Expandindo o Ensino de Cirurgia Global no Brasil: Perspectivas após o 35º Congresso Brasileiro de Cirurgia

RESUMO

O 35º Congresso Brasileiro de Cirurgia foi marcado por discussões inovadoras para a educação cirúrgica no país. Pela primeira vez, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões incluiu a Cirurgia Global na pauta principal do congresso, proporcionando uma oportunidade única de repensar como as habilidades cirúrgicas são ensinadas a partir de uma perspectiva de saúde pública. Essa discussão nos leva a considerar por que e como o ensino da Cirurgia Global deve ser expandido no Brasil. Embora pesquisadores e instituições brasileiras tenham contribuído para a expansão do campo desde 2015, as iniciativas de educação em Cirurgia Global ainda são incipientes em nosso país. Basear-se em estratégias bem-sucedidas pode ser um ponto de partida para promover a área entre os profissionais de cirurgia nacionais. Neste editorial, discutimos potenciais estratégias para expandir as oportunidades de educação em Cirurgia Global e propomos uma série de recomendações a nível nacional.

Palavras-chave:
Cirurgia Geral; Acesso aos Serviços de Saúde; Educação; Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde

ABSTRACT

The 35^th Brazilian Congress of Surgery marked a turning point for surgical education in the country. For the first time, the Brazilian College of Surgeons included Global Surgery on the main congressional agenda, providing a unique opportunity to rethink how surgical skills are taught from a public health perspective. This discussion prompts us to consider why and how Global Surgery education should be expanded in Brazil. Although Brazilian researchers and institutions have contributed to the fields expansion since 2015, Global Surgery education initiatives are still incipient in our country. Relying on successful strategies can be a starting point to promote the area among national surgical practitioners. In this editorial, we discuss potential strategies to expand Global Surgery education opportunities and propose a series of recommendations at the national level.

Keywords:
Global Burden of Disease; Global Health Strategies; Health Equity; Quality Indicators, Health Care; Health Workforce

O 35º Congresso Brasileiro de Cirurgia marcou uma virada no ensino cirúrgico no país. Pela primeira vez, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões incluiu a Cirurgia Global na agenda principal do Congresso, proporcionando uma oportunidade única para repensar como as habilidades cirúrgicas são ensinadas a partir de uma perspectiva de saúde pública. Durante todo o evento, houve um foco consistente em como os programas de Cirurgia Global podem melhorar a acessibilidade cirúrgica, enfatizando a necessidade urgente de ampliar o campo e abordar disparidades na saúde. Essa discussão nos leva a considerar por que e como o ensino da Cirurgia Global deveria ser ampliado no Brasil.

Em 2015, a Comissão Lancet sobre Cirurgia Global informou que cinco bilhões de pessoas carecem de cuidados cirúrgicos essenciais. O fardo é ainda maior entre os países de baixa e média renda (PBMR), onde nove em cada dez pessoas não têm acesso a serviços cirúrgicos e onde ocorrem apenas 6% das cirurgias de todo o mundo. O investimento em cuidados cirúrgicos também se revelou rentável, uma vez que o fracasso no aumento do financiamento para a expansão cirúrgica pode resultar na perda de 12,3 biliões de dólares dos países de baixa e média renda até 2030¹. Isto é pertinente para o Brasil, um vasto país de renda média que fez progressos para fornecer serviços de saúde universalmente. Embora o Sistema Único de Saúde seja um modelo para os especialistas em saúde pública, persistem disparidades substanciais na saúde entre os segmentos socioeconômicos². Em 2023, o índice GINI do Brasil, um indicador de desigualdade de renda, foi 53,4, posicionando o país entre as sociedades mais desiguais do mundo². Torna se evidente que a abordagem das disparidades nacionais requer esforço para ampliar os cuidados cirúrgicos na promoção da saúde e da igualdade socioeconômica.

Apesar de a Cirurgia Global ser relativamente nova, diversas iniciativas foram criadas para proporcionar oportunidades educacionais e disseminar conhecimento na área³. Embora pesquisadores e instituições brasileiras tenham contribuído para a expansão da área desde 2015, as iniciativas de educação em Cirurgia Global ainda são incipientes em nosso país⁴. Assim, contar com estratégias bem-sucedidas pode ser um ponto de partida para promover a área entre os cirurgiões nacionais.

