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Falha óssea na glenoide – Uma avaliação retrospectiva dos desfechos funcionais após cirurgia de bloqueio ósseo para instabilidade anterior do ombro em atletas de alta demanda

Resumo

Objetivo

Avaliar a relação do tamanho do defeito ósseo da glenoide no arco de movimento, nos resultados funcionais e nas complicações em pacientes atletas de alta performance submetidos a cirurgia de bloqueio ósseo para instabilidade anterior do ombro.

Método

Estudo retrospectivo no qual foram avaliados os resultados pós-operatórios de atletas submetidos a cirurgia de bloqueio ósseo para instabilidade anterior do ombro. Em 5 anos foram 41 ombros operados, sendo 20 deles com até 15% de defeito ósseo e 21 com defeitos entre 15% e 25%.

Resultados

Não houve diferença estatisticamente significativa com relação a complicações pós-operatórias, novas luxações, e na taxa de retorno ao esporte. Os critérios quantitativos avaliados – arcos de movimento e escores funcionais – também não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

Conclusão

O tamanho do defeito ósseo por si só não parece afetar os resultados funcionais e as complicações desses procedimentos, sendo uma técnica segura tanto para defeitos pequenos, quanto para os maiores.

Palavras-chave
atletas; cavidade glenoide; enxerto ósseo; instabilidade articula; falha óssea; ombro

Abstract

Objective

This study assesses the relationship between the glenoid bone loss size and range of motion, functional outcomes, and complications in high-performance athletes undergoing bone block surgery for anterior shoulder instability.

Methods

This retrospective study evaluated postoperative outcomes in athletes submitted to bone block surgery for anterior shoulder instability. In 5 years, 41 shoulders underwent the procedure; 20 had bone losses up to 15%, and 21 shoulders presented bone losses ranging from 15% and 25%.

Results

There was no statistically significant difference regarding postoperative complications, new dislocations, and the rate of return to sports. In addition, the quantitative criteria evaluated, i.e., ranges of motion and functional scores, showed no statistically significant difference between groups.

Conclusion

The size of the bone loss per se does not seem to affect functional outcomes and complications from these procedures, which are safe techniques for small and large bone losses.

Keywords
athletes; glenoid cavity; grafting, bone; joint instability; shoulder

Introdução

A escolha do melhor tratamento para uma doença é um desafio constante para o cirurgião ortopedista, bem como o desenvolvimento de métodos efetivos para a determinação dessas escolhas. Instabilidade anterior traumática do ombro é uma doença comum,11 Schroder DT, Provencher MT, Mologne TS, Muldoon MP, Cox JS. The modified Bristow procedure for anterior shoulder instability: 26-year outcomes in Naval Academy midshipmen. Am J Sports Med 2006;34(05):778–786 especialmente em atletas jovens, o que leva à discussão a respeito de diversas técnicas possíveis para o seu tratamento. O objetivo desses procedimentos é alcançar um ombro estável e funcional, e prevenir o desenvolvimento de osteoartrose, algo particularmente importante quando tratamos de atletas que irão buscar um retorno para a atividade de alta performance.

