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Literatura, teoria e descolonização: uma poética de reorientação cultural enquanto estratégia de resistência

Literature, theory, and decolonization: A poetics of cultural reorientation qua strategy of resistance

RESUMO

Este ensaio traça um mapa de geografia crítica interamericana de como literatura e teoria descolonizam as colonialidades de ser-estar. Ao partir da “experiência comum quebrada no tempo” - “a não história” (Glissant, 1992) - que faz com que os escritores deste continente busquem o continuum espacial e temporal, pergunta-se: qual o papel de(s)colonial da literatura/teoria no cenário das diversas crises contemporâneas? Que tipo de casa-lar textos literários representam em diversos contextos culturais das Américas, caracterizados por transculturação, translocação, violência e entre lugares locais e globais? Nesse processo, elaboram-se trilhas enquanto respostas tentativas dentro da área da literatura comparada e suas abordagens e metodologias analíticas interdisciplinares com o objetivo de problematizar a relação entre literatura e teoria e cultura e descolonização na interface entre colonialismo e colonialidade.

PALAVRAS-CHAVE:
literatura/teoria; cultura; memória; entre lugar; descolonização

ABSTRACT

This essay traces a critical inter-American map of how literature and theory decolonize colonialities of being. By starting from what Édouard Glissant (1992) has theorized as our “common experience broken in time” - this “nonhistory” with pan-American writers in search of a temporal and spatial continuum, it is guided by the following questions: what is the decolonizing role of literature and theory in the contemporary scenario of interconnected crises? What types of home are represented in literary texts delineating diverse cultural contexts characterized by transculturation, translocation, violence and local and global in-betweenness? In the process, it elaborates trails qua tentative answers within the field of Comparative Literature and its theoretical approaches and interdisciplinary methodologies with the objective of problematizing the relation between literature/theory, culture, and decolonization at the colonialism-coloniality interface.

KEYWORDS:
literature/theory; culture; memory; in-betweenness; decolonization

O desmembramento e a heterogeneidade das nações pan-americanas com suas “índoles quebradas”, suas terras “invadidas, ocupadas” e suas ideias “fora do lugar” (Cornejo-Polar, 2000CORNEJO-POLAR, Antonio. O Condor Voa: literatura e cultura latino-americanas. Organizado por Mario J. Valdés. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000.; Alarcón, 1992ALARCÓN, Francisco. Reclaiming Ourselves, Reclaiming America. In: GONZÁLEZ, Ray (org.). Without Discovery: A Native Response to Columbus. Seattle: Broken Moon Press, 1992. p. 29-38.; Brunner, 1988BRUNNER, José Joaquín. Un espejo trizado. Ensayos sobre cultura y política culturales. Santiago: FLACSO, 1988.; Schwarz, 1987SCHWARZ, Roberto. Nacional por subtração. In: SCHWARZ, Roberto. Que horas são? Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 29-48.) é fato dado: uma realidade quebrada, fissurada por graves conflitos étnicos e culturais nos quais a razão da subalternização, marginalização, difamação e discriminação, a “razão do Outro”, nas palavras de Enrique Dussel (1995DUSSEL, Enrique. Transmodernidad e Interculturalidad: Interpretación desde la filosofía de la liberación. In: LANDER, Edgardo (org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLASCO, 1995. p. 65-76., p. 69), embate numa polarização acirrada com a razão do domínio, da subjugação e a exploração nos espaços fronteiriços (neo/pós-)coloniais. Espaços onde as pessoas estão incluídas e excluídas em/por mercados locais e globais, lutas étnicas, raciais e de gênero e projetos regionais e nacionais; espaços onde as pessoas assimilam e resistem às diversas e muitas vezes opostas ideias, forças e práticas num contínuo processo de identificação dinâmica, ou seja, espaços onde os processos de (re)construção identitária dançam ao ritmo sincópico da “colonialidad del poder” (Quijano, 2000QUIJANO, Anibal. Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research, v. VI, n. 2, p. 342-380, 2000.), de gênero (Lugones, 2008LUGONES, María. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, v. 9, p. 73-101, 2008.) e de ser-estar (Maldonado-Torres, 2016MALDONADO-TORRES, Nelson. Outline of Ten Thesis on Coloniality and Decoloniality. Fondation Frantz Fanon. 2016. Disponível em: https://fondation-frantzfanon.com/outline-of-ten-theses-on-coloniality-and-decoloniality/ . Acesso em: 16 abr. 2018.
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); esse “centrismo hegemônico” (Plumwood, 2001PLUMWOOD, Val. Environmental Culture: The Ecological Crisis of Reason. London: Routledge, 2001. , p. 4) nutrido por diversas formas de domínio convocadas historicamente com o objetivo de explorar seres humanos e não humanos.1 1 As traduções neste ensaio são minhas. A justificação de processos de invasão/colonização/dominação procedeu dessa base antropocentrista e racista (cruzada por gênero, classe, idade, etc.) do sistema capitalista, que nega e cancela o self dos diversos Outros. Um sistema capitalista que continuamente reestrutura o espaço pelos fluxos do capital, como também, de forma explícita, pelas estratégias de repressão social e espacial do capital corporativo e as inerentes formas e práticas de destruição e desapropriação ilegítima da terra e pela abjudicação dos direitos civis e (não)humanos. Assim, essa interface entre o passado e presente, colonialismo e colonialidade, é caracterizada por ideias, pessoas e elementos culturais em fluxo entre epistemes e lugares em complementaridade contraditória.

