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Fonoaudiologia baseada nas melhores evidências: da relevância aos desafios

O movimento da medicina baseada em evidências avançou nas últimas décadas e se estendeu entre as áreas de saúde e várias outras áreas do conhecimento que exigem tomada de decisões com maior chance de sucesso, ganhando força mundial11. Chorzempa FB, Smith MD, Sileo JM. Practice-based evidence: A model for helping educators make evidence-based decisions. Teacher Education and Special Education. 2019;42(1):82-92. https://doi.org/10.1177/088840641876
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,22. Pereira MG, Galvão TF, Silva MT. Saúde baseada em evidências. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. e passando a ser denominado como Prática Baseada em Evidências (PBE), que considera o uso sistemático das melhores evidências oriundas de pesquisas de alta qualidade capazes de responder perguntas clínicas passíveis de respostas33. Herbert RD, Sherrington C, Maher C, Moseley AM. Evidence-based practice. Imperfect but necessary. Physiotherapy Theory and Practice. 2001;17(3):201-11. https://doi.org/10.1080/095939801317077650
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,44. Sackett DL, Straus SE, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Medicina baseada em evidências: prática e ensino. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.. Envolve três importantes pilares indissociáveis: a tomada de decisão consciente, as preferências da pessoa assistida e a experiência do clínico com as técnicas terapêuticas utilizadas44. Sackett DL, Straus SE, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Medicina baseada em evidências: prática e ensino. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003..

Na Fonoaudiologia este movimento tem crescido exponencialmente e sua implementação possibilita avanços científicos e a consolidação de uma profissão que vem se desenvolvendo continuamente ao longo de sua breve jornada. A Fonoaudiologia Baseada nas melhores Evidências (FBE) disponíveis para um determinado desfecho estudado possibilita um diálogo harmonioso entre a pesquisa e a clínica ao sugerir caminhos e estratégias para a discussão e tomada de decisão CONSCIENTE.

Para isso, a pergunta clínica deve ser estruturada de tal forma que o desfecho e as características do paciente/cliente ganhem destaque. O primeiro passo depende de uma pergunta certeira que contenha as características do paciente a ser atendido e os desfechos estudados, como “Qual o melhor tratamento para o DESFECHO em determinado PACIENTE?”. Ao trocar DESFECHO pelo que se pretende obter e, caracterizar o PACIENTE a pergunta norteadora está pronta para a busca de artigos nas bases de dados.

Nesta etapa, um desafio adicional desponta que vai além da abundância de artigos publicados atualmente; é a qualidade metodológica e número de estudos com desenhos de pesquisa capazes de responder à questão norteadora, considerando que para análise da melhor intervenção os tipos de estudo que devem ser lidos são as revisões sistemáticas de ensaios controlados aleatorizados e os ensaios controlados aleatorizados. Nesse momento é essencial adotar uma abordagem e leitura crítica dos artigos selecionados, visto que não se deve presumir automaticamente que um artigo é de boa qualidade apenas por estar indexado em uma plataforma55. Costa C, Costa L. Dominando as bases de dados em saúde: um guia prático para buscar artigos científicos na Pubmed e na Biblioteca Cochrane. Ofício das Palavras, São José dos Campos, São Paulo; 2023..

Entender que, para se falar de uma prática baseada em evidências, o desfecho deve estar explícito é imprescindível. Questionar a qualidade metodológica dos trabalhos científicos consultados e as peculiaridades da população/amostra estudada, amplia a consciência sobre a intervenção preditora de maior sucesso terapêutico para cada contexto. Possibilita ainda a compreensão de que nenhuma intervenção isolada consegue resolver TODOS os problemas de TODAS as pessoas.

