Percepção da fala e linguagem de crianças com espectro da neuropatia auditiva: revisão sistemática da literatura

RESUMO

Objetivo:

analisar os resultados de testes percepção da fala e linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva, usuárias de aparelho de amplificação sonora individual ou implante coclear.

Métodos:

revisão sistemática da literatura, baseada no guideline Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses. Levantaram-se, em bases de dados, estudos entre 1996 e 2021, que apresentavam os resultados de percepção da fala ou linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva bilateral, sem alterações estruturais da orelha/nervo vestíbulo-coclear, ou comprometimentos associados. Os dados foram analisados descritivamente.

Revisão da Literatura:

dentre 1422 estudos encontrados, 15 foram incluídos. Observou-se variabilidade no tamanho das amostras, tipos de estudos, procedimentos de avaliação e questões metodológicas. O implante coclear e o aparelho de amplificação sonora individual contribuíram para o desenvolvimento da percepção da fala e linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva, pois foram alcançadas habilidades, como a compreensão auditiva e inteligibilidade da fala.

Conclusão:

15 estudos sugeriram que o implante coclear e o aparelho de amplificação sonora individual podem ser efetivos para o desenvolvimento da percepção da fala e linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva sem outros comprometimentos associados. Ressalta-se a necessidade de pesquisas com alto rigor metodológico.

Descritores:
Implantes Cocleares; Auxiliares de Audição; Perda Auditiva; Percepção da Fala; Linguagem Infantil

ABSTRACT

Purpose:

to analyze the test results of speech perception and spoken language in children with hearing loss and auditory neuropathy spectrum disorder, users of hearing aids or cochlear implants.

Methods:

a systematic review of the literature based on the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) guidelines. Consultation was performed in databases, considering studies from 1996 to 2021, selecting the studies that presented the results of speech perception or spoken language in children with bilateral auditory neuropathy spectrum disorder, with no structural alterations of the ear and/or vestibulocochlear nerve, or other associated impairments. Descriptive analysis was performed.

Literature Review:

among 1,422 studies found, 15 were included. Variability in the sample size, types of studies, evaluation procedures and methodological questions were observed. The cochlear implants and hearing aids contributed to the development of speech perception and spoken language in children with auditory neuropathy spectrum disorder, since skills such as auditory comprehension and speech intelligibility, were achieved.

Conclusion:

15 studies suggest that cochlear implants and hearing aids may be effective for speech perception and spoken language development in children with auditory neuropathy spectrum disorder, with no other associated impairments. The need for further research with a high methodological rigor is highlighted.

Keywords:
Cochlear Implants; Hearing Aids; Hearing Loss; Speech Perception; Child Language

INTRODUÇÃO

A primeira publicação que utilizou o termo “Neuropatia Auditiva” foi realizada por Starr et al. (1996)¹ para descrever um possível comprometimento das células ciliadas internas, do nervo auditivo e/ou da falha entre as sinapses das células ciliadas internas e o nervo auditivo^1,2. Ao longo dos anos de pesquisas na área, estudos relataram diferentes nomenclaturas, como “Neuropatia Auditiva”, “Dessincronia Auditiva” e “Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva” - DENA^1,3,4.

O diagnóstico da neuropatia auditiva é constatado pela presença de Emissões Otoacústicas Evocadas, registro dos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (PEATE) ausente ou com anormalidades na resposta neural e/ou presença de Microfonismo Coclear, observado no próprio PEATE ou na Eletrococleografia^5,6. Além disso, quando há uma perda auditiva, o grau pode variar de leve a profundo e a dificuldade na compreensão de fala no silêncio e, principalmente, no ruído é desproporcional à perda auditiva apresentada^4,7.

A variabilidade encontrada nos testes diagnósticos do Espectro da Neuropatia Auditiva (ENA) demonstra a heterogeneidade de sua fisiopatologia^8,9. Indivíduos com ENA podem apresentar alterações na percepção dos estímulos sonoros e na habilidade de processamento auditivo temporal, devido à falha na sincronia neural^7,10.

O uso de dispositivos eletrônicos de acesso aos sons da fala, como o Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) e o Implante Coclear (IC) traz a possibilidade de minimizar o impacto da privação sensorial auditiva e possibilitar o desenvolvimento da linguagem falada^11,12.

Quando os resultados propiciados pelo AASI em relação à percepção auditiva da fala são limitados, o IC pode ser indicado, pois este dispositivo substitui parcialmente a função das células ciliadas da cóclea, compensando a alteração da sincronia neural^13,14. Entretanto, a literatura reforça a importância de se considerar a individualidade de cada caso, sendo necessária cautela em relação à conduta da indicação do implante coclear^6,9,13.

Estudo prévio revisou sistematicamente as evidências existentes em relação aos resultados das habilidades auditivas de crianças com desordem do espectro da neuropatia auditiva, usuárias de IC, verificando-se avanços na detecção dos sons da fala, na discriminação e reconhecimento de palavras e sentenças após a cirurgia, não sendo observadas diferenças nas referidas habilidades, quando comparadas às crianças com perda auditiva sensório-neural que utilizavam implante coclear¹⁵.

Porém, ainda são necessárias novas pesquisas, a fim de compreender de forma mais detalhada a efetividade da intervenção com os dispositivos (AASI e/ou IC) no desempenho da percepção dos sons da fala e da linguagem de crianças com ENA.

Estudos que sistematizam as evidências produzidas ao longo dos anos nesta área poderão subsidiar o estabelecimento de diretrizes e parâmetros científicos que auxiliem nas condutas do processo de reabilitação auditiva, principalmente, relacionadas ao dispositivo tecnológico de acesso aos sons da fala.

Diante do exposto, este trabalho teve como objetivo verificar os resultados de percepção dos sons da fala e linguagem falada de crianças com perda auditiva e espectro da neuropatia auditiva, usuárias de aparelho de amplificação sonora individual ou implante coclear.

MÉTODOS

Estratégia de Pesquisa

Revisão sistemática da literatura registrada no sistema International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO), sob número CRD42021273562¹⁶ seguindo as recomendações do guideline Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)¹⁷.

