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Relações epistêmicas e construção conjunta de conhecimento na fala-em- interação de sala de aula

Epistemic Relations and Joint Knowledge Construction in the Classroom Talk-in-interaction

RESUMO:

Este trabalho tem como objetivo revisitar aspectos centrais na literatura de fala-em-interação de sala de aula, atualizando-os à recente discussão que investiga relações epistêmicas no plano interacional. Parte-se das análises de Garcez (2006GARCEZ, P. M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 1, n. 4, p. 66-80, 2006., 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.) sobre fala-em-interação de sala de aula para verificar em que medida a investigação mais atual de questões epistêmicas traz à tona novas contribuições para esses estudos. A discussão inclui também reflexões que partem da análise de como perguntas emergem na interação de pesquisadores num laboratório de tecnologia ( FRANK, 2015FRANK, I. Produção conjunta de conhecimento em um laboratório de tecnologia: perguntas como recursos para o enfrentamento de problemas emergentes. 2015. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.). Conclui-se que o olhar para a orientação dos participantes para os territórios de conhecimento no plano interacional não só coloca em foco questões relevantes para a discussão das assimetrias de conhecimento em sala de aula, como também instiga a busca pela descrição de organizações epistêmicas, em sala de aula, distintas do tradicional.

PALAVRAS-CHAVE:
fala-em-interação de sala de aula; episteme; interação; construção de conhecimento

ABSTRACT:

This work aims to revisit key aspects in the literature that investigates classroom talk-in-interaction, updating them to the recent discussion that investigates epistemic relations in the interactional field. We depart from Garcez’s (2006GARCEZ, P. M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 1, n. 4, p. 66-80, 2006., 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.) analysis of classroom talk-in-interaction to verify to what extent the current investigation of epistemic issues brings up new perspectives for these studies. The discussion also draws on reflections from the analysis of how questions emerge in the interaction of researchers at a technology laboratory ( FRANK, 2015FRANK, I. Produção conjunta de conhecimento em um laboratório de tecnologia: perguntas como recursos para o enfrentamento de problemas emergentes. 2015. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.). We conclude that paying attention to participants’ orientation to territories of knowledge in the interactional field brings into focus relevant issues to the discussion of knowledge asymmetries in the classroom and raises interest in searching for descriptions of non- traditional epistemic organizations in the classroom.

KEYWORDS:
classroom talk-in-interaction; episteme; interaction; knowledge construction

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Introdução

Estudos recentes em análise da conversa etnometodológica (ACE) evidenciam que, quando interagem, as pessoas se orientam a todo instante para quem sabe o quê no plano social ou, conforme termo corrente, para relações epistêmicas ( HERITAGE, 2012HERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language & Social Interaction, London, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012., 2013HERITAGE, J. Action Formation and Its Epistemic (and Other) Backgrounds. Discourse Studies, New York, v. 15, n. 5, p. 551-578, 2013.). Este artigo revisita alguns aspectos centrais na literatura acadêmica interessada na fala-em-interação de sala de aula, atualizando-os a essa recente discussão. O objetivo é discernir como noções e pressupostos desenvolvidos pelos estudos atuais interessados em questões epistêmicas no plano social lançam novas perspectivas sobre a compreensão da interação em sala de aula.

A literatura voltada para a descrição e compreensão de como as pessoas se organizam socialmente por meio da fala-em-interação evidenciou que alguns dos padrões que estruturam o que se configura como sala de aula são distintos daqueles encontrados em conversa cotidiana ( CAZDEN, 2001CAZDEN, C. Classroom discourse: the language of teaching and learning. Portsmouth: Heinemann, 2001.; MCHOUL, 1978MCHOUL, A. The Organization of Turns at Formal Talk in the Classroom. Language in Society, Cambridge, v. 7, n. 2, p. 183-213, 1978.; MEHAN, 1985MEHAN, H. The Structure of Classroom Discourse. In: VAN DIJK, T. A. (ed.). Handbook of Discourse Analysis. London: Academic Press, 1985. p. 119-131. v. 4.). Essa literatura demonstra que são as ações que os interagentes fazem uns com outros pelo uso da linguagem que lhes permitem entender se estão engajados em uma conversa, em uma consulta médica, em um julgamento ou, justamente, em uma aula. Não são, portanto, os prédios, os uniformes, os livros e os cadernos que fazem uma interação ser reconhecida como “sala de aula”, mas as ações que os participantes constroem uns com os outros ( GARCEZ, 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.).

A partir da análise detida de interações de ocorrência natural em cenários institucionais diversos, Drew e Heritage (1992DREW, P.; HERITAGE, J. Talk at Work. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. v. 1.) descreveram os aspectos que distinguem interações institucionais – tal como é a sala de aula – da conversa cotidiana. Em primeiro lugar, na interação reconhecida pelos participantes como institucional, há orientação dos interagentes para uma meta, tarefa ou identidade associada com a instituição em questão. Em segundo lugar, os participantes se orientam para limites quanto ao que consideram como contribuições admissíveis ao que estão fazendo nesse cenário; e, em terceiro lugar, a interação está associada a expectativas e procedimentos peculiares àquele contexto.

Garcez (2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.) ressalta, entre as características elencadas por Drew e Heritage, a importância das tarefas ou metas-fim associadas à instituição em questão. De acordo com o autor, os participantes não necessariamente têm clareza sobre quais são suas metas a ponto de enunciá-las, mas elas se tornam evidentes em suas ações. No caso da sala de aula, então, é possível que os participantes nem sempre consigam formular ou colocar em palavras as metas das atividades em que estão engajados. Contudo, suas próprias ações constroem, coletivamente, um ou mais pontos de chegada para o que fazem em conjunto. O que constitui a meta-fim de uma interação de sala de aula, portanto, é reconhecido no que os participantes produzem juntos, sendo observável em suas ações mediante o uso da linguagem.

Para além dos aspectos constitutivos dos cenários institucionais elencados por Drew e Heritage (1992DREW, P.; HERITAGE, J. Talk at Work. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. v. 1.), interessa-nos neste trabalho aprofundar o entendimento de como as questões epistêmicas têm relevância e desdobramentos para o que se constitui como sala de aula, sobretudo com relação à sua meta- fim. Com esse objetivo em vista, neste trabalho enfocamos o modo como o conhecimento é distribuído entre os participantes em sala de aula, as assimetrias de conhecimento entre eles e quem é ratificado como mais conhecedor nesse espaço, para, então, discutir as implicações de tais configurações epistêmicas para as relações entre aqueles que constroem o que se constitui como sala de aula em suas ações situadas.

