,5 (análises com escalas) utilizada para treinamento pelo total de alunos. Melhora significativa para transcrição fonética, após treinamento, para total de alunos. Número significativamente maior de respostas que concordam com a avaliação dos fonoaudiólogos experientes, após treinamento, para as variáveis hiponasalidade e fraca pressão intraoral para total de alunos. Tendência de melhora das respostas para hipernasalidade observada para um dos grupos de alunos. Comentários positivos dos alunos no que se refere à acessibilidade e tempo de prática. O e-learning indicou melhora na habilidade dos alunos (avaliadores sem experiência) na avaliação perceptivo-auditiva.
Bruneel et al. (2022) 20	Treinamento (Avaliar o efeito imediato e a longo prazo do treinamento perceptivo na confiabilidade das análises intra e entre avaliadores)	Definição de critérios e apresentação de amostras de fala em áudio e audiovisual para prática no julgamento dos parâmetros de fala (hipernasalidade, hiponasalidade, emissão nasal e turbulência nasal), além de treinamento para avaliação da inteligibilidade aceitabilidade da fala. Amostras adicionais para treinamento do julgamento de hipernasalidade, hiponasalidade, emissão nasal e turbulência nasal, primeiramente de forma individual seguida de discussão em grupo (julgamentos consensuais). Amostras de fala do treinamento diferiram das amostras dos testes (pré-treinamento, pós-treinamento curto prazo e pós-treinamento longo prazo - 1mês). Duração: 2 Horas Modalidade: presencial	Amostra espontânea e frases Escala: Intervalos iguais 5 pontos	Estudantes de Fonoaudiologia (N=31)	De forma geral, o treinamento afetou positivamente os resultados de confiabilidade das análises e, também, a confiança dos alunos em realizar os julgamentos (outro aspecto de interesse do estudo), porém estes achados foram dependentes na variável de fala analisada e do tempo em que a medida foi feita. Pouco ou nenhum efeito de treinamento (curto e longo prazo) foi observado para as variáveis hipernasalidade, emissão de ar e turbulência nasal.

• Legenda: N = Número de participantes; ORL = Otorrinolaringologia

Em relação à identificação dos estudos, dos dez estudos revisados, cinco tiveram como objetivo principal descrever treinamentos perceptivos e verificar o efeito dos treinamentos na confiabilidade das análises dos ouvintes sobre parâmetros de fala, incluindo a hipernasalidade^{13,14,16,18,20}. Estes estudos foram denominados “treinamento” nesta revisão. Desses cinco, um era nacional¹⁴ e quatro, internacionais^13,16,18,20. Os outros cinco estudos objetivaram desenvolver e validar protocolos de avaliação perceptiva da fala de indivíduos com fissura labiopalatina e propuseram treinamento para verificar a concordância entre diferentes ouvintes, ao utilizar os protocolos desenvolvidos ^17,21-24. Estes estudos foram denominados de “protocolo de avaliação perceptiva com treinamento para uso do protocolo” nesta revisão. Todos estes cinco artigos eram internacionais.

Dos estudos que tiveram como foco principal descrever treinamentos perceptivo-auditivos para hipernasalidade e verificar seus desfechos (treinamento)^{13,14,16,18,20}, o estudo desenvolvido em 2009¹⁶ foi o precursor. Este estudo investigou o efeito do treinamento e do feedback sobre a confiabilidade intra e interavaliadores do julgamento da hipernasalidade em ouvintes não experientes. Dois outros, conduzidos em 2016, tiveram os objetivos de avaliar a capacidade de residentes de Otorrinolaringologia em classificar a hipernasalidade em pacientes com disfunção velofaríngea¹⁸ e de investigar a influência do treinamento dos avaliadores com experiência sobre a concordância no julgamento perceptivo da hipernasalidade antes e após o treinamento prévio¹⁴.

Duas outras investigações, mais recentes, foram realizadas, uma delas no ano de 2021¹³ e outra em 2022²⁰. O estudo conduzido em 2021¹³ teve como objetivo avaliar o resultado do treinamento (curto e longo prazo) por meio de uma ferramenta de e-learning, desenvolvida para avaliar as características de fala relacionadas à fissura labiopalatina e, também, a percepção dos alunos sobre a proposta de treinamento apresentada. O estudo conduzido em 2022²⁰ objetivou avaliar o efeito imediato e a longo prazo do treinamento perceptivo na confiabilidade das análises intra e interavaliadores, além da experiência dos alunos nas avaliações perceptivo-auditivas da fala de pacientes com fissura palatina, utilizando protocolo de avaliação desenvolvido em estudo prévio²⁴.