A revisão foi conduzida baseando-se na questão norteadora: O implante coclear e o aparelho de amplificação sonora individual foram efetivos para o desenvolvimento da percepção dos sons da fala e da linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva?

Inicialmente foi feita uma busca nas bases Cochrane Library, Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PROSPERO, não se verificando estudos de revisão com a temática proposta.

Assim, foi realizada pesquisa bibliográfica em revistas nacionais e internacionais indexadas nas bases de dados eletrônicas: PubMed/MEDLINE, Web of Science, SCOPUS, Embase, Scientific Electronic Library Online (SciELO), BVS e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).

Foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) em português e espanhol e seus correspondentes em inglês do Medical Subject Headings (MeSH), além de palavras-chave relacionadas ao tema do estudo. Os descritores e palavras foram combinados empregando-se os operadores booleanos “OR” e “AND”, conforme demonstrado no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégia de pesquisa utilizada

Estratégia de pesquisa
Inglês	((Hearing Aids) OR (“Hearing Aids”) OR (Hearing Aid) OR (“Hearing Aid”) OR (Cochlear Implants) OR (“Cochlear Implants”) OR (Cochlear Implant) OR (“Cochlear Implant“) OR (Cochlear Implantation) OR (“Cochlear Implantation”)) AND ((Auditory Neuropathy) OR (“Auditory Neuropathy”) OR (Auditory Neuropathies) OR ("Auditory Neuropathies") OR (Auditory Dyssynchrony) OR (“Auditory Dyssynchrony”) OR (Auditory Dys synchrony) OR (“Auditory Dys synchrony”) OR (Auditory Dys-synchrony) OR (“Auditory Dys-synchrony”) OR (Auditory Neuropathy Spectrum Disorder) OR (“Auditory Neuropathy Spectrum Disorder”)) AND ((Speech Perception) OR (“Speech Perception”) OR (Auditory Perception) OR (“Auditory Perception”) OR (Child Language) OR (“Child Language”) OR (Language Development) OR (“Language Development”) OR (Verbal Learning) OR (“Verbal Learning”) OR (Language Development Disorders) OR (“Language Development Disorders”) OR (Language Disorders) OR (“Language Disorders”) OR (Rehabilitation of Speech and Language Disorders) OR (“Rehabilitation of Speech and Language Disorders”))
Português	((Auxiliares de Audição) OR (“Auxiliares de Audição”) OR (Implantes Cocleares) OR (“Implantes Cocleares”) OR (Implante Coclear) OR (“Implante Coclear“)) AND ((Neuropatia Auditiva) OR (“Neuropatia Auditiva”) OR (Neuropatias Auditivas) OR ("Neuropatias Auditivas") OR (Dessincronia Auditiva) OR (“Dessincronia Auditiva”) OR (Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva) OR (“Desordem do Espectro da Neuropatia Auditiva”)) AND ((Percepção da Fala) OR (“Percepção da Fala”) OR (Percepção Auditiva) OR (“Percepção Auditiva”) OR (Linguagem Infantil) OR (“Linguagem Infantil”) OR (Desenvolvimento da Linguagem) OR (“Desenvolvimento da Linguagem”) OR (Aprendizagem Verbal) OR (“Aprendizagem Verbal”) OR (Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem) OR (“Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem”) OR (Transtornos da Linguagem) OR (“Transtornos da Linguagem”) OR (Reabilitação dos Transtornos da Fala e da Linguagem) OR (“Reabilitação dos Transtornos da Fala e da Linguagem”))
Espanhol	((Audífonos) OR (“Audífonos”) OR (Audífono) OR (“Audífono”) OR (Implantes Cocleares) OR (“Implantes Cocleares”) OR (Implante Coclear) OR (“Implante Coclear“) OR (Implantación Coclear) OR (“Implantación Coclear”)) AND ((Neuropatía Auditiva) OR (“Neuropatía Auditiva”) OR (Neuropatías Auditivas) OR ("Neuropatías Auditivas") OR (Desincronía Auditiva) OR (“Desincronía Auditiva”) OR (Espectro de Desórdenes de la Neuropatía Auditiva) OR (“Espectro de Desórdenes de la Neuropatía Auditiva”)) AND ((Percepción del Habla) OR (“Percepción del Habla”) OR (Percepción Auditiva) OR (“Percepción Auditiva”) OR (Lenguaje Infantil) OR (“Lenguaje Infantil”) OR (Desarrollo del Lenguaje) OR (“Desarrollo del Lenguaje”) OR (Aprendizaje Verbal) OR (“Aprendizaje Verbal”) OR (Trastornos del Desarrollo del Lenguaje) OR (“Trastornos del Desarrollo del Lenguaje”) OR (Trastornos del Lenguaje) OR (“Trastornos del Lenguaje”) OR (Rehabilitación de los Trastornos del Habla y del Lenguaje) OR (“Rehabilitación de los Trastornos del Habla y del Lenguaje”))

Critérios de Seleção dos Estudos

Para a seleção dos estudos primários, foram considerados os critérios:

- Tipos de estudos: trabalhos em Português, Inglês ou Espanhol, publicados no período de 1996 a 2021. A delimitação dos estudos a partir do ano de 1996 justifica-se pelo fato de que neste ano foi realizada a primeira publicação que descreveu e utilizou o termo “neuropatia auditiva”¹. Quando existia a publicação disponível, as dissertações e teses eram substituídas pelo trabalho publicado.

- População: crianças com espectro da neuropatia auditiva bilateral, inseridas em contexto de linguagem falada, sem alterações estruturais da orelha ou do nervo vestíbulo-coclear (VIII par craniano) ou outros comprometimentos associados, como por exemplo, síndromes.

- Intervenção: uso do aparelho de amplificação sonora individual bilateral ou implante coclear unilateral ou bilateral ou uso do implante coclear unilateral, com aparelho de amplificação sonora individual contralateral (bimodal).

- Desfechos clínicos: resultados expressos em porcentagem de acertos ou classificações de escalas que demonstrem o desempenho na percepção dos sons da fala e/ou na linguagem falada.