Em Compaixão (2009MORRISON, Toni. Compaixão. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p. 150), da escritora norte-americana Toni Morrison, a voz narrativa observa que o processo da colonização e dominação (de pessoas e terras) levou à fragmentação e alienação (de pessoas e coisas), e o seu efeito mais perverso é o processo de “murchar por dentro que escraviza e abre a porta para a ferocidade”. O livro de Morrison - que enquanto metaficção historiográfica volta às origens multiétnicos e culturais dos Estados Unidos para revelar e problematizar as raízes coloniais da árvore neo/pós-colonial contemporânea da nação - delineia uma sociedade escravocrata em que as pessoas se deixavam guiar pela selvajaria colonial, as múltiplas formas e práticas de uma violência embrutecedora encadeada pela máquina colonial que transformava as pessoas em “órfãos” (Morrison, 2009MORRISON, Toni. Compaixão. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p. 59); selvajaria esta que começou a ter um impacto em todos envolvidos, como enfatiza Stamp Paid, personagem no romance Amada, da mesma escritora (1994MORRISON, Toni. Amada. Tradução de Evelyn Kay Massaro. São Paulo: Círculo do Livro, 1994., p. 233): “Era a selva que os brancos tinham plantado neles [os negros]. E ela crescia. Aumentava. Na vida, durante a vida, depois da vida, ela se espalhava até alcançar os brancos que a haviam plantado”. Assim, os Estados Unidos não constituíam uma casa-lar, um home, para muitos dos seus habitantes. Numa passagem memorável do romance Paraíso, de Morrison (1998MORRISON, Toni. Paraíso. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. , p. 246-247), um padre lamenta essa situação e seus efeitos no presente dos anos 80 do século XX:

Terra natal não é pouco... Não uma fortaleza que você comprou e construiu e tem que manter trancada para os de fora e para os de dentro. Uma terra de verdade. Não um lugar que você reclamou, que conquistou pelas armas. Não um lugar que você roubou das pessoas que viviam aqui, mas uma terra própria, onde você pode recuar até os seus tataravós, e antes e antes deles, antes de toda a história ocidental, antes do começo do conhecimento organizado… (Morrison, 1998MORRISON, Toni. Paraíso. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. , p. 246-247).

Além de delinear um u-topos norte-americano, Morrison desconstrói a teoria do ‘selvagem’, humanizando os indígenas e afrodescendentes, num ato de descolonização literária que descarta a dependência da definição ocidental da humanidade da presença do não humano como incivilizado e animalesco. Nesse sentido, a escrita morrisoniana revela, problematiza e mina a justificação de processos de invasão, colonização e dominação e sua base antropocêntrica, racista e sexista que nega e cancela o self independente dos Outros (não) humanos.

A obra de Toni Morrison, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, ao traçar os rastros mnemônicos das ruínas de um passado colonial/imperial estadunidense, desenha um mapa de uma geografia crítica em que o “pós” se dilui nas ondas violentas da neocolonialidade contemporânea. O grito morrisoniano é um dos muitos gritos literários que ecoam nos mares e (não) lares terrestres do continente americano; gritos que traduzem uma atitude descolonizadora no sentido de problematizar e perlaborar (o durcharbeiten freudiano) o trauma da dupla brutalização de pessoas e espaços e seus efeitos. Nesse processo, revelam o contingente e ambivalente entre lugar das identidades americanas enquanto espaço de perda (alienação/subalternização etc.) e de potencialização (reconstrução de subjetividade/identidade/posição de sujeito). Um espaço transferido cuja realidade intersticial é caracterizada por um passado reimaginado que interrompe, hifeniza o presente linear numa performance em direção a um futuro diferente e potencialmente melhor. Essa interrupção do presente pelo performativo, facilitada pela defasagem que separa (e liga) o real recalcado da (com a) realidade - já que esse real verleugnet enquanto inconsciente persegue a realidade, ou melhor, pensando com Bakhtin, vibra nela como subtexto/discurso skaz -, se traduz na textura do texto como mímica caracterizada por uma oscilação ambígua e ambivalente entre o domínio da forma e a deformação tanto do domínio quanto da forma.2 2 Aqui penso, por exemplo, no barroco, que como paradigma, mentalidade, sensibilidade, cosmovisão, discurso e/ou estilo de arte constitui um “protoplasma incorporativo” (Lezama Lima, 1993) e/ou antropofágico caracterizado por mobilidade, versatilidade, instabilidade, pulsão e metamorfose contínua. Outro exemplo é o processo de “signifyin”, este complexo processo de resistência retórica que constitui a base do Black English nos Estados Unidos (Gates Júnior., 1989).

Se para Édouard Glissant (1992GLISSANT, Édouard. Caribbean Discourse. Charlottesville: Virginia University Press, 1992. , p. 144) o “tempo violento” e a “terra transferida” caracterizam as realidades desses entre lugares interamericanos, “esta experiência comum quebrada no tempo” (1992, p. 63) - “a não história” (1992, p. 62) que faz com que os escritores deste continente busquem o continuum espacial e temporal -, então pergunto: qual o papel de(s)colonial da literatura neste cenário de múltiplas crises locais e globais? Que tipos de casa-lar (home) textos literários representam em diversos contextos étnicos e culturais das Américas, caracterizados por transculturação, translocação, entre lugares e violência dentro de uma continuidade fantasmática - algo que materialmente desapareceu, mas exerce força sobre o material enquanto controle estruturante sobre sua lógica de ser -, em que os gritos dos subalternizados ecoam nos traços das memórias distorcidas da História oficial? Neste ensaio tentarei esboçar trilhas enquanto respostas tentativas dentro da área da literatura comparada e suas abordagens/metodologias analíticas.

Entendo home enquanto lugar definido de maneira geográfica, ambiental, fenomenológica (ao ligar “corpo” e “lugar”) e genealógica (ao ligar “ancestralidade” com “território”) dentro de um cenário de expansão de império, urbanização e diminuição da natureza virgem. Se, segundo Henri Lefebvre (1974LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1974.), os espaços são percebidos, concebidos e vividos, ou seja, tanto reais quanto imaginados, e, segundo Claude Raffestin (1980RAFFESTIN, Claude. Pour une geographie du pouvoir. Paris: Librairies Techniques, 1980.), a territorialidade é um específico tipo de espaço delimitado pelo agenciamento dos personagens - agenciamento esse que produz e é enraizado nas relações de poder deste espaço -, então alego que a demarcação do espaço (com seus lugares) resulta tanto de medições e mapeamentos cartográficos quanto do sistema semiótico de linguagem e suas imagens articuladas. Para Ashcroft (2001ASHCROFT, Bill. Post-Colonial Transformation. London: Routledge, 2001., p. 156) “o lugar é um resultado de habitação, uma consequência dos modos como as pessoas vivem num espaço”. Por outro lado, a maneira como pessoas habitam um lugar - seu imaginário, episteme cultural, língua, gestos, maneira de falar e vestir etc. - é determinada por esse lugar: o que é verdade/realidade num lugar e para um determinado grupo não o é necessariamente para outro. As formas de espaço constituem tanto o meio como o modo de nossa conscientização, ou seja, o espaço torna-se, simultaneamente, a forma das experiências vividas e imagem de seus conteúdos. Isso significa que pertencer a um lugar é determinado menos pelo que se possui em termos de propriedade (terreno, casa etc.) do que pela relação entre a memória fragmentada e seletiva e a experiência vivida. Com base nesse duplo sentido de lugar como entidade geográfica e produção sociocultural (imbuída de relações de poder e as implícitas estratificações socioculturais), sugiro examinar os tipos de home que surgem ou são impedidos de surgir num cenário translocal caracterizado por preservação ou violação dos direitos humanos. Em seguida, gostaria de introduzir o termo “translocal” e suas implicações para este tipo de análise literária.