A primeira estratégia baseia-se no estabelecimento de oportunidades formais de treinamento em Cirurgia Global⁵. Nos Estados Unidos, mais de 25 programas de residência oferecem estágios clínicos internacionais, educação e oportunidades de pesquisa em Cirurgia Global⁶. Tal iniciativa demonstra um interesse cada vez maior dos treinandos em buscar experiências dentro da Cirurgia Global Acadêmica. Outras experiências acadêmicas consistem em programas de mestrado e bolsas⁵. Um exemplo é a bolsa do Programa de Cirurgia Global e Mudança Social, afiliada à Faculdade de Medicina de Harvard, cujo laboratório brasileiro tem se comprometido a educar, pesquisar e orientar mais de 100 estudantes brasileiros em Cirurgia Global. É importante ressaltar que essas experiências de formação devem ser orientadas a competências. Recentemente, foi introduzido um conjunto de competências baseado em consenso para facilitar este processo. Essas competências servem como estrutura orientadora para programas educacionais em Cirurgia Global Acadêmica e cuidados perioperatórios, para promover novos especialistas na área⁷.

Além disso, o aprimoramento das colaborações internacionais e nacionais pode aumentar a produção de pesquisas e o interesse dos profissionais médicos na Cirurgia Global. Os países de alta renda (PAR) podem proporcionar oportunidades de programas acadêmicos aos profissionais de saúde, e estágios em PBMR podem proporcionar uma aprendizagem mais contextualmente relevante do que em ambientes com muitos recursos⁵. Muitas parcerias acadêmicas são modelos no trabalho para aumentar o número de cirurgiões nos PBMR, como a relação entre o Colégio de Cirurgiões da África Oriental, Central e Austral (COSECSA) com o Colégio Real de Cirurgiões da Irlanda (RCSI) e o Colégio Americano de Cirurgiões (ACS). A criação de uma equipe de apoio organizada pode expandir os sistemas para além de uma única instituição, e ter recursos financeiros pode superar barreiras temporais e geográficas⁸.

À medida que aumenta a conscientização e a importância da Cirurgia Global no Brasil, há a necessidade de implementar programas e iniciativas educacionais para cirurgiões aspirantes e formados. O Colégio Brasileiro de Cirurgiões abriu as portas para essa conversa em seu último congresso, mas isso deve levar a ação. Propomos uma série de recomendações importantes destinadas a promover a educação em Cirurgia Global nacional:

1. Integrar a Cirurgia Global na educação médica e na residência cirúrgica: estimular a criação de programas ou departamentos universitários de Cirurgia Global e incluir a disciplina como componente curricular formal.

2. Estruturar a acreditação de oportunidades de formação em Cirurgia Global: definir as competências e habilidades a desenvolver e uniformizar a qualidade da formação nacional.

3. Promover a pesquisa nacional em Cirurgia Global: promover valor acadêmico, apoio financeiro e tempo de pesquisa protegido. A criação de bolsas, programas de mestrado e doutorado voltados para a Cirurgia Global também deve ser considerada.

4. Fortalecer os esforços de capacitação: incentivar continuamente as sociedades médicas a incorporar ativamente cursos de treinamento cirúrgico em suas conferências, promover seminários e eventos educacionais e fomentar o desenvolvimento de habilidades e a disseminação de conhecimento para implementar ações de Cirurgia Global entre especialidades.

5. Estimular parcerias acadêmicas entre países de alta renda e países de baixa e média renda: colaborações duradouras entre instituições acadêmicas promovem a inovação, que fortalece os sistemas de saúde e expande o acesso ao tratamento cirúrgico seguro.

A expansão da Cirurgia Global estabelece as bases para alavancar e promover oportunidades de educação e formação, que beneficiarão os pacientes cirúrgicos no longo prazo. O último Congresso Brasileiro de Cirurgia proporcionou um espaço para repensar como a solidificação da Cirurgia Global em treinamento acadêmico e cirúrgico pode ser um excelente complemento para os profissionais cirúrgicos, e existem vários caminhos para cultivar uma nova geração de líderes de Cirurgia Global no país.

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• Fonte de financiamento:

  nenhuma.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Fev 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  07 Out 2023
• Aceito
  15 Nov 2023