A falha óssea da glenoide (do inglês "Glenoid Bone Loss" ou GBL) é um parâmetro que vem sendo considerado fator de risco para falhas no reparo artroscópico da instabilidade anterior do ombro.22 Di Giacomo G, Peebles LA, Pugliese M, et al. Glenoid Track Instability Management Score: Radiographic Modification of the Instability Severity Index Score. Arthroscopy 2020;36(01):56–67, 33 Dekker TJ, Peebles LA, Bernhardson AS, et al. Risk Factors for Recurrence After Arthroscopic Instability Repair-The Importance of Glenoid Bone Loss >15%, Patient Age, and Duration of Symptoms: A Matched Cohort Analysis. Am J Sports Med 2020;48(12): 3036–3041, 44 Burkhart SS, De Beer JF. Traumatic glenohumeral bone defects and their relationship to failure of arthroscopic Bankart repairs: significance of the inverted-pear glenoid and the humeral engaging Hill-Sachs lesion. Arthroscopy 2000;16(07):677–694, 55 Ahmed I, Ashton F, Robinson CM. Arthroscopic Bankart repair and capsular shift for recurrent anterior shoulder instability: functional outcomes and identification of risk factors for recurrence. J Bone Joint Surg Am 2012;94(14):1308–1315, 66 Shaha JS, Cook JB, Song DJ, et al. Redefining “Critical” Bone Loss in Shoulder Instability: Functional Outcomes Worsen With “Sub-critical” Bone Loss. Am J Sports Med 2015;43(07):1719–1725, 88 Nakagawa S, Hirose T, Uchida R, et al. A Glenoid Defect of 13.5% or Larger Is Not Always Critical in Male Competitive Rugby and American Football Players Undergoing Arthroscopic Bony Bankart Repair: Contribution of Resultant Large Bone Fragment. Arthroscopy 2022;38(03):673–681, 99 Dickens JF, Owens BD, Cameron KL, et al. The Effect of Subcritical Bone Loss and Exposure on Recurrent Instability After Arthroscopic Bankart Repair in Intercollegiate American Football. Am J Sports Med 2017;45(08):1769–1775 Atletas de contato apresentam piores taxas de recorrência e pior prognóstico decorrente da progressão da instabilidade anterior do ombro após cirurgia de Bankart, geralmente levando a necessidade de cirurgias de enxertia óssea da glenoide, especialmente quando o defeito ósseo da glenoide é maior que 20-25%.1010 Bonnevialle N, Mansat P, Bellumore Y, Mansat M, Bonnevialle P. [Surgical treatment of anterior shoulder instability in rugby players: clinical and radiographic results with minimum five-year follow-up]. Rev Chir Orthop Repar Appar Mot 2008;94(07):635–642, 1111 Sachs RA, Lin D, Stone ML, Paxton E, Kuney M. Can the need for future surgery for acute traumatic anterior shoulder dislocation be predicted? J Bone Joint Surg Am 2007;89(08):1665–1674 No entanto, Dekker et al.33 Dekker TJ, Peebles LA, Bernhardson AS, et al. Risk Factors for Recurrence After Arthroscopic Instability Repair-The Importance of Glenoid Bone Loss >15%, Patient Age, and Duration of Symptoms: A Matched Cohort Analysis. Am J Sports Med 2020;48(12): 3036–3041 demonstraram que defeitos maiores que 15% da superfície da glenoide já aumentam significativamente essas taxas em pacientes ativos.

O objetivo desse estudo foi avaliar se os pacientes com defeitos ósseos maiores do que 15% apresentariam piores resultados em relação a arco de movimento, complicações e resultados funcionais em relação a falhas ósseas menores, em pacientes atletas de alta demanda submetidos a cirurgias de bloqueio ósseo.

Metodologia

Trata-se de um estudo retrospectivo dos exames de tomografia computadorizada dos participantes de um estudo prospectivo prévio dos autores desse estudo, no qual os participantes foram randomizados em dois grupos para cirurgia (Bristow e Latarjet), e acompanhados por cinco anos. Foram 19 ombros no grupo da cirurgia de Bristow e 22 no grupo da cirurgia de Latarjet, em um total de 37 pacientes. Ao final do seguimento, foram avaliados retrospectivamente os exames de tomografia dos participantes, realizados no pré-operatório, e destes calculados as falhas ósseas da glenoide (FOG) pelo método de comparação contralateral (►Fig. 1).1212 Griffith JF, Antonio GE, Tong CW, Ming CK. Anterior shoulder dislocation: quantification of glenoid bone loss with CT. AJR Am J Roentgenol 2003;180(05):1423–1430 A partir destes dados, os pacientes foram novamente divididos em outros dois grupos conforme os valores obtidos: FOG menor que 15% e FOG maior que 15%, mas iguais ou menores que 25%. No primeiro grupo, foram 20 ombros, enquanto o segundo grupo contemplou 21 ombros.

Fig. 1
Medida linear da falha óssea da glenoide pelo método de comparação contralateral. “D” representa a largura da glenoide intacta “a)”. “D” é transposto para o lado com falha óssea “b)” e a distância até a borda da glenoide “d” é obtida. O tamanho da falha óssea é expressa como d/D × 100 (%).

Foram coletados dados demográficos como idade, gênero, peso, IMC, e aspectos clínicos qualitativos: hiperfrouxidão do ombro, categoria do atleta (profissional versus amador), o lado do membro dominante e do lesionado, tipo de procedimento realizado, e o mecanismo da lesão. Quando a luxação ocorreu após trauma direto no ombro, foi considerado como mecanismo traumático; quando não, como atraumático.

