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O sorriso (enigma) de Mona Lisa: mulheres e sociedades em embate

Mona Lisa (enigmatic) Smile: Women and Societies in Conflict

RESUMO:

Este artigo analisa como a mulher é semiotizada no filme O sorriso de Mona Lisa (2003), com o objetivo de pensar sobre como o embate entre tradição e revolução reflete e refrata valores sociais sobre o que significa ser mulher. Centrado nas protagonistas, este estudo se volta às vozes sociais tradicional e subversiva em embate. A relevância se justifica pela reflexão acerca da movimentação valorativa interna-externa que constitui os sujeitos-mulheres e as sociedades no grande tempo da cultura. O filme é analisado em sua unidade verbivocovisual. A fundamentação teórica bakhtiniana embasa a análise em seu movimento metodológico materialista histórico-dialético- dialógico, com a utilização, principalmente, dos conceitos de diálogo, ideologia e vozes sociais. Para analisar questões relativas ao feminismo, serão utilizados os estudos de Beauvoir, Saffioti, Davis, Studart, hooks e Ribeiro. Os resultados revelam como a pressão social sobre a mulher a afeta e impacta a sociedade. O sorriso de Mona Lisa semiotiza movimentos históricos e culturais em ressurgência na contemporaneidade, e é urgente refletir sobre isso.

PALAVRAS-CHAVE:
estudos bakhtinianos; dialogia; ideologia; voz social; mulher

ABSTRACT:

This article analyses how the woman is semiotized in the movie Mona Lisa Smile (2003), aiming to think about how the conflict between tradition and revolution reflects and refracts social values of what it means to be a woman. Centered on the protagonists, this study focuses on traditional and subversive social voices in conflict. The reflection on the internal-external valuation movement that constitutes subjects-women and societies in the great time of culture justifies its relevance. It analyzes the film in its verbivocovisual unity. The Bakhtinian theoretical foundation supports the analysis in its dialectical-dialogical-historical materialist methodological movement, using mainly the concepts of dialogue, ideology, and social voices. To analyze issues related to feminism, studies from Beauvoir, Saffioti, Davis, Studart, hooks, and Ribeiro will be used. The results reveal how the social pressure on women affects them and impacts society. Mona Lisa Smile semiotizes historical and cultural movements in resurgence in the contemporaneity and reflecting on this is urgent.

KEYWORDS:
Bakhtinian studies; dialogy; ideology; social voice; women

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Introdução

O enunciado fílmico O sorriso de Mona Lisa 1 1 O filme hollywoodiano foi lançado nos EUA em dezembro de 2003, mas chegou nos cinemas brasileiros em janeiro de 2004. ( 2003O SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.) materializa valores de constituição de mulheres que refletem e refratam diferentes vozes sociais, tanto favoráveis quanto contrárias à ideologia dominante. Nossa proposta é analisar as valorações composicionais das protagonistas, de acordo com seus posicionamentos, situados no contexto narrativo – a escola para mulheres Wellesley College, em Massachusetts, nos Estados Unidos, em 1953 – em cotejo com outros enunciados, de gêneros diversos ( BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Gêneros do discurso. São Paulo: 34, 2016.), anteriores, da época e da contemporaneidade, tendo em vista o processo de ascensão da extrema direita no mundo, com a viralização de movimentos conservadores, como o Tradwives 2 2 Traduzido como “Esposas tradicionais”, o movimento surgiu em 2018, na Inglaterra, e viralizou, em 2020, pelo mundo todo, inspirado pelos valores dos anos 1950 em que, pós II Guerra Mundial (G.M.), as mulheres, que haviam sido incentivadas a trabalharem fora, voltaram para suas casas, estimuladas pelo Estado, para cuidarem de seus maridos e cooperarem com a reestruturação do país, gerando filhos, encarceradas em casa. Para saber mais sobre esse movimento, sugerimos a leitura do capítulo escrito por Paula e Teixeira ( 2021a) e assistir ao documentário produzido pela BBC ( 2020). , que remontam aos anos 1950, entendidos como “anos dourados” para e por mulheres autodeclaradas tradicionais, tendo em vista que o enunciado se caracteriza como elo da cadeia discursiva, com sua singularidade ( BAKHTIN, 2011BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.; VOLÓCHINOV, 2013VOLÓCHINOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João, 2013., 2018VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2018.), assim como por considerarmos a arte como reflexo e refração da vida ( MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P. M. O método formal nos estudos literários: uma introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2012.; VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia. São Paulo: 34, 2019.).

A perspectiva teórica que fundamenta esta reflexão é a bakhtiniana, com seu método dialético-dialógico, que considera o cotejo como constitutivo do procedimento analítico-interpretativo metalinguístico/translinguístico proposto. As concepções que embasam esta reflexão são diálogo, ideologia e vozes sociais. Além disso, também nos focamos em estudiosas sobre as mulheres ( BEAUVOIR, 1980BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.; DAVIS, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.; HOOKS, 2020HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.; SAFFIOTI, 1987SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.; STUDART, 1974STUDART, H. Mulher. Objeto de cama e mesa. Rio de Janeiro: Vozes, 1974.), sobre a verbivocovisualidade ( PAULA, 2017PAULA, L. de. O enunciado verbivocovisual de animação: a valoração do “amor verdadeiro” Disney – uma análise de Frozen. In: FERNANDES JR, A.; STAFUZZA, G. B. (org.). Discursividades contemporâneas: política, corpo, diálogo. Campinas: Mercado de Letras, 2017. p. 287-314.; PAULA; BATISTA, 2021PAULA, L. de; BATISTA, R. dos S. A verbivocovisualidade criptografada de Augusto de Campos. Revista da ANPOLL, Niterói, v. 52, n. 3, p. 55-75, 2021a.; PAULA; LUCIANO, 2020aPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. A tridimensionalidade verbivocovisual da linguagem bakhtiniana. Linha D’Água, São Paulo, v. 33, n. 3, p. 105-134, 2020a. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/171296. Acesso em: 6 set. 2021.
https://www.revistas.usp.br/linhadagua/a...
, 2020bPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. Filosofia da linguagem bakhtiniana: concepção verbivocovisual. Revista Diálogos, Cuiabá, v. 8, n. 3, p. 132-151, 2020b. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/revdia/article/view/10039. Acesso em: 6 set. 2021.
https://periodicoscientificos.ufmt.br/oj...
, 2020cPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. Dialogismo verbivocovisual: uma proposta bakhtiniana. Polifonia, Cuiabá, v. 27 n. 49, p. 15-46, 2020c., 2020dPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. A filosofia da linguagem bakhtiniana e sua tridimensionalidade verbivocovisual. Estudos Linguísticos, São Paulo, v. 49, n. 2, p. 706722, 2020d., 2021PAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. The Verbivocovisual Architectonic of the Stage La Conversione Di Un Cavallo. Global Journal of Human Social Sciences-A – GJHSS-A, Framingham, v. 21, n. 13, p. 1-13, 2021.; PAULA; SERNI, 2017PAULA, L. de; SERNI, N. M. A vida na arte a verbivocovisualidade do gênero filme musical. Raído, Dourados, v. 11, n. 25, p. 178-201, 2017.), sobre cinema ( STAM, 1992STAM, R. Bakhtin: da teoria literária a cultura de massa. São Paulo: Ática, 1992., 2008STAM, R. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação. Belo Horizonte: UFMG, 2008., 2010aSTAM, R. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2010a., 2010bSTAM, R. Bakhtin e a crítica midiática. In: RIBEIRO, A. P. G.; SACRAMENTO, I. (org.). Mikhail Bakhtin: linguagem, cultura e mídia. São Carlos: Pedro & João, 2010b. p. 331-357.) e sobre artes plásticas ( GOETHE, 2013GOETHE, J. W. Doutrina das cores. São Paulo: Nova Alexandria, 2013.; GUIMARÃES, 2001GUIMARÃES, L. A cor como informação: a construção biofísica, linguística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2001.; HAYNES, 2008HAYNES, D. J. Bakhtin and the Visual Arts. New York: Cambridge, 2008.; KANDINSKY, 1970KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano – contribuição para análise dos elementos picturais. Lisboa: 70, 1970.). Utilizamos também os softwares Adobe Collor, Canva e Colordot para a captação de imagens e cores dos fotogramas coletados, elaborados por nós.

Este artigo é resultado de um processo reflexivo em grupo que levou a diversas pesquisas e publicações, voltado a enunciados estéticos ( PAULA; SOUZA, 2019PAULA, L. de; SOUZA, D. N. de. Antropofagia dialógica – olhar Tarsila do Amaral. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 22, n. 3, p. 75-105, 2019.) e midiáticos ( PAULA; OLIVEIRA, 2020PAULA, L. de; OLIVEIRA, N. R. de. Minions nas telas e bolsominions na vida: uma análise bakhtiniana. Letrônica, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 1-19, 2020.) diversos, que se centram nas valorações imputadas às mulheres 3 3 Paula e Batista ( 2020, 2022), Paula e Santana ( 2021), Paula e Sant’ana ( 2020, 2022), Paula e Silva ( 2020), Paula e Teixeira ( 2021a, 2021b) integram a discussão das reflexões aqui apresentadas. Essas publicações se centram em enunciados estéticos (séries, filmes, livros etc.) e cotidianos (posts, memes etc.) de ou sobre mulheres, considerando a tridimensionalidade da linguagem ( PAULA, 2017; PAULA; BATISTA, 2021; PAULA; LUCIANO, 2020a, 2020b, 2020c, 2020d, 2021; PAULA; SERNI, 2017). . A relevância desta proposição se encontra na compreensão das ideologias que nos integram cotidianamente e, em embate, refletem e refratam contradições e disputas de poder, por meio de valores machistas alicerçados em fundamentalismos religiosos, propagandas institucionais, produções culturais, entre outros discursos. Assim como a reação ao patriarcado estrutural, vinda da luta por igualdade travada por mulheres feministas dentro de uma sociedade que utiliza discursos cristalizados e leis machistas para manter um sistema opressor, há mulheres que defendem valores conservadores, ao assumirem a voz social patriarcal como sua, posicionando-se, assim, contra si, em resposta ao sistema e ao feminismo, em embate constante, com comportamentos esperados/exigidos. Esse é o caso do movimento Tradwives, na contemporaneidade.

A voz social que subjaz os atos das mulheres que reproduzem a hegemonia se expressa pelo incentivo ao domínio do espaço doméstico, dada a suposta “inferioridade” ( BEAUVOIR, 1980BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.) do sujeito-objeto-mulher perante o homem, e reproduz a ideia de que a mulher é mais “fraca e frágil” que o homem, o que aparece em discursos e atos variados, que ensinam e cobram a subserviência – cama e mesa, segundo Studart ( 1974STUDART, H. Mulher. Objeto de cama e mesa. Rio de Janeiro: Vozes, 1974.) – ao homem, entendido como “superior” numa sociedade falocêntrica, ao casamento – mal-estar na civilização, como diria Freud ( 2021FREUD, S. O mal-estar na civilização. São Paulo: Martin Claret, 2021.) –, praticamente imposto à mulher como símbolo de felicidade, ainda que, como afirma Freud ( 2021FREUD, S. O mal-estar na civilização. São Paulo: Martin Claret, 2021.), seja aprisionamento e controle, à maternidade – também colocada como obrigação “divina” – e à servidão “voluntária”, como sentido de existência da mulher.

Esse é o diálogo contrário e contraditório explicitado como conteúdo temático de vozes sociais ambivalentes dos sujeitos-personagens no filme O sorriso de Mona Lisa – o que, inclusive, justifica a escolha pela obra como foco desta análise.

A estrutura deste artigo parte da contextualização histórica dos anos 1940 e 1950 para compreender os valores em embate presentes no enunciado fílmico e, em seguida, de forma dialogada, adentra a análise, realizada junto com a fundamentação teórica que a ampara, de maneira aplicada. A opção metodológica por não separar teoria em um item e análise em outro ocorre para não as dissociar. Parte da análise não conta com fotogramas das cenas analisadas pela extensão permitida ao artigo. Para solucionar a questão, disponibilizamos um link de acesso à obra fílmica integral e indicamos, em notas de rodapé, a minutagem das cenas analisadas para facilitar a localização no enunciado completo.