No contexto da globalização e das múltiplas formas e práticas neoimperialistas, não somente o desenvolvimento desigual e a instabilidade política como também a violência e a desigualdade de gênero continuam a moldar realidades pós-coloniais. Nação e narração, lugar e espaço e radicação e errância permanecem como principais paradigmas da crítica pós-colonial. Termos como “deslocamento”, “migração”, “diáspora”, “exílio”, “hibridismo”, “transculturação” e “terceiro espaço” claramente indicam a preocupação da área com a posição, o movimento e a inter-relação de pessoas. Nesse processo, gostaria de retomar e redefinir um termo que utilizei em 2009 (Walter, 2009WALTER, Roland. Identities on the Move: Of Cultural Fissures and Fusions in Black Canadian Literature. Canadian Review of Comparative Literature/Revue Canadienne de Littérature Comparée, v. 36, n. 1, p. 42-59, 2009., p. 48): “trans-placement”, ou seja, “translocação”. Argumentei que dentro do contexto multicultural da literatura canadense, a translocação de migrantes caribenhos “dislocates Canada’s ‘multi’ into the ‘trans’ of cultural translation”. Esse deslocamento do “multi” para o “trans” da tradução cultural, dentro de uma abordagem teórica mais ampla, que liga literatura, cultura, geografia e ecologia, implica diversos tipos de relação entre diferentes lugares e elementos bióticos; uma travessia por lugares/espécies/ideias que transcende os limites nacionais, criando diversos fluxos e diásporas translocais, transnacionais e transculturais. Neste sentido, uma translocação significa uma encruzilhada diaspórica que separa e liga lugares, seres humanos, seres não humanos e culturas. A dança no hífen da separação e ligação do “translocal”, assim, simboliza este nosso mundo de fluxos caracterizado pela formação de comunidades deslocadas de suas raízes únicas para espaços sociais plurilocais, rizomáticas. Gostaria de enfatizar que o aumento da migração translocal/transnacional, as consequências (muitas vezes desastrosas pelo ambiente) e os padrões sociais que resultam dessas passagens e da formação de comunidades diaspóricas constituem uns dos maiores desafios políticos e culturais do século XXI. Neste sentido, a contínua alternação entre distintos locais estratégicos e a apreciação epistemológica de perspectivas diaspóricas marginalizadas têm se tornado precondições de uma arqueologia pós-colonial da modernidade (Bhabha, 1994BHABHA, Homi. The Location of Culture. London: Routledge, 1994.) e de uma leitura contrapontística do humanismo ocidental (Said, 1994SAID, Edward. Culture and Imperialism. New York: Vintage, 1994.). Em outras palavras, desde a década 90 do século passado, a contínua hibridização/transculturação/créolisation de culturas diaspóricas tem constituído o ponto de partida para uma interrogação trans-histórica de noções essencialistas de pertencimento (Gilroy, 2001GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Tradução de Cid Knipel Moreira. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001. ; Clifford, 1997CLIFFORD, James. Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century. Cambridge: Harvard University Press, 1997. ; Brah, 1996BRAH, Avtar. Cartographies of Diaspora: Contesting Identities. London; New York: Routledge, 1996.; Cohen, 2008COHEN, Robin. Global Diasporas: An Introduction. London; New York: Routledge, 2008. ; Nyman, 2009NYMAN, Jopi. Home, Identity, and Mobility in Contemporary Diasporic Fiction. Amsterdam; New York: Rodopi, 2009. , Stierstorfer; Wilson, 2017STIERSTORFER, Klaus; WILSON, Janet (org.). The Routledge Diaspora Studies Reader. London; New York: Routledge , 2017.) e uma análise de transformação política, social e cultural - o que Appadurai (1996APPADURAI, Arjun. Modernity at Large: Cultural Dimensions of Globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996., p. 49) chama de “cultural dynamics of [...] deterritorialization”, uma dinâmica cultural de desterritorialização que se tornou um enfoque-chave da pesquisa.

Desde a imposição de terra nullius nas Américas, a colonização dos chamados “espaços vazios”, diferentes maneiras de viver e epistemes culturais, interesses materiais entrechocantes e relações de poder desiguais, têm determinado a construção discursiva e material de espaços sociais e geográficos: um continuum espaço-tempo de antagonismos sociais e étnico-raciais caracterizado por des/reterritorializações de identidades, espaços, lugares, memórias, línguas e linguagens em processos translocais e transculturais imbuídos de colonialidad del poder. Em outras palavras, se colônias podem ser classificados como translocações, as colonialidades resultantes, de diferentes maneiras, se translocaram e continuam se translocando do passado para o presente, perpetuando um cenário de violência no palco das múltiplas travessias, misturas, enlaces e embates entre povos, línguas e culturas. Gloria Anzaldúa (1987ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Spinsters; Aunt Lute, 1987., p. 195), escritora, ativista e pensadora chicana, aconselha que, para sobreviver esse cenário - essa dança dos hifens entre fronteiras -, deve-se viver “sin fronteras/be a crossroads”. Tornar sua existência em uma encruzilhada sem fronteiras significa ter “tolerance for contradictions, a tolerance for ambiguity”, aceitando-se enquanto mestiço/a; no fim das contas, essa tolerância com contradições e ambiguidades significa fazer malabarismo entre culturas, operando “in a pluralistic mode”, transformando suas contradições e ambivalências “into something else” (Anzaldúa, 1987ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Spinsters; Aunt Lute, 1987., p. 79).