Para tanto, na próxima seção, analisamos o padrão canônico dos fazeres de sala de aula em termos de distribuição da episteme no plano interacional. Revisitamos a discussão de Garcez (2006GARCEZ, P. M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 1, n. 4, p. 66-80, 2006.) que foi posteriormente revisada em Garcez (2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.) a respeito da sequência de iniciação-resposta-avaliação (IRA), buscando tratar dos aspectos epistêmicos envolvidos em sua organização que instauram e reforçam assimetrias epistêmicas entre os participantes. A partir daí, discutimos as consequências da prevalência dessa sequência em sala de aula em termos de distribuição do conhecimento entre os participantes. Em seguida, também a partir das análises de Garcez (2006GARCEZ, P. M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 1, n. 4, p. 66-80, 2006., 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.), analisamos um dado de interação de sala de aula que se distancia do padrão IRA e em que há relações epistêmicas menos assimétricas entre os participantes, uma vez que a participante que conduz a interação ratifica e legitima o conhecimento dos demais. Destacamos, nessa análise, o intenso trabalho interacional da participante mais conhecedora para ratificar o conhecimento dos demais, criando condições mais democráticas e participativas para a produção de conhecimento. Por fim, discutimos as possibilidades de organizar territórios epistêmicos em sala de aula de modos menos assimétricos mediante a análise de um dado em que os participantes se engajam na produção de conhecimento novo em suas ações num laboratório de desenvolvimento de tecnologia ( FRANK, 2015FRANK, I. Produção conjunta de conhecimento em um laboratório de tecnologia: perguntas como recursos para o enfrentamento de problemas emergentes. 2015. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.; GARCEZ; FRANK; KANITZ, 2012GARCEZ, P. M.; FRANK, I.; KANITZ, A. Produção conjunta de conhecimento em um cenário de desenvolvimento de tecnologia. Veredas, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 166-184, 2012.; KANITZ, 2013KANITZ, A. Resolução de problemas e construção conjunta de conhecimento na fala-em- interação em cenário de desenvolvimento tecnológico. 2013. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.). Destacamos que o fato de não haver, nesse cenário, alguém que conhece de antemão as soluções para os problemas do laboratório faz com que os participantes tenham que trabalhar intensamente em conjunto e ratificar o que cada um sabe para produzirem conhecimento. A ideia aqui, portanto, é revisar a discussão sobre interação de sala de aula sob a ótica dos recentes estudos em ACE que focalizam as relações epistêmicas na fala-em-interação de modo a verificarmos se e como tais aspectos apresentam implicações para as relações entre os participantes e para a construção das metas-fim em encontros escolares.

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Iniciação-resposta-avaliação na sala de aula: a projeção de um falso desequilíbrio epistêmico para mobilizar respostas que serão avaliadas como certas ou erradas

Os primeiros estudos que se ocuparam em observar e descrever aspectos distintivos da fala-em-interação de sala de aula, mediante observação de interações de ocorrência natural, apontaram que o reforço das assimetrias de conhecimento entre os participantes é constitutivo dos fazeres desse cenário ( CAZDEN, 2001CAZDEN, C. Classroom discourse: the language of teaching and learning. Portsmouth: Heinemann, 2001.; MCHOUL, 1978MCHOUL, A. The Organization of Turns at Formal Talk in the Classroom. Language in Society, Cambridge, v. 7, n. 2, p. 183-213, 1978.; MEHAN, 1985MEHAN, H. The Structure of Classroom Discourse. In: VAN DIJK, T. A. (ed.). Handbook of Discourse Analysis. London: Academic Press, 1985. p. 119-131. v. 4.; SINCLAIR; COULTHARD, 1975SINCLAIR, J. M.; COULTHARD, M. Towards an Analysis of Discourse: The English Used by Teachers and Pupils. London: Oxford University Press, 1975.).

Esses estudos reconheceram a sequência IRA como canônica na interação de sala de aula. Tal sequência funciona de modo que um dos participantes, em geral o professor, produz um turno inicial (I) que com frequência tem o formato de uma pergunta. Em seguida, outro participante produz uma resposta (R), que, por fim, é avaliada (A) como certa ou errada pelo mesmo participante que produziu a iniciação, podendo haver sequências inseridas nessa organização geral. Esses estudos destacaram que é no turno da avaliação que se torna público para todos os participantes que quem iniciou a sequência já sabia de antemão a resposta para a pergunta que fez – ou, em outras palavras, que aquela seria uma pergunta de resposta já conhecida. Tendo essa discussão como pressuposto, o que se pode dizer sobre as questões epistêmicas envolvidas nesse desenho interacional canônico em sala de aula?

Ao demonstrarem que o participante que dirige perguntas aos demais tem a prerrogativa de avaliar a resposta produzida como certa ou errada, podemos dizer que os interagentes em sala de aula não só estão atentos a quem sabe o quê na interação, mas que isso é central para os fazeres da sala de aula, pois é pelo padrão sequencial de iniciação-resposta-avaliação que se dá grande parte da interação entre alunos e professor. Esse modo peculiar de organização da interação de sala de aula contrasta com o que geralmente ocorre em conversas cotidianas e tem ligação estreita com as relações epistêmicas que se estabelecem sequencialmente entre os participantes nesse cenário. Vejamos a seguir como tais relações costumam se manifestar na conversa cotidiana para, então, aprofundarmos essa discussão no cenário da sala de aula.

Heritage (2012HERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language & Social Interaction, London, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012.) aponta que as assimetrias epistêmicas entre os participantes movem grande parte das interações, isto é, as assimetrias entre quem sabe e quem não sabe constituem o motor que desencadeia a ocorrência de sequências interacionais. No Excerto 1, Camila e Gabi fazem pedidos de informação a Sabrina, que havia acabado de contar sobre seus planos de ir ao cinema com um colega da faculdade:

Excerto 1

Camila inicia a sequência ao pedir uma informação na linha 1 (“que colega? (com quem tu vai comprar) ingresso”), colocando-se como menos conhecedora dessa informação (c-) e projetando Sabrina à posição de mais conhecedora (C+). Segundo Heritage, é o desequilíbrio nos territórios de conhecimento entre os participantes, que é aqui manifestado no turno de Camila, que desencadeia a sequência interacional. De fato, Sabrina, na linha 2, responde e dá seguimento à sequência quando fornece a informação solicitada (“com meu colega.”). A seguir, Gabi dá um recibo da nova informação obtida e faz um pedido de confirmação (linha 3: “ah aquele que tu já ficou,”), novamente colocando Sabrina numa posição epistêmica superior (C+). Após Sabrina confirmar a informação, na linha 4, Camila produz um turno em que indica mudança em seu status de conhecimento ( HERITAGE, 1984HERITAGE, J. Garfinkel and Ethomethodology. Cambridge: Polite Press, 1984., 1998HERITAGE, J. Oh-prefaced Responses to Inquiry. Language in Society, Cambridge, v. 27, n. 3, p. 291-334, 1998.) (linha 5) e, assim, fecha-se a sequência interacional, uma vez que agora ambas demonstram ter alcançado equilíbrio epistêmico.

Heritage (2013HERITAGE, J. Action Formation and Its Epistemic (and Other) Backgrounds. Discourse Studies, New York, v. 15, n. 5, p. 551-578, 2013.) destaca, contudo, que há diferença entre o que um participante sabe (seu status epistêmico) e o que ele projeta por meio da construção de seus turnos na interação (sua posição epistêmica). Em geral, os participantes tendem a preservar a consistência entre o status e a posição epistêmica, isto é, entre a posição epistêmica que eles projetam no desenho de cada turno e o status epistêmico que eles ocupam em relação ao tópico em pauta. Essa consistência é manifestada, por exemplo, quando falantes que não sabem algo fazem perguntas e quando participantes que sabem aquilo respondem e fazem asserções. Por outro lado, de acordo com o autor, diversos motivos e contingências podem resultar em elocuções não consistentes. Um participante pode, por razões diversas, dissimular um determinado status epistêmico, valendo-se de recursos para projetar interacionalmente uma posição epistêmica menor ou maior do que de fato é o seu status. Segundo o autor, é isso que costuma ocorrer, por exemplo, na instrução tradicional de sala de aula ( HERITAGE, 2013HERITAGE, J. Action Formation and Its Epistemic (and Other) Backgrounds. Discourse Studies, New York, v. 15, n. 5, p. 551-578, 2013.).