Os critérios de inclusão foram: instabilidade anterior do ombro sem história de procedimentos prévios no ombro, alta demanda esportiva (estipulado pelos pesquisadores como atletas que treinam mais de sete horas por semana e que participam de competições em seus esportes, distribuídos conforme ►Tabela 1), até 25% de perda óssea na glenoide pela tomografia computadorizada, e pelo menos 60 meses de seguimento pós-operatório. Critérios de exclusão foram: procedimento cirúrgico prévio no ombro em questão, lesões associadas como roturas do manguito rotador ou SLAP (pacientes direcionados à artroscopia), paciente com mais de 25% de perda óssea na glenoide (indicada cirurgia com enxerto de ilíaco de Eden-Hybinett) ou que não completaram o seguimento pós-operatório mínimo de cinco anos. Os pacientes que apresentavam quadro clínico sugestivo de lesões associadas, como lesões do manguito rotador e lesão SLAP, foram submetidos a Ressonância Nuclear Magnética antes da inclusão e excluídos do estudo caso confirmadas as lesões.

Tabela 1
Distribuição dos esportes

Antes da cirurgia, o ombro acometido passou por avaliação radiográfica (incidências AP e Perfil) e estudo por tomografia computadorizada bilateral em todos os participantes, sendo medida posteriormente a FOG pelo método contralateral,1212 Griffith JF, Antonio GE, Tong CW, Ming CK. Anterior shoulder dislocation: quantification of glenoid bone loss with CT. AJR Am J Roentgenol 2003;180(05):1423–1430 variando nessa amostra entre 10 e 25%. Nas imagens foi avaliado também o “Glenoid Track”, com lesões On-track ou Off-track.1212 Griffith JF, Antonio GE, Tong CW, Ming CK. Anterior shoulder dislocation: quantification of glenoid bone loss with CT. AJR Am J Roentgenol 2003;180(05):1423–1430

Os pacientes foram avaliados tanto no pré quanto no pós-operatório conforme um protocolo previamente definido (►Anexo 1). As avaliações funcionais e de arco de movimento (ADM) iniciais e de seguimento pós-operatório foram realizadas por fisioterapeutas independentes, em momentos diferentes das avaliações pós-operatórias de rotina pela equipe cirúrgica. Foram avaliados: grau de rotação lateral ativa e passiva, elevação ativa e passiva, escala analógica visual de dor (EVA), Escala de Avaliação dos Resultados do Ombro do Esportista (EROE)1313 Leme L. Tradução, Adaptação e Validação da Escala “Athletic Shoulder Outcome Rating Scale” para Língua Portuguesa [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina; 2005 (do inglês “Athletic Shoulder Outcome Rating Scale” - ASORS); Western Ontario Shoulder Instability Index (WOSI)1414 Barbosa G, Leme L, Saccol MF, Pochini AC, Ejnisman B, Griffin S. Translation and cultural adaptation of the western Ontario shoulder instability index (WOSI) for the Portuguese from Brazil. Rev Bras Med Esporte 2012;18(01):35–37; e a American Shoulder and Elbow Surgeons Standardized Shoulder Assessment (ASES).1515 Knaut LA, Moser AD, Melo SdeA, Richards RR. Translation and cultural adaptation to the Portuguese language of the American Shoulder and Elbow Surgeons Standardized Shoulder assessment form (ASES) for evaluation of shoulder function. Rev Bras Reumatol 2010;50(02):176–189 Ao longo de seguimento foram registradas também as complicações (eventos não esperados durante o seguimento, incluindo instabilidade residual, exceto as luxações), as novas luxações, e o retorno à prática da mesma atividade esportiva.

O EROE é um questionário que reflete a estabilidade do ombro, arco de movimento, função para atividades diárias, e dor. Menos de 50 pontos indicam resultados ruins, 51 a 74 resultados típicos, 75 a 89 resultados bons, e 90 a 100 resultados excelentes.

O WOSI é um questionário que indica a qualidade de vida em pacientes com instabilidade anterior do ombro, sendo pior a qualidade de vida quanto maior o valor, indo de 0 (excelente) a 210 (muito ruim).

O ASES é um questionário que indica dor e função do ombro, variando de 0 a 100, com maiores valores indicando melhores resultados.