Gostaria de observar que a base dessa transformação do pensamento monolítico com o objetivo de chegar a “algo diferente”, um outro lugar/coisa/pensamento/vivência, é a abertura do “um”, da raiz, do lugar para os outros, as rotas, os espaços, os rizomas. Neste sentido, utilizo o termo translocação pós-colonial no sentido de mobilidade e agenciamento, atividades que transgridam e ao mesmo tempo ligam as raízes dos lugares e as rotas dos espaços; processo esse caracterizado por uma interseção de tempo e espaço que se pode resumir como temporalização espacial e espacialização temporal no sentido heterotópico de Michel Foucault (1986FOUCAULT, Michel. Of Other Spaces. Diacritics, v. 16, n. 1, p. 22-27, 1986.).

Nesse malabarismo entre passagem e ligação, transgressão e conexão, reside o germe da descolonização porque o ato em sim tem como base a conscientização: saber o porquê e o como das coisas, de si mesmo e dos outros. É um processo de des/reconstrução enquanto “re-visão”, definido por Adrienne Rich (1979RICH, Adrienne. When We Dead Awaken: Writing as Re-Vision. In: RICH, Adrienne. On Lies, Secrets, and Silence: Selected Prose 1966-1978. New York: W.W. Norton and Company, 1979. p. 33-49., p. 35) como “o ato de recordar, ver com novos olhos, entrar num texto antigo a partir de uma nova direção crítica”. Essa reescrita da história com o objetivo de explicar o presente é uma forma de conscientização descolonizadora na medida em que facilita a recriação da subjetividade e identidade individual e coletiva. Neste sentido, a “re-visão” enquanto encruzilhada sociocultural e teórica torna-se um termo-chave do contínuo processo mutável da translocação (pós-) de(s)colonial. Pensando a identidade e diferença cultural em termos translocais faz com que se possa repensar a maneira como a diferença e outridade habitam espaços rurais e urbanos, determinando (e sendo determinado) pela dinâmica sociocultural desses, especialmente seus modos ideológicos e mnemônicos de produção de valores. As travessias entre o cá e o lá, portanto, têm um efeito no espaço enquanto entidade natural, ambiente de vivência e nos pensamentos, ideias e concepções das pessoas envolvidas, ou seja, na episteme sociocultural.

Ao utilizar o termo “translocal” considero o espaço menos uma unidade fixa e preexistente na qual a história acontece e a culturalidade aparece do que territorialidades constituídas reciprocamente por acontecimentos discursivos, materiais e psicológicos: espaço vivido enquanto prática sociocultural regida por relações de poder. Por meio do termo “translocal”, pode-se examinar o que significa “localidade” transitada pelos fluxos globais, num continente onde o local geográfico, a posição do sujeito, a interação quotidiana e a escala social quase nunca são isomorfos. Nesse processo, a análise deve problematizar que tipo de saber (imbuído de quais relações de poder) é produzido e quais as respostas inerentes às representações das relações translocais. Em outras palavras, que atitude textual é representada nas literaturas interamericanas com relação às formas e práticas (neo)coloniais de subalternização? Precisamos entender e problematizar não somente como saberes são produzidos em e entre os lugares e como literaturas e outras formas de arte traduzem esses, mas também as formas, práticas e dinâmicas de trânsito desses saberes em e entre lugares para poder mapeá-los através das Américas. E, por fim, precisamos dos meios analíticos adequados para realizar essa tarefa, já que a sensibilidade geocultural e o pensamento espacial, temporal e literário não estão sempre a par das transformações atuais.

Nas Américas, com o estabelecimento dos diversos impérios autóctones pré-colombianos e com a chegada dos europeus e a implícita apropriação do espaço e transculturação forçada, a palavra ferida pelos diversos deslocamentos era e muitas vezes continua sendo incapaz de transmitir a relação entre sujeito, língua, lugar e mundo. A violência das conquistas e dos resultantes conflitos persegue o sistema capitalista das Américas como fantasma, tornando-o possível. Alego que essa relação quebrada enquanto uma das fontes principais do entre lugar identitário - da translocação/transculturação identitária - caracteriza os povos americanos de diversas formas. Um entre lugar enquanto translocação em que os gritos e falas subalternizados ecoam nos silêncios forçados de uma contínua transculturação cuja violência é epistêmica, física e ecológica. Um entre lugar enquanto dança esquizofrênica no hífen em que múltiplos conflitos constituem o signo - e especialmente o acesso ao signo - como translugar de luta sobre autoridade social e semântica. Um lugar onde as memórias oficiais e as diversas contramemórias culturais deixam seus traços opostos e mesclados. Uma casa enquanto não lar imbuída pela matriz do poder (neo)colonial - essa colonialidade global inerente ao sistema-mundo capitalista moderno caracterizado por relações de exploração e dominação, essa “ferida colonial” (Mignolo, 2005MIGNOLO, Walter. The Idea of Latin America. Malden; Oxford: Blackwell, 2005.) inflamando o complexo enredamento das hierarquias de gênero, classe, sexo e raça no interior dos processos geopolíticos, geoeconômicos e geoculturais.