Heritage (2012HERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language & Social Interaction, London, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012.) não se detém na análise da interação de sala de aula, mas discute as “perguntas-teste”, típicas desse cenário, para exemplificar instâncias em que há inconsistência entre o status epistêmico e a posição epistêmica dos participantes. Segundo o autor, é a inconsistência entre esses elementos epistêmicos que torna a instrução tradicional na interação de sala de aula tão peculiar. Vejamos no Excerto 2 uma instância em que isso ocorre:

Excerto 2

Ao solicitar uma informação desenhando seu turno como uma pergunta (linha 1), Olga projeta o status epistêmico de menos conhecedora (c-), colocando os demais participantes na posição de mais conhecedores (C+), uma vez que seriam capazes de fornecer a informação solicitada. Entretanto, assim que seus interlocutores fornecem uma resposta (linhas 3 e 4), ela produz uma elocução incompleta para pedir a informação novamente (linha 5: “cento e sessenta,”), evidenciado que a resposta fornecida não foi satisfatória. José, então, faz uma nova tentativa de produzir uma resposta (linha 7: “litros”), mas seu turno é imediatamente corrigido por Olga na linha 8 (“metros cúbicos”). Portanto, ao desconsiderar as contribuições de José e Rudi como completamente corretas e, depois, ao corrigir o turno de José, Olga revela que seu status epistêmico não é o de menos conhecedora (c-), conforme projetado pelo turno da linha 1.

Caso Olga fosse de fato menos conhecedora do que seus interlocutores, a resposta fornecida seria tratada como informativa. Seria esperado, nesse caso, que sua reação à resposta dada fosse um recibo da informação fornecida, tal como “ah” ( HERITAGE, 1984HERITAGE, J. Garfinkel and Ethomethodology. Cambridge: Polite Press, 1984.) ou um turno de recibo ou agradecimento pela resposta dada. Cabe reiterar que o que atesta o caráter da pergunta como de resposta já conhecida é o entendimento demonstrado pelos participantes de que a posição epistêmica (c-) manifestada pelo produtor da pergunta não é consistente com seu status de conhecimento (C+).

Assim, a análise das relações epistêmicas no plano interacional nos permite observar que a sequência canônica de sala de aula (sequência IRA) acontece mediante a projeção de um falso desequilíbrio epistêmico, sendo essa “falsidade” publicamente manifestada na própria interação ao final da sequência. É a partir desse falso desequilíbrio de conhecimento que o participante mais conhecedor mobiliza respostas dos demais para serem avaliadas como certas ou erradas. Em outras palavras, ao iniciar uma sequência IRA, o participante mais conhecedor mobiliza o motor epistêmico, pois projeta um desequilíbrio epistêmico entre ele e os demais quando demanda uma resposta de seus interlocutores, como se ele fosse menos conhecedor. No terceiro turno, porém, ao avaliar a resposta fornecida como certa ou errada, ele expõe que o desequilíbrio nos territórios de conhecimento é falso: é ele quem detém o conhecimento, uma vez que é capaz de avaliar e de corrigir o conhecimento exposto pelos demais.

Uma vez que possibilita a mobilização e a avaliação de um conhecimento específico em alguns poucos turnos de fala, a sequência IRA se configura como “um método bastante eficaz e econômico de apresentar informação nova aos alunos e/ ou verificar em que medida eles dispõem de certas informações” ( GARCEZ, 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121., p. 96). Talvez por isso ela seja largamente utilizada em sala de aula. Por outro lado, o desequilíbrio epistêmico que se estabelece na organização da sequência IRA implica muitas vezes consequências nem sempre desejáveis em cenários escolares, que ajudam a constituí-los como ambientes de reprodução de conhecimentos, de correção e de assimetrias reforçadas ( CAZDEN, 2001CAZDEN, C. Classroom discourse: the language of teaching and learning. Portsmouth: Heinemann, 2001.; GARCEZ, 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.; SCHULZ, 2007SCHULZ, L. A construção da participação na fala-em-interação de sala de aula: um estudo microetnográfico sobre a participação em uma escola municipal de Porto Alegre. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.). Na próxima seção, retomamos o dado “metros cúbicos”, analisado em Garcez (2006GARCEZ, P. M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 1, n. 4, p. 66-80, 2006., 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.), para agora considerar sua descrição destacando as relações epistêmicas que ali se constituem e, nesses termos, rediscutir as consequências da utilização massiva de sequências IRA em sala de aula.

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Críticas e consequências da mobilização de sequências IRA: distribuição da episteme em sala de aula e reforço de assimetrias de conhecimento

Conforme vimos na seção anterior, na sequência IRA, um participante com status epistêmico de mais conhecedor (C+) projeta uma posição epistêmica de não conhecedor (c-) ao solicitar ao outro uma informação que ele na verdade já conhece. O endereçado pela pergunta, então, demonstra publicamente o que sabe, e esse conhecimento é avaliado, no terceiro turno, pelo participante que iniciou a sequência. É o que ocorre no Excerto 2 quando Olga, ao receber as respostas de José e Rudi em litros, inicia uma nova sequência IRA, para que eles produzam o turno “correto”, isto é, uma resposta que se situe dentro do espectro de seu próprio domínio epistêmico. É interessante notar que o turno de Olga apresenta o item “litros” em sua composição (linha 1), o que torna esperado que a resposta de seus interlocutores seja formulada também com esse item. Surpreendentemente 1 1 Garcez (2012, p. 99) observa que esse dado, além de uma ocorrência clássica de sequência IRA, configura-se também como um episódio de transgressão ética, “em que uma sequência IRA apresenta, na iniciação, não apenas uma pergunta de informação conhecida, mas, além disso, uma pergunta que traz um item (“litros”, linha 1) que não deve aparecer na resposta correta, o que impede que os alunos jamais possam produzir a resposta conforme esperado, que seria o cálculo do volume da piscina expresso em metros cúbicos”. O autor também esclarece que, antes do momento transcrito, Olga havia apresentado e trabalhado com seus interlocutores o cálculo de área e volume, bem como as conversões entre as medidas de área e volume. No que de fato é uma atividade de revisão, Olga parece, então, esperar que os interlocutores possam reunir as duas operações, isto é, o cálculo de volume bem como a conversão de litros para metros cúbicos ( GARCEZ, 2012). , Olga revela, no terceiro turno (linha 8), que a resposta que ela espera não deve apresentar o item “litros” em sua formulação, mas sim “metros cúbicos”.

A discussão sobre episteme no plano interacional permite a análise desse excerto como um episódio exemplar do curioso jogo epistêmico que costuma ocorrer na sala de aula tradicional: o participante que se apresenta com status de mais conhecedor (C+) projeta uma posição epistêmica inferior (c-), alçando os demais à posição de mais conhecedores ao solicitar-lhes uma informação. Entretanto, o conhecimento que eles supostamente deveriam demonstrar no turno a seguir por vezes sequer está acessível a eles, por se tratar de um conhecimento restrito ao território epistêmico do participante que iniciou a sequência. Conforme apontamos acima, parece improvável que José e Rudi pudessem saber que a resposta esperada por Olga deveria conter o item “metros cúbicos” em sua formulação.

O Excerto 2, portanto, envolve um caso extremo da impossibilidade de produção da resposta dentro das expectativas do participante mais conhecedor. Episódios semelhantes acontecem com frequência em sala de aula, quando alunos tentam adivinhar, sem sucesso e por insistentes vezes, qual é o conhecimento que o professor espera que eles reproduzam tal qual se encontra no seu domínio epistêmico. Nesses casos, o produtor da iniciação pode se tornar insensível, quase surdo, ao que não esteja contemplado em seu domínio epistêmico de respostas esperadas ( GARCEZ, 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.). Essa surdez traz consigo o risco de que muitas oportunidades de construção de conhecimento deixem de ocorrer simplesmente porque as contribuições emergentes dos alunos – que podem ser informações novas, legítimas e surpreendentes – não estão contempladas no domínio epistêmico do iniciador da sequência.