Com base nos objetivos destes cinco estudos, verificou-se que há preocupação constante e, até mesmo recente, de estudiosos em propor treinamentos perceptivo-auditivos que favoreçam análises perceptivo-auditivas da hipernasalidade de fala. Tal preocupação levou estudiosos, inclusive, a propor treinamento perceptivo-auditivo para avaliação da hipernasalidade de fala direcionado a fonoaudiólogos já com experiência na avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina e/ou disfunção velofaríngea (DVF)¹⁴. Também se nota preocupação de estudiosos em verificar o efeito do treinamento a longo prazo, particularmente quando este é oferecido para ouvintes não treinados^13,20. Além disso, há uma tendência em buscar informações sobre a percepção dos alunos sobre a proposta apresentada²⁰.

Quanto aos estudos que utilizaram treinamentos perceptivo-auditivos de aspectos de fala na fissura labiopalatina, ao desenvolver e validar protocolos de avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina, o estudo desenvolvido em 2006²¹ foi o precursor. Este estudo teve como objetivo desenvolver um instrumento de avaliação - Cleft audit protocol for speech (CAPS-A) para uso em estudos de auditoria intercentros na área da fissura labiopalatina e testar a confiabilidade e validade deste instrumento de avaliação. Posteriormente, em 2009, estudiosos²² tiveram como objetivo desenhar, executar e avaliar um programa de treinamento para fonoaudiólogos com a sistematização e a confiabilidade no uso do protocolo de avaliação CAPS-A direcionando os problemas de padronização de amostras, aquisição de dados, gravação, reprodução e diretrizes de escuta.

Em 2016, pesquisadores¹⁷ buscaram descrever os índices de confiabilidade da avaliação de fala de dois protocolos de avaliação perceptiva (Cleft Audit Protocol for Speech-Augmented - CAPS-A e Cleft Audit Protocol for Speech-Augmented-Americleft Modification - CAPS-A-AM) desenvolvidos para avaliar resultados de fala em estudos de colaboração intercentros e, também, investigaram o efeito do treinamento sobre a concordância entre diferentes ouvintes. Para isso, foram conduzidos dois estudos, um utilizando CAPS-A e, o outro, com modificações neste protocolo de avaliação (CAPS-A-AM).

Um estudo desenvolvido em 2018²³ teve como objetivo mensurar a confiabilidade inter e intra-avaliadores utilizando Dutch Cleft Speech Evaluation Test (DCSET) e converter o DCSET em escalas universais. No ano de 2020, um estudo objetivou desenvolver e validar um instrumento no idioma Belga para avaliação perceptiva em pacientes com fissura de palato²⁴, com base em protocolo de avaliação prévio (CAPS-A)²¹. Os índices de confiabilidade intra e entre avaliadores foram reportados (incluindo para a hipernasalidade) após um treinamento de 4 horas que incluiu a apresentação do protocolo e práticas de consenso.

Com base nos objetivos propostos nestes cinco estudos, verifica-se que o treinamento perceptivo-auditivo é considerado uma importante estratégia para se obter confiabilidade das análises perceptivo-auditivas da hipernasalidade, ao desenvolver e validar protocolos de avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina^17,21-24.

Características dos treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade

Tipos de treinamento

Quanto aos tipos de treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade de fala, estes variaram dentre os cinco estudos que objetivaram descrever treinamentos perceptivos e verificar seus desfechos no parâmetro de fala hipernasalidade (treinamento). Um único estudo¹⁶ utilizou prática (com e sem feedback) realizada por etapas, com gradação de níveis de dificuldade (quatro níveis, mais fácil para mais difícil) para preparar dois grupos de ouvintes não treinados a classificar graus de hipernasalidade¹⁶. O outro grupo incluído no estudo não recebeu treinamento e foi somente exposto às amostras de fala (escuta passiva).

Dois estudos^14,20 utilizaram análises consensuais. Um desses estudos¹⁴ utilizou definição de critérios, seguido do estabelecimento de amostras de referências, estabelecidas consensualmente por fonoaudiólogos com experiência na avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina para posterior uso destas referências no julgamento da hipernasalidade. Neste estudo, portanto, as análises consensuais foram essenciais para o estabelecimento de referências que foram usadas pelos fonoaudiólogos, em suas análises individuais de amostras de fala com diferentes graus de hipernasalidade. O outro estudo envolvendo análises consensuais²⁰ utilizou definição de critérios, seguida da apresentação de amostras de fala em áudio e audiovisual para prática no julgamento dos parâmetros de fala (incluindo a hipernasalidade), com amostras adicionais para treinamento do julgamento destes parâmetros, primeiramente de forma individual e, após, consensualmente. A discussão das análises pelos ouvintes (não treinados) foi apontada, neste estudo, como uma importante estratégia que pode favorecer a aprendizagem desses ouvintes.