Portanto, é necessário revelar e problematizar a descolonização textual dessa matriz do poder (neo)colonial, que implica maneiras de saber e agir já que a agência é determinada pelo saber e o saber é determinado pelo local. Analisar a atitude de(s)colonial de um texto, tenho argumentado, significa trabalhar o eixo dos três inconscientes textuais: o inconsciente político (Jameson, 1992JAMESON, Fredric. O inconsciente político. A narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de Valter L. Siqueira. São Paulo: Ática, 1992.), o inconsciente cultural (Bourdieu, 1977BOURDIEU, Pierre. Outline of a Theory of Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.) e o inconsciente ecológico (Walter, 2010WALTER, Roland; FERREIRA, Ermelinda (org.). Narrações da Violência Biótica. Recife: Editora da UFPE, 2010., 2012WALTER, Roland. Entre Gritos, Silêncios e Visões: Pós-Colonialismo, Ecologia e Literatura Brasileira. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n. 21, p. 24-38, 2012. , 2015WALTER, Roland. Multitransintercultura: Literatura, Teoria Pós-Colonial e Ecocrítica. In: SEDYCIAS, João (org.). Repensando a Teoria Literária Contemporânea. Recife: Editora da UFPE, 2015. p. 605-659. ) dentro do que Clifford Geertz (1973GEERTZ, Clifford. The Interpretation of Cultures. New York: Basic Books, 1973., p. 27) chamou de “thick description”: a revelação e a problematização das “estruturas conceituais que informam os nossos atos de sujeitos” com o objetivo de entender as sociedades nas quais esses sujeitos são inseridos.3 3 Para Geertz (1973, p. 10), um dos pilares dessa abordagem teórica é a análise da “ideologia como sistema cultural”. Michel de Certeau (1986, p. 148) sublinha a importância da análise ideológica para a problematização da agência dos sujeitos ao destacar que é “a credibilidade do discurso que faz com que aqueles que acreditam nele agem em concordância com ele. ... Fazendo as pessoas acreditar é fazê-los agir”. Se, segundo Spivak (1999, p. 356), a cultura é um “regulador de como sabemos”, então gostaria de suplementar que a cultura é um efeito mnemônico produzido por relações hierárquicas e estabelecido nos (entre) lugares/espaços e as comunidades que dão significância a estes. Por meio desse saber/habitar no local - uma vivência caracterizada por confrontações e interdependências sociais numa cultura e entre culturas -, um senso de identidade e alteridade é produzido: uma episteme (etos⁄cosmovisão) étnica e cultural entrelaçada com a diferença cultural, aqueles outros produzidos como diferentes por meio do discurso, ideologia e/ou práticas de domínio e subalternização. Destarte, a ideologia é sumamente importante para analisar os mecanismos de sociedades altamente racializadas, sociedades em que a cor branca constitui um tipo de propriedade necessária para reivindicar cidadania e de maneira inversa, o conceito de propriedade torna se o princípio mediador entre raça e cidadania. Nesse processo, a questão-chave para a análise literária é como o texto traz esses inconscientes à superfície textual e assim, via leitor implícito, à consciência do leitor atual, ou seja, como o texto traduz o “acesso ao signo”, “a interlocução”, nas palavras de Bhabha (2007BHABHA, Homi. Ética e Estética do Globalismo: uma perspectiva pós-colonial. In: BHABHA, Homi (org.). A Urgência da Teoria. Lisboa: Tinta da China, 2007. p. 21- 44., p. 25), “o reconhecimento da comunicação - fala, conversa, discurso, diálogo - o ‘direito humano à narração’ que é essencial à construção de comunidades diversificadas e não consensuais”. Nessas circunstâncias, portanto, é necessário levar em consideração a memória enquanto meio de re-visão com relação à questão da casa-lar enquanto lugar geográfico e produto social.

Como é possível traduzir catástrofes, os efeitos traumáticos e a cura desses para a palavra escrita? Em outras palavras: como a memória literária traduz - tradução cultural no sentido de Gayatri Spivak (1999SPIVAK, Gayatri Ch. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge: Harvard University Press, 1999.) - o direito humano a uma casa-lar, um lugar de ser, ou a violação desse direito? Para Charles Taylor (1989TAYLOR, Charles. Sources of the Self: The Making of the Modern Identity. Cambridge: Harvard University Press, 1989., p. 28), a memória constitui um “espaço moral, um espaço no qual questões são levantadas sobre o que é bom ou mal, o que vale a pena fazer ou não, o que faz sentido e tem importância para alguém e o que é trivial e secundário”. Ao conceber cultura como efeito mnemônico determinado por relações hierárquicas de poder entre lugares e comunidades que os habitam, o espaço intersticial entre a memória oficial e as contramemórias, o que Michel Foucault (1986FOUCAULT, Michel. Of Other Spaces. Diacritics, v. 16, n. 1, p. 22-27, 1986., p. 83) chamou “saberes subjugados”, constitui o lugar propício para trabalhar a humanização da memória étnica e cultural. Se bem que todas as testemunhas da escravidão, do sistema mercantil da plantação e do genocídio indígena desapareceram do nível da “memória funcional” e se deslocaram para o da “memória armazenadora”, os estereótipos e preconceitos implícitos nesse processo colonial continuam agindo no nível da memória funcional.4 4 Aleida Assmann (2011) distingue entre dois modos de memória - memória funcional e memória armazenadora - cuja relação é caracterizada por um constante fluxo de seus elementos mnemônicos. Os termos foram cunhados para superar a oposição entre a memória habitada (que pertence a um indivíduo, grupo etc.) e a memória não habitada (livraria, museu, universidade, arquivo etc.) estabelecida por Pierre Nora (1996) em The Realms of Memory, vol. 1, p.1-20. O que constitui a poética-política ética dessas escritas mediante a estetização da violência é uma descolonização enquanto democratização da memória cultural distorcida, falsificada, silenciada e desvinculada do local pelos diversos discursos hegemônicos. Nesse processo, home, a casa-lar, surge representada como lugar de retiro, reflexão e reconstrução identitária tanto individual quanto coletiva: um espaço de recordação que liberta, nas palavras de Eduardo Galeano (1982GALEANO, Eduardo. Memoria del fuego. I. Los nacimientos. Madrid: Siglo XXI, 1982., p. 12), a “memória sequestrada”. Em seguida, elaborei esaa ideia, destacando a ética de(s)colonial inerente à estética mnemônica que revela e problematiza a violência epistêmica com o objetivo de transformá-la.

Esse “révéler c’est changer”, a transformação por meio da revelação, nas palavras de Jean-Paul Sartre (1948SARTRE, Jean-Paul. Qu'est-ce que la littérature. Paris: Gallimard, 1948.), que Fredric Jameson (1992JAMESON, Fredric. O inconsciente político. A narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de Valter L. Siqueira. São Paulo: Ática, 1992.) elaborou enquanto abordagem teórica de textos literários lidos como atos socialmente simbólicos, é praticado por muitos escritores pan-americanos contemporâneos, cujos textos configuram-se como contradiscursos e contramemórias, com o objetivo de articular a razão de(s)colonial das experiências particulares vividas nas culturas híbridas das Américas; a razão do “alter-tú” (não do alter-ego) que entra em relação e negociação com o “eu” baseada em respeito e igualdade; a razão que trata outros/as seres (não) humanos/as enquanto sujeitos e não como objetos a serem (ab)usados por interesses, desejos e/ou acumulação de capital; “a razão do Outro” como ética de libertação (Dussel, 1974DUSSEL, Enrique. Método para una filosofía de la liberación. Superación analéctica de la dialéctica hegeliana. Salamanca: Sígueme, 1974., 1994DUSSEL, Enrique. Historia de la filosofía e filosofía de la liberación. Bogota: Nueva America, 1994. , 2014DUSSEL, Enrique. Para una ética de la liberación latinoamericana. México: Siglo XXI, 2014.). Essa ética começa com o self e o/a outro/a dentro de um mundo interconectado que honra todo tipo de vida, um mundo em que todos os destinos são relacionados. É uma “socialização do poder”, nas palavras de Anibal Quijano (2000QUIJANO, Anibal. Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research, v. VI, n. 2, p. 342-380, 2000., p. 380), que descoloniza as estruturas da “colonialidade do poder”.