O uso de Práticas Baseadas em Evidências na tomada de decisão na clínica fonoaudiológica é essencial e tem implicações significativas em diversos aspectos que incluem benefícios, riscos, custos, expectativas dos pacientes, valores e experiência dos profissionais; trazendo novas possibilidades no atendimento, seja com tecnologias inovadoras ou possibilidades com menor custo, contribuindo, assim, na identificação da intervenção e abordagem mais eficaz no tratamento dos distúrbios de comunicação; possibilitando melhorar os resultados clínicos e o prognóstico do paciente e aumentando a probabilidade de recuperação ou melhora nas condições de saúde66. Behlau M, Almeida AA, Amorim G, Balata P, Bastos S, Cassol M et al. Reducing the GAP between science and clinic: Lessons from academia and professional practice - part A: Perceptual-auditory judgment of vocal quality, acoustic vocal signal analysis and voice self-assessment. CoDAS. 2022;34(5):e20210240. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20212021240en PMID: 35920467.
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Entretanto, a má interpretação ou aplicação inadequada de evidências pode resultar em tratamentos ineficazes ou prejudiciais para os pacientes. Dessa forma é fundamental que, na grade curricular dos cursos de graduação em Fonoaudiologia, os estudantes sejam inseridos no campo da ciência, com acesso aos mecanismos de pesquisa robustos e consolidados no meio científico, para que aprendam a pesquisar e interpretar de forma crítica um artigo55. Costa C, Costa L. Dominando as bases de dados em saúde: um guia prático para buscar artigos científicos na Pubmed e na Biblioteca Cochrane. Ofício das Palavras, São José dos Campos, São Paulo; 2023.. Isso porque, para a análise e identificação de pontos importantes na avaliação e interpretação de um estudo desde o seu delineamento com a pergunta da pesquisa, assim como objetivo, método utilizado, resultados e conclusão, é necessário um conhecimento básico de métodos epidemiológicos e estatística22. Pereira MG, Galvão TF, Silva MT. Saúde baseada em evidências. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016..

Um outro desafio frequente na implementação da PBE é a experiência do clínico. Se a literatura analisada criticamente indicar que a melhor técnica, que obtém melhores custos e benefícios, não for dominada pelo clínico, a resposta à pergunta clínica será respondida, mas a técnica não poderá ser aplicada. A ética do saber-fazer tem que ser imperativa, pois a ordem segue clara “Primum Non Nocere”. Os preceitos éticos devem ser sempre considerados na tomada de decisões pelo profissional, baseado em princípios como beneficência (fazer o bem), não maleficência (não causar danos) e autonomia do paciente (respeitar a vontade do paciente). Quando o clínico tem suas práticas permeadas por estudos e amplia as possibilidades de intervenção, como o tempo, custo ou tecnologia, a autonomia do paciente é preservada à medida que ele é consultado sobre o que ele precisa naquele momento77. Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais da saúde Temas em Saúde collection. Editora FIOCRUZ. Rio de Janeiro, RJ; 2009. https://doi.org/10.7476/9788575413906
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Como visto, não se faz FBE sem análise crítica de síntese de evidências e, neste ponto, a Universidade precisa fazer o seu papel fundamental na formação dos Fonoaudiólogos. A quem incomoda este assunto? Quais os pilares consagrados precisam ser demolidos para que a certeza incerta de que “a intervenção funciona muito bem na minha clínica”, possa ser testada? Antes de tudo, o viés de confirmação, tão orgânico, precisa ceder lugar para que se conheça para quem e quando determinada estratégia pode ser de fato resolutiva e escolhida. Não se trata de uma batalha travada entre cientistas e clínicos e sim do convívio harmonioso que gere uma Fonoaudiologia mais precisa e eficiente.

REFERENCES

  • 1
    Chorzempa FB, Smith MD, Sileo JM. Practice-based evidence: A model for helping educators make evidence-based decisions. Teacher Education and Special Education. 2019;42(1):82-92. https://doi.org/10.1177/088840641876
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  • 2
    Pereira MG, Galvão TF, Silva MT. Saúde baseada em evidências. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
  • 3
    Herbert RD, Sherrington C, Maher C, Moseley AM. Evidence-based practice. Imperfect but necessary. Physiotherapy Theory and Practice. 2001;17(3):201-11. https://doi.org/10.1080/095939801317077650
    » https://doi.org/10.1080/095939801317077650
  • 4
    Sackett DL, Straus SE, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Medicina baseada em evidências: prática e ensino. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.
  • 5
    Costa C, Costa L. Dominando as bases de dados em saúde: um guia prático para buscar artigos científicos na Pubmed e na Biblioteca Cochrane. Ofício das Palavras, São José dos Campos, São Paulo; 2023.
  • 6
    Behlau M, Almeida AA, Amorim G, Balata P, Bastos S, Cassol M et al. Reducing the GAP between science and clinic: Lessons from academia and professional practice - part A: Perceptual-auditory judgment of vocal quality, acoustic vocal signal analysis and voice self-assessment. CoDAS. 2022;34(5):e20210240. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20212021240en PMID: 35920467.
    » https://doi.org/10.1590/2317-1782/20212021240en
  • 7
    Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais da saúde Temas em Saúde collection. Editora FIOCRUZ. Rio de Janeiro, RJ; 2009. https://doi.org/10.7476/9788575413906
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  • Estudo realizado na Universidade Federal de Sergipe - UFS, Lagarto, Sergipe, Brasil.
  • Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2023
  • Revisado
    13 Dez 2023
  • Aceito
    08 Jan 2024
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