A análise parte da obra pictórica de Da Vinci que intitula parte do filme em diálogo com cenas que explicitam as vozes sociais, analisadas no próximo item, semiotizadas pelas protagonistas Betty e Katherine, também em cotejo com propagandas da época utilizadas no filme, essenciais para a concretização da crítica marcada pelo autor-criador. Por fim, fechamos com o diálogo entre Betty e Katherine com a Mona Lisa, de Da Vinci e a relação de conformidade e resistência, a partir de Van Gogh 4 4 Não analisaremos os Dozes girassóis numa jarra, obra a partir da qual a discussão sobre resistência e massificação ocorre no filme, por falta de espaço, ainda que façamos menção diversas vezes a Van Gogh. .

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Era uma vez uma Guerra

Como o enunciado fílmico se situa nos anos 1950, nos EUA, para contextualizá-lo, descrevemos, panoramicamente, como os discursos governamentais e empresariais (alinhados) da época exploraram as mulheres como objetos, tanto como força de trabalho (durante a II GM) quanto como cama e mesa (no pós-guerra), com campanhas publicitárias chamadas, à época, de “ideológicas” 5 5 Há uma concepção popular equivocada de que certos enunciados seriam “neutros” ou “técnicos” por apresentarem ideologias que vão de acordo com as normas sociais, sem desafiá-las, e isso pode causar a impressão de que haja expressão esvaziada de valoração, o que segue, de acordo com essa ideia, uma noção de “construção natural”. Todavia, segundo Volóchinov ( 2018), todo signo e enunciado são ideológicos. A língua viva, em uso, não é “imparcial” ou “neutra”. Ao contrário. Ela está prenhe de valores em embate. Assim, impossível a existência de campanhas publicitárias (ou qualquer outra forma de enunciação e de expressão de linguagem) não ideológicas. O nome “publicidade ideológica” foi utilizado à época para designar campanhas encomendadas pelo Governo, em parceria com empresas privadas (e, muitas vezes, por elas custeadas), para inculcação de valores e comportamentos socioculturais de maneira explícita, a serviço do Estado. Esse tipo de estratégia era muito usado na época pelos governos (a exemplo de Hitler, no nazismo), como estudam Adorno e Horkheimer, na Escola de Frankfurt, que teorizam sobre cultura de massa e indústria cultural, por exemplo, especialmente voltados ao cinema alemão produzido para esse fim (manipulatório), na Segunda Guerra Mundial. Nos EUA, país símbolo do liberalismo capital, a propaganda e a publicidade foram usadas para muitos fins. Dentre eles, a manipulação voltada não à aquisição de um produto de consumo material, mas a comportamentos socioculturais de interesse do Estado. Não coincidentemente, também foi nesse contexto que muitos super-heróis foram criados como ícones de força, justiça e liberdade, encarnando os valores preconizados pelo próprio país – o que está marcado nas vestimentas das personagens, por exemplo, compostas pelas cores da bandeira estadunidense – a todo o mundo. , proporcionadas pelo Estado e por indústrias para direcionar a função da mulher na sociedade, uma vez que esse contexto situa o embate de vozes semiotizadas por personagens do filme (especialmente Betty), da época e de hoje.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os homens, convocados, deixaram seus empregos livres, o que causou depressão econômica em muitos países. Para manter os Estados Unidos fortes (como a nova potência, nascida, inclusive, na e da guerra), as mulheres foram convocadas pelo Governo e por empresas para ocuparem as vagas ociosas como mão-de-obra barata. As propagandas que chamavam as mulheres ao trabalho (Figura 1), afirmavam que essa seria a “obrigação da mulher para com a sua pátria” e a “América livre” (i.e., em nome de uma suposta liberdade, foi aceita a escravização das mulheres em dupla jornada – dentro e fora de casa).

Figura 1 –
Propagandas americanas da Segunda Guerra Mundial

De acordo com o discurso hegemônico superestrutural do “ I want you” e do “ Time is money”, do Tio Sam, a exploração das mulheres foi vendida como sacrifício patriótico heroico familiar, pois a manutenção da nação passou a ser veiculada como papel da mulher (STAACHI, 2015STAACHI, C. They Ad to Be Kidding! Shocking Posters in the 1950s and 1960s Show the Sexist and Racist Campaigns Once Seen as Acceptable. Daily Mail, London, 14 nov. 2015. Disponível em: https://www.dailymail.co.uk/news/article-3318841/Shockingposters-1950s-60s-sexist-racist-campaigns-seen-acceptable.html. Acesso em: 3 nov. 2020.
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). Para que os homens pudessem ir à guerra, elas deveriam não apenas manter o país em sua “glória divina” para quando os homens voltassem, mas também precisavam ajudar a manter os maridos lá, trabalhando nas fábricas que produziam objetos necessários para a guerra (alimentos, medicamentos, uniformes e armamentos).

A imagem da mulher trabalhadora, nos anos 1950, foi utilizada como a da “boa” esposa, patriota e cristã (a “cidadã de bem” da época). Essa trabalhadora ideal é a “ Rosie the riveter” (primeiro cartaz da Figura 1) que, mesmo usando macacão largo e cabelo preso para seu trabalho, permanece maquiada e com lenço delicado. Rosie, objeto da “publicidade ideológica” utilizada pelo governo estadunidense, tornou-se ícone feminista nos anos 1970 (junto com a Mulher Maravilha) e foi retomada, a partir de 2010, com sua inscrição “ We can do it” ressignificada como força, corroborada pelo gesto visual do braço musculoso, que se tornou emoji de empoderamento feminino nas redes sociais.

Contudo, mesmo encorajada a trabalhar, a valoração discursiva continuou sendo a de apoiar os homens que, apesar de considerados “superiores”, são narrados como dependentes da mulher (primeiro, a mãe; depois, a esposa). Logo, a permissão ao trabalho fora de casa só é concedida por se tratar de um momento extremo (guerra) e entendido, o ato, não como conquista, mas como parte da função de apoio (com destaque para as profissões de enfermeira e professora), reservada à mulher nesse sistema: a de servidora do homem e do país.

Devido à falta de leis trabalhistas, ao caráter provisório de trabalhador “substituto”, de ser humano secundário, de segundo sexo ( BEAUVOIR, 1980BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.), a mulher era forçada a trabalhar em condições subumanas e por salários inferiores, que impossibilitavam que ela pudesse sustentar a si e a sua família. Esse quadro precário (e ainda existente) impedia (e impede) que a mulher conseguisse (consiga) obter independência, o que desmistifica a ideia de que, com essas condições, o trabalho liberta a mulher.

Segundo hooks ( 2020HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.), apenas o trabalho bem remunerado, que possibilita autossuficiência financeira da mulher – tanto aquela que só precisa sustentar a si quanto aquela que precisa sustentar filhos ou outros familiares – pode libertá-la. Essa superexploração que romantiza a mulher como super-heroína por “dar conta” de dupla ou tripla jornadas, interessa a certos grupos para a manutenção do sistema:

A manutenção dos referidos preconceitos interessa aqueles que pagam salários irrisórios a negros e mulheres (o salário é ainda menor quando se trata de mulher negra), que os submetem a condições subumanas de trabalho, que se negam a assinar a carteira de trabalho de seus empregados negros e empregadas, a fim de não pagarem encargos trabalhistas. Não é por acaso que tais preconceitos são nutridos, alimentados, cotidianamente, pelos meios de comunicação de massa, cujo controle é detido pelos poderosos. ( SAFFIOTI, 1987, p. 30SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.)

No período pós-guerra, que abrange a década de 1950, contexto do filme, os homens retomaram seus trabalhos, sendo privilegiados sobre as mulheres, compelidas a retornarem ao espaço doméstico. Para persuadi-las, o Estado mudou o tom de suas campanhas, que passaram a enfatizar o oposto ao que valorizaram na década anterior, como pode ser visto no compilado da Figura 2: uma “ultrafeminilidade” corpórea, que aprisiona a mulher ainda mais (para além do espaço doméstico, pois a torna enclausurada ao espaço de seu próprio corpo).

Figura 2 –
Propagandas publicadas após a guerra

Às mulheres passa a ser, mais do que nunca, imposto um padrão de beleza – da mulher branca, magra 6 6 Wolf ( 2020) estuda a compleição física da mulher ao longo do tempo e o quanto as exigências de magreza se intensificam com a conquista de sua autonomia, ascensão no mercado de trabalho, direito sobre si e sua sexualidade. O padrão de beleza passa a ser uma forma severa de castigar a mulher e de acentuar as desigualdades com os homens, especialmente no que se refere ao trabalho, pois mal alimentada, suas condições mentais, físicas e emocionais não se encontram em plenitude, o que a adoece e enfraquece. , alta, loira, vestida com saias, vestidos e saltos, maquiada – pronta para receber seu marido com disposição, bom humor e servidão após um dia de trabalho.

A mulher é coagida a viver em função do lar e do marido. A pressão social a prende à subserviência. Esse retorno ao conservadorismo extremo é um retrocesso para as mulheres, que têm chances ainda menores de autossuficiência, pois, conforme Beauvoir ( 1980, p. 407BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.): “socialmente, o homem é um indivíduo autônomo e completo; encarado antes de tudo como produtor e sua existência justifica-se pelo trabalho […] o papel de reprodutora e doméstica em que se confinou a mulher não lhe assegurou igual dignidade”.

Há um processo de naturalização da ideologia que confina a mulher ao espaço doméstico, por meio da atribuição de um caráter divino ao dever da mulher de ser mãe, justificado pela sua capacidade de reproduzir ( BADINTER, 2009BADINTER, E. Um amor conquistado. O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.). A responsabilidade por essa condição recai sobre Deus, figura de autoridade máxima para o cristianismo – no Brasil de 1950, de acordo com Campos ( 2008CAMPOS, L. S. Os mapas, atores e números da diversidade religiosa cristã brasileira: católicos e evangélicos entre 1940 e 2007. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, p. 9-47, dez. 2008.), os cristãos compunham 97,1% da população. O movimento Tradwives, hoje, retoma valores fundamentalistas que colocam a mulher como “bela, recatada e do lar”, expansivos nos anos 1950 (por isso, o período de reestruturação do mundo pós-guerra é considerado áureo para esse movimento).

O ato de naturalização dessa ideologia também se fia na tentativa de sua neutralização, com o pressuposto de que a maternidade sequer seria uma ideologia, já que se trata de um fator biológico, “natural”, não advindo de construções socioculturais, como explicam Badinter ( 2009BADINTER, E. Um amor conquistado. O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.) e Beauvoir ( 1980BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.). Entretanto, Volóchinov ( 2018, p. 175VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2018.) afirma que

todo sistema de normas sociais se encontra em uma posição análoga. Ele existe apenas em relação à consciência subjetiva dos indivíduos que pertencem a uma dada coletividade, direcionada por certas normas.

Esse mascaramento da realidade ( SAFFIOTI, 1987, p. 11SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.) apaga o impacto da ação humana que domestica a natureza e, a partir de seus fenômenos, elabora tradições, culturas e ideologias – essas, reforçando as estruturas sociais, controladas pelas classes dominantes.

A propagação dessas ideologias se realiza por diversas esferas de interação. Em O sorriso de Mona Lisa, a força das esferas familiar e escolar na imposição de papéis subserviente, dócil e cristão à mulher é destacada. A mídia também tem papel fundamental nessa propagação, principalmente por ser controlada por um grupo dominante (no filme, o Conselho da escola, com representantes conservadores da sociedade). O cinema – assim como outras produções midiáticas, como programas televisivos, jornais e revistas – movimenta, há tempos, uma indústria bilionária, controlada por sujeitos da classe dominante, cujo interesse é manter a estrutura hierárquica social que os assegura poder.