Ailton Krenak, Édouard Glissant, Linda Hogan, Toni Morrison, N. Scott Momaday, Leslie Marmon Silko, Manoel de Barros, Jamaica Kincaid, Maryse Condé, João Ubaldo Ribeiro, Bernard Assiniwi, Patrick Chamoiseau, Margaret Atwood, Gisèle Pineau, Conceição Evaristo, Derek Walcott, Gioconda Belli, Helena María Viramontes, Ana Castillo, Antônio Torres e Itamar Vieira Junior, entre muitos outros, são alguns escritores multiétnicos das Américas que na sua escrita ensaística e ficcional praticam essa ética de(s)colonial com o objetivo de trabalhar o passado (no presente) e revisar a história para desconstruir as estruturas de pensamento enraizadas na consciência (pós/neo)colonial. Em seguida, aprofundarei essa ideia com referências a alguns textos dos autores mencionados com o objetivo de costurar uma colcha de retalhos de(s)colonial das Américas.

Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 15) chama esse processo de(s)colonial de resistir a uma epistemologia objetificadora e dissociativa “suspender o céu”:

… é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir. Se existe uma ânsia por consumir a natureza, existe também uma por consumir subjetividades - as nossas subjetividades. Então vamos vivê-las com a liberdade que formos capazes de inventar, não botar ela no mercado.

Parece-me, portanto, que, para Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 21), um importante elemento para evitar e reverter “a exaustão da natureza” - lembrando que a natureza aqui implica cultura, seres, etc. - é a imaginação.

Na “estética da terra”, de Édouard Glissant, a imaginação é a chave para conceber e praticar a “relação poética”. A “estética da terra” glissantiana, ao enfatizar que a terra panamericana e os seus habitantes são saturados por traumas de conquista - “o senso torturado do tempo”, “o tempo explodido, sofrido conectado ao espaço transferido” (1992, p. 144) -, liga o indivíduo, a comunidade e a terra no processo de criar história da “não história” (neo)colonial. Em Poetics of Relation, Glissant (1997aGLISSANT, Édouard. Poetics of Relation. Ann Arbor: Michigan University Press, 1997a., p. 150-151) argumenta que reativar “uma estética da terra talvez nos possa ajudar a mudar” o “pesadelo” que atualmente estamos vivendo já que ela nos fornece com “uma consciência planetária” (1997aGLISSANT, Édouard. Poetics of Relation. Ann Arbor: Michigan University Press, 1997a., p. 164). No atual contexto cultural de produção e consumo desenfreados e seu efeito de fragmentação, alienação, miséria e violência humana, a “conexão estética da terra” pode ser efetuada por meio de uma “estética de interrupção, ruptura e conexão” que envolve a imaginação. Nesse processo, devemos ouvir o grito do mundo: “Écoutons le cri du monde!”. O grito do escravizado em Gorée, “que era uma árvore inteira” com “raízes gritando” (1997aGLISSANT, Édouard. Poetics of Relation. Ann Arbor: Michigan University Press, 1997a., p. 135) e correu para dentro dos vales submarinos do Atlântico Negro, os vales das ilhas caribenhas. O grito dos Caribes e Arawaks ecoando no silêncio das terras e mares do Caribe. O grito de todos os damnés de la terre. O grito, portanto, faz sentido somente em relação com outros gritos. Gritos que minam qualquer raiz, sistema, pensamento, ser-estar fixo e fechado com as puras impurezas dos seus sons atonais e ecos rizomáticos. Em Traité du tout-monde, Glissant afirma que, ao contrário da ciência, “a escrita … nos leva às intuições imprevisíveis, nos faz descobrir os constantes escondidos do mundo” (1997bGLISSANT, Édouard. Traité du Tout-Monde. Paris: Gallimard, 1997b., p. 119). É mediante o imaginário, o seu prolongamento “por uma explosão infinita” (1997bGLISSANT, Édouard. Traité du Tout-Monde. Paris: Gallimard, 1997b., p. 18), que se pode descobrir novas possibilidades e vencer os obstáculos que impedem o ser humano de se realizar de maneira digna e justa.

N. Scott Momaday, Linda Hogan e Leslie Marmon Silko, escritores ameríndios dos Estados Unidos, ao articular seu saber ancestral específico, juntam-se a essas ideias de resistência/libertação proferidas por Krenak e Glissant. Segundo Momaday, autor de obras como House Made of Dawn e The Way to Rainy Mountain, que inauguraram o renascimento da literatura indígena norte-americana na década 60 do século passado, as policrises do Antropoceno têm muito a ver com a alienação humana da natureza baseada numa abstrata concepção de cultura que não é enraizada em relações concretas/vividas com os seres da terra. Neste sentido, Momaday (1997MOMADAY, N. Scott. The Man Made of Words. Essays, Stories, Passages. New York: St. Martin’s Griffin, 1997., p. 47) alega que falta uma “ética da terra”. Escritores, pensadores e ativistas ameríndios, em geral, enfatizam a importância da terra enquanto base de sustentação tanto física quanto espiritual.