Análise dos Dados

Os estudos foram extraídos das bases de dados e organizados utilizando o software EndNote (versão online), sendo excluídos de forma manual, os trabalhos repetidos.

A avaliação ocorreu em duas etapas, pela plataforma de seleção Rayyan.

Na primeira etapa, os estudos com potencial relação com a temática abordada foram avaliados a partir da leitura dos títulos e resumos por dois revisores, de forma cega. Na segunda etapa, dois revisores analisaram o texto completo dos estudos em que não foi possível a inclusão ou exclusão apenas pela leitura do título e do resumo, de forma cega, para definirem quais estudos contemplavam os critérios de seleção.

Quando houve divergências entre os juízes, quanto à inclusão ou exclusão dos estudos na etapa anterior, foi acionado outro juiz, como critério de desempate. O terceiro juiz pôde analisar o título, resumo e texto completo (quando não foi possível a inclusão ou exclusão do estudo apenas pela leitura do título e do resumo).

Foi utilizado um protocolo para análise das pesquisas resultantes das etapas anteriores, contendo as informações: autores, ano de publicação, objetivos, população, procedimentos de avaliação da percepção da fala e/ou linguagem, principais resultados, nível de evidência dos estudos e risco de viés. Um autor organizou os referidos dados, os quais foram analisados por outro autor e, havendo divergências, foi realizada uma discussão para se atingir o consenso.

Para a determinação do nível de evidência foi utilizada a classificação adaptada por Cox (2004)¹⁸.

Para a avaliação do risco de viés, foram utilizadas as ferramentas de avaliação crítica, adequadas ao tipo do estudo, do Joanna Briggs Institute.¹⁹ O risco de viés foi caracterizado de acordo com a frequência de respostas “sim”, que significava adequação do estudo. O risco de viés “alto” correspondia à frequência de respostas “sim” menor ou igual a 49%, “moderado” entre 50% e 69% e “baixo” superior a 70%. As referidas ferramentas foram aplicadas pelos mesmos revisores que avaliaram os artigos nas etapas anteriores, mediante consenso e, em caso de divergências, foi feita uma discussão para se atingir o consenso.

Ressalta-se que a revisão da literatura foi atualizada, a fim de contemplar todos os possíveis estudos que foram publicados até o final do ano de 2021.

REVISÃO DA LITERATURA

Considerando a importância do acompanhamento dos resultados da intervenção, tanto com o AASI, quanto com o IC, este estudo teve como objetivo analisar os resultados de testes de percepção da fala e linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva. Este objetivo visa responder a pergunta condutora do estudo, que questiona a efetividade dos dispositivos nessa população.

A Figura 1 apresenta o diagrama dos resultados da busca realizada.

Figura 1
Diagrama dos resultados da revisão sistemática

A pesquisa identificou 1422 estudos nas bases de dados utilizadas. Após a remoção dos duplicados, 845 trabalhos foram triados. Destes, quatro dissertações/teses já haviam sido publicadas, sendo desconsideradas da análise e 765 estudos não contemplavam os critérios de seleção.

Após leitura do título e resumo, 76 trabalhos demonstraram apresentar relação com a temática proposta e apenas um não foi recuperado o texto completo, totalizando 75 estudos incluídos para a segunda etapa. Após análise na íntegra, 60 trabalhos foram excluídos por diferentes motivos, como o idioma, a população e os desfechos clínicos e 15 foram incluídos neste estudo. Levando-se em conta o período transcorrido entre a primeira descrição da neuropatia auditiva e os atuais avanços no diagnóstico audiológico e intervenção, pode-se inferir que o número de estudos encontrados é relativamente baixo.

O Quadro 2 mostra a síntese das características dos estudos incluídos.