Em alguns casos, como muitos blockbusters, como estudam Paula e Santana ( 2021PAULA, L. de; SANTANA, B. M. A mulher rosa em cinquenta tons de cinza: imagens dialógicas patriarcais. In: CRISTOVÃO, A.; LUDOVICE, C. de A. B.; BORGES, M. C. (org.). GEBGE em ação. Franca: Ribeirão Gráfica, 2021. p. 13-37.), os enunciados reforçam determinadas ideologias e apagam outras, contrastantes às hegemonias. Se “a maioria aprende sobre feminismo na nossa mídia de massa patriarcal” ( HOOKS, 2020, p. 18HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.), a imagem de feminismo conhecida por parte da população deturpa as feministas (vistas como “contra” ou em competição com os homens, masculinizadas ou integrantes da comunidade LGBTQIA+, fora do “padrão” de beleza preconizado – magra, depilada, maquiada, branca, loira, alta etc.) e o próprio movimento (entendido como demoníaco, “comunista”, “abortista” etc.), o que afasta as pessoas e desmerece a luta e as conquistas das feministas.

Como o enunciado é responsivo, nas últimas décadas surgiu um movimento crescente que responde a esses discursos e exige melhor representação das mulheres nos filmes, não apenas como subservientes, com sentido apenas em função de um homem, mas com mulheres autônomas e fortes. O embate desses valores tradicionais e emancipados, nas personagens femininas, é o tema de O sorriso de Mona Lisa e o que nos propomos a analisar.

Consideramos a unidade tridimensional do enunciado fílmico como a constituição arquitetônica verbivocovisual – como denomina Paula ( 2017PAULA, L. de. O enunciado verbivocovisual de animação: a valoração do “amor verdadeiro” Disney – uma análise de Frozen. In: FERNANDES JR, A.; STAFUZZA, G. B. (org.). Discursividades contemporâneas: política, corpo, diálogo. Campinas: Mercado de Letras, 2017. p. 287-314.), a partir dos estudos bakhtinianos –, de maneira integrada. Analisamos as vozes sociais semiotizadas pelas protagonistas, tendo como foco essa composição material do audiovisual.

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O enigma de Mona Lisa

Madona 7 7 De acordo com o Dicionário Houaiss ( 2021), madona significa “1. representação de Nossa Senhora em pintura ou escultura; 2. mulher cujo rosto exibe uma beleza serena, de traços suaves e regulares. 3. designação da Virgem Maria, representação da Virgem Maria. 4. m(i)a no sentido de ‘minha’ e donna no sentido de ‘dona, senhora’”. (Mona é contração de Madona, em italiano, que significa “Senhora” ou “Minha Dona”) Lisa, também conhecida como Gioconda (que, na cultura italiana, tem sentido de “mulher alegre”), é metáfora da ambivalência essência e aparência, assim como o seu sorriso é metonímia desses contrários- contraditórios constitutivos da mulher.

Dentre tantos mistérios em volta desse quadro de Da Vinci (Figura 3), uma questão é unânime: a pequena pintura (77cm x 53cm) a óleo sobre madeira de álamo, estilo clássico renascentista, produzida entre 1503 e 1506, explora a técnica de sfumato em sua máxima potência e o efeito de mistério envolve a tela, em harmonia com outras técnicas.

O pintor explora traços perfeccionistas em alguns elementos em contraposição com enigmas esfumaçados, o que revela contrastes significativos de duplo sentido: masculino e feminino; pintura como retrato de meio corpo que revela dada “realidade” e a transmuta; claro e escuro; desequilíbrio-equilíbrio entre planos e perspectivas etc.

A temática explorada por Da Vinci em sua Mona Lisa é a do enigma e da ambivalência entre opostos, figuras e traços. Racionalmente marcada, a des- proporção entre lados, planos e camadas, aliada à técnica do sfumato 8 8 Sfumato significa “tom baixo” ou “evaporar como fumaça”, enublar, tornar sombrio. Trata-se, segundo Graham-Dixon ( 2012, p. 113), da técnica usada em desenho e pintura para criar gradientes entre tonalidades, por meio de sombras em camadas. Trabalhado para realçar ou esmaecer planos e figuras, revela-se um dos quatro modos canônicos de pintura renascentista (somado ao cangiante, caracterizado pela fusão de cores; ao chiaroscuro, técnica de exploração de opostos entre claro e escuro; e ao unione, variação de sfumato que mantém o brilho das cores). O sfumato foi desenvolvido por Da Vinci, que o definiu como “sem linhas ou fronteiras, na forma de fumaça ou para além do plano de foco” (EARLS, 1987) e o quadro Mona Lisa difundiu a técnica como exemplo de nuances não delimitadas entre planos e elementos pictóricos. , revela a indissociabilidade entre claro e escuro, direita e esquerda, alto e baixo, masculino e feminino, definição e indefinição, natureza e humanidade.

Figura 3 –
Estudo de Mona Lisa, de Da Vinci, com extração cromática

A extração de temas, tonalidades e gradiência cromáticas feita pelas autoras 9 9 Para a extração cromática, utilizamos os programas Adobe Color, Canva e Colordot. Para a interpretação, fundamentamo-nos em Goethe ( 2013), Guimarães ( 2001), Haynes ( 2008), Heller ( 2013), Kandinsky ( 1970) e Stam ( 1992, 2008, 2010a, 2010b), além de dicionários de artes visuais. demonstra que Leonardo explora em sua pintura tons terrosos (da região de amarelo a vermelho) e sombrios. As camadas cromáticas caracterizam a Mona Lisa pela composição monocromática quente (escalas de amarelo, laranja e vermelho) com um toque frio (verde), marcado pela sobreposição “esfumaçada” de gradiência que exprime o degradê tonal da obra e revela a ambivalência dos mistérios indecifráveis do sorriso (e da identidade) da personagem.

O trabalho com os tons pastéis e terrosos, do claro (tom de pele da personagem retratada) ao escuro quase preto (do plano de fundo, misturado com um tom de verde para chegar ao degradê de cinza no alto da tela, de um céu nublado; e da roupa de Mona Lisa, nos quadrantes inferiores que alicerçam o meio corpo da mulher), aproxima os contrários (alto e baixo, frio e quente, natureza e humanidade, claro e escuro, entre outros) sem os fundir e, também, sem marcar limites definidos. A exploração desses tons terrosos solares e sombrios ao mesmo tempo remete à ambivalência que marca o mistério enigmático da obra, assim como, no filme (também usados), revela a tradição do clássico re-nascimento norte-americano (da “Nova Inglaterra”) pós-guerra, em embate com valores que rumam às revoluções dos anos 1960/70.

No filme, o brilho utilizado no tom sépia marrom-amarelado doura/ glorifica o período dos anos 1950 – “anos dourados” de ascensão econômica estadunidense e de repressão às mulheres que, sob o véu ( sfumato) de uma tradição de suas funções, voltam para o ambiente doméstico, os filhos e o marido, encarceradas pelos valores sombrios da “luz” da época.

As gradações de luz e sombra criadas pelo sfumato diluem a demarcação das linhas dos contornos dos elementos do quadro. Nessa obra de Leonardo, esse recurso cria a ilusão de que a paisagem se afasta do retrato (pintado com nitidez por oposição à paisagem esfumada), o que confere profundidade à composição. Em Mona Lisa, a técnica também é utilizada.

Os destaques de planos e a geometria de linhas, traços e formas (Figura 3), ao mesmo tempo que expressam um aparente descompasso entre os lados esquerdo e direito do quadro (desnível marcado pelas linhas do horizonte e da paisagem, no plano de fundo – destaque realizado pelas autoras pelas linhas 1 e 2 azuis no enunciado pictórico) encontra-se enquadrado harmonicamente no trabalho geométrico apresentado na pintura, em seu primeiro plano, piramidal (destacado pelas linhas amarelas), pois direciona os olhares dos espectadores.

Historicamente, os conceitos de masculino e feminino são expressos pelos lados da pintura: o esquerdo é feminino e o direito, masculino ( BENFICA; MOREIRA; RODRIGUES, 2019BENFICA, T. M. S.; MOREIRA, P. S.; RODRIGUES, T. S. O sagrado feminino no Código da Vinci. Psicanálise e Barroco, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 8-24, 2019.). As linhas azuis destacam o desnivelamento entre os lados da natureza no plano de fundo e do humano, nos planos central e primeiro. Ao dividirmos a obra ao meio, na vertical (linha vermelha vertical, passando pelo centro do quadro), o lado esquerdo (feminino) parece maior que o direito (masculino), o que revela hierarquia entre os gêneros. Esse descompasso se enquadra perfeitamente à geometria daobra, pois encontra-se quase aocentrohorizontaldela (oqueéflagradoaocortarmos o quadro ao meio – linha horizontal, vermelha).

O nivelamento (horizontal) em descompasso hierárquico (vertical), além de demonstrar a relação desigual entre masculino e feminino, também direciona o olhar do espectador, de baixo (base da pirâmide central, marcada pelas linhas amarelas), da terra, simbolizada pelas mãos (desenhadas com perfeição anatômica, em que a esquerda/feminina repousa sobre o braço de uma cadeira ou poltrona de madeira e, sobre ela, a mão direita/masculina) à cabeça e ao céu (pico da pirâmide, nos quadrantes superiores da tela) da Madona retratada, fixando-se nos olhos penetrantes (que nos olham 10 10 O efeito de movimentação dos olhos de Mona Lisa ocorre pela estrutura geométrica rigorosa do quadro. As divisões rígidas usadas por Leonardo para a composição do efeito ótico de movimentação situam os olhos da personagem no eixo que parte do centro horizontal (linha vermelha horizontal) para as subdivisões áureas (linhas brancas horizontais e verticais) – assim chamadas as álgebras com valor arredondado até três casas decimais, utilizadas na arte desde a Antiguidade e com ápice na Renascença, pela exatidão do pensamento criador, por isso, também chamadas de “proporção divina” ou “divisão em média e extrema razão”. O número Phi (nome do número de ouro, que é 1,618) é usado para demonstrar crescimento e representa o ideal de perfeição encontrado na natureza e, de maneira aproximada, no homem (falanges, ossos e dedos, por exemplo), o que sugere harmonia homem-natureza, tão cara a Da Vinci e explorada em Mona Lisa. Essa localização Phi no quadro causa vivacidade ao olhar da Madona que, de maneira intensa, observa quem a observa, sem se mexer. e, devido a esse descompasso, com a definição que apresentam e seu redor sombrio com o degradê do sfumato, parecem nos seguir, a depender da movimentação e do ângulo de contemplação) e na boca de sorriso enigmático de Lisa.

Se, pela visão lado a lado, o feminino/esquerdo é maior e mais iluminado (o lado esquerdo da tela possui cores trabalhadas com brilho, enquanto o lado direito é mais opaco) que o masculino/direito, sendo a Mona Lisa uma Madona inspiradora (de alta classe, “respeitável” e santificada, uma “senhora minha”), divina pelo poder de gerar a vida, justamente ao que se refere à natureza/biologia da mulher; a base inferior, terrena, revela que o feminino (mão esquerda), mesmo no poder (o braço da cadeira/poltrona pode remeter à classe social de pertencimento do sujeito retratado – a aristocracia), encontra-se sob o masculino/mão direita, que se acomoda sobre a esquerda/mulher.

Essa aparente contradição marca o posicionamento do autor-criador e a mentalidade renascentista, que agiganta a mulher-madona retratada do ponto de vista “natural” (que, sabemos, ser cultural e ideológico) e, ao mesmo tempo, denuncia a situação de opressão vivida pela mulher (mesmo a de alta classe que, em condição de poder, ainda se encontra submetida ao “poder do macho”, segundo Studart, que “repousa” sobre ela).

A pirâmide estrutural revelada pela posição corpórea da personagem reflete, a partir das mãos, uma luz que ilumina o regaço, o pescoço e a face da Mona Lisa e cria, nas superfícies vivas (claras), uma geometria subjacente de círculos que acentua o arco de seu sorriso.