Um estudo¹³ utilizou amostras de referências (âncoras) para favorecer as análises perceptivas de ouvintes não experientes. Neste estudo, uma plataforma de e-learning foi utilizada para avaliação perceptiva com enfoque para as alterações de fala na fissura labiopalatina (incluindo a hipernasalidade). Nesta plataforma, informações básicas sobre a condição ou subcategorias de interesse para análise são oferecidas, seguidas de informações e exercícios (incluindo vídeos e áudios) referentes aos diferentes domínios a serem avaliados. No estudo, o treinamento perceptivo foi realizado por meio da plataforma com o acesso a vídeo (para transcrição fonética) e áudios, contemplando exemplos de tipos e graus de alterações de fala (incluindo a hipernasalidade), com possibilidade de comparação com amostras estabelecidas consensualmente por fonoaudiólogos experientes (amostras de referências), objetivando familiarizar os ouvintes (estudantes de duas universidades) com os tipos de erros, além de calibrá-los e, em uma instância, possibilitá-los a realizar análises confiáveis. Outro estudo¹⁴ também utilizou amostras de referência, porém estas referências foram pré-estabelecidas por análises consensuais, conforme já mencionado. Em geral, treinamento perceptivo-auditivo, usando referências externas fixas (pré-estabelecidas) é considerado essencial para reduzir o impacto de fatores internos relacionados ao avaliador (por exemplo, experiência) e, também, de fatores relacionados à tarefa imposta na avaliação^16,17,22.

Exposição de ouvintes às amostras de fala (escuta passiva) foi utilizada em um estudo¹⁸. Este estudo propôs acesso a um módulo educacional contemplando amostras de fala, além de explicações sobre aspectos da disfunção velofaríngea e correlação clínica. No entanto, não foi reportado maior detalhamento sobre o treinamento utilizado para classificar hipernasalidade.

Quanto aos tipos de treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade utilizados nos cincos estudos com foco no desenvolvimento, mensuração e validação de protocolos de avaliação de fala, estes eram bem definidos e pouco variáveis. Em geral, estes estudos^17,21-24 descreveram realização de exercícios práticos para obtenção de análises consensuais, como parte do treinamento realizado.

Mais especificamente, um estudo¹⁷ propôs um workshop para a realização do treinamento, com apresentação dos materiais e metodologia do protocolo CAPS-A. Todos os parâmetros e definições foram descritos aos participantes, incluindo categorias e subcategorias, utilização e padronização de escalas. Como parte do treinamento, os participantes realizaram tarefas que incluíram classificação dos parâmetros de fala e transcrição, além de exercícios práticos para obtenção de consenso. Após a realização do treinamento, foram propostas mudanças em algumas amostras de fala, apresentação de vídeos ao invés de áudios, além de ajustes sutis nos parâmetros de fala e definições destes parâmetros (CAPS-A-AM). Em outro estudo²¹ o treinamento foi estabelecido por consenso e envolveu apresentação de seis casos, e incluiu, ainda, a definição de critérios, sendo oferecido, aos fonoaudiólogos que participaram do treinamento, descrições qualitativas quanto à utilização do instrumento antes da realização da tarefa.

Outro estudo²² propôs treinamento liderado por profissionais experientes e familiarizados com o protocolo de avaliação CAPS-A. Inicialmente foram apresentadas informações sobre o processo de desenvolvimento do protocolo de avaliação CAPS-A para fins de auditoria, com revisão das definições adotadas pelo protocolo (utilização e padronização das escalas numéricas de parâmetros de fala, incluindo hipernasalidade) e revisão dos tipos de erros na produção das consoantes na fala de indivíduos com fissura labiopalatina. Para isso, foram apresentados vídeos e áudios para ilustrar os aspectos de fala a serem avaliados e casos para análises em consenso. Após, foi solicitado que cada fonoaudiólogo analisasse auditivamente ou visualmente o material oferecido, seguido de discussão dos achados conjuntamente para obtenção de consenso.

Um estudo²³ utilizou o protocolo DCSET para avaliar os parâmetros de fala de crianças com fissura labiopalatina, utilizando gravações em áudio. Após, modificações neste protocolo de avaliação foram propostas a partir de discussões consensuais (treinamento) nas escalas utilizadas para avaliar os parâmetros de fala. Estas discussões foram realizadas utilizando gravações de vídeos de crianças com fissura labiopalatina.

Um estudo²⁴ desenvolveu e validou um protocolo belga com base no CAPS-A. Na fase 1 (estudo preliminar), foram realizadas adaptações de alguns parâmetros de fala e da estrutura do protocolo para análise perceptiva. Também foram apresentadas amostras de referência pré-classificadas para cada variável de fala e cada grau da escala (treinamento). Foi realizada prática de consenso por 1 hora e meia. Após sessão experimental nesta fase, o protocolo foi otimizado. A fase 2 (validação do protocolo) contou com descrição e explanação das definições, as escalas de classificação dos parâmetros de fala e apresentação do protocolo de avaliação estruturado. Amostras de fala editadas foram usadas para ilustrar as variáveis de fala e os graus da escala correspondentes (treinamento).