A escritora lakota Leslie Marmon Silko (1997SILKO, Leslie M. Yellow Woman and the Beauty of the Spirit. Essays on Native American Life Today. New York: Touchstone, 1997., p. 36-37), por exemplo, diz que “a paisagem ressoa a dimensão espiritual-mítica do mundo pueblo mesmo hoje”; “características geográficas e lugares conhecidos que são mencionados nas narrativas existem para propósitos rituais”; ou seja, têm importância para recriar o caminho do passado ao presente, entender-se enquanto coletividade via processo de imaginação. Ao enfatizar a oralização da memória escrita, Silko observa que, ouvindo as histórias, ela é capaz de se “visualizar como sendo situada dentro da história contada, dentro da paisagem”. Portanto, “a identidade é ligada com o território, a paisagem, que muitas vezes teve um papel significante na história ou no desfecho de um conflito” (1997, p.43). O que Silko descreve e Miguel Astúrias (com base no Popul Vuh e Chilam Balam, os livros sagrados dos Maias), José Maria Arguedas (com base na cosmogonia/cosmologia quéchua), Margaret Atwood no romance Surfacing e Manoel Barros em poesia, entre muitos outros escritores interamericanos, traduzem nas suas escritas de diversas maneiras, é que a compreensão da terra (lugar/espaço) emerge como construto dominante que situa o tempo, a espiritualidade (o sagrado, o mito), a ideologia e a comunidade, ou seja, a identidade individual e coletiva vivida, imaginada e lembrada, em relação com a terra. Nesse processo, o poder, no caso dos povos ameríndios, por exemplo, não consiste em ser proprietário da terra, mas é mediado em visões, sonhos, a capacidade de entrar em contato com os espíritos (que vivem na natureza, habitando as diversas esferas da terra) e nas ações que resultam destas mediações.5 5 Ver, por exemplo o livro A queda do céu (2015), de Davi Kopenawa e Bruce Albert.

Nas palavras de Ward Churchill (1992CHURCHILL, Ward. Fantasies of the Master Race: Literature, Cinema and the Colonization of American Indians. Monroe (USA): Common Courage, 1992. , p. 131): “A terra … é a questão absolutamente essencial ao definir concepções viáveis da América Nativa …. Um profundo senso de unidade com contextos geográficos particulares tem fornecido o cimento espiritual que permite coesão cultural através de todo o espectro das sociedades ameríndias”. Lugares sagrados, o que Vine Deloria Júnior (1994DELORIA JÚNIOR, Vine. God is Red: A Native View of Religion. Wheat Ridge (USA): Fulcrum, 1994., p. 122) chama “sacred geography” (geografia sagrada), são mais que comunidades lembradas; são lugares de presença dos ancestrais e seres espirituais que viabilizam mandato e significação e, neste sentido, são, nas palavras de Lawrence Grossberg (1992GROSSBERG, Lawrence. We Gotta Get Out of This Place: Popular Conservatism and Postmodern Culture. New York: Routledge, 1992., p. 82), “os lugares nos quais as pessoas se podem ancorar no mundo, a localização das coisas que têm importância”. N. Scott Momaday (1976MOMADAY, N. Scott. The Names. A Memoir. New York: Harper and Row, 1976., p. 142) escreve em The Names: “Os eventos da vida de uma pessoa acontecem num lugar... Existi nesta paisagem e depois a minha existência era indivisível dela”. Da mesma maneira, Mary Crow Dog (com Erdoes, 1990CROW DOG, Mary; ERDOES, Richard. Lakota Woman. New York: Harper Perennial, 1990. , p. 220) diz que “a terra é a nossa mãe, os rios o nosso sangue”. E, por fim, Patrick Chamoiseau não registra o desaparecimento dos povos indígenas nas ilhas antilhanas como arquivo morto. Em L’Esclave vieil homme et le molosse (1997CHAMOISEAU, Patrick. L’Esclave vieil homme et le molosse. Paris: Gallimard, 1997., p. 21), sua escrita ecomnemónica reintegra os Arawak e Caribes, dizimados nos anos da colonização das ilhas caribenhas, no panorama da paisagem enquanto entidades e/ou espíritos vivos: “os ameríndios dos primeiros tempos transformaram-se em cipós de dor que estrangulam as árvores e correm sobre os escolhos da mesma forma como o sangue agitado do seu próprio genocídio”. Esse paradigma inclusivo de natureza/cultura enfatiza que é necessário entender que nas palavras do poeta e pensador caribenho Wilson Harris, “There is a dialogue there between one’s internal being, one’s psyche, and the nature of the place, the landscape” (GILKES, 1991GILKES, Michael. The Landscape of Dreams: Extract from a Conversation between Wilson Harris and Michael Gilkes. In: MAES-JELINEK, Hena (org.). Wilson Harris: The Uncompromising Imagination. Mundelstrup (Dinamarca): Dangaroo Press, 1991. p. 31-38., p. 33); ou seja, que existe uma ligação existencial entre o homem e a natureza/paisagem e, portanto, que a linguagem, a memória, o ser-estar, são caracterizados por relações inter/transbióticas dentro de um processo histórico.

O que une esses escritores panamericanos oriundos de diversos grupos étnicos e contextos geográficos e culturais é que sua escrita articula uma atitude de(s)colonial que não somente descreve o outro/a outra, mas, dando-lhes voz, pensamento e sentimento, rompe o silenciamento da subalternização cultural. Com Dadinha em Viva o povo brasileiroRIBEIRO, João Ubaldo. Viva o povo brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., por exemplo, João Ubaldo Ribeiro articula toda uma cultura e sua tradição que era e continua ser a base da (sobre)vivência negra. Nesse processo de(s)colonial, a palavra rompe com o que Silvia Rivera Cusicanqui (2010CUSICANQUI, Silvia R. Ch’ixinakax utxiwa. Una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010. ) problematiza como o encobrimento enquanto “función para las palabras en el colonialismo” e recria um mundo de referências necessário para a (re)constituição da identidade mediante a humanização da memória estilhaçada e fragmentada pelo silenciamento colonizador. Assim, o que constitui a poética-política ética dessas escritas multiétnicas mediante a estetização da diferença cultural é uma descolonização enquanto democratização da memória cultural distorcida, falsificada, silenciada e desvinculada do contexto étnico-racial pelos diversos discursos hegemônicos. Uma atitude de(s)colonial que, por um lado, revela e problematiza quem é responsável pelo silenciamento das outras Américas e, nesse processo, pergunta “quem possui o passado e quem tem direito de usar certos lugares de fala e não outros?”, por outro, essa atitude textual, que se instala e age no nível diegético e enunciativo, evoca o que Toni Morrison (2009MORRISON, Toni. Compaixão. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p. 4) chama a “imaginação moral” dos leitores.