O (enigmático) sorriso de Mona Lisa, título do enunciado fílmico analisado por nós, é caracterizado pelo mistério e pela ambiguidade típicos dos sorrisos discretos da Renascença. Livingstone afirma que a percepção do sorriso é captada pelas frequências visuais baixas da visão periférica ( BBC, 2006MARGARET Livingstone: Mona Lisa Smile Secrets Revealed. BBC, London, 2006. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment/2775817.stm. Acesso em: 8 fev. 2021.
http://news.bbc.co.uk/2/hi/entertainment...
). Talvez, por isso a utilização da técnica do sfumato e a pintura das sombras em camadas, especialmente, nas linhas de expressão dos olhos de Lisa, além das curvas do cabelo e da roupa, com eco nos traços ondulantes da paisagem.

O sorriso enigmático de Mona Lisa, no filme, refere-se a como o professor de italiano chama a professora de história da arte, Katherine Watson, recém- contratada de Wellesley. Katherine, no entanto, nada tem de discreta, dúbia ou conservadora. Ela é independente e autônoma – inclusive, perseguida por sua “modernidade”. Mas, se, aparentemente, o sorriso de Lisa se refere à professora, no decorrer da narrativa, uma cena revela que a crítica à hipocrisia é o conteúdo figurativizado pelo sorriso (metonímia) da madona de Da Vinci (quadro- metáfora), especialmente vivida por Betty, aluna que se transforma na trama.

Betty, reprimida pela mãe, reproduz o comportamento exigido sobre ela com suas amigas. Se, num primeiro momento, parece que tudo o que faz é seu posicionamento, no decorrer da trama a sua história se esclarece e sua opressão é revelada. Casa-se, finge ser feliz num casamento de fachada e, ao descobrir (assumir, na verdade) que é traída, resolve se divorciar, em choque com os valores falso-moralistas de sua mãe e da sociedade em que vive. Ao informar sua decisão à mãe, ela está na escola com uma réplica da Mona Lisa sobre a mesa (Figura 4), refletindo sobre a obra e sua vida, por identificação com a personagem:

Figura 4 –
Cena do filme O sorriso de Mona Lisa

A mãe chega e diz baixinho, bem próxima a ela: “eu não estou acostumada a ficar andando atrás de você”. Betty abaixa a cabeça e a mãe diz: “Elizabeth, olhe para mim […]. Não haverá divórcio. Sempre existe um período de adaptação”. Betty encara a mãe e diz: “olha isso, mãe”, apontando para o livro com o quadro de Da Vinci sobre a mesa. A mãe se volta ao livro e continua falando sobre o casamento de Betty: “Spencer vai fazer o máximo. […] ele está muito triste. Devia ligar para ele”. Betty, encarando a mãe, continua: “ela está sorrindo. Ela está feliz?”. A mãe responde: “o importante é não contar pra ninguém” e Betty prossegue: “ela parece feliz. E o que isso importa?”. A mãe fala para a filha, sorrindo: “querida, não lave sua roupa suja em público” e Betty, ainda encarando a mãe, afirma, em tom incisivo: “eu vou lhe dizer uma coisa: nem tudo é o que parece” 11 11 As falas foram transcritas a partir do inglês pelas autoras, com apoio da dublagem oficial. ( O SORRISO…, 2003, 102 min 4 s-102 min 42 segO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.), levanta-se e sai.

O movimento de câmeras entre Betty, sua mãe e Mona Lisa constrói um jogo de projeções que revela hipocrisia e coloca em tensão aparência e essência, temática que marca o tom da obra fílmica. A mãe tenta ser espelho para a filha e pede que ela se veja na mãe. Betty, por sua vez, pede que a mãe a veja em Mona Lisa. Enquanto Betty, no diálogo que troca com sua mãe, ao falar sobre o quadro de Da Vinci, fala sobre si, a mãe não a enxerga além de seus olhos-espelhos, que quer imitação desdobrada (um outro) de si, como o eu desdobrado em outro externo- interno, diante do espelho ( BAKHTIN, 2019BAKHTIN, M. O homem ao espelho. São Carlos: Pedro & João, 2019.).

A maneira como Betty encara a mãe é tão intensa e penetrante quanto o olhar de Mona Lisa. Seu sorriso, diferente do de sua mãe, não simboliza hipocrisia, mas melancolia e tristeza. Ao deixar a mãe sozinha, ela assume sua identidade e autonomia. Esse é o momento do salto de transformação da personagem-narradora.

Entre o que o retrato mostra (aparência) e o que é (essência), a personagem pintada, por projeção fílmica, semiotiza a ambiguidade vivida por Betty. Depois de decidir se libertar das amarras do machismo estrutural, Betty assume sua identidade para além das sombras que a esfumaçam. Ao mesmo tempo que ela se liberta, Katherine continua sua jornada e muda de cidade. Quem é a Mona Lisa do filme? Que projeções eu-outro ( BAKHTIN, 2009BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João, 2009., 2015BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. São Paulo: 34, 2015., 2019BAKHTIN, M. O homem ao espelho. São Carlos: Pedro & João, 2019.) se revelam entre quem pinta e quem é pintura, quem contempla quem? Outro enigma que aproxima o quadro e o filme. Compreendido o enigma de Mona Lisa, analisemos seu sorriso.

4

O sorriso de Mona Lisa

O filme, que se passa em 1953, conta a história de Katherine Watson, professora recém-contratada de História da Arte do Wellesley College, prestigiada escola americana para mulheres. Ao chegar, ela se depara com um contexto extremamente conservador, que mantém as alunas e o corpo docente num sistema tradicionalista que não permite quaisquer liberdades.

Chocada, a professora usa sua liberdade de cátedra para questionar as regras e incentivar suas alunas a pensarem por si só, questionando as normas sociais que sempre foram ensinadas a seguir cegamente. Apesar de encontrar dificuldades, ela inspira as jovens a seguirem o próprio rumo, em atos compreendidos como subversivos a um sistema opressor patriarcal.

As principais personagens-estudantes compõem um grupo formado por:

  1. • Betty, a personagem-narradora, editora conservadora do jornal da escola e maior crítica de Katherine, ela percebe, ao longo da trama, pelo que vivencia, as injustiças que sofre naquele sistema tradicional e se inspira na professora, pede divórcio do marido que a trai, desafia a mãe, que representa a voz conservadora da- quele tempo-espaço – ou cronotopo, conforme estuda Bakhtin ( 2018BAKHTIN, M. Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo. Rio de Janeiro: 34, 2018.) – e busca independência pela educação;

  2. • Joan, aluna dedicada, que desperdiça seu potencial e desiste de seu sonho de estudar direito e seguir carreira profissional para, por opção, casar-se e se tornar mãe e dona de casa;

  3. • Connie, sensível, com baixa autoestima e insegurança devido ao corpo robusto (considerado fora dos padrões da época), tenta agradar para ser aceita e passa, ao longo da trama, com as aulas de Katherine, a ser mais confiante e a lutar pelo que deseja;

  4. • Giselle, que sofre discriminação de outras alunas por sua liber- dade sexual, em atos reprovados socialmente, como se relacio- nar com homens fora do padrão (mais velhos, casados, seus professores), por usar métodos contraceptivos e ser filha de pais divorciados.

Depois de tentar resistir às amarras que tentaram usar para contê-la, de maneira autoritária, na escola, Katherine, no final do ano letivo, apesar de ser convidada a permanecer no quadro docente, com condições a serem cumpridas, deixa Wellesley, em busca de um novo emprego e de uma vida mais livre, por não concordar com o modo de vida e os valores que compõem aquela sociedade. Joan acomoda-se num casamento escondido. Connie assume seu relacionamento amoroso e é correspondida, o que aumenta sua autoestima. Giselle e Betty se tornam melhores amigas e vão morar juntas em Nova Iorque, no Village (bairro que ficou conhecido como ícone da contracultura norte-americana, berço da poesia beat e da sociedade alternativa), para fazerem ensino superior, num ato de subversão e busca de autonomia e liberdade, assemelhando-se à professora.

O Wellesley College é apresentado na narrativa como o colégio para mulheres mais tradicional do país. Tanto o corpo estudantil quanto o corpo docente são constituídos exclusivamente por pessoas brancas, dada a configuração da época. A abertura do ano letivo parece promissora, pois trata do conhecimento como luz emancipatória às mulheres:

Diretora: Quem bate à porta do saber? Joan: Eu sou todas as mulheres.

Diretora: O que você busca?

Joan: Despertar meu espírito por meio de muito trabalho e dedicar minha vida ao conhecimento.

Diretora: Então é bem-vinda. Todas as mulheres que desejarem segui-la podem entrar aqui. Eu, agora, declaro o ano letivo iniciado. ( O SORRISO…, 2003, 3 min 30 s-4 minO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.)

As estudantes adentram a escola pela capela do campus, ao som de canto gregoriano, como se esse atravessamento da porta (portal) simbolizasse um rito de passagem sacro. Embora o discurso de abertura do ano (e do filme) nos direcione para um lado, a estrutura da escola e da cidade caminham em outra direção, pois as normas do colégio são tão rígidas e conservadoras quanto as da cidade, em especial, para as mulheres. As disciplinas da escola que pretende preparar as “mulheres do amanhã”, calcada no que chama de saber, voltam-se a temáticas como fala, elocução, postura e etiqueta.

Os cursos mais reflexivos, como o de História da Arte, ministrado por Katherine, recém chegada da Califórnia, da maneira como são ministrados, não suscitam reflexão, apenas, como diria Foucault ( 1997FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1997.), “docilizam os corpos selvagens” das estudantes, uma vez que, no decorrer da trama, Katherine – que chega a se mudar de cidade e lutar para entrar em Wellesley, inspirada por esse ideal de busca por conhecimento – percebe que o discurso de emancipação da mulher pela educação não passa de uma falácia, e que o estudo ali é visto como pretexto para que as jovens entrem em um casamento de alta classe, o que torna Wellesley, na visão da professora, segundo a narradora, uma escola preparatória para casamentos.

As estudantes não são convidadas a pensar, mas sim treinadas a decorar manuais de informações – o que fica explícito já na primeira aula de Watson, em que a sala toda havia lido o livro-base do curso e decorado datas, títulos das obras e características descritas no material, ainda que nada interpretasse, questionasse ou opinasse.

A partir da segunda aula, ao modificar o método de ensino e sair do livro didático, as alunas, aparentemente tão preparadas, sentem-se perdidas, pegas de surpresa, uma vez que Watson leva outros materiais para a aula e elabora perguntas fora do roteiro esperado pelas estudantes, convidando-as a pensar fora do padrão, o que suscita reflexão, não apenas sobre arte, mas, a partir das obras estudadas, sobre a vida. Esse processo, visto no filme, remete-nos à concepção bakhtiniana de diálogo entre arte e vida “fora da caixa” (em alusão à aula ministrada por Katherine sobre Van Gogh). Essa relação é vista como reflexo, refração e dupla refração. A estratégia dialógica arte-vida é o recurso mais explorado pela obra fílmica, o que também justifica a fundamentação teórica utilizada por nós para ancorar este artigo.

Conforme indagações e reflexões são realizadas ao longo da trama, as personagens se alteram e sua (trans)formação ocorre como processo de formação educacional e humano. Esse é o medo (até hoje) da voz tradicional com a educação e o pensamento livre. Por isso, sua demonização, na tentativa de calar vozes dissonantes e apagar diferenças valorativas – o que ocorre por meio de movimentos como o Escola sem partido; da divulgação de um viés do que é científico e merece recurso público (ou não); da desvalorização da educação, da pesquisa e dos professores, considerados “perigosos” e “doutrinadores”. Essas movimentações valorativas não são diferentes do que ocorre no filme que, aliás, reflete sobre e refrata questões sociais existentes e historicamente marcadas no pequeno tempo (dos anos 1950) e no grande tempo da história – uma vez que essas são questões, de certa forma, universais, e atravessam os tempos. Ainda que uma obra de ficção, como indicam Bakhtin ( 2010aBAKHTIN, M. Cultura popular na Idade Média e no Renascimento – o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010a., 2010bBAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense, 2010b., 2011BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.), Medviédev ( 2012MEDVIÉDEV, P. M. O método formal nos estudos literários: uma introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2012.) e Volóchinov ( 2013VOLÓCHINOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João, 2013., 2018VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2018., 2019VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia. São Paulo: 34, 2019.), a arte parte do solo social e se volta a ele.