Quadro 2
Síntese dos estudos incluídos

AUTOR/ANO	OBJETIVO	POPULAÇÃO	IDADE NA AVALIAÇÃO	PROCEDIMENTO PERCEPÇÃO DA FALA	PROCEDIMENTO DESFECHO CLÍNICO	PRINCIPAIS ACHADOS	NÍVEL DE EVIDÊNCIA
Trautwein et al. (2000)13 Estudo de caso	Apresentar os potenciais benefícios do IC em um caso de uma criança com ENA.	1 menino que recebeu IC unilateral. Perda auditiva profunda.	4 anos e 3 meses.	*Sons de Ling *The Early Speech Perception test (ESP) *Test of Auditory Comprehension	Não há.	A criança apresentou melhora significativa na percepção da fala após implantação. Quando comparada com 10 crianças que apresentavam perda auditiva coclear e utilizavam IC, seu desempenho nas habilidades avaliadas foi similar.	5
Lin et al. (2005)23 Estudo de caso	Relatar o caso de uma criança falante do Mandarim com ENA, que recebeu o IC.	1 menino que recebeu IC unilateral. Perda auditiva profunda	3 anos.	*Mandarin Auditory Perception Test Battery (MAPTB)	Não há.	Houve melhora significativa nas habilidades de percepção da fala após o IC.	5
Melo et al. (2008)30 Estudo de caso-controle	Comparar o desempenho de produção de fala de dois grupos de crianças usuárias de IC, sendo um grupo com perda auditiva sensório-neural e outro grupo com ENA, considerando-se o tempo de uso do IC e a idade cronológica da criança, no momento da avaliação.	10 usuários de IC (5 crianças com ENA pareadas com 5 crianças com perda auditiva sensório-neural). Perda auditiva profunda.	2 anos e 2 meses a 5 anos e 7 meses.	*Procedimento de avaliação de percepção de fala em crianças deficientes auditivas profundas a partir de cinco anos de idade *Lista de palavras como procedimento de avaliação da percepção dos sons da fala para crianças deficientes auditivas	*Nomeação de figuras do Teste ABFW - prova de fonologia e discurso espontâneo	O IC trouxe benefícios para ambos os grupos de crianças, não sendo observadas diferenças de desempenho na produção da fala, o qual foi superior para os participantes com menor período de privação sensorial.	4
Rance et al. (2008)26 Estudo de caso-controle	Avaliar as habilidades de percepção da fala de crianças com ENA que receberam o IC e comparar com um grupo de crianças com ENA usuárias de AASI e um grupo de crianças com perda auditiva sensório-neural, usuárias de IC.	20 crianças com ENA (10 usuárias de IC unilateral, bilateral ou com AASI contralateral e 10 usuárias de AASI bilateral) e 37 crianças com perda auditiva sensório-neural, com IC unilateral, bilateral ou com AASI contralateral. Perda severa/profunda do grupo IC com ENA. Perda leve e severa do grupo AASI com ENA.	Grupo ENA +IC: 89,6 meses. Grupo ENA + AASI: 94,2 meses. Grupo perda auditiva sensório-neural: 92,6 meses	*Consonant-nucleus-consonant (CNC) words	*Diagnostic Evaluation of Articulation and Phonology test	Houve um avanço significativo na discriminação da fala de crianças com ENA, sendo que o desempenho das crianças usuárias de IC e AASI foi similar, nesta habilidade. Entretanto, ambos os grupos apresentaram resultados de percepção da fala inferiores aos obtidos pelas crianças com perda auditiva sensório-neural.	4
Fukushima et al. (2009)35 Séries de casos	Apresentar o curso clínico de crianças com presença de emissões otoacústicas, perda auditiva e implante coclear.	2 usuários de IC unilateral. Perda auditiva severa/profunda.	8 a 10 anos.	*Monosyllable speech perception tests	*Teste de inteligibilidade da fala	O IC foi eficaz e contribuiu para o desenvolvimento da linguagem dos casos apresentados.	5
Carvalho et al. (2011)31 Estudo descritivo (Transversal)	Avaliar o desempenho auditivo e as características do Potencial de Ação Composto Eletricamente Evocado no Nervo Auditivo (ECAP), em um grupo de crianças com ENA usuárias de IC.	18 crianças com ENA usuárias de IC. Perda auditiva profunda e grave.	Não há.	*Procedimento para a Avaliação de Crianças Deficientes Auditivas Profundas * Lista de Palavras como Procedimento de avaliação da Percepção dos Sons da Fala para Crianças Deficientes Auditivas	Não há.	O IC foi efetivo para o desenvolvimento das habilidades auditivas em 94% dos participantes. Não foram observadas modificações nas características de limiar e amplitude do ECAP para as duas frequências de estimulação testadas, sendo a estimulação elétrica capaz de compensar a alteração da sincronia neural decorrente do ENA.	4
Fei et al. (2011)22 Estudo de caso	Apresentar o caso de um paciente implantado, incluindo as avaliações pré-operatórias e uma série de avaliações pós-operatórias, para fornecer evidências clínicas preliminares da eficácia do IC em pacientes com ENA.	1 menino implantado unilateralmente. Perda auditiva profunda.	4 anos.	*Meaningful Auditory Integration Scale (MAIS) *Mandarin early speech perception test (MESP) *Categories of Auditory Performance (CAP)	*Speech Intelligibility Rating (SIR)	Houve benefícios para o paciente apresentado, em relação à sensibilidade auditiva, reconhecimento de fala e comunicação, após o período de sete meses de uso do IC.	5
Kim et al. (2013)24 Estudo de caso	Relatar um caso de uma criança com ENA e IC.	1 menino que recebeu IC unilateral. Não há o grau da perda auditiva.	2 anos e 7 meses.	*Phonetically Balanced Kindergarten (PBK): *Word List and the Common Phrases	*Peabody Picture Vocabulary Test (PPVT) *Expressive One-Word Picture Vocabulary Test (EOWPVT)	O implante coclear pode ser um método eficaz para habilitação auditiva em pacientes com neuropatia auditiva, por restaurar a sincronia neural e permitir o uso da informação auditiva, favorecendo o desenvolvimento da comunicação	5
Yamaguti, (2013)36 Estudo de caso-controle	Investigar a percepção de fala na presença de ruído em crianças com ENA usuárias de IC.	14 crianças com ENA usuárias de IC e 12 controles (crianças com perda auditiva sensório-neural, usuárias de IC). Perda auditiva severa/profunda.	Grupo experimental: 111,5 meses. Grupo controle: 127,4 meses.	*Hearing in Noise Test (versão Português)	Não há.	O desempenho na habilidade de percepção da fala no ruído foi similar entre o grupo de crianças com ENA e o grupo de crianças com perda auditiva sensório-neural. O implante coclear mostrou-se uma opção viável de tratamento para esta população, desde que os critérios de indicação sejam seguidos.	4
Liu et al (2014)32 Estudo descritivo (Coorte)	Avaliar as habilidades auditivas e de linguagem após o IC, em crianças com ENA, sem deficiência no nervo coclear e determinar o papel da idade na implantação nos dados clínicos encontrados.	10 crianças com ENA, usuárias de IC, divididas pela idade em que foi realizada a implantação (antes ou após 24 meses). Perda auditiva profunda.	Não há.	*Categories of Auditory Performance (CAP) *Meaningful Auditory Integration Scale (MAIS)/Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS) *Monosyllabic Lexical Neighborhood Test (LNT Chinese version) *Multisyllabic Lexical Neighborhood Test (MLNT Chinese version)	*Speech Intelligibility Rating (SIR) *Meaningful Use of Speech Scale (MUSS)	O IC mostra-se uma opção de tratamento para crianças com ENA, sendo que crianças implantadas antes dos 24 meses apresentaram desempenho superior para as habilidades auditivas e de fala do que as crianças implantadas após os 24 meses.	4
Praveena et al. (2014)27 Estudo de caso	Verificar o desenvolvimento da linguagem de crianças com ENA usuárias de AASI.	3 crianças usuárias de AASI bilateral. Perda auditiva moderada/severa.	2 anos e 10 meses a 5 anos e 1 mês.	Não há.	*Avaliação do desenvolvimento da linguagem (ADL)	Foram observados avanços no desenvolvimento da idade receptiva em relação à idade expressiva. Esse resultado pode ser característico de crianças com ENA usuárias de AASI.	5
Attias et al. (2016)33 Estudo de caso-controle	Comparar o resultado auditivo do IC entre crianças com ENA e crianças com perda auditiva sensório-neural e investigar o impacto de diferentes fisiopatologias subjacentes ao ENA e à perda auditiva sensório-neural em parâmetros elétricos objetivos e subjetivos do IC.	16 crianças com ENA usuárias de IC uni ou bilateral e 16 crianças com perda auditiva sensório-neural usuárias de IC uni ou bilateral. Perda auditiva severa/profunda.	5 a 12 anos.	*The Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale *Monosyllabic speech test: *Spondee word Test *Everyday sentences test	Não há.	As crianças com ENA apresentaram desempenho auditivo semelhante às crianças com perda auditiva sensório-neural, após o IC. Além disso, crianças com ENA necessitam de menor corrente elétrica de estimulação do IC do que crianças com perda auditiva sensório-neural, o que pode ser decorrente de diferenças biológicas das condições da cóclea entre esses dois grupos.	4
Fernandes et al. (2016)12 Série de casos	Analisar a percepção da fala de crianças com ENA usuárias de AASI bilateral.	4 crianças usuárias de AASI bilateral. Perda auditiva leve a moderada.	9 anos a 12 anos e 2 meses.	*Lista de reconhecimento de vocábulos monossílabos e dissílabos *Lista de reconhecimento de sílabas sem sentido: *Lista de reconhecimento de sentenças *Escala de Integração Auditiva Significativa para Crianças Pequenas (IT-MAIS) *Categoria de audição	*Questionário de Avaliação da Linguagem Oral (MUSS) *Categoria de linguagem	O desempenho auditivo dos participantes que utilizavam AASI foi satisfatório, possibilitando o desenvolvimento máximo das habilidades auditivas	5
Daneshi et al. (2018)25 Estudo descritivo (Coorte)	Avaliar a performance auditiva e a produção da fala de crianças com ENA implantadas.	136 crianças implantadas unilateralmente. Perda auditiva severa/profunda.	Não há	*Categories of Auditory Performance (CAP)	*Speech Intelligibility Rating (SIR)	Crianças com ENA se beneficiam do IC. A melhora na performance auditiva e na habilidade de produção da fala dependem da idade em foi realizada a cirurgia do IC e da duração do período de acompanhamento pós-operatório.	4
Alzhrani et al. (2019)34 Estudo de caso-controle	Avaliar o desempenho auditivo e de fala de crianças implantadas e com ENA e comparar os resultados obtidos com crianças implantadas com deficiência auditiva sensório-neural.	58 usuários de IC uni ou bilateral: 18 com ENA 40 controles. Perda auditiva severa - profunda.	Não há	*Categories of auditory Performance (CAP)	*Speech Intelligibility Rating (SIR)	Crianças com ENA, implantadas precocemente se beneficiam do IC, atingindo desempenho auditivo e de fala semelhantes ao de crianças implantadas sem ENA.	4