A análise dos dez estudos incluídos na revisão mostra que análises consensuais são os tipos de treinamentos mais utilizados^{14,17,20), (21-24}, seguidas do uso de amostras de referências¹³. Um estudo¹⁴, inclusive, estabeleceu amostras de referências, a partir de análises consensuais, para posterior uso destas referências em análises individuais, sugerindo, portanto, o uso de análises consensuais e amostras de referências para favorecer as análises dos fonoaudiólogos (ouvintes com experiência).

Análises em consenso requerem que um grupo de ouvintes ouçam ativamente às amostras de fala em áudio e/ou vídeo. Discussões entre avaliadores são esperadas para se chegar a uma análise consensual do aspecto avaliado¹⁹. Segundo estudiosos¹⁹, ao estabelecer consenso, busca-se oferecer múltiplas oportunidades para os ouvintes analisarem o parâmetro de fala de interesse (hipernasalidade), objetivando o desenvolvimento da habilidade do ouvinte em quantificar acuradamente o parâmetro de fala apresentado_.

As amostras de referência dizem respeito às amostras pré-classificadas por fonoaudiólogos experientes para os ouvintes usarem durante seu treinamento, devendo estes compararem a nova amostra àquela pré-classificada, julgando esta nova amostra como mais ou menos hipernasal em relação à referência externa¹⁹. As referências são consideradas estratégias eficazes para se estabelecer padrões internos ao avaliador, pois possibilitam que estes vivenciem e se familiarizam com as referências utilizadas no treinamento. Como consequência, os ouvintes tendem a armazenar esses modelos em sua memória como padrões internos, ou seja, as representações são armazenadas na memória como exemplos²⁵. Alguns autores¹⁴ argumentam que o uso de amostras âncoras (referência) durante a tarefa de classificação podem resultar em melhora significativa na acurácia das classificações de gravidade das amostras de fala, mesmo para ouvintes experientes.

A prática (com e sem feedback), embora pouco explorada entre os estudos que propõe treinamento perceptivo-auditivo para a avaliação da hipernasalidade de fala, também oferece múltiplas oportunidades para os ouvintes analisarem o parâmetro de fala de interesse (hipernasalidade), objetivando o desenvolvimento da habilidade do ouvinte em quantificar acuradamente o parâmetro de fala apresentado¹⁹_.

Duração do treinamento

A duração do treinamento descrita nos artigos revisados variou bastante e foi dependente do objetivo do estudo e da modalidade de treinamento oferecida. Os estudos que objetivaram descrever treinamentos perceptivos e verificar o efeito dos treinamentos na confiabilidade das análises dos ouvintes sobre a hipernasalidade (treinamento) apontaram duração variando de 40 minutos (mínimo)¹⁸ e duas horas (máximo)²⁰. Em um estudo¹³ a duração do treinamento individual não foi mensurada, uma vez que os ouvintes (alunos em formação) realizaram o treinamento de acordo com seu próprio tempo. Um estudo¹⁴ não apresentou a duração do treinamento realizado. Os estudos que tiveram foco no desenvolvimento, mensuração e validação de protocolos de avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina apontaram duração de 2 horas²⁴, 6 horas²¹, 3 dias¹⁷ ou 4 dias²². Um estudo²³ não informou a duração do treinamento realizado. A análise da duração do treinamento perceptivo-auditivo para avaliação da hipernasalidade foi, portanto, mais longa nos estudos envolvendo desenvolvimento e validação de protocolos de fala e, mais curta, nos estudos envolvendo treinamento propriamente dito, particularmente direcionados aos ouvintes não experientes.

Modalidade do treinamento

Oito dos dez artigos revisados reportaram a realização do treinamento perceptivo-auditivo de forma presencial^{14,16,17,20-24}. Os dois estudos remanescentes reportaram o uso de plataformas remotas para realização do treinamento perceptivo^13,18. Esses dois estudos apontam para a possibilidade de treinamentos perceptivo-auditivos da hipernasalidade e demais parâmetros de fala de indivíduos com fissura labiopalatina na modalidade online. Segundo estudiosos ²⁰, esta modalidade de treinamento pode ser vantajosa, uma vez que possibilita a participação de alunos em formação em treinamentos à distância e, também, permite aos ouvintes realizarem práticas em seu próprio tempo. Por outro lado, problemas técnicos foram apontados por alunos que participaram de atividades interativas (online) usando plataforma de e-learning¹³. Ao usar plataformas de aprendizagem online, torna-se possível propor treinamentos perceptivos contínuos, além de calibrar ouvintes para estudos com foco no desfecho de resultados de tratamento para o gerenciamento das alterações de fala na fissura labiopalatina, o que torna esse recurso bastante atrativo¹³.