A crítica mais difundida sobre a sequência IRA se relaciona justamente ao que aqui estamos analisando como um jogo epistêmico bastante peculiar: uma vez que já detém o conhecimento implicado nas próprias perguntas que faz e que avalia as respostas como suficientes ou não, o professor não demonstra interesse genuíno pelos conhecimentos dos interlocutores ou pelo que são capazes de produzir para além do escopo restrito do que suscitou a pergunta, pois se engaja em uma sequência que circula em torno de conhecimento pronto e acabado, tal qual apresentado por ele, o que dificulta a construção de conhecimentos novos e favorece a reprodução de conhecimentos.

Em outras palavras, na ocorrência de sequências IRA, o professor mobiliza o motor epistêmico para iniciar uma sequência de conhecimento que se fecha em si mesma. O conhecimento que o professor detém é o mesmo que ele solicita e é o mesmo que deve ser apresentado pelos demais para posterior avaliação. Levando adiante a metáfora de motor, é possível dizer que a sequência IRA ocorre mediante um dispositivo que impulsiona o movimento de uma máquina ou veículo – um determinado conhecimento – mas esse veículo não se movimenta para frente, ele retorna para a mesma posição de onde saiu, movendo-se em círculo. Para a produção de sequências IRA, portanto, coloca-se em funcionamento uma engenhosa engrenagem, que, no entanto, apenas mantém o conhecimento no mesmo estado, sendo reproduzido em um movimento cíclico. Em momentos de revisão de conhecimento produzido, esse movimento pode ser bastante legítimo, sobretudo quando os participantes compartilham a clareza de que o que estão fazendo é verificar publicamente que o conhecimento antes produzido está de fato sedimentado ( STEIN; GARCEZ, 2009STEIN, F.; GARCEZ, P. M. Revendo a sequência Iniciação-Resposta-Avaliação na socialização do conhecimento construído em conjunto na fala-em-interação de sala de aula. In: SALÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFRGS, 19., 2009, Porto Alegre. Anais […]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009. Não paginado.).

Para a construção de conhecimento novo para algum participante, porém, uma tal sequência que se fecha em si mesma em termos de domínios epistêmicos dificulta a participação engajada e o posicionamento crítico dos alunos, limitando seu trabalho a expor, em seus turnos de fala, um conhecimento dentro das expectativas do professor para ser avaliado, em geral para demonstrar publicamente o seu desconhecimento e, assim, a relevância das informações explicitadas a seguir. Nesse sentido, o fato de esse ciclo epistêmico organizado pela sequência IRA encerrar sempre com uma avaliação do participante que se apresenta com status de conhecimento superior acaba por favorecer a correção da fala do participante que buscou produzir uma resposta que fosse mapeável no território epistêmico do iniciador da sequência. Quando, então, o aluno produz um turno que abarca um conhecimento não detectável como igual ou equivalente ao do domínio epistêmico do interagente com status de conhecimento superior, sua produção fica vulnerável à correção.

É interessante observar que, em conversa cotidiana, corrigir o turno do outro é um fenômeno raro e muito delicado ( KANITZ; GARCEZ, 2010KANITZ, A.; GARCEZ, P. M. Correção e reparo iniciado e levado a cabo pelo outro na fala-em-interação de sala-de-aula: retomando o debate. In: SALÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFRGS, 20., 2010, Porto Alegre. Anais […]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010. Não paginado.; LODER, 2006LODER, L. L. Investindo no conflito: a correção pelo outro construindo discordâncias agravadas. 2006. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.; LODER; GARCEZ; KANITZ, 2021LODER, L. L.; GARCEZ, P. M.; KANITZ, A. Correção pelo outro e reparo como domínios distintos na fala-em-interação social. DELTA, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 1-35, 2021.). Corrigir o outro implica rebaixamento epistêmico bastante evidente: um participante expõe o que sabe em seu turno de fala; a seguir, outro participante aponta um erro nesse conhecimento exposto, que o coloca em uma posição epistêmica inferior. É por conta desse rebaixamento epistêmico que a ação de corrigir é muito delicada em conversa cotidiana, exigindo um trabalho interacional custoso do participante que corrige, que tende inclusive a produzir o turno de correção com atrasos, balbucio, prolongamento de vogais etc. ( GARCEZ; LODER, 2005GARCEZ, P. M.; LODER, L. L. Reparo iniciado e levado a cabo pelo outro na conversa cotidiana em português do Brasil. DELTA, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 279-312, 2005.). Tal fenômeno, por isso, dificilmente é encontrado em dados de conversa cotidiana. Na fala-em- interação de sala de aula, contudo, a correção parece ser vista por professores como um fenômeno não só relativamente comum como também pouco custoso por parte do participante que corrige, e que muitas vezes simplesmente substitui o item produzido pelo outro sem atrasos ou balbucios, isto é, sem exigir dele o trabalho interacional que costuma ocorrer em conversa cotidiana.

Imaginemos que a interação entre os participantes do Excerto 2 tivesse ocorrido em contexto não escolar. Dificilmente Olga teria apontado um erro no turno de José sem acarretar consequências interacionais entre eles. Ao indicar a impropriedade do item “litros”, substituindo-o por “metros cúbicos”, Olga rebaixa epistemicamente José, que se projetou como mais conhecedor (C+). Tal como ocorre na sequência de discordância, descrita na literatura de conversa cotidiana ( LODER, 2006LODER, L. L. Investindo no conflito: a correção pelo outro construindo discordâncias agravadas. 2006. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.), José provavelmente iniciaria uma discussão para defender seu ponto de vista e, consequentemente, seu status epistêmico. Olga, por sua vez, se veria na situação de argumentar para sustentar a posição de que a resposta deve ser dada em metros cúbicos, não em litros. Nada disso acontece no excerto aqui apresentado. José simplesmente aceita a correção de Olga sem levantar dúvidas e sem protesto, ratificando, assim, o status epistêmico de não conhecedor (c-) em que foi colocado 2 2 De fato, Mehan (1985, p. 249) aponta que, na sala de aula, “‘perguntas de informação conhecida’ podem amortecer a discussão e induzir à passividade dos estudantes”, relacionando o emprego da sequência ao disciplinamento e controle social. .

Cabe dizer que, mesmo que Olga tivesse avaliado positivamente a resposta de José, essa ação ainda assim não seria suficiente para alçar José a um status epistêmico nivelado ao de Olga (C+; C+). Uma vez que o turno do participante que forneceu a resposta precisa receber a validação do professor, a estrutura da sequência IRA implica que o interagente que provê as respostas nunca atinja um status epistêmico nivelado com o do iniciador da sequência. A sequência IRA, portanto, engessa as assimetrias em sala de aula, colocando os alunos continuamente na posição epistêmica de menos conhecedores (c-) e o professor na posição de mais conhecedor (C+). Ao longo do tempo, esse contínuo rebaixamento epistêmico dos alunos é capaz de produzir relações conturbadas em sala de aula, gerando silenciamentos sistemáticos ou então embates vigorosos e violência. Uma sala de aula em que a interação é organizada exclusivamente mediante essa sequência, portanto, dificilmente conduz a uma meta-fim institucional preocupada com a formação de cidadãos participativos, pensantes e atuantes. Com efeito, conforme aponta Garcez (2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.), trajetórias sequenciais de ações como a IRA foram fundamentais para a construção da escola convencional que forma(va) sujeitos disciplinados, acríticos e pouco participativos, isto é, mão- de-obra para o funcionamento da sociedade moderna.