Há muitas referências artísticas no filme, além do quadro de Da Vinci que o intitula e permeia todo o enunciado narrativo (não apenas na forma de tela, mas em diálogo com outros discursos estéticos, compostos a partir da pintura, como a canção “ Mona Lisa”, por exemplo, entoada na festa de casamento de Betty).

Alguns outros exemplos são: Bach, canto gregoriano, big band, Soutine, Pollock, Picasso, Michelangelo, Van Gogh, Chaucer, Adams, entre outros. Não os analisaremos, pelo objetivo do artigo, devido à extensão do estudo. Mas podemos dizer que, em geral, as obras modernas e clássicas aparecem como contraposição de valores de vozes sociais, respectivamente, mais libertárias, inovadoras; e tradicionais, conservadoras – como colocado pelo diretor, numa cena em que ele questiona a dissertação de mestrado de Katherine sobre Picasso, alegando que a arte moderna não deve receber atenção e não se compara ao clássico Michelangelo (cita a Capela Sistina, conhecida pela criação do mundo e do homem).

Destacamos a aula sobre Van Gogh, em que a arte aparece como forma de reflexão para o pensamento massivo. Katherine destaca a recusa do pintor em vender suas obras e a incompreensão da época com sua genialidade, bem como questiona o que foi feito com sua arte a partir das reproduções que a transformam em produto de consumo (calendários, cartões postais, selos, jogos etc.): “Van Gogh em fascículos”, como afirma, com ironia, Giselle.

A partir da crítica à massificação da arte, Katherine reflete sobre a homogeneização do pensamento e do comportamento:

vejam o que nós fizemos com o homem que se recusou a adaptar seus ideais ao gosto popular, se recusou a comprometer sua integridade. Nós o colocamos dentro de uma caixinha e pedimos que vocês o copiem. Então, a escolha é de vocês, meninas. Podem se conformar com o que as outras pessoas esperam ou vocês podem.

Ela é interrompida pela chegada de Betty: “eu sei. Sermos nós mesmas” ( O SORRISO…, 2003, 58 min 5 s-60 min 45 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.).

Essa cena é importante porque marca o embate direto entre Katherine e Betty, num diálogo de coação entre ambas que se desdobra num editorial, escrito por Betty, que condena o comportamento de Katherine, e esta a responde na aula subsequente. Nesse momento, a professora deixa de ser a Mona Lisa e semiotiza o incompreendido Van Gogh, por se recusar a se “enquadrar” aos padrões ultraconservadores simbolizados e preconizados por Wellesley.

Ao ser cobrada por Katherine por ter perdido aulas, avaliações e ter comprometido sua frequência, Betty a ameaça e Connie informa Katherine que os professores fazem “vistas grossas” às ausências das alunas recém-casadas, uma vez que cumprem com sua função social de Tradwives da época. O diálogo que desemboca no editorial de condenação social de Katherine, escrito por Betty, explicita as vozes sociais semiotizadas pelas personagens:

Katherine: Quem bom que está conosco, Senhora Jones. Pensamos que não voltaria.

Connie: Aqui, existe um costume, as senhoras casadas (é interrompida).

Katherine: Desde o seu casamento, você perdeu seis aulas, um trabalho e uma avaliação.

Betty (com um sorriso irônico): Bom, Graças a Deus, eu não perdi a aula de pintura por números (todas riem e Betty continua, agora, em tom sério). Eu estava em lua-de-mel e ainda tinha que cuidar da casa. (Vira-se para uma aluna e diz.) O que que ela esperava?

Katherine: Frequência.

Connie: A maioria dos professores faz vista grossa quando as alunas casadas perdem algumas aulas.

Katherine: Então, por que não se casam ao entrarem aqui? Dessa forma, podem se formar sem nem precisar botar os pés aqui no campus.

Betty: Não despreze nossas tradições só porque é subversiva. Katherine: Não desrespeite essa aula só porque você é casada. Betty: Não me desrespeite só porque você não é.

Katherine: Venha às aulas, faça os trabalhos ou eu a reprovo. Betty: Se me reprovar, haverá consequências.

Katherine: Está me ameaçando?

Betty: Estou te educando.

Katherine: Esse é o meu trabalho. ( O SORRISO…, 2003, 60 min 58 s-61 min 55 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.)

Conforme o diálogo fica mais tenso, as personagens mudam seus tons prosódicos de voz, expressões faciais e corporais, aproximam-se e se afastam, e as tomadas de câmeras as pegam, em movimento pingue-pongue, com um jogo que constrói a intensidade e a tensão crescente da cena em duelo (Figura 5) entre as personagens e as vozes sociais que representam:

Figura 5 –
Cena do filme O sorriso de Mona Lisa

A inversão de Betty, que se coloca como “educadora” da professora, como porta-voz de uma classe social conservadora que dita as regras do local (escola e cidade) e do tempo (anos 1950) retratados, marca sua postura autoritária e condenatória que a leva à elaboração do editorial sobre Katherine, relacionado às propagandas pós-guerra, já citadas neste artigo.

Desde o início do filme é explicitado o embate entre as vozes sociais semiotizadas por Betty (símbolo de uma voz tradicional) e Katherine (representante de uma voz social que reivindica pensamento e vida livres). Betty reproduz os valores tradicionais ensinados pela mãe, que prepara seu casamento; e Katherine se recusa a perpetuar esses padrões, o que se explicita quando é surpreendida com uma aula de etiqueta ministrada por Nancy em sua casa, em que as alunas ouvem que “sua única responsabilidade na vida será cuidar do seu marido e filhos” ( O SORRISO…, 2003, 23 min 47 s-23 min 51 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.) (como acredita e tenta revitalizar, hoje, o movimento Tradwives) e que “[…] a nota que mais importa é a que ele (referindo-se ao marido) lhe dá” ( O SORRISO…, 2003, 23 min 59 s-24 min 2 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.).

Watson se recusa a permanecer naquele tempo-espaço (o que denota sua resistência àqueles padrões) e vai a um bar. Lá, encontra Bill, professor de italiano, que lhe indaga sobre sua vida afetivo-amorosa: “você tem namorado?” e Katherine responde que sim. Ele continua: “se fosse minha namorada, eu não te deixaria ir”, ao que Katherine responde: “não teria pedido a sua permissão”. Bill solta um riso sarcástico e comenta: “e dizem que é progressista. Ideias avançadas…você é?”. Katherine o interrompe e responde com tom de crítica ao que tem vivenciado nos últimos dias: “existem muitos rótulos aqui, eu percebi. Família certa. Escola certa. Arte certa. Forma certa de pensar” ( O SORRISO…, 2003, 29 min 53 s-30 min 21 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.).

Embora cada personagem tenha papel fundamental no discurso, pois apresenta seus conflitos internos e simboliza perfis de mulheres, com questões específicas e com pontos comuns, focamo-nos, aqui, nas duas possíveis Mona Lisas da obra fílmica: Katherine, a professora de história da arte; e Betty, a aluna- narradora da trama.

5

Katherine Watson e Betty Warren: Mona Lisa em jogo

Betty e Katherine semiotizam vozes sociais de valorações opostas que, em diálogo, afetam-se mutuamente. Betty, em especial, transforma-se no processo de autoconhecimento pelo qual passa, o que revela o enigma do sorriso de certa Mona Lisa, ela. Dentre tantos embates entre as personagens, as cenas emblemáticas de explicitação de suas vozes e valores sociais ocorrem no centro da trama fílmica (O SORRISO…, 2003, 67 min 35 s-71 min 53 s), com o boletim escrito por Betty sobre Katherine e a posterior aula de Katherine, em resposta a Betty.

Essa é a única aula em que Katherine não leva obras de arte para serem analisadas, mas sim cartazes de propagandas típicas da época, em resposta à menção feita por Betty em seu editorial a elas e ao que considera “dever da mulher”. Essas duas cenas se relacionam ao contexto pós-guerra e com o discurso e os valores do movimento Tradwives, na contemporaneidade.

No enunciado fílmico, enquanto Betty narra o boletim escrito por ela, passam imagens dela posando para fotos de propagandas sobre as estudantes de Wellesley, consideradas “mulheres do amanhã”, em referência às mulheres do pós- guerra, que voltam para casa com, como afirma Nancy, a “única responsabilidade de cuidar do marido e dos filhos”. Em seu boletim, Betty escreve e narra, enquanto é fotografada como modelo (Figura 6) tradwife que:

As alunas casadas de Wellesley têm se adaptado bem e cumprido suas obrigações. Ouve-se comentários do tipo: “Eu consigo regar o frango com uma das mãos e, com a outra, eu faço resumo”. Enquanto nossas mães foram chamadas para a força de trabalho em nome da liberdade, é nosso dever, não obrigação, recuperar nosso lugar no lar, cuidando dos filhos que carregarão nossas tradições para o futuro. Nós devemos parar e considerar porque a Senhorita Watson, professora de História da Arte, decidiu declarar guerra ao santíssimo sacramento do casamento. Seus ensinamentos subversivos e políticos incentivam nossas garotas de Wellesley a rejeitar os papéis que nasceram para desempenhar. (O SORRISO…, 2003, 67 min 48 s-68 min 43 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.)

Figura 6 –
Cena do filme O sorriso de Mona Lisa

Em resposta, na aula subsequente, Katherine apresenta seu ponto de vista às alunas da sala de Betty, com ela presente, enquanto projeta slides (Figura 7) de cartazes das propagandas de mesmo teor que as realizadas por Betty, com um ponto de vista crítico contrário à voz social valorativa disseminada pela estudante em seu editorial, no boletim da escola:

Figura 7 –
Cena do filme O sorriso de Mona Lisa

O discurso de Katherine, em tom emotivo-volitivo exaltado/afetado, denuncia a opressão histórica exercida sobre as mulheres, a partir das propagandas dos anos 1950, relacionada à pop arte, ao pensar a massificação que enquadra o ser humano e projeta para o futuro os atos do presente, concebidos como atos históricos que identificam o homem e sua época:

Katherine: Slide. Arte contemporânea. Connie: Não, isso é só um anúncio.

Katherine (em tom formal e austero): Silêncio. Hoje, vocês só vão ouvir. O que as alunas de amanhã verão quando nos analisarem? O retrato da mulher de hoje?

(E a câmera focaliza o cartaz do primeiro fotograma em close, enquanto a personagem respira, numa pausa reflexiva)

Aqui estão vocês, meninas. A perfeita imagem de uma graduada de Wellesley, magna cum laude, fazendo exatamente o que ela foi treinada para fazer. Slide. Uma universitária de Rhodes. Será que ela (voltando-se para o cartaz do fotograma 2)

recita Chaucer enquanto passa as camisas do marido? O próximo. (e Katherine fala cada vez mais alto e rápido, num andamento prosódico de exaltação que revela o seu estado emotivo-volitivo de indignação, mágoa e revolta e, prossegue, com lágrimas nos olhos e riso sarcástico)

Agora, as boas em física podem calcular a massa e volume de todos os assados que prepararem.

(a câmera mostra a sala e o cartaz do fotograma 3) Próximo.

(vira-se para o cartaz do fotograma 4 e, em tom alto e indignado:) Uma cinta para libertar vocês. O que significa isso?

(Pausa. A câmera foca no rosto de Betty, que baixa os olhos; e se volta às costas de Katherine, que se encontra de frente para o slide e repete) O que significa isso?

(Pausa. Baixo e devagar) O que significa?

É, eu desisto. Vocês venceram. As mulheres mais inteligentes do país. Eu não percebi que exigindo excelência, eu estaria contrariando… o que diz aí

(anda e pega um jornal com a publicação do editorial de Betty e lê)… o que diz? Ah… “os papeis que nasceram para desempenhar”. Não é isso? Nasceram para desempenhar…

(Pausa. Esboça um sorriso com lágrimas nos olhos e fala em voz baixa, quase em tom confessional)

O erro é meu.