• Legenda: IC: implante coclear; ENA: espectro da neuropatia auditiva; AASI: aparelho de amplificação sonora individual

Em relação à população dos estudos incluídos, a idade cronológica variou de dois anos e dois meses a 12 anos e dois meses, com tamanho da amostra compreendido entre um e 136 participantes. Quanto ao grau da perda auditiva, dois estudos incluíam participantes com perda auditiva leve, dois trabalhos abordavam o grau moderado, sete estudos avaliaram crianças com perda de grau severo, 12 englobaram o grau profundo, um artigo mencionou a nomenclatura “grau de perda auditiva grave” e um estudo não citou o grau da perda de audição.

Ao analisar os critérios relativos à população incluída neste estudo, foram selecionados os trabalhos com crianças sem alterações estruturais da orelha ou do nervo vestíbulo-coclear (VIII par craniano) e sem outros comprometimentos associados, como por exemplo, síndromes.

Sabe-se que o diagnóstico do Espectro da Neuropatia Auditiva pode vir acompanhado por outras comorbidades, em decorrência de fatores de risco, fatores genéticos e intercorrências peri ou pós-natais, o que torna a população extremamente heterogênea^8,9,20.

Além disso, ressalta-se que o termo “espectro” trouxe uma expansão do conceito de local da lesão, o qual contempla outros sítios de alteração, além do nervo auditivo²¹. Embora o mecanismo patofisiológico da neuropatia auditiva ainda não seja totalmente compreendido, a literatura relata que a falta de sincronização das descargas neurais ao longo da via auditiva ocasiona alterações na precisão da codificação ou transmissão das informações auditivas, o que pode explicar esta condição^7,9,10.

Desse modo, diante das diferentes manifestações que os indivíduos com ENA podem apresentar, os referidos critérios para a população foram estabelecidos visando maior homogeneidade dos participantes dos estudos incluídos, o que pode estar relacionado ao número de trabalhos encontrados.

Dentre os estudos incluídos, o número da amostra variou amplamente, observando-se trabalhos de relato de caso^13,22-24 que avaliaram a percepção da fala e a linguagem de crianças que receberam o implante coclear unilateralmente e um estudo multicêntrico²⁵, que propôs avaliar a performance auditiva e a produção da fala de 136 crianças que receberam o implante coclear entre 2003 e 2015, realizando um acompanhamento no período de dois anos pós-implantação. Devido ao caráter longitudinal, os autores obtiveram as avaliações completas de 79 participantes.

Relativo ao grau da perda auditiva, o qual variou de leve a profundo, apenas dois trabalhos envolviam participantes com ENA e perda auditiva leve^12,26 e dois estudaram crianças com ENA e perda auditiva moderada^26,27. Este resultado enfatiza a importância dos programas de triagem auditiva neonatal, que envolvam tanto as emissões otoacústicas evocadas, quanto os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico, pois a combinação de ambos os testes evitará erros, permitindo constatar bebês com possíveis achados compatíveis com o espectro da neuropatia auditiva^4,28,29.

A maioria das crianças avaliadas apresentava perda auditiva de grau severo ou profundo e fazia uso do implante coclear^{13,22-26,30-36}. Os estudos mostram que o implante coclear pode trazer maior sincronia neural^13,24,31, tornando-se uma alternativa de tratamento, quando o AASI não se mostra efetivo para o desenvolvimento das habilidades auditivas e da linguagem²³.