Saliente-se que diversos estudos buscaram documentar relações alternativas que também podem ser estabelecidas dentro do padrão da sequência IRA 3 3 Hall (2001), por exemplo, aponta que a sequência IRA pode ser mobilizada para expandir a participação dos alunos, em ocorrências em que a professora, no turno de avaliação, reformula a resposta produzida pelo aluno, de modo que o aluno é impelido a falar algo a respeito da reformulação proposta pela professora. Margutti (2010) sugere que o emprego de elocuções propositalmente incompletas seja um modo de auxiliar os alunos na produção de respostas corretas e, como consequência disso, negociar uma posição epistêmica de C+. . A discussão realizada nesta seção, contudo, buscou evidenciar as implicações da distribuição assimétrica de conhecimento entre os participantes quando a sequência IRA é produzida. Por exigir uma resposta que esteja dentro do escopo de conhecimento do participante que a iniciou, a sequência IRA muitas vezes restringe as possibilidades e os conhecimentos que circulam em sala de aula ao que esse participante já sabe, e ignora eventuais contribuições inéditas que surjam espontaneamente. Além disso, como o ciclo epistêmico estruturado pela sequência IRA se fecha pela avaliação do participante que se apresenta com status de conhecimento superior, tal sequência favorece a correção de quaisquer produções que não sejam mapeáveis no território de conhecimento do participante que iniciou a sequência. Conforme discutimos acima, uma sala de aula em que a interação é majoritariamente organizada mediante essa sequência dificilmente constrói uma meta-fim institucional voltada para a formação de cidadãos participativos, pensantes e atuantes, muito menos questionadores ou inovadores.

Na próxima seção, examinamos um dado de interação que evidencia uma organização interacional de sala de aula em que uma participante – a professora – tem seu status de mais conhecedora (C+) ratificado pelos demais (uma vez que ela é encarregada de conduzir os demais por um caminho que ela já percorreu), mas o utiliza para alçar os outros também à posição de mais conhecedores. Desse modo, são criadas condições para que os participantes produzam conhecimento de modo menos assimétrico. Numa tal organização, as relações epistêmicas constituídas produzem metas-fim institucionais mais democráticas e participativas. Novamente, trata-se de um dado interacional analisado previamente em Garcez (2006GARCEZ, P. M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 1, n. 4, p. 66-80, 2006., 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.), cuja análise é revisitada aqui com foco na conjuntura epistêmica estabelecida entre os participantes e em suas implicações para as relações entre eles.

4

Outras relações epistêmicas possíveis na fala-em-interação de sala de aula

Embora a sequência triádica IRA seja o modo mais tradicional, e talvez mais difundido, de se organizar a tomada de turnos em atividades de instrução em sala de aula, ela é apenas uma das possibilidades de organização desse cenário. É possível, contudo, organizar a participação em sala de aula de outros modos, a partir de entendimentos diferentes sobre quais podem ser as metas dos participantes e quais relações epistêmicas podem ser construídas entre eles para que tais metas sejam alcançadas. Tendo como base essas outras possibilidades, diversos estudos se debruçaram sobre a tarefa de investigar e documentar práticas pedagógicas de sala de aula alternativas ao padrão IRA ( BULLA, 2007BULLA, G. S. A realização de atividades pedagógicas colaborativas em sala de aula de português como língua estrangeira. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.; CAZDEN, 2001CAZDEN, C. Classroom discourse: the language of teaching and learning. Portsmouth: Heinemann, 2001.; CONCEIÇÃO; GARCEZ, 2005CONCEIÇÃO, L. E.; GARCEZ, P. M. O revozeamento no discurso da escola pública cidadã. Intercâmbio, São Paulo, v. 14, p. 1-10, 2005.; FREITAS, 2006FREITAS, A. L. P. With a Little Help From My Friend: um estudo sobre o reparo levado a cabo pelo terceiro na sala de aula de língua estrangeira. 2006. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.; GARCEZ; MELO, 2007GARCEZ, P. M.; MELO, P. S. Construindo o melhor momento para tomar o turno na fala-em-interação de sala de aula na escola pública cidadã de Porto Alegre. Polifonia, Cuiabá, v. 13, n. 13, p. 1-21, 2007.; O’CONNOR; MICHAELS, 1996O’CONNOR, M. C.; MICHAELS, S. Shifting Participant Frameworks: Orchestrating Thinking Practices in Group Discussion. In: HICKS, D. (ed.). Discourse, Learning and Schooling. New York: Cambridge University Press, 1996. p. 63-103.; SALIMEN, 2009SALIMEN, P. G. A atividade pedagógica de encenar em grupos na sala de aula de língua estrangeira: pedidos de ajuda, ofertas de ajuda e aprendizagem. 2009. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.; SCHULZ, 2007SCHULZ, L. A construção da participação na fala-em-interação de sala de aula: um estudo microetnográfico sobre a participação em uma escola municipal de Porto Alegre. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007., STEIN, 2014STEIN, F. Participação em projetos de aprendizagem em uma escola pública municipal de Porto Alegre. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.), o que requer, conforme indica Garcez (2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121., p. 105), “prática, habilidade e, antes de mais nada, determinação político-pedagógica, ao menos nos sistemas educacionais de massa”.

Um dos primeiros métodos alternativos documentados na literatura de interação de sala de aula foi descrito por O’Connor e Michaels (1996O’CONNOR, M. C.; MICHAELS, S. Shifting Participant Frameworks: Orchestrating Thinking Practices in Group Discussion. In: HICKS, D. (ed.). Discourse, Learning and Schooling. New York: Cambridge University Press, 1996. p. 63-103.). As autoras descrevem uma prática que denominaram revozeamento, que consiste em redizer o turno do outro participante para que ele avalie se o entendimento atribuído a esse turno está de acordo com o que ele pretendeu. De acordo com as autoras, esse modo de conduzir a interação possibilita organizar a aula como um conjunto de vozes e de contrapontos na construção de uma ideia, e não como apenas uma opinião ou informação que é lançada e avaliada por um mesmo participante, tal como costuma ocorrer em sequências IRA ( O’CONNOR; MICHAELS, 1996O’CONNOR, M. C.; MICHAELS, S. Shifting Participant Frameworks: Orchestrating Thinking Practices in Group Discussion. In: HICKS, D. (ed.). Discourse, Learning and Schooling. New York: Cambridge University Press, 1996. p. 63-103. p. 68).

O grupo de pesquisa Interação Social e Etnografia (ISE), interessado também na tarefa de documentar práticas alternativas de organizar a fala-em- interação de sala de aula, buscou descrever práticas com orientação semelhante em cenários brasileiros. Por anos, diversos estudos investigaram o que acontece em uma escola pública de ensino fundamental localizada no município de Porto Alegre. Essa escola atende crianças de uma comunidade da periferia econômica e geográfica da cidade, e caracteriza-se por uma longa história de engajamento comunitário ( GARCEZ; MELO, 2007GARCEZ, P. M.; MELO, P. S. Construindo o melhor momento para tomar o turno na fala-em-interação de sala de aula na escola pública cidadã de Porto Alegre. Polifonia, Cuiabá, v. 13, n. 13, p. 1-21, 2007.; MOLL, 2000MOLL, J. Histórias de vida, histórias de escola: elementos para uma pedagogia da cidade. Petrópolis: Vozes, 2000.; SCHULZ, 2007SCHULZ, L. A construção da participação na fala-em-interação de sala de aula: um estudo microetnográfico sobre a participação em uma escola municipal de Porto Alegre. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.; STEIN, 2014STEIN, F. Participação em projetos de aprendizagem em uma escola pública municipal de Porto Alegre. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.), bem como pela construção de um projeto político-pedagógico construído coletivamente. Do interesse em observar esse engajamento conforme vivenciado nas práticas cotidianas de alunos e professores, resultou a identificação de um segmento interacional que foi objeto de escrutínio em diferentes trabalhos realizados ( GARCEZ, 2006GARCEZ, P. M. A organização da fala-em-interação na sala de aula: controle social, reprodução de conhecimento, construção conjunta de conhecimento. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 1, n. 4, p. 66-80, 2006., 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.; GARCEZ; MELO, 2007GARCEZ, P. M.; MELO, P. S. Construindo o melhor momento para tomar o turno na fala-em-interação de sala de aula na escola pública cidadã de Porto Alegre. Polifonia, Cuiabá, v. 13, n. 13, p. 1-21, 2007.) e que reproduzimos parcialmente aqui para os fins deste trabalho. Embora a atividade neste segmento seja construída também com sequências de iniciação-resposta-avaliação, o dado apresenta aspectos próximos da prática do revozeamento. Nesta análise, interessa- nos destacar os aspectos epistêmicos envolvidos na construção e organização da tomada de turnos desse dado que possibilitam que a interação ocorra de modo mais democrático e menos assimétrico entre os participantes.