(Pausa e, caminhando para a porta, saindo da sala)

Aula encerrada. ( O SORRISO…, 2003, 69 min 11 s-71 min 42sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.)

A sala, com a saída de Watson, fica em silêncio, a câmera corta a cena depois de 3 segundos para que sintamos o clima pesado, ambientado pela sala sombria, com toda a turma no escuro, calada e sem ação. O papel do silêncio é fundamental para retratar o tom emotivo-volitivo da cena, em conformidade com a cenografia e a verbalidade entoada na narrativa.

As propagandas dos anos de 1950 (Figura 8), com tom “idealista”, tornaram- se ícones da opressão da mulher, uma vez que a colocam como servil. Os anos 1950 foram um dos períodos mais profícuos nesse sentido – por isso, considerados “anos dourados” pelo movimento Tradwives. Os cartazes da época aparecem em diversos momentos do filme, sempre como conselho de como agir e o que consumir para conquistar um homem e, com isso, ser feliz (caso do anúncio do cigarro Camel, lido, em close, por Connie, por exemplo).

O encerramento do filme, depois de terminado o enredo, enfatiza a importância desses enunciados, como forma de divulgação e de denúncia. Junto com o letreiro, um compilado (Figura 8) de flashes de trinta propagandas da época (impressas e em vídeo, bem como cenas de programas) finaliza o acabamento do filme, relacionado, tanto às fotografias feitas por Betty, quanto aos cartazes usados por Katherine, cada qual com valorações distintas.

Figura 8 –
Cena do filme O sorriso de Mona Lisa

Betty semiotiza a voz social superestrutural hegemônica patriarcal que reproduz esses modelos impostos às mulheres, como compilado no final do filme (Figura 8), seja como mão-de-obra barata (fotogramas 1, 2, 9) na época de guerra, seja como “Miss” (fotogramas 26 e 27), colocadas como competidoras em programas de TV, em pleno exercício de atividades domésticas (fotogramas 15, 16, 29), como reprodutoras (fotograma 24), felizes por serem casadas (fotogramas 5, 8, 12, 13) e com eletrodomésticos de ponta para a época (fotogramas 6, 7, 17, 18, 19, 20), na moda, maquiadas e divertindo-se (fotogramas 3, 4, 10, 11, 21, 22, 23, 25), mesmo ao desempenharem papel de objeto (fotogramas 14, 28), pois esse seria o sentido de existência “tradicional” de e para a mulher, que deveria se sentir bem sucedida (fotograma 30) por cumprir, como escreve Betty em seu boletim, “o papel que nasceram para desempenhar”.

Katherine, por sua vez, repele esses papéis e modelos. Ela semiotiza a voz social oposta, de libertação da mulher. Por isso, incentiva, em suas aulas, as alunas a não se conformarem a reproduzirem o que quer que seja (o conteúdo de um livro ou determinado comportamento). Um enunciado muito usado por ela é “ver além da imagem”.

Com isso, estimula as mulheres a observarem a arte (e a si mesmas) fora dos limites engessados por críticos conservadores, a contemplarem e analisarem as obras (e suas vidas) sem preconceitos ou amarras, a partir de seus respectivos lugares de fala ( RIBEIRO, 2019RIBEIRO, D. Lugar de fala. São Paulo: Pólen, 2019.).

Watson representa as forças centrífugas, dispersivas, contrárias à tendência homogeneizante centralizadora das forças centrípetas superestruturais sistêmicas da tradição, semiotizadas por Betty. Katherine, mulher empoderada numa sociedade patriarcal conservadora, professora que se autossustenta, sujeito da classe trabalhadora com certo poder, emancipada pelo conhecimento, de opiniões próprias e comportamentos fora dos padrões estabelecidos (estar solteira por escolha, sem amarras enraizadas num lugar etc.), é vista como “perigosa”, por querer “fazer a diferença”, como ela mesma afirma no final.

Dado o sucesso de suas aulas com as alunas, o conselho da escola, símbolo de poder, sente-se obrigado a recontratá-la, convidando-a a permanecer na escola sob condições de subserviência profissional (adotar os métodos do colégio, o que tolhe sua liberdade de cátedra) e pessoal (intervenção na conduta e nos relacionamentos da docente). Com isso, forçam Katherine ou a se submeter aos padrões estabelecidos ou, conhecendo sua posição, a ir embora. Ela se recusa a permanecer, pois as exigências do Conselho significam o apagamento de seu sujeito e da voz social que semiotiza (da luta pela liberdade das mulheres).

Quanto mais fortes as forças centrífugas, mais fortes as forças centrípetas, ou seja, quanto maior a rebeldia, maior a repressão. Por seu comportamento e opinião diferentes, tentam silenciá-la, apagar o que a define como sujeito, pois, se o sujeito existe e se constitui pelos seus atos, pelos seus posicionamentos, a dominação de suas ações é a dominação de sua existência.

A aula sobre a massificação de Van Gogh apresenta a condição que o Conselho tenta impor a Katherine: forçar ao molde o sujeito que se destaca por sua recusa a conformar suas ideias às normas que lhe são impostas. Nada fora da caixa. Em Wellesley, nos anos 1950 ou hoje, no Brasil e no mundo. Para uma sociedade que aposta na felicidade “em fascículos”, na reprodução de padrões e na massificação dos sujeitos, a arte e o artista genuínos são incompreendidos, pois a preferência ocorre pela “arte [vida] em números”.

As questões de gêneros são indissociáveis das questões de raça e classe, como afirma Davis ( 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.), em consonância com Saffioti ( 1987SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.), que trata do nó “capitalismo-racismo-patriarcado”. Isso nos faz compreender o motivo de algumas alunas optarem por defender o padrão existente, posicionando-se contrariamente às causas feministas e condenando as mulheres que se portam de forma diferente da delas e do establishment.

Para Saffioti ( 1987, p. 87SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.),

seria impossível obter a adesão de todas as mulheres a uma luta contra as discriminações sexuais. Existirá sempre um certo número de mulheres que, embora dominadas por homens, sentir-se-ão recompensadas através de seus privilégios de classe.

Essas mulheres, sem se darem conta, conspiram com o patriarcado na subordinação da mulher ( HOOKS, 2020HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.), como ocorre com a mãe de Betty, que condena Katherine, Amanda, Giselle e a sua filha, a quem oprime e exige subserviência e reprodução do padrão tradicional de poder que ela mesma representa, do lugar de fala de sua classe social (branca e rica).

Nas relações amorosas em que Katherine se envolve durante a narrativa, os homens tentam colocá-la no papel de submissa. Katherine deixa claro, em diversos momentos da trama, que compreende o casamento como opcional, possível, mas não o sentido de sua existência.

Bill não é questionado por suas ações sexuais antiéticas. Watson é malvista quando se relaciona com ele, sendo, ambos, professores. Isso ocorre porque, conforme Beauvoir ( 1980, p. 663BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.),

A mulher que se liberta economicamente do homem nem por isso alcança uma situação moral, social e psicológica idêntica à dele. A maneira por que se empenha em sua profissão e a ela se dedica depende do contexto constituído pela forma global de sua vida. Ora, quando inicia sua vida de adulto, ela não tem atrás de si o mesmo passado de um rapaz; não é considerada de maneira idêntica pela sociedade; o universo apresenta-se a ela numa perspectiva diferente.

A diferença revela a repressão sexual à mulher e a liberdade ao homem. Para Beauvoir ( 1980, p. 358BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.),

A civilização patriarcal destinou a mulher à castidade; reconhece-se mais ou menos abertamente ao homem o direito de satisfazer seus desejos sexuais ao passo que a mulher é confinada no casamento: para ela, o ato carnal, não sendo santificado pelo código, pelo sacramento, é falta, queda, derrota, fraqueza; ela tem o dever de defender sua virtude, sua honra; se “cede”, se “cai”, suscita o desprezo.

Katherine, Amanda e Giselle semiotizam o desrespeito, a discriminação e o preconceito sofridos pelas mulheres que não seguem as normas de comportamento impostas. O sistema é cruel e as exclui apenas por serem diferentes, cada qual a seu modo.

6

“Além da imagem”: ver a si com outros olhos

A transformação de Betty demanda destaque. Se, em dois terços do filme, ela semiotiza a voz patriarcal, inclusive como autora do jornal da escola 12 12 Suas publicações, a exceção da última, em que homenageia Katherine, são utilizadas como forma de ataque a sujeitos e comportamentos que ela julga inadequados. Ela usa o jornal como forma de propagar a voz social dominante para um público maior, com tom condenatório. , no último terço, ela vive o dilema de ver ruir suas concepções ao vivenciar um casamento arranjado.

Ao assumir a ideologia dominante, não apenas em seus editoriais, mas cotidianamente, Betty, na primeira parte da obra, submete-se às tradições do sistema e as assume como desejo seu. Em diversos momentos, ela se refere ao casamento como seu maior sonho.

A imposição do espaço doméstico lhe é tão naturalizada que se torna desejável, assim como a aquisição de eletrodomésticos avançados para a época (máquina de lavar roupas, entre outros) que, além de revelarem a condição econômica da família, também semiotizam um aparente “avanço”, que serve de pretexto para acorrentar a mulher, uma vez que parece libertá-la, num engodo capital, pois, como afirma Beauvoir (1980, p. 410BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.) sobre a condição da mulher no casamento,

A mulher, casando, recebe como feudo uma parcela do mundo; garantias legais a protegem contra os caprichos do homem; mas ela torna-se vassala dele. Economicamente ele é o chefe da comunidade, é portanto ele quem a encarna aos olhos da sociedade. Ela toma-lhe o nome, associa-se a seu culto, integra-se em sua classe, em seu meio; pertence à família dele, fica sendo sua “metade”. Segue para onde o trabalho dele a chama; é essencialmente de acordo com o lugar em que ele trabalha que se fixa o domicílio conjugal; mais ou menos brutalmente ela rompe com o passado, é anexada ao universo do esposo, dá a ele sua pessoa, deve a ele a virgindade e uma fidelidade rigorosa.

Entretanto, no casamento, Betty toma consciência de sua condição e a sua infelicidade (o “sonho” desfeito diante da realidade da falta de afeto, respeito e valorização) a leva a questionar as normas que sempre defendeu. Ao se ver desamparada pela mãe, desprezada, não-amada nem desejada e rejeitada pelo marido, solitária e oprimida pelo sistema, representado pela mãe, que a obriga a parecer feliz (o sorriso hipócrita da vida social de uma Mona Lisa), ela passa por um looping e isso faz com que consiga compreender Katherine.

Sua reviravolta não ocorre com uma simples virada de chave. Trata-se de um processo. E a personagem que a ampara, Giselle, é condenada a trama toda por ela, considerada “devassa”, pela liberdade sexual que se permite em relacionamentos não convencionais e por ser filha de um casal divorciado – o que é condenável na época (e, para certas mentalidades, até hoje). O colo que Betty encontra em Giselle é essencial, e a cena de projeção é controversa (Figura 9): Betty ataca Giselle, aos gritos, e imputa a ela (seu outro), o valor social com o qual imagina ser julgada. Ao falar de Giselle, Betty fala sobre si, o que se revela no final:

Figura 9 –
Cena do filme O sorriso de Mona Lisa

Betty: Ele paga você pelo sexo? Porque, da maneira que está indo, você pode ficar rica.

Joan a adverte: Betty!

Betty, aproximando-se de Giselle (que se levanta, sem responder), com expressão facial fechada e austera, continua, subindo o tom cada vez mais: Todo mundo pensa isso. Sabe o que estão dizendo? (Já bem próxima de Giselle, em suas costas, com tom acusatório e expressão facial cerrada) Que você é uma prostituta. Que depois que todo muito te experimentar, vão te deixar de lado, feito um pano velho. Joan se levanta e tenta intervir: Betty pare, agora.

Betty não dá ouvidos e continua, mais alto e mais brava: Os homens que você ama não querem você. O seu pai não quer você.

Giselle, desconsertada, apenas pega um suéter e, andando, fala para Betty, em tom suave: Eu quero falar com você lá embaixo.

Betty continua, aos berros: O professor Dunbar Connie tenta interrompê-la: Betty, já chega.