As cirurgias foram feitas com os pacientes em posicionamento de cadeira de praia sob bloqueio de plexo braquial e sedação, em hospital dia. Foi realizado acesso cirúrgico anterior ao processo coracoide, com extensão de 5 cm pelo intervalo deltopeitoral. Após dissecção romba e exposição do coracoide, a osteotomia foi realizada conforme as técnicas de Bristow ou Latarjet, sendo o enxerto fixado com um ou dois parafusos de pequenos fragmentos, respectivamente, conforme as descrições das técnicas.

O protocolo de reabilitação envolveu três semanas de imobilização com tipoia simples para ombro em todos os casos, seguida de fisioterapia para aumento progressivo da mobilidade passiva e ativa. Exercícios de fortalecimento se iniciaram com oito a doze semanas, e retorno ao esporte foi liberado quatro a cinco meses após a cirurgia, quando o paciente apresentava ausência de dor e de instabilidade para realizar o esporte praticado antes da cirurgia.

Para a análise estatística utilizou-se métodos não paramétricos. O Teste de Qui-Quadrado foi utilizado para comparação da distribuição de fatores qualitativos entre os grupos, enquanto para fatores quantitativos foi utilizado o Teste de Mann-Whitney. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para avaliar a normalidade da distribuição e esta não foi assegurada para as variáveis quantitativas de desfecho principal. O nível de significância adotado foi de 95%, sendo a relevância estatística das comparações demonstrada por um p-valor ≤0,05.

Resultados

Um total de 41 ombros operados e avaliados nesse estudo, sendo 20 com falha óssea na glenoide ≤15%, e 21 ombros com falha >15% e ≤25%. Não houve diferença estatisticamente significativa com relação à idade, gênero, altura, peso, índice de massa corporal (IMC), hiperfrouxidão no ombro, categoria do atleta – amador ou profissional, membro dominante, membro lesionado e no mecanismo da lesão. Houve semelhança também com relação à distribuição do tipo de procedimento realizado nos indivíduos de cada grupo (Bristow ou Latarjet), evitando esse possível viés. Observa-se, porém, que pacientes com defeito ósseo maior apresentaram maior número de luxações prévias do ombro e de lesões Off-track (►Tabelas 2 e 3). Não houveram casos de hiper frouxidão generalizada nessa amostra.

Tabela 2
Características qualitativas das amostras
Tabela 3
Comparação entre características quantitativas das amostras

Quanto ao resultado após seguimento e reabilitação, não houve diferença estatisticamente significativa na quantidade de complicações pós-operatórias, em novas luxações, e na taxa de retorno ao esporte (►Tabela 4). Ainda, não houve diferença estatística entre os grupos para o ADM, EROE, ASES e WOSI, sendo que, apesar de a dor pré-operatória ter sido menor no grupo de maior FOG, esta não apresentou diferença significativa ao final do seguimento, conforme a escala analógica visual de dor (EVA) (►Tabela 5).

Tabela 4
Comparação de desfechos entre as amostras
Tabela 5
Comparação pré e pós-operatória para ADM, dor e funcionalidade

Discussão

O principal achado desse estudo foi demonstrar que a FOG dentro dos limites estudados não alterou resultados esperados para a cirurgia de bloqueio ósseo na instabilidade anterior do ombro em atletas de alto rendimento. Percebe-se que a cirurgia de bloqueio ósseo por Bristow ou Latarjet trará, de forma constante, poucas complicações, poucos casos de instabilidade recorrente, bom resultado funcional e pouca limitação do ADM do ombro acometido tanto para FOG pequenas, quanto para maiores até 25%.