No dado, os participantes estão engajados na discussão de um livro com o qual a turma vinha trabalhando no âmbito de um projeto interdisciplinar ( CONCEIÇÃO; GARCEZ, 2005CONCEIÇÃO, L. E.; GARCEZ, P. M. O revozeamento no discurso da escola pública cidadã. Intercâmbio, São Paulo, v. 14, p. 1-10, 2005.). Ao longo da interação, destacamos que, em termos epistêmicos, Sílvia se coloca, e é ratificada pelos demais, como a participante mais conhecedora (C+), que organiza e conduz a interação. Em nenhum momento, porém, os outros participantes são colocados na posição de menos conhecedores (c-). Pelo contrário, eles são também projetados ao status de conhecedores da obra em discussão, capazes de dar sugestões de análise, bem como de aceitar/refutar a opinião uns dos outros e de produzir argumentos para suas opiniões. É desse trabalho, sustentado num maior equilíbrio epistêmico entre Sílvia e seus interlocutores, que emergem condições para que os participantes produzam conhecimento em conjunto de modo mais simétrico e democrático:

Excerto 3
4 4 A íntegra do segmento pode ser encontrada em Garcez (2012, p. 107-114).

Sílvia organiza a discussão ao iniciar um turno em que sinaliza que o participante Flávio apresentou uma proposta de análise de um dos personagens da obra (linha 143: “ó o Flá:vio tá dizen:do que o po:rco”). Sílvia não finaliza seu turno e passa a palavra para o autor da proposta, para que ele próprio a compartilhe com os demais (“fala Flávio”). É só depois de Flávio oferecer sua proposta de análise (linha 145: “é o mais inteligente”) que Sílvia retoma seu projeto de turno iniciado na linha 143 ao redizer a proposta de Flávio, atribuindo-lhe o crédito (linha 147). Sílvia, então, submete a proposta ao escrutínio dos demais (linha 147-148: “o quê que vocês a:cham disso?”).

Ao aceitar e redizer a proposta feita por Flávio, Sílvia abre mão do status epistêmico superior que geralmente é atribuído de antemão ao participante que atua como professor em sala de aula e coloca Flávio em uma posição epistêmica alta, uma vez que, desse modo, o projeta como competente para fazer uma análise que merece ser discutida por toda a turma. Sílvia demonstra orientar-se para essa projeção epistêmica de Flávio ainda quando começa a relatar aos demais sua proposta (linha 143), dado que suspende seu projeto de turno e passa a palavra para Flávio, que, sendo o próprio autor da proposta, tem um status epistêmico superior ao dela para relatá-la aos demais.

Por fim, a pergunta de Sílvia projeta também os demais participantes ao status de mais conhecedores ao solicitar sua opinião (“o quê que vocês a:cham disso?”). Por meio dessa pergunta, Sílvia projeta-os como epistemicamente capazes de fornecer uma opinião acerca do livro, e não simplesmente como meros repetidores de partes da obra ou de alguma opinião apresentada previamente por ela. Segue-se a isso o engajamento dos participantes, epistemicamente tratados como competentes, na avaliação da proposta de análise feita por Flávio:

Excerto 4

Em resposta à pergunta feita por Sílvia (linhas 147-148), Alex e outro participante não identificado concordam com a proposta de análise de Flávio (linhas 150 e 151). Sílvia ratifica suas contribuições e solicita que alguém exponha um argumento que justifique a avaliação positiva da opinião de Flávio (linha 153: “ahã (0,2) por quê,”). Em meio a múltiplas vozes, Elisa oferece uma justificativa: “é que ele f[oi o que deu mais idei[as]” (linha 155). Outros participantes também se manifestam e, enquanto Sílvia se ocupa em organizar a interação para que todos possam se ouvir, Elisa repete sua justificativa (linha 163). Depois de ouvir o argumento de Elisa, Sílvia ratifica seu status de conhecedora do livro – capaz de produzir opiniões legítimas sobre ele – uma vez que rediz seu turno e submete sua contribuição à avaliação dos demais participantes. Ao não avaliar simplesmente o turno de Elisa como certo ou errado, mas sim submetê-lo ao escrutínio dos outros participantes, Sílvia projeta não só Elisa ao status de mais conhecedora como também os outros participantes, que são alçados também à posição de quem conhece a obra a ponto de ser competentes para avaliar (concordar/refutar) opiniões dadas a seu respeito.

A análise das relações epistêmicas construídas pelos participantes da interação do Excerto 4 nos permite observar que se trata de um encontro interacional escolar cuja meta não parece ser a reprodução dos conhecimentos que já se encontram consolidados no território epistêmico do participante que se coloca na posição de mais conhecedor (C+). Os participantes demonstram estar engajados em produzir conhecimento a partir do que cada um sabe e da contribuição de cada um para o debate coletivo. Embora Sílvia se coloque, e seja ratificada pelos demais, como participante mais conhecedora (C+) – uma vez que conduz a interação por um determinado caminho previamente percorrido por ela – não atua como mera avaliadora das produções. Sílvia projeta os demais ao status de conhecedores da obra em discussão, ao incentivá-los a produzir opiniões sobre o livro, a dar argumentos para suas opiniões e a concordar ou discordar uns dos outros, o que torna as relações epistêmicas entre eles mais horizontais e democráticas. Assim, Sílvia se vale do motor epistêmico quando propõe perguntas para os demais. As respostas a tais perguntas estão previamente em seu domínio epistêmico – uma vez que ela avalia as respostas dos demais – e são recursos mobilizados por ela para orquestrar as múltiplas vozes que emergem na discussão, conduzindo seus interlocutores por um caminho que possibilita produzir conhecimento sobre o livro em conjunto ao tomarem a palavra com segurança.