Mas ela prossegue: todo mundo sabe que você fica rondando a casa dele. Deve ser uma tortura correr atrás de um homem que nem se importa com você (Giselle para e se vira para Betty, calada. Ficam frente a frente, como num espelho, e Betty não para), que está apaixonado por outra, que odeia você. Ele odeia você.

Giselle: Betty (Betty não para, agora, grita aos prantos).

Betty: E isso dói (Giselle a abraça). Não. Me solta, me solta (Enquanto ela chora, Giselle, com uma onomatopeia, pede silêncio e continua a abraçá-la. Betty para e chora por cinco segundos. A câmera mostra Joan com os olhos cheios d´água e Connie com expressão de espanto. Depois, volta-se a Betty e Giselle).

Betty: Ele não me quer. Ele não me quer…ele não transa comigo… ( O SORRISO…, 2003, 95 min 31 s-96 min 47 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.)

O final da cena, tensa, mostra a estratégia de projeção do eu ao outro, como espelho, em que o drama se explicita na imagem que o “eu” tem de um outro (um outro-eu), de fora, desdobrado de si. Seja esse outro um sujeito pictórico, como é o caso de Mona Lisa, Van Gogh e as mulheres das propagandas; seja um sujeito- personagem do filme, como ocorre entre Betty e Giselle, Betty, sua mãe e Mona Lisa (Figura 4), Betty e Katerine (Figura 5), entre outras.

As figuras 4, 5 e 9 mostram o quanto o filme explora os tons terrosos em sépia e com sombras, alguns momentos, esfumaçados, em alusão ao trabalho cromático da pintura de Da Vinci. Uma outra projeção, nesse caso, metalinguística, marca a identidade arquitetônica da obra e o diálogo entre artes (pictórica e fílmica), mídias (cinema, jornal e propaganda) e história para tratar, com dada forma composicional, o conteúdo temático crítico à opressão da mulher.

De acordo com Volóchinov ( 2018, p. 93VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2018.), “as categorias de avaliação ideológica (falso, verdadeiro, correto, justo, bom etc.)” podem ser aplicadas ao signo, pois “tudo que é ideológico possui significação sígnica”. Em uso, o sujeito imprime carga valorativa ao signo e, nesse movimento, ele vive, em jogo ou, como afirma o autor russo,

[…] apenas esse cruzamento de acentos proporciona ao signo a capacidade de viver, de movimentar-se e desenvolver-se. Ao ser retirado da disputa social acirrada, o signo ficará fora da disputa de classes, inevitavelmente enfraquecendo, degenerando em alegoria e transformando-se em um objeto de análise filológica e não da interpretação social viva. ( VOLÓCHINOV, 2018, p. 113VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2018.)

A carga valorativa que Betty e Katherine adicionam à expressão “dona de casa”, com suas visões de mundo contrastantes, altera a significação do signo. Para Betty, “dona de casa” assume a carga incutida pela ideologia dominante e tem valor positivo, pois representa a “boa” mãe e esposa, que cumpre papel divino de mulher obediente e respeitável. Com seu posicionamento, Katherine incute ao signo valoração negativa, de mulher alienada e vítima de uma sociedade opressora que a trata como vassala. Todavia, durante seu processo de emancipação, o ideal “dona de casa” é ressignificado por Betty, que passa a inserir nele um valor parecido com o de Katherine. Esta fica chocada ao perceber, pelo posicionamento de Joan, que tem uma visão também preconceituosa da expressão “dona de casa”. Joan usa o discurso emancipatório de Katherine de forma ressignificada. Se, por um lado, ela tem razão sobre o esvaziamento da mulher-dona-de-casa, por outro, ela distorce o que Katherine diz para justificar sua decisão de obedecer e seguir o sistema. Ela representa a ideia de que “mulheres podem ser feministas sem fundamentalmente desafiar e mudar a si mesmas ou à cultura” ( HOOKS, 2020, p. 23HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.). Essa visão remove o aspecto político do feminismo, esvaziando-o em um movimento que não representa dano ao sistema.

A cena final do filme se centra na narração de Betty, que escreve novamente sobre Katherine, com outro olhar: assim como Van Gogh que, ao se mudar para Paris e ser influenciado pelo impressionismo, passa a pintar natureza morta, como a tela dos girassóis, usada no filme, Betty passa a ter um outro olhar sobre arte, sobre si, sobre os valores nos quais acreditava e sobre o “modelo” de vida inculcado a ela como “perfeito”, a partir do que vivencia e em contato com outros (Katherine, Giselle etc.).

Uma natureza morta ganha vida: como faz o pintor holandês ao usar cores vibrantes e quentes em quadros de temáticas aparentemente frias, com seu estilo que causa movimento às imagens, que saltam do quadro estático, Betty passa a inserir cores quentes (novos objetivos e novos sentidos) à sua vida e a Katherine, antes por ela condenada.

Katherine e Betty passam a semiotizar a mesma voz social libertária. Trata-se de dois sujeitos, mas, com a transformação de Betty, uma voz social. No enunciado, Katherine aparece escrevendo a Betty, e a câmera muda para a máquina de escrever de Betty no meio de uma frase escrita por Katherine, e a cena continua com a narração de Betty. O boletim final recebe a assinatura de Betty, mas também apresenta a voz de Katherine porque, no fim, as personagens-protagonistas se fundem, em projeção, por meio de uma mesma voz social:

Katherine (que escreve a todas as suas alunas, ao escrever para Betty): Querida Betty, eu vim para Wellesley porque eu queria fazer a diferença, mas mudar pelos outros é

(a câmera corta para a máquina e a fala/voz de Betty)

Betty: mentir para si mesma. Minha professora, Katherine Watson, vivia segundo sua própria definição e não comprometeria isso. Nem por Wellesley. Eu dedico esse meu último editorial a uma mulher extraordinária, que viveu o exemplo e nos levou a enxergar o mundo através de outros olhos. Quando lerem isto, ela estará indo para a Europa, onde eu sei que ela encontrará novos muros para quebrar e novas ideias para substituir. Eu soube que ela foi chamada de covarde por ir embora. “Uma errante sem propósito”. Mas, nem todo errante é sem propósito, especialmente aquele que busca a verdade. Além da tradição. Além da definição. Além da imagem. ( O SORRISO…, 2003, 110 min 20 s-111 min 39 sO SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Lewell. Estados Unidos: Revolution Studios; Columbia Pictures, 2003. 114 min.)

O ponto de vista de um sujeito emancipado dos valores conservadores marca o último boletim de Betty. Mais que valorizar Katherine, ela se espelha em sua liberdade e na resistência da arte de Van Gogh, que se recusou a se vender, assim como Katherine, que recusou o convite da direção para permanecer em Wellesley sob as condições impostas e ainda na ambivalência dos olhos e do sorriso enigmáticos, nítidos e esfumaçados, sem limites, de Mona Lisa.

7

Considerações finais

O ideal de mulher como ser que deve se dedicar ao lar, ao marido e aos filhos existe e vem sendo propagado de diversas formas há tempos. Como dissemos, esse modelo tem sido revitalizado pelo movimento Tradwives desde 2018. Enunciados de autoridade e autoritários têm apoio nas esferas religiosa, política e midiática.

O fundamentalismo religioso e biologizante divulgado pela classe dominante reforça imagens ideológicas opressoras, que inferiorizam e escravizam as mulheres, embalado por “mandamentos” que as objetificam para que o sistema patriarcal se mantenha e o poder se sustente nas mãos de homens brancos de elite, amparados pelas mulheres, parte de suas costelas 13 13 Não por acaso, a associação secreta das alunas, no filme, chama-se CA, abreviatura de Costelas de Adão. , sem serem vistas e sem terem voz própria.

A crítica à reprodução existente no filme, mais que se referir à arte, como marca estilística autoral e fílmica, volta-se à vida, ao que se exige ou se permite às mulheres: reproduzir filhos (como mães), reproduzir nos filhos (pela educação patriarcal), em seus atos, uma tradição que as desumaniza, ainda que tente parecer um passaporte de felicidade e sentido de existência. Descortinar a fumaça para enxergar “além da imagem” (Figura 10) significa desvendar o enigma de um sorriso nem sempre feliz, mas artificial, pousado em convenções.

Figura 10 –
Cena do filme O sorriso de Mona Lisa

Na aula de Katherine sobre a Mona Lisa, a sua última em Wellesley, as alunas, em contraste com a primeira, em que respondiam “decoreba” do livro didático, debatem sobre os sentidos da obra. Depois de um ano letivo, enxergam, por meio da pintura, os seres que são em suas relações com Mona Lisa-Katherine- Betty. Ângulos e visões diferentes, as Mona Lisas têm seus sentidos e seus sorrisos enigmáticos captados, sem serem decifrados.

Para homenagear a professora incompreendida, as alunas utilizam a aula sobre Van Gogh e pintam, cada uma, uma tela, todas reproduções do quadro Doze girassóis numa jarra (primeiro fotograma da Figura 5). A ideia é de Joan, a aluna que escolhe reproduzir o papel conservador de esposa e dona de casa. Ela propõe que as alunas reproduzam Van Gogh, mesmo, na aula, sendo a reprodução (de técnicas de pintura, ideias e comportamentos) “em caixas” a grande crítica feita pela professora, que, ao questionar a redução da arte de Van Gogh, diz às alunas que elas podem decidir entre conservarem seus papéis de “segundo sexo”, imputados pela sociedade tradicional à mulher; ou assumirem suas vidas e, com isso, subverterem a ordem patriarcal falocêntrica. Mesmo a ideia sendo a de homenagem ( Joan: “De que outra forma lembrará de nós?”), a escolha é significativa, pois, por um lado, flagra a tentativa de compreensão da visão de mundo da professora; e, por outro, posiciona os sujeitos em prol da tradição, como fez Joan ao escolher o casamento e ao renunciar aos estudos e sua carreira.

Se Joan frustra Katherine por sua escolha pela reprodução e manutenção das tradições, Betty, a personagem menos provável, pois a mais rígida, surpreende por tomar consciência das suas amarras e escolher a liberdade. Há uma inversão entre elas. E toda a rigidez de Betty é explicada pela educação repressora que recebeu. Educação que a deixou/fez infeliz e a qual subverte, também iluminada pela educação, uma outra educação, emancipatória.

Assim, se a história demonstra reprodução de padrões e uma força centrípeta superestrutural impositiva, não podemos nos esquecer e nem apagar os movimentos centrífugos existentes na infraestrutura em jogo como resposta ativa que subverte (ou tenta) esses mesmos padrões. As vozes sociais ambivalentes em embate no enunciado fílmico refletem e refratam as contradições sociais que permeiam os sentidos de existência das mulheres. No caso das protagonistas analisadas, de Mona Lisa para Mona Lisa, com um sorriso não apenas aparente, compulsório e hipócrita, mas um sorriso enigmático de quem procura encontrar- se, em si e no outro, Van Gogh incompreendido em processo de construção identitária-alteritária.