A falha óssea na glenoide é citada por diversos autores como fator de risco para recorrência de instabilidade, e muitos estudos tentam avaliar acerca de um valor limítrofe para o tamanho dessa lesão a partir do qual esse risco seria maior.33 Dekker TJ, Peebles LA, Bernhardson AS, et al. Risk Factors for Recurrence After Arthroscopic Instability Repair-The Importance of Glenoid Bone Loss >15%, Patient Age, and Duration of Symptoms: A Matched Cohort Analysis. Am J Sports Med 2020;48(12): 3036–3041, 44 Burkhart SS, De Beer JF. Traumatic glenohumeral bone defects and their relationship to failure of arthroscopic Bankart repairs: significance of the inverted-pear glenoid and the humeral engaging Hill-Sachs lesion. Arthroscopy 2000;16(07):677–694, 55 Ahmed I, Ashton F, Robinson CM. Arthroscopic Bankart repair and capsular shift for recurrent anterior shoulder instability: functional outcomes and identification of risk factors for recurrence. J Bone Joint Surg Am 2012;94(14):1308–1315, 66 Shaha JS, Cook JB, Song DJ, et al. Redefining “Critical” Bone Loss in Shoulder Instability: Functional Outcomes Worsen With “Sub-critical” Bone Loss. Am J Sports Med 2015;43(07):1719–1725, 99 Dickens JF, Owens BD, Cameron KL, et al. The Effect of Subcritical Bone Loss and Exposure on Recurrent Instability After Arthroscopic Bankart Repair in Intercollegiate American Football. Am J Sports Med 2017;45(08):1769–1775, 1616 Jeon YS, Jeong HY, Lee DK, Rhee YG. Borderline Glenoid Bone Defect in Anterior Shoulder Instability: Latarjet Procedure Versus Bankart Repair. Am J Sports Med 2018;46(09):2170–2176 Jeon et al.1616 Jeon YS, Jeong HY, Lee DK, Rhee YG. Borderline Glenoid Bone Defect in Anterior Shoulder Instability: Latarjet Procedure Versus Bankart Repair. Am J Sports Med 2018;46(09):2170–2176 trazem um valor limítrofe de 15 a 20% de falha óssea, concluindo que a melhora da dor e os desfechos clínicos são satisfatórios tanto na cirurgia de Bankart quanto de Latarjet, porém que o bloqueio ósseo apresenta menor taxa de recorrência e menor limitação da rotação lateral nessa população. Burkhart e De Beer44 Burkhart SS, De Beer JF. Traumatic glenohumeral bone defects and their relationship to failure of arthroscopic Bankart repairs: significance of the inverted-pear glenoid and the humeral engaging Hill-Sachs lesion. Arthroscopy 2000;16(07):677–694 mostram 67% de recorrência de instabilidade em pacientes com lesão significativa da glenoide (Hill-sachs engajada ou glenoide em “pêra invertida”), concluindo que o reparo artroscópico é contraindicado nesses pacientes. Nosso estudo vem confirmar que mesmo uma falha óssea pequena pode ser bem tratada com cirurgias de bloqueio ósseo, sem prejuízo funcional para o paciente. Este fato é relevante nesse grupo de pacientes (atletas de alta demanda), nos quais o retorno ao esporte no mesmo nível pré-lesão é importante, assim como a não ocorrência de novas luxações.

Dekker et al.33 Dekker TJ, Peebles LA, Bernhardson AS, et al. Risk Factors for Recurrence After Arthroscopic Instability Repair-The Importance of Glenoid Bone Loss >15%, Patient Age, and Duration of Symptoms: A Matched Cohort Analysis. Am J Sports Med 2020;48(12): 3036–3041 demonstraram que em pacientes submetidos a cirurgia de Bankart com lesões ósseas da glenoide maiores que 15%, este foi um fator de risco importante para recorrência de instabilidade e apresentaram piores resultados funcionais (WOSI e ASES). Comparando com nosso trabalho, obtivemos resultados funcionais estatisticamente iguais entre os grupos, mais semelhantes ao de maior falha óssea por Dekker (GBL>15%), porém com menor taxa de recorrência de instabilidade e de novas luxações. Shaha et al.66 Shaha JS, Cook JB, Song DJ, et al. Redefining “Critical” Bone Loss in Shoulder Instability: Functional Outcomes Worsen With “Sub-critical” Bone Loss. Am J Sports Med 2015;43(07):1719–1725 também trazem essa diferença no escore WOSI para pacientes submetidos à técnica de Bankart, com um corte de GBL de 13,5%; o autor obteve significativamente melhores resultados em falhas menores, além de menor taxa de recorrência de instabilidade nesses pacientes. Comparando nossos resultados a esse último autor, obtivemos WOSI estatisticamente igual entre os grupos, mais semelhante ao de menor falha óssea por Saha et al.66 Shaha JS, Cook JB, Song DJ, et al. Redefining “Critical” Bone Loss in Shoulder Instability: Functional Outcomes Worsen With “Sub-critical” Bone Loss. Am J Sports Med 2015;43(07):1719–1725 (<13,5%), com taxa de recorrência também semelhante aos casos com menor falha óssea.