Tendo como ponto de partida descrições de sala de aula como as analisadas até aqui, juntamente com outras descrições de cenários escolares ( FRANK, 2010FRANK, I. Constituição e superação de momentos desconfortáveis em sequências de convites à participação: a construção do engajamento na fala-em-interação de sala de aula. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.; GARCEZ; SALIMEN, 2012GARCEZ, P. M.; SALIMEN, P. G. Pedir e oferecer ajuda para “fazer aprender” em atividades pedagógicas de encenação na fala-em-interação de sala de aula de inglês como língua adicional. In: BARCELOS, A. M. F. (ed.). Linguística aplicada: reflexões sobre ensino e aprendizagem de língua materna e língua estrangeira. Campinas: Pontes, 2012. p. 97-118.; SALIMEN, 2009SALIMEN, P. G. A atividade pedagógica de encenar em grupos na sala de aula de língua estrangeira: pedidos de ajuda, ofertas de ajuda e aprendizagem. 2009. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.; 2016SALIMEN, P. G. A realização interacional de atividades pedagógicas emuma sala de aula de língua adicional pautada por projetos: reflexões para o planejamento de tarefas pedagógicas além do enunciado. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; SCHULZ, 2007SCHULZ, L. A construção da participação na fala-em-interação de sala de aula: um estudo microetnográfico sobre a participação em uma escola municipal de Porto Alegre. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.), trabalhos recentes desenvolvidos no âmbito do grupo de pesquisa ISE passaram a demonstrar interesse em observar como se organiza a produção de conhecimento quando, diferentemente do que se costuma verificar em sala de aula, não há um participante que domine de antemão o conhecimento que se deseja alcançar ou atue como condutor dos demais por um caminho previamente trilhado por ele. O interesse, portanto, seria documentar como se organiza a fala-em-interação quando os participantes “não estivessem produzindo de novo conhecimento recebido, mas sim estivessem produzindo conhecimento efetivamente novo em conjunto uns com os outros” ( GARCEZ, 2010GARCEZ, P. M. Fala-em-interação e comunidades de aprendizagem. Projeto de Pesquisa submetido ao CNPq para renovação de Bolsa de Produtividade em Pesquisa. Porto Alegre, 2010., p. 6). Assim, embora com interesse em práticas pedagógicas de sala de aula, alguns trabalhos desenvolvidos no grupo passaram a descrever a organização interacional em outro cenário de produção de conhecimento: um laboratório de desenvolvimento de tecnologia de ponta ( FRANK, 2015FRANK, I. Produção conjunta de conhecimento em um laboratório de tecnologia: perguntas como recursos para o enfrentamento de problemas emergentes. 2015. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.; GARCEZ; FRANK; KANITZ, 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.; KANITZ, 2013KANITZ, A. Resolução de problemas e construção conjunta de conhecimento na fala-em- interação em cenário de desenvolvimento tecnológico. 2013. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.; KANITZ; FRANK, 2014KANITZ. A.; FRANK, I. Aprendizagem enquanto produção conjunta de conhecimento: avançando projetos e alcançando entendimentos satisfatórios na fala-em-interação. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p. 111-140, 2014.). Nesse lugar, os participantes estariam engajados no trabalho de produção de conhecimento efetivamente novo para todos. Então, como não haveria alguém com status epistêmico de conhecedor dado de antemão, seria menos esperada a ocorrência de sequências interacionais iniciadas com uma pergunta cuja resposta estivesse já prevista no domínio epistêmico do participante que fez a pergunta. Na próxima seção, analisamos um dado interacional gerado em tal cenário, com foco nas relações epistêmicas que são estabelecidas entre os participantes e que fomentam condições para eles produzirem conhecimento efetivamente novo em conjunto.

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Construindo relações epistêmicas simétricas para a produção conjunta de conhecimento novo para todos: contribuições de um laboratório de desenvolvimento de tecnologia

O segmento interacional que analisamos nesta seção foi gerado em um centro de tecnologia de uma universidade pública brasileira. Nele, os participantes estão engajados em uma atividade ligada a um projeto de pesquisa cujo objetivo é desenvolver pioneiramente micropeças para serem aplicadas à biotecnologia, tais como parafusos para implante ortodôntico. Por se tratar da produção de peças de pequeno porte e geometrias complexas, os pesquisadores precisam utilizar pós-metálicos comtamanhos de partículas minúsculas. Para obter essas partículas, eles utilizam um moinho atritor: o metal é colocado no interior do moinho junto com esferas metálicas; a movimentação giratória das hastes no interior do moinho gera atrito entre o metal e as esferas, provocando a fragmentação do material até o tamanho de partícula de pó desejado. Assim, o moinho configura-se como um equipamento central para as atividades no laboratório ligadas aos projetos em andamento.

A interação aqui analisada gira em torno de um problema: uma das hastes do moinho (a mais próxima de seu fundo) tornou a quebrar depois de ter sido recentemente consertada. Para poderem continuar com suas atividades no laboratório, os dois participantes envolvidos precisam descobrir o que está causando a quebra da haste. Argumentamos que, nesta interação, não há um participante que tenha a resposta ao problema em seu domínio epistêmico. Por conta disso, os participantes precisam negociar continuamente o caminho que devem seguir para a resolução satisfatória do problema. Isso implica um intenso trabalho de negociação de seus status epistêmicos, à medida que eles projetam, sustentam e ratificam ou não os status epistêmicos um do outro enquanto discutem e levam a cabo ou não as propostas levantadas. O segmento tem início quando Saulo sai da oficina e entra na sala dos pesquisadores (onde estão Éverton e Rossi) após ter diagnosticado a quebra da haste:

Excerto 5
5 5 A transcrição e análise integral do segmento pode ser encontrada em Garcez, Frank, Kanitz (2012, p. 172-178); Kanitz (2013, p. 168-175) e Frank (2015, p. 112-125).

Ao entrar na sala dos pesquisadores, Saulo seleciona Éverton como interlocutor (linha 1: “ô Éverton”) e, a seguir, anuncia uma solução para o problema (linhas 3-4): deixar o moinho sem a haste ao fundo, pois ela voltou a quebrar. Por meio desse turno, Saulo solicita a opinião de Éverton sobre a sua tomada de decisão; ou seja, embora Saulo peça a ajuda do outro, projetando-se a um status de menos conhecedor (c-) em relação à solução do problema, ele desenha seu turno como uma afirmação em que descreve a decisão que pretende adotar para lidar com o problema em questão, projetando uma posição epistêmica alta em relação a essa solução (uma vez que é capaz de produzir uma possível solução para o problema, mas que precisa da confirmação de outro mais conhecedor). Rossi intervém na conversa entre Saulo e Éverton (o que não mostramos aqui pelo espaço exíguo), até que Éverton, então, levanta uma possível causa para a quebra da haste:

Excerto 6

Para oferecer sua proposta de resolução do problema, Éverton desenha seu turno como uma pergunta (linha 40: “você sabe se quebrou por fadiga?”). Por meio de tal pergunta, Éverton ratifica a posição epistêmica alta que Saulo projetou para si em relação à solução do problema, uma vez que o coloca como capaz de responder se fadiga pode ser a causa da quebra da haste. Além disso, ao desenhar seu turno com a expressão “você sabe”, Éverton prioriza Saulo como o participante que sabe mais sobre o problema em questão e que tem direitos e responsabilidades para falar sobre ele.

Saulo se orienta à projeção epistêmica feita por Éverton (de que ele é o participante responsável por saber mais sobre o problema) ao responder que, para poder responder à pergunta, ele mesmo precisa olhar a haste: “eu vou ter que olhar >tem que ver lá<” (linha 42). Assim, embora Saulo tenha buscado a ajuda de Éverton, ele se projeta como participante responsável e competente para lidar com o problema em questão, e é assim ratificado.

Éverton, então, reitera a possibilidade de que a haste esteja quebrando por fadiga, e Saulo mantém seu status epistêmico alto ao questionar a validade da proposta oferecida por Éverton: “mas em vinte minutos?” (linha 48). Ao ter sua proposta questionada, então, Éverton se vê na posição de sustentá-la, o que começa a fazer no turno seguinte (linhas 52-53).

Não satisfeito, na linha 55, Saulo aproveita o intervalo no turno de explicação de Éverton para tomar a palavra. Ele inicia seu turno com “eu acho”, o que demonstra sua inclinação a expor sua própria perspectiva sobre o problema. É nesse ponto que Éverton, talvez para não entrar em uma discussão desnecessária com Saulo, implementa uma ação crucial para a resolução satisfatória do problema: ele faz uma pergunta – em sobreposição ao turno de Saulo – por meio da qual sugere que os dois passem para uma nova etapa na busca de uma resolução do problema: parar de simplesmente discutir hipóteses para observar o objeto do qual eles estão falando: a haste quebrada. Saulo se orienta para essa ação ao afirmar que vai pegar a haste (linha 62: “deixa eu pegar a haste.”). Assim, os dois passam a observar de fato a haste quebrada e, só então, levantam mais hipóteses sobre a causa de sua quebra.