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  • VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia. São Paulo: 34, 2019.
  • VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2018.
  • WOLF, N. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.
  • 1
    O filme hollywoodiano foi lançado nos EUA em dezembro de 2003, mas chegou nos cinemas brasileiros em janeiro de 2004.
  • 2
    Traduzido como “Esposas tradicionais”, o movimento surgiu em 2018, na Inglaterra, e viralizou, em 2020, pelo mundo todo, inspirado pelos valores dos anos 1950 em que, pós II Guerra Mundial (G.M.), as mulheres, que haviam sido incentivadas a trabalharem fora, voltaram para suas casas, estimuladas pelo Estado, para cuidarem de seus maridos e cooperarem com a reestruturação do país, gerando filhos, encarceradas em casa. Para saber mais sobre esse movimento, sugerimos a leitura do capítulo escrito por Paula e Teixeira ( 2021aPAULA, L. de; TEIXEIRA, L. P. As barbies pelo Porta dos Fundos: uma análise verbivocovisual. EntreLetras, Araguaína, v. 12, n. 1, p. 345-369, 2021a.) e assistir ao documentário produzido pela BBC ( 2020SUBMITTING to My Husband Like It’s 1959: Why I Became a Tradwife? BBC, London, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZwT-zYo4-OM&ab_channel=BBCStories. Acesso em: 3 fev. 2021.
    https://www.youtube.com/watch?v=ZwT-zYo4...
    ).
  • 3
    Paula e Batista ( 2020PAULA, L. de; BATISTA, R. dos S. Um lugar de violência: perspectiva dialógica do corpo em The Handmaid’s Tale. Polifonia, Cuiabá, v. 27 n. 49, p. 130-153, 2020., 2022PAULA, L. de; BATISTA, R. dos S. O aprisionamento da mulher: The Handmaid’s Tale na contemporaneidade. Galáxia, São Paulo, v. 47, n. 47, 2022.), Paula e Santana ( 2021PAULA, L. de; SANTANA, B. M. A mulher rosa em cinquenta tons de cinza: imagens dialógicas patriarcais. In: CRISTOVÃO, A.; LUDOVICE, C. de A. B.; BORGES, M. C. (org.). GEBGE em ação. Franca: Ribeirão Gráfica, 2021. p. 13-37.), Paula e Sant’ana ( 2020PAULA, L. de; SANT’ANA, C. G. A “verdadeira mulher”: bela, empoderada e do ler. Linguagem: Estudos e Pesquisas, Cuiabá, v. 24, n. 2, p. 195-218, 2020., 2022PAULA, L. de; SANT’ANA, C. G. A violência contra a mulher no Brasil: repercussão pública do machismo estrutural. Fórum Linguístico, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 75557574, 2022.), Paula e Silva ( 2020PAULA, L. de; SILVA, T. N. Você em série: o cuidado/abuso da vida na relação afetivo-amorosa de Beck e Joe. Intertexto, Uberaba, v. 13, n. 2, p. 2-29, 2020.), Paula e Teixeira ( 2021aPAULA, L. de; TEIXEIRA, L. P. As barbies pelo Porta dos Fundos: uma análise verbivocovisual. EntreLetras, Araguaína, v. 12, n. 1, p. 345-369, 2021a., 2021bPAULA, L. de; TEIXEIRA, L. P. Barbies perfeitas: o antifeminismo contemporâneo. In: ABREU-TARDELLI, L. S.; GARCIA, T. S.; G. FERREIRA, A. de A. G. D’O. (org.). Pesquisas em linguagem: diálogos com a contemporaneidade. Campinas: Pontes, 2021b. p. 54-83.) integram a discussão das reflexões aqui apresentadas. Essas publicações se centram em enunciados estéticos (séries, filmes, livros etc.) e cotidianos (posts, memes etc.) de ou sobre mulheres, considerando a tridimensionalidade da linguagem ( PAULA, 2017PAULA, L. de. O enunciado verbivocovisual de animação: a valoração do “amor verdadeiro” Disney – uma análise de Frozen. In: FERNANDES JR, A.; STAFUZZA, G. B. (org.). Discursividades contemporâneas: política, corpo, diálogo. Campinas: Mercado de Letras, 2017. p. 287-314.; PAULA; BATISTA, 2021PAULA, L. de; BATISTA, R. dos S. A verbivocovisualidade criptografada de Augusto de Campos. Revista da ANPOLL, Niterói, v. 52, n. 3, p. 55-75, 2021a.; PAULA; LUCIANO, 2020aPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. A tridimensionalidade verbivocovisual da linguagem bakhtiniana. Linha D’Água, São Paulo, v. 33, n. 3, p. 105-134, 2020a. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/171296. Acesso em: 6 set. 2021.
    https://www.revistas.usp.br/linhadagua/a...
    , 2020bPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. Filosofia da linguagem bakhtiniana: concepção verbivocovisual. Revista Diálogos, Cuiabá, v. 8, n. 3, p. 132-151, 2020b. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/revdia/article/view/10039. Acesso em: 6 set. 2021.
    https://periodicoscientificos.ufmt.br/oj...
    , 2020cPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. Dialogismo verbivocovisual: uma proposta bakhtiniana. Polifonia, Cuiabá, v. 27 n. 49, p. 15-46, 2020c., 2020dPAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. A filosofia da linguagem bakhtiniana e sua tridimensionalidade verbivocovisual. Estudos Linguísticos, São Paulo, v. 49, n. 2, p. 706722, 2020d., 2021PAULA, L. de; LUCIANO, J. A. R. The Verbivocovisual Architectonic of the Stage La Conversione Di Un Cavallo. Global Journal of Human Social Sciences-A – GJHSS-A, Framingham, v. 21, n. 13, p. 1-13, 2021.; PAULA; SERNI, 2017PAULA, L. de; SERNI, N. M. A vida na arte a verbivocovisualidade do gênero filme musical. Raído, Dourados, v. 11, n. 25, p. 178-201, 2017.).
  • 4
    Não analisaremos os Dozes girassóis numa jarra, obra a partir da qual a discussão sobre resistência e massificação ocorre no filme, por falta de espaço, ainda que façamos menção diversas vezes a Van Gogh.
  • 5
    Há uma concepção popular equivocada de que certos enunciados seriam “neutros” ou “técnicos” por apresentarem ideologias que vão de acordo com as normas sociais, sem desafiá-las, e isso pode causar a impressão de que haja expressão esvaziada de valoração, o que segue, de acordo com essa ideia, uma noção de “construção natural”. Todavia, segundo Volóchinov ( 2018VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 34, 2018.), todo signo e enunciado são ideológicos. A língua viva, em uso, não é “imparcial” ou “neutra”. Ao contrário. Ela está prenhe de valores em embate. Assim, impossível a existência de campanhas publicitárias (ou qualquer outra forma de enunciação e de expressão de linguagem) não ideológicas. O nome “publicidade ideológica” foi utilizado à época para designar campanhas encomendadas pelo Governo, em parceria com empresas privadas (e, muitas vezes, por elas custeadas), para inculcação de valores e comportamentos socioculturais de maneira explícita, a serviço do Estado. Esse tipo de estratégia era muito usado na época pelos governos (a exemplo de Hitler, no nazismo), como estudam Adorno e Horkheimer, na Escola de Frankfurt, que teorizam sobre cultura de massa e indústria cultural, por exemplo, especialmente voltados ao cinema alemão produzido para esse fim (manipulatório), na Segunda Guerra Mundial. Nos EUA, país símbolo do liberalismo capital, a propaganda e a publicidade foram usadas para muitos fins. Dentre eles, a manipulação voltada não à aquisição de um produto de consumo material, mas a comportamentos socioculturais de interesse do Estado. Não coincidentemente, também foi nesse contexto que muitos super-heróis foram criados como ícones de força, justiça e liberdade, encarnando os valores preconizados pelo próprio país – o que está marcado nas vestimentas das personagens, por exemplo, compostas pelas cores da bandeira estadunidense – a todo o mundo.
  • 6
    Wolf ( 2020WOLF, N. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.) estuda a compleição física da mulher ao longo do tempo e o quanto as exigências de magreza se intensificam com a conquista de sua autonomia, ascensão no mercado de trabalho, direito sobre si e sua sexualidade. O padrão de beleza passa a ser uma forma severa de castigar a mulher e de acentuar as desigualdades com os homens, especialmente no que se refere ao trabalho, pois mal alimentada, suas condições mentais, físicas e emocionais não se encontram em plenitude, o que a adoece e enfraquece.
  • 7
    De acordo com o Dicionário Houaiss ( 2021MADONA. In: HOUAISS. São Paulo: Uol, 2021. Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/corporativo/apps/uol_www/v5-4/html/index.php#0. Acesso em: 7 fev. 2021.
    https://houaiss.uol.com.br/corporativo/a...
    ), madona significa “1. representação de Nossa Senhora em pintura ou escultura; 2. mulher cujo rosto exibe uma beleza serena, de traços suaves e regulares. 3. designação da Virgem Maria, representação da Virgem Maria. 4. m(i)a no sentido de ‘minha’ e donna no sentido de ‘dona, senhora’”.
  • 8
    Sfumato significa “tom baixo” ou “evaporar como fumaça”, enublar, tornar sombrio. Trata-se, segundo Graham-Dixon ( 2012, p. 113GRAHAM-DIXON, A. Arte, o guia visual definitivo. São Paulo: Publifolha, 2012.), da técnica usada em desenho e pintura para criar gradientes entre tonalidades, por meio de sombras em camadas. Trabalhado para realçar ou esmaecer planos e figuras, revela-se um dos quatro modos canônicos de pintura renascentista (somado ao cangiante, caracterizado pela fusão de cores; ao chiaroscuro, técnica de exploração de opostos entre claro e escuro; e ao unione, variação de sfumato que mantém o brilho das cores). O sfumato foi desenvolvido por Da Vinci, que o definiu como “sem linhas ou fronteiras, na forma de fumaça ou para além do plano de foco” (EARLS, 1987EARLS, I. Renaissance Art: A Topical Dictionary. Westport: Greenwood Press, 1987.) e o quadro Mona Lisa difundiu a técnica como exemplo de nuances não delimitadas entre planos e elementos pictóricos.
  • 9
    Para a extração cromática, utilizamos os programas Adobe Color, Canva e Colordot. Para a interpretação, fundamentamo-nos em Goethe ( 2013GOETHE, J. W. Doutrina das cores. São Paulo: Nova Alexandria, 2013.), Guimarães ( 2001GUIMARÃES, L. A cor como informação: a construção biofísica, linguística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2001.), Haynes ( 2008HAYNES, D. J. Bakhtin and the Visual Arts. New York: Cambridge, 2008.), Heller ( 2013HELLER, E. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo: Gustavo Gili, 2013.), Kandinsky ( 1970KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano – contribuição para análise dos elementos picturais. Lisboa: 70, 1970.) e Stam ( 1992STAM, R. Bakhtin: da teoria literária a cultura de massa. São Paulo: Ática, 1992., 2008STAM, R. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação. Belo Horizonte: UFMG, 2008., 2010aSTAM, R. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2010a., 2010bSTAM, R. Bakhtin e a crítica midiática. In: RIBEIRO, A. P. G.; SACRAMENTO, I. (org.). Mikhail Bakhtin: linguagem, cultura e mídia. São Carlos: Pedro & João, 2010b. p. 331-357.), além de dicionários de artes visuais.
  • 10
    O efeito de movimentação dos olhos de Mona Lisa ocorre pela estrutura geométrica rigorosa do quadro. As divisões rígidas usadas por Leonardo para a composição do efeito ótico de movimentação situam os olhos da personagem no eixo que parte do centro horizontal (linha vermelha horizontal) para as subdivisões áureas (linhas brancas horizontais e verticais) – assim chamadas as álgebras com valor arredondado até três casas decimais, utilizadas na arte desde a Antiguidade e com ápice na Renascença, pela exatidão do pensamento criador, por isso, também chamadas de “proporção divina” ou “divisão em média e extrema razão”. O número Phi (nome do número de ouro, que é 1,618) é usado para demonstrar crescimento e representa o ideal de perfeição encontrado na natureza e, de maneira aproximada, no homem (falanges, ossos e dedos, por exemplo), o que sugere harmonia homem-natureza, tão cara a Da Vinci e explorada em Mona Lisa. Essa localização Phi no quadro causa vivacidade ao olhar da Madona que, de maneira intensa, observa quem a observa, sem se mexer.
  • 11
    As falas foram transcritas a partir do inglês pelas autoras, com apoio da dublagem oficial.
  • 12
    Suas publicações, a exceção da última, em que homenageia Katherine, são utilizadas como forma de ataque a sujeitos e comportamentos que ela julga inadequados. Ela usa o jornal como forma de propagar a voz social dominante para um público maior, com tom condenatório.
  • 13
    Não por acaso, a associação secreta das alunas, no filme, chama-se CA, abreviatura de Costelas de Adão.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

MADONA. In: HOUAISS. São Paulo: Uol, 2021. Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/corporativo/apps/uol_www/v5-4/html/index.php#0 Acesso em: 7 fev. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2021
  • Aceito
    07 Out 2021
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