Este estudo demonstrou um resultado geral de 5% de novas luxações e 17% de complicações dos procedimentos, não havendo diferença significativa entre os grupos com diferentes FOG; este resultado é comparável a estudos de bloqueio ósseo encontrados na literatura, como Dauzère et al.1717 Dauzère F, Faraud A, Lebon J, Faruch M, Mansat P, Bonnevialle N. Is the Latarjet procedure risky? Analysis of complications and learning curve. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2016;24(02):557–563 com 7,3 de complicações clínicas e 17% de radiológicas, e Butt et al.1818 Butt U, Charalambous CP. Complications associated with open coracoid transfer procedures for shoulder instability. J Shoulder Elbow Surg 2012;21(08):1110–1119 com 6% de recorrência de instabilidade, 2,8% de novas luxações, e 3,3% de novas subluxações. Outro dado obtido que encontra sustentação na literatura é a taxa de retorno ao esporte. Tanto Dauzère et al.1717 Dauzère F, Faraud A, Lebon J, Faruch M, Mansat P, Bonnevialle N. Is the Latarjet procedure risky? Analysis of complications and learning curve. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2016;24(02):557–563 quanto Bohu et al.1919 Bohu Y, Abadie P, van Rooij F, Nover L, Berhouet J, Hardy ASociété Française de Traumatologic du Sport. Latarjet procedure enables 73% to return to play within 8 months depending on preoperative SIRSI and Rowe scores. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2021;29(08):2606–2615 chegaram a uma taxa de 73% de retorno ao esporte em pacientes submetidos a técnica de Laterjet, enquanto nosso trabalho indicou um valor de 80%.

Uma limitação desse estudo é seu desenho retrospectivo a partir de dados coletados com outra finalidade; entretanto, toda coleta de dados pós-operatórios foi realizada de forma prospectiva, o que reduz em grande parte as possibilidades de vieses relacionados. O número amostrai pode parecer pequeno, entretanto vale ressaltar a homogeneidade da amostra e o subgrupo específico do qual fazem parte: atletas de alta demanda.

Os principais pontos positivos desse estudo são: seguimento por um período de 5 anos, o grupo homogêneo de atletas de alta demanda e, também, o fato de ser um dos primeiros estudos a avaliar se o tamanho do defeito da glenoide afetaria os resultados funcionais nesses atletas.

Conclusão

O tamanho do defeito ósseo por si só não parece afetar os resultados funcionais e as complicações desses procedimentos, sendo uma técnica segura tanto para defeitos ósseos da glenoide ≤ 15% quanto para defeitos entre 15% e 25%.

  • Estudo desenvolvido no Centro de Traumatologia do Esporte (CETE), Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil.

Anexo 1

BLOQUEIO ÓSSEO

1) CIRURGIA DE BLOQUEIO ÓSSEO (BRISTOW-LATARJET) PRÉ-OPERATÓRIO

  • – RADIOGRAFIAS

  • – TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA BILATERAL

  • – AMPLITUDE DE MOVIMENTO

  • – QUESTIONÁRIOS: EROE, EVA, ASES, WOSI

3 SEMANAS:

  • – INÍCIO FISIOTERAPIA

4 SEMANAS:

  • – AMPLITUDE DE MOVIMENTO

  • – QUESTIONÁRIO EVA

8 SEMANAS:

  • – AMPLITUDE DE MOVIMENTO

  • – QUESTIONÁRIO EVA

  • – INÍCIO FORTALECIMENTO MUSCULAR

12 SEMANAS:

  • – AMPLITUDE DE MOVIMENTO

  • – QUESTIONÁRIO EVA

  • – CONSIDERAR RETORNO AO ESPORTE

6 MESES:

  • – AMPLITUDE DE MOVIMENTO

  • – QUESTIONÁRIOS: EROE, EVA, ASES, WOSI

1 ANO E ANUALMENTE ATÉ 5 ANOS

  • – AMPLITUDE DE MOVIMENTO

  • – QUESTIONÁRIOS: EROE, EVA, ASES, WOSI

  • Suporte Financeiro
    Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2022
  • Aceito
    23 Nov 2022
  • Publicado
    08 Dez 2023
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
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