Entretanto, o processo de indicação do IC deve ser minucioso, tendo em vista que não é possível uma conduta clínica comum para este grupo de crianças, devido ao fato que o ENA apresenta diferentes graus de comprometimento ao longo da via auditiva, com flutuação no desempenho auditivo, tornando desafiador o processo de tomada de decisão sobre a melhor opção de reabilitação para esta população^26,31,33,34.

Dois estudos mostraram que crianças que utilizam AASI podem apresentar benefícios nas habilidades de percepção da fala, no que tange ao reconhecimento e compreensão auditiva, ao avaliarem crianças com graus de perda auditiva que variaram de leve a severo^12,26. No entanto, outro trabalho, o qual avaliou o desenvolvimento da linguagem de crianças usuárias de AASI com perda auditiva de grau moderado a severo encontrou desempenho superior para os participantes com menor grau de perda auditiva, afirmando que a amplificação pode auxiliar na audição, mas não é suficiente para modificar o padrão de codificação neural que se encontra alterado nos diferentes graus de perda auditiva, principalmente no grau severo²⁷.

Nesta medida, ressalta-se que é necessária uma avaliação pré-operatória cuidadosa, que leve em conta diferentes aspectos, como por exemplo, os benefícios individuais do AASI, a percepção dos pais em relação ao desenvolvimento da criança, as expectativas dos pais quanto aos resultados do IC e a participação ativa da família no processo de reabilitação^13,22,32.

Vale ressaltar que, após a conduta ser estabelecida, o sucesso dos dispositivos (AASI e IC) para o desenvolvimento das habilidades auditivas e linguagem envolve fatores como, a motivação para o uso do dispositivo, o apoio familiar, a terapia fonoaudiológica, entre outros^31,37.

Em relação aos desfechos clínicos da percepção da fala, foi possível observar que foram obtidos resultados, por meio de procedimentos que envolviam inventários respondidos pelos responsáveis, escalas pontuadas pelo avaliador, testes com a própria criança ou os procedimentos de forma combinada.

Dentre os inventários respondidos pelos responsáveis, foram aplicadas a Escala de Integração Auditiva Significativa/Meaningful Auditory Integration Scale (MAIS), em dois estudos^22,32 e a Escala de Integração Auditiva Significativa para Crianças Pequenas/ Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS), em três trabalhos^12,32,33. O uso destes procedimentos mostra-se relevante, tendo em vista que o relato dos responsáveis consiste em uma ferramenta importante de avaliação da eficácia dos dispositivos em contextos significativos do cotidiano, principalmente para crianças pequenas²².

Os escores nas referidas escalas variaram de zero a 44% antes da cirurgia do IC^22,33, enquanto, após a cirurgia, foram alcançados escores de até 100%^12,22,32,33. Em um estudo²², os resultados foram obtidos após três e sete meses de uso do implante, alcançando-se desenvolvimento das habilidades auditivas, com escore máximo de 81% ao final deste período. Outro trabalho verificou que crianças implantadas antes dos 24 meses de vida apresentaram maiores escores para as escalas MAIS e IT-MAIS do que crianças implantadas após esse período³².

A idade precoce para a realização da cirurgia do implante coclear é reportada na literatura como um fator capaz de trazer benefícios para a percepção da fala de crianças com ENA^25,32,34. Outros autores, que avaliaram as habilidades auditivas deste grupo, por meio da escala Categories of Auditory Performance (CAP) encontraram resultados superiores para os participantes implantados precocemente^25,34.

No que se referem aos testes aplicados com a própria criança, os resultados demonstraram que diferentes habilidades foram avaliadas, por meio de uma variedade de procedimentos de avaliação, conforme apresentada no Quadro 2.

Um dos principais aspectos considerados foi compreender se havia diferenças de desempenho na percepção da fala entre crianças com ENA usuárias de AASI ou IC e crianças com perda auditiva sensório-neural^{13,26,33,34,36}. Foi constatado que quatro estudos encontraram resultados similares entre os grupos, no que diz respeito às habilidades de detecção dos sons da fala¹³, atenção aos sons ambientais e de fala do cotidiano^33,34, discriminação auditiva^13,33,34, reconhecimento em conjunto fechado e aberto^13,33,34,36, memória sequencial¹³, figura-fundo¹³ e compreensão auditiva^13,34.

No entanto, um estudo encontrou resultados diferentes, no qual crianças com ENA usuárias de IC ou AASI obtiveram desempenho inferior na habilidade de reconhecimento de fonemas, quando comparadas com as crianças com perda auditiva sensório-neural²⁶.

Estes diferentes achados na literatura evidenciam que conhecer o local da alteração ao longo da via auditiva é fundamental para auxiliar na escolha do recurso tecnológico para a reabilitação auditiva e na compreensão do prognóstico do indivíduo com ENA. Quando existe um comprometimento sensorial, espera-se um prognóstico favorável com o uso do AASI, mas se há uma disfunção que também envolve o componente neural, as respostas auditivas podem ser imprevisíveis, independentemente do dispositivo utilizado (AASI ou IC) e, especificamente com o IC, os resultados podem depender da capacidade do sistema nervoso auditivo em lidar com a estimulação elétrica¹².

Ressalta-se que dentre os testes aplicados com a própria criança, apenas dois estudos avaliaram a percepção da fala na presença de ruído competitivo. Em ambos os trabalhos, crianças com IC e ENA foram comparadas com crianças com IC e perda auditiva sensório-neural, em relação ao reconhecimento de sentenças no ruído^33,36 e palavras espondaicas³³, nos quais, o desempenho dos referidos grupos foi semelhante.

Considerando que o acompanhamento do desenvolvimento das habilidades auditivas de crianças usuárias de dispositivos é um fator importante para verificar a eficácia da intervenção com o AASI e o IC e que esta população pode atingir o platô nos testes aplicados no silêncio, a avaliação com ruído competitivo torna-se relevante, pois insere uma situação de escuta mais próxima do cotidiano^12,25,38.

Relativos aos desfechos clínicos da linguagem falada, foram avaliados os aspectos receptivo e expressivo, utilizando diferentes procedimentos, conforme mostra o Quadro 2.