Estímulos de fala

Os estímulos de fala utilizados nos dez estudos revisados incluíram: contagem de números (1 a 10^14,24, 1 a 20^17,21,22,24, 60 a 70^17,22,24), conjunto de frases^{14,16-18,20-24}, rimas^17,22, palavras isoladas¹³, fala encadeada²⁴ e espontânea^21,22. Para os estímulos de fala encadeada foi solicitado que os participantes recitassem os dias da semana²⁴.

Dos dez artigos analisados, seis^{14,17,20-22,24} utilizaram combinações de amostras de fala que incluíram frases e outros estímulos. Foram reportadas as seguintes combinações: frases, contagem e fala espontânea²¹, frases, contagem, fala espontânea e rimas²²; frases, contagem e rimas¹⁷; frases e contagem¹⁴; frases, contagem e fala encadeada²⁴ e, ainda, frases e fala espontânea²⁰. Um estudo utilizou somente palavras isoladas como estímulo de fala¹³ e outros três estudos utilizaram apenas frases^16,18,23. Em um estudo²⁴ os estímulos de fala variaram de acordo com a faixa etária dos participantes. Em outro estudo²⁴, crianças realizaram a contagem de 1 a 10, enquanto adultos realizaram de 1 a 20 e 60 a 70. Um único artigo não trouxe informação sobre os estímulos de fala contidos nas gravações utilizadas em seu estudo¹⁸.

De forma geral, foi notado que os treinamentos oferecidos incluíram combinações de estímulos de fala, sendo frases o estímulo que esteve mais presente nos treinamentos. Conjuntos de frases orais constituídas por estímulos controlados podem favorecer análises perceptivo-auditivas da hipernasalidade⁹ e, portanto, são comumente utilizadas em pesquisas e na prática clínica.

Escalas utilizadas nos treinamentos

Nove dos estudos apresentados na revisão fizeram uso da escala de intervalos iguais, utilizando a pontuação de 3 a 5 pontos, mostrando que este tipo de escala ainda é a mais utilizada em estudos de treinamento para análises perceptivas da hipernasalidade. Neste tipo de escala, o avaliador atribui um escore ao aspecto avaliado, indicando o seu nível de gravidade, em que o menor valor da escala se refere à ausência da alteração enquanto o maior valor aponta para o grau máximo de alteração³. Dos estudos que fizeram uso da escala de intervalos iguais, somente um reportou uso de escala de três pontos (ausente, pouca hipernasalidade e muita hipernasalidade)²³. Os demais utilizaram escala de 4 ou 5 pontos. Um único estudo desta revisão fez uso da escala de magnitude direta para a análise perceptiva da hipernasalidade¹⁶.

O uso de escalas baseadas em proporção (relação), incluindo a estimativa direta, é defendido por estudiosos que argumentam que as escalas de intervalos iguais são incongruentes com a natureza perceptiva da nasalidade de fala²⁶. Segundo a literatura, a nasalidade é uma sensação mentalmente processada como uma dimensão protética, ou seja, difere em termos de mudanças na quantidade ou magnitude. Assim, ao julgar estímulos protéticos os ouvintes não percebem os intervalos entre as categorias como iguais em diferentes pontos da escala²⁷. Embora escalas baseadas em proporção (relação) sejam apontadas como apropriadas para análise da nasalidade de fala, as escalas com intervalos iguais ainda são as mais utilizadas clinicamente e em pesquisas, incluindo as que apresentam treinamento perceptivo da hipernasalidade, por favorecerem comparações entre escalas e entre avaliadores³.

Ouvintes incluídos nos treinamentos

Os avaliadores nos estudos da revisão incluíram ouvintes com e sem experiência na avaliação da hipernasalidade de fala. A maioria dos estudos revisados que descreveram treinamentos perceptivos e verificaram seu desfecho no parâmetro de fala hipernasalidade (treinamento) incluiu ouvintes sem experiência (alunos na área de Fonoaudiologia (N=3)^13,16,20 ou residentes de Otorrinolaringologia (N=1)¹⁸. Um único estudo¹⁴ propôs treinamento perceptivo-auditivo para fonoaudiólogos com experiência na avaliação das alterações de fala na área da fissura labiopalatina.