Dessa forma, a atitude de(s)colonial faz os leitores verem o mundo através dos olhos tanto da vítima quanto do agressor, dando a chance de ver a violência e a dor de diferentes perspectivas, testemunhar seus diversos matizes, seus diferentes aspectos, porque a escrita abre o espaço de conscientização ao nos fazer entender os motivos de atitudes agressivas, de dores que tormentam e de alegrias que exaltam, como e por que certos sentimentos são evocados e desenvolvem certas situações. Assim, nessa estetização de(s)colonial da dor, do sofrimento, da violência, nesse investimento na rede complexa do trágico-grotesco-perverso (neo)colonial por parte de, entre outros, Conceição Evaristo, Gisèle Pineau, Jamaica Kincaid e Bernard Assiniwi, reside uma vindicação imensurável, a realização de uma dignidade profunda e permanente porque contribui para o que N. Scott Momaday (1997MOMADAY, N. Scott. The Man Made of Words. Essays, Stories, Passages. New York: St. Martin’s Griffin, 1997., p. 49) delineia como uma “compreensão moral da terra e do ar”: o uso da linguagem com responsabilidade que implica ver e compreender o ético-moral dos acontecimentos coloniais e neocoloniais no processo histórico. Neste sentido, a análise da descolonização narrativa, revelando e problematizando as forças e práticas (pós-/neo)coloniais de subjeção (não) humana, pode contribuir para uma reorientação da cidadania cultural ao imbuí-la de um etos cultural de paixão - “uma relação participatória com o mundo”, nas palavras da poetisa, escritora e ensaísta Chickasaw Linda Hogan (1998HOGAN, Linda; METZGER, Deena; PETERSON, Brenda (org.). Intimate Nature: The Bond between Women and Animals. New York: Ballantine Books, 1998. , p. 19); uma “Cuidadania”, nas palavras da voz narrativa em O país das mulheres, de Gioconda Belli (2011BELLI, Gioconda. O país das mulheres. Tradução de Ana Resende. Campinas: Verus, 2011. , p. 37) - e destarte abrir caminhos para, nas palavras do filósofo Agamben (1995AGAMBEN, Giorgio. “We Refugees”. Symposium: A Quarterly Journal in Modern Literatures, v. 49, n. 2, p. 114-119, 1995. , p. 116), “um modelo nacional alternativo de consciência política e histórica e identificação política”. Assim, a descolonização literária/teórica significa uma poética de reorientação cultural enquanto estratégia de resistência a qualquer forma de dominação, subjugação e exploração.

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  • SARTRE, Jean-Paul. Qu'est-ce que la littérature Paris: Gallimard, 1948.
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  • SILKO, Leslie M. Yellow Woman and the Beauty of the Spirit Essays on Native American Life Today. New York: Touchstone, 1997.
  • SPIVAK, Gayatri Ch. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
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  • WALTER, Roland. Identities on the Move: Of Cultural Fissures and Fusions in Black Canadian Literature. Canadian Review of Comparative Literature/Revue Canadienne de Littérature Comparée, v. 36, n. 1, p. 42-59, 2009.
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  • WALTER, Roland. Entre Gritos, Silêncios e Visões: Pós-Colonialismo, Ecologia e Literatura Brasileira. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n. 21, p. 24-38, 2012.
  • 1
    As traduções neste ensaio são minhas.
  • 2
    Aqui penso, por exemplo, no barroco, que como paradigma, mentalidade, sensibilidade, cosmovisão, discurso e/ou estilo de arte constitui um “protoplasma incorporativo” (Lezama Lima, 1993LEZAMA LIMA, José. La expresión americana. Ciudad de Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1993.) e/ou antropofágico caracterizado por mobilidade, versatilidade, instabilidade, pulsão e metamorfose contínua. Outro exemplo é o processo de “signifyin”, este complexo processo de resistência retórica que constitui a base do Black English nos Estados Unidos (Gates Júnior., 1989GATES JÚNIOR, Henry Louis. The Signifying Monkey: A Theory of African-American Literary Criticism. New York: Oxford University Press, 1989.).
  • 3
    Para Geertz (1973GEERTZ, Clifford. The Interpretation of Cultures. New York: Basic Books, 1973., p. 10), um dos pilares dessa abordagem teórica é a análise da “ideologia como sistema cultural”. Michel de Certeau (1986CERTEAU, Michel de. Heterologies: Discourse on the Other. Tradução de Brian Massumi. Minneapolis: Minnesota University Press, 1986. , p. 148) sublinha a importância da análise ideológica para a problematização da agência dos sujeitos ao destacar que é “a credibilidade do discurso que faz com que aqueles que acreditam nele agem em concordância com ele. ... Fazendo as pessoas acreditar é fazê-los agir”. Se, segundo Spivak (1999SPIVAK, Gayatri Ch. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge: Harvard University Press, 1999., p. 356), a cultura é um “regulador de como sabemos”, então gostaria de suplementar que a cultura é um efeito mnemônico produzido por relações hierárquicas e estabelecido nos (entre) lugares/espaços e as comunidades que dão significância a estes. Por meio desse saber/habitar no local - uma vivência caracterizada por confrontações e interdependências sociais numa cultura e entre culturas -, um senso de identidade e alteridade é produzido: uma episteme (etos⁄cosmovisão) étnica e cultural entrelaçada com a diferença cultural, aqueles outros produzidos como diferentes por meio do discurso, ideologia e/ou práticas de domínio e subalternização. Destarte, a ideologia é sumamente importante para analisar os mecanismos de sociedades altamente racializadas, sociedades em que a cor branca constitui um tipo de propriedade necessária para reivindicar cidadania e de maneira inversa, o conceito de propriedade torna se o princípio mediador entre raça e cidadania.
  • 4
    Aleida Assmann (2011ASSMANN, Aleide, Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Tradução de Paulo Soethe. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. ) distingue entre dois modos de memória - memória funcional e memória armazenadora - cuja relação é caracterizada por um constante fluxo de seus elementos mnemônicos. Os termos foram cunhados para superar a oposição entre a memória habitada (que pertence a um indivíduo, grupo etc.) e a memória não habitada (livraria, museu, universidade, arquivo etc.) estabelecida por Pierre Nora (1996NORA, Pierre. The Realms of Memory: Rethinking the French Past. I. Conflicts and Divisions. New York: Columbia University Press, 1996. ) em The Realms of Memory, vol. 1, p.1-20.
  • 5
    Ver, por exemplo o livro A queda do céu (2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A Queda do Céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.), de Davi Kopenawa e Bruce Albert.

Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Anderson Bastos Martins
Victor Coutinho Lage

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2023
  • Aceito
    25 Set 2023
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