No que se refere ao aspecto receptivo, apenas um estudo investigou esta habilidade, por meio do procedimento Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem (ADL). Foram avaliadas três crianças usuárias de AASI bilateral, com perda auditiva de grau moderado a severo, que realizaram terapia fonoaudiológica com ênfase na audição e na linguagem falada, verificando-se diferenças na idade receptiva entre os momentos pré e pós-terapia, que variaram de seis meses a três anos²⁷. Em relação ao aspecto expressivo, o mesmo estudo obteve resultados pelo ADL antes e após a intervenção, com diferenças na idade expressiva variando de um ano a um ano e sete meses²⁷.

Embora o número de participantes tenha sido baixo, o referido trabalho demonstra a importância da terapia fonoaudiológica, com ênfase no desenvolvimento da audição e da linguagem falada, à medida que crianças com perda auditiva, usuárias de dispositivos necessitam de uma intervenção que auxilie no uso das informações auditivas obtidas pelo AASI ou IC para o estabelecimento da comunicação oral efetiva^24,27.

Ressalta-se que o principal aspecto expressivo avaliado nos estudos foi a inteligibilidade da fala, em que quatro estudos^22,25,32,34 utilizaram a escala Speech Intelligibility Rating (SIR), um trabalho³⁵ aplicou um teste de inteligibilidade de fala baseado em percentual e um estudo³⁰ utilizou o teste de nomeação da prova de fonologia do ABFW.

A literatura reporta que a inteligibilidade é um aspecto que pode trazer resultados representativos sobre a competência da criança para a linguagem falada, de forma rápida, refletindo o seu desempenho em uma situação de comunicação mais natural^39,40.

Todos os trabalhos que avaliaram a inteligibilidade da fala foram realizados com crianças implantadas e verificaram que a intervenção com IC levou ao aumento das pontuações obtidas com as escalas utilizadas^{22,25,30,32,34,35}. Considerando que o desenvolvimento da linguagem falada de crianças usuárias de AASI também pode sofrer influência da qualidade do sinal acústico propiciada pelo dispositivo, impactando no aspecto expressivo, a avaliação da inteligibilidade da fala, neste grupo, também é relevante²⁷.

Dois estudos compararam a inteligibilidade da fala entre crianças com ENA que utilizavam IC e crianças implantadas, com perda auditiva sensório-neural, não encontrando diferenças de desempenho entre os grupos^30,34. Estes achados demonstram que o acesso aos sons da fala proporcionado pela adequada adaptação do dispositivo pode trazer benefícios para a linguagem falada de crianças com perda auditiva.

Também foram apontados nos estudos que crianças com escores mais altos para a inteligibilidade da fala possuíam menor tempo de privação sensorial³⁰ e haviam realizado a cirurgia do IC em idades precoces^25,32,34. Além disso, houve evolução no desempenho da inteligibilidade da fala, em função da duração do período de acompanhamento pós-adaptação com o IC²⁵. Estes resultados mostram a importância da intervenção precoce e do monitoramento sistemático do desenvolvimento deste grupo.

Relativo ao nível de evidência, oito estudos foram classificados no “nível 4”, que consiste em estudos descritivos, sendo cinco estudos de caso-controle^{26,30,33,34,36}, dois estudos de coorte^25,32 e um estudo transversal³¹, enquanto sete trabalhos apresentaram classificação no “nível 5”, o qual representa os estudos de caso^{12,13,22-24,27,35}. É possível observar que os 15 trabalhos incluídos encontram-se entre os níveis 4 e 5 da classificação proposta por Cox (2004)¹⁸, que consistem em níveis mais baixos, relacionados a qualidade do estudo.

O Quadro 3 mostra o risco de viés dos estudos, analisado pelas ferramentas de avaliação crítica do Joanna Briggs Institute¹⁹.