Os treinamentos perceptivo-auditivos são necessários para se alcançar concordância nas análises perceptivo-auditivas¹³ e, portanto, representam uma importante estratégia que pode ser utilizada para preparar ouvintes para suas práticas clínicas¹⁸. Quanto aos ouvintes sem experiência, estudantes de Fonoaudiologia foram eleitos em três estudos^13,16,20, por representaram indivíduos que deverão estar preparados para conduzir avaliações clínicas dos aspectos de fala, incluindo a hipernasalidade, para fins de diagnóstico inicial da disfunção velofaríngea. Residentes de Otorrinolaringologia foram incluídos em um estudo¹⁸. Segundo os autores, a avaliação de muitos aspectos de fala requer colaboração entre fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas, porém, o otorrinolaringologista pode ser o profissional que tem o primeiro contato com um paciente sintomático, tendo a responsabilidade de realizar avaliações preliminares de alterações de fala, incluindo a hipernasalidade. Neste sentido, estes profissionais devem ser treinados para identificar inicialmente a hipernasalidade.

Quanto aos ouvintes com experiência (fonoaudiólogos integrantes de um centro craniofacial), estes foram incluídos em um estudo¹⁴. Conforme sumarizado por alguns autores¹³, os padrões internos do avaliador podem ser considerados instáveis, com base em amostras de fala previamente ouvidas e, portanto, a experiência do avaliador somente não garante concordância intra e entre avaliadores. Assim, quanto mais exposição à fala desviante, maior diferenciação no padrão interno é alcançada, o que pode resultar em concordâncias pobres. Por outro lado, ouvintes podem começar a convergir, em suas análises, quando atuam juntos, em um mesmo centro craniofacial. Além disso, a coexistência de alterações de fala pode impactar as análises perceptivas, incluindo o aspecto de hipernasalidade. Nesse sentido, treinamentos perceptivo-auditivos para fonoaudiólogos experientes podem representar uma importante estratégia para aumentar níveis de confiabilidade das análises perceptivas da hipernasalidade.

Conforme esperado, todos os estudos com foco no desenvolvimento, mensuração e validação de protocolos de avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina incluíram fonoaudiólogos. Estes profissionais receberam treinamento, a fim de verificar se o treinamento resultaria em aumento da confiabilidade das respostas (intra e entre avaliadores) para os parâmetros de fala analisados, incluindo a hipernasalidade. Além disso, os profissionais tiveram a oportunidade de manter as habilidades desenvolvidas após o treinamento, como parte da educação continuada²².

Resultados alcançados nos estudos

Foi observado que, em geral, os estudos revisados reportaram resultados favoráveis à utilização de treinamentos perceptivo-auditivos para a avaliação da hipernasalidade de fala. No entanto, os resultados reportados nos estudos que descreveram treinamentos perceptivos e seus desfechos (treinamento)^{13,14,16).(18), (20} foram menos expressivos do que os obtidos nos estudos que usaram treinamento, ao desenvolver e validar protocolos de avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina^17,21-14.

Quanto aos cinco estudos que objetivaram descrever treinamentos perceptivos e verificar o efeito dos treinamentos na confiabilidade das análises dos ouvintes sobre hipernasalidade (treinamento)^{13,14,16,18,20}, um deles¹⁶ demonstrou que o treinamento de ouvintes sem experiências (com e sem feedback) proposto por meio de uma hierarquia de tarefas, das mais simples às mais difíceis, aumentou a confiabilidade (inter e intra) no julgamento da hipernasalidade, fato não ocorrido para o grupo que somente foi exposto às amostras de fala¹⁶. Similarmente, outro estudo¹⁴ mostrou que, após treinamento, houve aumento do índice de concordância intra e interavaliadores das análises realizadas, mesmo por ouvintes com experiência prévia na avaliação da hipernasalidade de fala. No entanto, três outros estudos envolvendo ouvintes não experientes mostraram resultados menos favoráveis^13,18,20.

Particularmente, no estudo que investigou a habilidade de residentes de Otorrinolaringologia em realizar a classificação da hipernasalidade de fala¹⁸, observou-se melhora nos índices de concordância após treinamento realizado, porém sem diferença significativa entre os grupos (controle e experimental, com treinamento), diferindo, portanto, de resultados encontrados em outros estudos^14,16. Em outro estudo¹³, o aumento expressivo no desempenho total de alunos de Fonoaudiologia em relação à transcrição fonética e na classificação de alguns aspectos de fala (hiponasalidade, fraca pressão intraoral) foi observado com o uso de um instrumento de e-learning para avaliação perceptiva de aspectos de fala. No entanto, houve somente uma tendência de melhora das respostas para hipernasalidade e esta tendência foi observada somente para um dos dois grupos de alunos incluídos no estudo. Novamente, estes resultados diferem daqueles encontrados em outros estudos^14,16.

Por fim, no estudo²⁰ que investigou o efeito imediato e a longo prazo do treinamento na confiabilidade intra e interavaliadores, os resultados sugeriram efeito positivo do treinamento quanto à confiabilidade entre avaliadores, porém dependente da variável analisada e do tempo em que a medida foi feita. De forma geral, pouco ou nenhum efeito de treinamento foi observado para as variáveis hipernasalidade, emissão de ar e turbulência nasal, o que diferiu de resultados prévios^14,16.

A análise dos resultados obtidos nestes estudos sugere que a variabilidade nos achados envolvendo ouvintes não experientes parece estar relacionada às diferenças nas estratégias de treinamentos empregadas, às escalas utilizadas e às modalidades de treinamento (online ou presencial) oferecidas. Alguns estudiosos²⁰ argumentam que treinamento incluindo práticas com gradação de dificuldade¹⁶ pode favorecer o desenvolvimento da habilidade de classificar a hipernasalidade de fala, particularmente se este treinamento for oferecido em modalidade online¹³, possibilitando incluir horas curriculares para interação entre alunos e professores com transferência de informações fundamentais. Segundo esses estudiosos²⁰, os treinamentos poderiam ser otimizados ao incluir comparação das análises com amostras pré-classificadas por ouvintes experientes e, também, por exercícios de estabelecimento de análises consensuais entre estudantes.

Quanto aos cinco estudos que utilizaram treinamentos perceptivo-auditivos de aspectos de fala na fissura labiopalatina, porém com foco no desenvolvimento, mensuração e validação de protocolos de avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina^17,21-24, estes mostraram resultados positivos. Ou seja, houve melhores índices de confiabilidade nas análises da hipernasalidade após treinamento perceptivo-auditivo dos fonoaudiólogos. Particularmente, o estudo precursor (desenvolvimento do CAPS-A)²¹ sugeriu que, após um treinamento de 6 horas, índices de confiabilidade em análises perceptivas podem ser alcançados. Em um estudo posterior²², em que se desenvolveu pacote de treinamento para a utilização do protocolo CAPS-A, os resultados mostraram que, em geral, houve aumento significativo nos índices de confiabilidade para as análises intra e entre avaliadores para diferentes aspectos de fala (incluindo a hipernasalidade). Tal achado foi obtido com base nas análises realizadas imediatamente após o treinamento e repetidas após um mês do treinamento.

Resultados similares foram apontados em uma investigação posterior¹⁷, utilizando pacote de treinamento desenvolvida para o uso do protocolo CAPS-A¹⁷. Outro estudo²³ observou efeitos positivos advindos da realização do treinamento e a padronização de um protocolo de avaliação (Dutch Cleft Speech Evaluation -DCSET). Índices de confiabilidade intra e entre avaliadores dos parâmetros de fala aumentaram após realização do treinamento. Os menores índices alcançados foram a hipernasalidade de fala. Por fim, no processo de validação de um estudo que desenvolveu um protocolo de avaliação de fala no idioma Belga, os índices de confiabilidade intra e entre avaliadores foram reportados (incluindo para a hipernasalidade) após um treinamento de 4 horas que incluiu a apresentação do protocolo e práticas de consenso. A análise dos resultados obtidos nestes estudos sugere efeito positivo do treinamento na confiabilidade das análises de ouvintes com experiência na avaliação da hipernasalidade, ao empregarem o treinamento como parte do desenvolvimento ou validação de protocolos de avaliação da fala de indivíduos com fissura labiopalatina.

A presente revisão da literatura mostra que treinamentos perceptivo-auditivos para a avaliação da hipernasalidade de fala em indivíduos com fissura labiopalatina são pouco descritos na literatura, principalmente para ouvintes não experientes. No entanto, há uma tendência em se propor treinamentos perceptivo-auditivos para ouvintes alunos de cursos de Fonoaudiologia^13,20. Tal fato reflete a busca contínua por treinamentos estruturados direcionados a alunos de cursos de Fonoaudiologia, a fim de capacitá-los para realizarem análises confiáveis dos parâmetros de fala de indivíduos com fissura labiopalatina, incluindo a hipernasalidade²⁰.

Nos estudos revisados, algumas limitações sobre os treinamentos oferecidos foram apontadas e podem ser úteis para direcionar estudos futuros. Essas limitações incluem: tempo limitado do treinamento perceptivo-auditivo oferecido^20,24, a não realização da análise pré-treinamento para efeito de comparação¹⁷ e dificuldade em alcançar um efeito positivo na classificação perceptivo-auditiva ao longo do tempo, após treinamento perceptivo-auditivo da hipernasalidade²⁰. Outros fatores que podem afetar treinamentos perceptivo-auditivos incluem: número restrito de amostras de fala¹⁸ e de avaliadores nos treinamentos ^1,16,18), , falta de padronização de equipamentos utilizados nas classificações pelos avaliadores²¹, qualidade do áudio das amostras de fala utilizadas^22,23, uso de escalas ordinais por serem incongruentes com a natureza perceptiva (dimensão protética) da hipernasalidade^14,24 e coexistência de outras alterações de fala ao avaliar a hipernasalidade²⁰.