Quadro 3
Risco de viés dos estudos incluídos

Lista de avaliação: Estudos de caso
Questões	Trautwein et al. (2000)13	Lin et al. (2005)23	Fei et al. (2011)22	Kim et al. (2013)24	Praveena et al. (2014)27
1. As características demográficas dos pacientes foram claramente descritas?	S	S	S	S	N
2. O histórico dos pacientes foram claramente descritos e apresentado como uma linha do tempo?	S	S	S	N	N
3. A atual condição clínica do paciente foi apresentada claramente?	S	S	S	S	S
4. Os testes diagnósticos, ou métodos de avaliação e os resultados foram claramente descritos?	S	S	S	N	S
5. Os procedimento(s) de intervenção ou tratamento(s) foram claramente descritos?	S	S	S	N	S
6. A condição clínica pós intervenção foi claramente descrita?	S	S	S	S	S
7. Os eventos adversos (riscos) ou imprevistos foram identificados e descritos?	NA	NA	NA	NA	NA
8. O relato de caso fornece contribuições sobre a condição clínica estudada e orientações para a prática clínica?	S	S	S	S	S
Risco de Viés (% “Sim”)	100% (Baixo)	100% (Baixo)	100% (Baixo)	57,40% (Moderado)	71,43% (Baixo)
Lista de avaliação: Estudos de caso-controle
Questões	Melo et al. (2008) 30	Rance et al. (2008) 26	Yamaguti (2013) 36	Attias et al. (2016) 33	Alzhrani et al. (2019) 34
1. Os grupos eram comparáveis quanto à presença da doença nos casos ou ausência da doença nos controles?	S	S	S	S	S
2. Os casos foram pareados aos controles de forma apropriada?	S	S	S	S	N
3. Foi usado algum critério para identificar os casos e os controles?	S	S	S	S	S
4. A medida de exposição foi analisada por método padronizado, válido e confiável?	NA	NA	NA	NA	NA
5. A exposição foi medida da mesma forma para casos e controles?	S	S	S	S	S
6. Os fatores de confusão foram identificados?	N	S	S	S	N
7. Estratégias para gerenciar os fatores de confusão foram descritas?	N	S	S	S	N
8. Os desfechos foram avaliados com métodos padronizados, válidos e confiáveis para os casos e controles?	S	S	S	S	S
9. O periodo de exposição foi suficiente para mostrar um resultado significativo?	NE	NA	NA	NA	NE
10. Foi utilizada análise estatística apropriada?	S	S	S	S	S
Risco de viés (% “Sim”)	66,67% (Moderado)	100% (Baixo)	100% (Baixo)	100% (Baixo)	55,56% (Moderado)
Lista de avaliação: Séries de casos
Questões		Fukushima et al. (2009) 35		Fernandes et al. (2016) 12
1. Os critérios de inclusão foram claros?		S		S
2. A condição clínica foi medida de maneira padronizada e confiável para todos os participantes incluídos na série de casos?		S		S
3. Foram usados métodos válidos para a identificação da condição clínica em todos os casos incluídos no estudo?		S		S
4. A série de casos teve inclusão consecutiva de participantes?		S		N
5. A série de casos teve inclusão completa dos participantes?		NE		NE
6. As características demográficas dos participantes foram claramente descritas?		S		S
7. As informações clínicas dos participantes foram claramente descritas?		S		S
8. Os resultados de intervenções ou tratamentos foram claramente reportados?		N		S
9. Houve uma descrição clara de dados epidemiológicos da condição clínica estudada do local em que o estudo foi desenvolvido?		NA		NA
10. Foi utilizada análise estatística apropriada?		S		S
Risco de viés (% “Sim”)		77,78% (Baixo)		77,78% (Baixo)
Lista de avaliação: Estudos descritivos (Coorte)
Questões		Liu et al. (2014) 32		Daneshi et al. (2018) 25
1. Os dois grupos são semelhantes e foram recrutados de uma mesma população?		S		S
2. As exposições foram medidas de forma semelhante para atribuir pessoas tanto aos grupos expostos quanto aos não expostos??		S		S
3. As medidas de exposição foram avaliadas utilizando métodos válidos e confiáveis?		S		S
4. Os fatores de confusão foram identificados?		S		S
5. Estratégias para gerenciar os fatores de confusão foram descritas?		S		S
6. Os grupos/participantes estavam livres do desfecho no início do estudo (ou no momento da exposição)?		NE		N
7. Os desfechos foram medidos de maneira válida e confiável?		S		S
8. O tempo de acompanhamento foi relatado e foi suficiente para permitir que ocorressem os desfechos?		S		S
9. O acompanhamento foi completo e, se não foi, as razões para a perda de seguimento foram descritas e exploradas?		NE		N
10. Foram utilizadas estratégias para manejo do seguimento incompleto?		NE		N
11. Foi utilizada análise estatística apropriada?		S		S
Risco de viés (% “YES”)		72,73% (Baixo)		72,73% (Baixo)
Lista de avaliação: Estudo descritivo (Transversal)
Questões			Carvalho et al. (2011) 31
1. Os critérios de inclusão na amostra foram claramente definidos?			S
2. Os sujeitos do estudo e o ambiente onde ele foi realizado foram descritos detalhadamente?			S
3. As medidas de exposição foram avaliadas de maneira válida e confiável?			S
4. Foram utilizados critérios objetivos e padronizados para a medição da condição clínica?			S
5. Os fatores de confusão foram identificados?			NA
6. Estratégias para gerenciar os fatores de confusão foram descritas?			NA
7. Os desfechos foram medidos de maneira válida e confiável?			S
Risco de viés (% “Sim”)			100% (Baixo)

• Legenda: S - Sim; N - Não; NE - Não esclarecido; NA - Não aplicável
• Fonte: Joanna Briggs Institute (JBI)19

O risco de viés de três trabalhos foi classificado como moderado, verificando-se lacunas na descrição do histórico dos pacientes²⁴, pareamentos de casos e controles³⁴, descrição do método utilizado para a avaliação dos desfechos clínicos²⁴, descrição dos procedimentos de intervenção²⁴ e falta da identificação dos fatores de confusão, assim como de estratégias para resolução dos referidos fatores^30,34.

Também foram identificados 12 estudos com baixo risco de viés, embora cinco trabalhos tenham apresentado aspectos metodológicos que não foram contemplados, como: se houve a inclusão de todos os participantes de interesse do local em que a pesquisa foi desenvolvida^12,35, descrição clara das características demográficas dos participantes²⁷, resultados de percepção da fala e/ou linguagem antes da intervenção com os dispositivos^25,32, desfechos clínicos claramente reportados³⁵, descrição dos motivos de perda de participantes ao longo do período em que a pesquisa foi desenvolvida, assim como estratégias de ajustes da análise dos desfechos, quando pacientes não participavam de todo o período do estudo^25,32.

Apesar de ter sido observada variabilidade em relação ao tamanho das amostras, tipos de estudos, procedimentos de avaliação utilizados e aspectos metodológicos, os resultados desta revisão de literatura demonstraram que o IC e o AASI podem ser efetivos para o desenvolvimento da percepção da fala e da linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva, uma vez que foram alcançados níveis complexos destas habilidades, como a compreensão auditiva e a inteligibilidade da fala. Devido à heterogeneidade dos estudos, não foi possível a realização de meta-análise.

Considerando as especificidades do ENA, a continuidade de pesquisas que busquem avaliar a percepção da fala e a linguagem falada desta população, com métodos padronizados e com caráter longitudinal poderá somar informações sobre a efetividade do AASI e do IC e contribuir para a intervenção nessa patologia.

CONCLUSÃO

Considerando a heterogeneidade do espectro da neuropatia auditiva, ao longo de 25 anos de pesquisas, foram verificados 15 estudos que sugeriram que o IC e o AASI podem ser efetivos para o desenvolvimento da percepção da fala e da linguagem falada de crianças com espectro da neuropatia auditiva sem outros comprometimentos associados. Ressalta-se a necessidade de estudos com alto rigor metodológico que demonstrem a efetividade da intervenção com os dispositivos (AASI e/ou IC) no desempenho da percepção dos sons da fala e da linguagem de crianças com ENA.

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• Estudo realizado no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo- HRAC/USP, Bauru, São Paulo, Brasil.
• Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  02 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  10 Out 2022
• Aceito
  30 Mar 2023