Objetivando suprir algumas dessas limitações, estudiosos reforçam a necessidade de propor, em estudos futuros, treinamentos perceptivo-auditivos estruturados que possibilitem a manutenção das habilidades aprendidas a longo prazo²⁰. Recomendações sobre a necessidade de investigações visando ao entendimento do treinamento e do tipo de feedback que favoreça a manutenção das habilidades desenvolvidas pelos ouvintes a longo prazo foram feitas há muito tempo¹⁶ e, portanto, merecem atenção.

Amostras de referências externas estabelecidas com base em análises consensuais (consenso em grupo) ou determinação de amostras âncoras pelos próprios ouvintes que irão analisar os aspectos de fala ou, ainda, a combinação delas são apontadas como estratégias que podem favorecer análises perceptivas de fonoaudiólogos não experientes²⁴e, portanto, devem ser consideradas em estudos futuros. As habilidades dos ouvintes podem ser, ainda, favorecidas pelo oferecimento de feedback de respostas corretas em práticas envolvendo análises consensuais e, também, pelo oferecimento de informações adicionais, como por exemplo, apresentação de casos específicos com definições precisas para uso da escala ordinal²⁴. O uso de escalas de proporção (estima de magnitude direta) ainda é sugerida em estudos futuros que envolvam treinamentos para favorecer análises perceptivas²⁴.

Treinamentos perceptivos com ênfase nas amostras de fala com hipernasalidade de grau leve e moderado também são recomendados, a fim de possibilitar uma discriminação mais precisa desses graus de hipernasalidade de fala pelos ouvintes¹⁸. O uso de escalas perceptivas mais simples também é sugerido, uma vez que elas podem aumentar a confiabilidade das classificações e o consenso entre avaliadores²³. Em estudos futuros, esses aspectos podem ser considerados.

Sabe-se que treinamentos perceptivos, quando realizados gradualmente, ou seja, por etapas, com gradação de níveis de dificuldade (4 níveis, mais fácil para mais difícil)¹⁶ favorecem as análises de ouvintes não experientes e, portanto, devem ser mais explorados em estudos futuros. Esses treinamentos podem ser oferecidos, inclusive, na modalidade online¹³. A modalidade online de treinamento perceptivo-auditivo é bastante atrativa, uma vez que permite ao ouvinte realizar análises perceptivas do parâmetro avaliado em seu próprio tempo e de forma interativa¹³ e, portanto, deve ser explorada em estudos futuros que visam ao treinamento perceptivo-auditivo da hipernasalidade.

Em estudos futuros, sugere-se o envio de questionários aos participantes inseridos nos treinamentos perceptivo-auditivos online, uma vez que eles podem oferecer sugestões valiosas. Em estudo prévio, por exemplo, participantes sugeriram a inserção de informações técnicas nos treinamentos propostos, a fim de evitar possíveis problemas durante a realização do treinamento¹³.

A presente revisão traz informações importantes sobre características dos treinamentos perceptivo-auditivos da hipernasalidade. Estas informações podem nortear estudos futuros que objetivem otimizar as análises perceptivas da nasalidade de fala, a fim de favorecer diagnósticos apropriados e direcionar processos terapêuticos.

CONCLUSÃO

Estudos envolvendo treinamento perceptivo-auditivo para identificação da hipernasalidade ainda são escassos. Dos estudos existentes, metade refere-se às investigações que tiveram como objetivo descrever e analisar os desfechos de treinamentos perceptivo-auditivos para identificação da hipernasalidade. A outra metade objetivou elaborar, mensurar e validar protocolos de avaliação de fala e utilizou treinamento perceptivo-auditivo para esta finalidade. As características dos treinamentos perceptivos de fala para a avaliação da hipernasalidade variaram amplamente, principalmente entre os estudos que propuseram treinamentos perceptivo-auditivos para ouvintes não experientes. Os tipos de treinamentos mais utilizados foram análises consensuais e o uso de amostras de referências. A duração do treinamento foi dependente do objetivo do estudo e da modalidade de treinamento empregada (presencial ou online). O estímulo de fala mais recorrente nos treinamentos perceptivos foi o conjunto de frases. As escalas de intervalos iguais foram as mais utilizadas nos estudos. Os ouvintes treinados compreenderam fonoaudiólogos, alunos de Fonoaudiologia e residentes em Otorrinolaringologia. Os achados dos treinamentos perceptivo-auditivos para avaliação da hipernasalidade derivados desta revisão sinalizam a necessidade de novos treinamentos que favoreçam as análises perceptivas de ouvintes não experientes e, também, de identificar treinamentos que possam manter as habilidades alcançadas pelos ouvintes a longo prazo.

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• Pesquisa realizada na Universidade Estadual Paulista - UNESP, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, São Paulo, Brasil.
• Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, número da proposta 4404.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  09 Mar 2023
• Aceito
  07 Jul 2023