Após analisarem por algum tempo a superfície da haste em busca de sinais de fadiga (o que não encontram), Éverton indica que é estranho isso ter acontecido, pois não ocorria emprocedimentos anteriores comumahaste semelhante. É nesse momento que Saulo levanta uma nova informação, crucial para a resolução do problema:

Excerto 7

A discussão de propostas entre Éverton e Saulo, aliada ao exame detido da haste, encaminha-os a uma informação que eles demonstram ser relevante para a resolução do problema: Saulo havia alterado o tamanho das esferas de 10mm para 12mm. Por questões de espaço, não podemos mostrar grande parte do trabalho dos participantes para, a partir dessa nova informação, chegarem a uma solução satisfatória para o problema. Salientamos, contudo, que, após relatar que trocou o tamanho das esferas, Saulo justifica essa mudança com base na literatura em engenharia. Éverton concorda com Saulo e afirma que dificilmente essa alteração seria a responsável pela quebra haste. No entanto, após levantarem e discutirem várias hipóteses, os dois chegam finalmente a uma solução para o problema, em que a alteração no tamanho das esferas está implicada:

Excerto 8

Embora Saulo anuncie que vai dar sua explicação para a quebra da haste (linha 117: “minha teoria é que:”), o que os participantes constroem a seguir é uma explicação conjunta, em que eles demonstram ter alcançado um status epistêmico comum sobre a causa da quebra da haste. Saulo projeta um status epistêmico alto ao começar a explicar sua teoria para a quebra da haste (linhas 117-118 e 121). Éverton ratifica essa projeção não só ao produzir um turno em sobreposição ao de Saulo em que concorda com a sua explicação (linha 122: “i::sso-”), mas também ao dar continuidade a ela (linhas 122-123). A complementaridade entre os turnos das linhas 117 a 124 torna evidente que a resolução do problema foi construída por meio de um esforço interacional conjunto de Éverton e Saulo. Além disso, enquanto Éverton fala, Saulo faz o gesto da haste quebrando (linhas 123-125 e quadros 3 e 4), o que corrobora, para além dos turnos de fala, o caráter conjunto da descoberta.

Argumentamos aqui, portanto, que nessa interação não há um participante que sabe de antemão a resposta ao problema. Por conta disso, os participantes precisam negociar continuamente o caminho que devem seguir para a resolução satisfatória do problema. Isso implica um intenso trabalho de negociação de seus status epistêmicos, à medida que eles projetam, sustentam e ratificam ou não os status epistêmicos um do outro e à medida que discutem e levam a cabo ou não as propostas levantadas.

Em suma, o segmento analisado evidencia um modo peculiar de organizar a produção de conhecimento, em que nenhum dos participantes detém um status epistêmico de conhecedor da solução do problema. Inicialmente, Saulo projeta uma posição epistêmica alta em relação à solução do problema e trata Éverton como alguém que pode confirmar ou autorizar a solução que ele desenvolveu. Éverton também não é conhecedor da solução do problema. Então, ele ratifica a posição epistêmica projetada por Saulo ao solicitar a ele diversas informações, para que juntos possam descobrir a causa da quebra. Mediante um trabalho custoso e intenso, Éverton e Saulo produzem e negociam propostas de resolução do problema enquanto negociam, ratificam e sustentam seus status epistêmicos. Cabe ressaltar que em nenhum momento os participantes mencionam que a alteração do tamanho das esferas está diretamente implicada na quebra da haste, o que resguarda o status epistêmico de Saulo, uma vez que, como ele foi responsável pela alteração, culpabilizá-lo diretamente pelo ocorrido poderia rebaixar o status que ele projetou ao longo de todo o segmento.

Nesses termos, o trabalho interacional que os participantes do laboratório de tecnologia precisam implementar para lidar com os territórios de conhecimento em jogo na interação é distinto do que é tipicamente encontrado na fala-em- interação de sala de aula convencional. Como não há uma configuração epistêmica colocada de antemão (nenhum dos participantes detém a solução para o problema que eles precisam resolver ou um caminho específico a seguir), os participantes precisam empreender esforços constantes para calibrar, negociar, sustentar e ratificar seus status epistêmicos e, assim, desenvolver e trilhar um caminho comum. É desse intenso e inédito trabalho conjunto que emerge o conhecimento relevante para a resolução do problema diante do qual estão colocados.

6

Considerações finais

Tendo em vista os recentes estudos em análise da conversa etnometodológica que demonstram que a orientação dos participantes para domínios de conhecimento é constitutiva das interações sociais, este trabalho buscou revisitar questões centrais na literatura de fala-em-interação de sala de aula com o olhar voltado para essa orientação nas ações dos participantes. A análise de dados implementada aqui revela importantes contribuições dessa nova perspectiva para a compreensão dos fazeres que constituem a sala de aula.

No primeiro dado de sala de aula analisado, em que a professora corrige a resposta de seus alunos a uma pergunta feita por ela própria, discutimos a inconsistência entre status e posição epistêmica implicada na mobilização da sequência IRA. Essa inconsistência se verifica quando a professora, Olga, mobiliza o motor epistêmico ao produzir um turno de pergunta para os demais, projetando- se como menos conhecedora (c-) e projetando os demais como mais conhecedores (C+). Esse desequilíbrio epistêmico, no entanto, é desconfirmado quando Olga produz uma avaliação negativa da resposta dada por seus interlocutores. Ao avaliar a resposta produzida, ela torna público que o desequilíbrio epistêmico projetado por ela ao produzir sua pergunta é inconsistente, uma vez que ela já detém o conhecimento que demonstrou não ter quando produziu sua pergunta.

Contrastivamente, na análise realizada na terceira seção, em que os participantes realizam uma atividade de discussão de texto literário, destacamos aspectos epistêmicos diferentes envolvidos na construção e organização da tomada de turnos desse dado, que possibilitam que a interação ocorra de modo mais democrático ao evitar a exposição de assimetria epistêmica entre os participantes. Ao longo da interação, a professora, Sílvia, se coloca, e é ratificada pelos demais, como mais conhecedora (C+), uma vez que conduz a interação por um determinado caminho que foi previamente percorrido por ela. Por outro lado, Sílvia projeta os demais ao status de co-conhecedores da obra em discussão, visto que os incentiva a falarem e a se posicionarem acerca da obra, o que torna as relações epistêmicas entre eles mais horizontais e equilibradas. Em outras palavras, Sílvia se vale do motor epistêmico quando propõe perguntas cujas respostas estão em seu domínio epistêmico. Porém, tais perguntas se configuram como recursos mobilizados por ela para orquestrar as múltiplas vozes que emergem na discussão, conduzindo-os por um caminho que lhes possibilita produzir conhecimento sobre o livro em conjunto.

A partir da análise das ações feitas nas duas salas de aula distintas, mediante a mobilização de perguntas, percebe-se que, tão ou mais importante que as perguntas feitas, o que concretizou objetivos tão distintos foi o modo como Sílvia e Olga reagiram às respostas que elas mesmas buscaram. Assim, a avaliação pura de respostas a perguntas propostas não parece ter um fim em construir conjuntamente o novo. Já a solicitação de justificativas e o pedido de posicionamento dos demais participantes acerca do que foi proposto parece contribuir para a construção mais igualitária da sala de aula e de conhecimentos que dificilmente poderiam ser construídos individualmente.

Por fim, a análise do dado realizada na quarta seção corrobora a asserção de que sequências de ações a serviço da construção conjunta de conhecimentos dispensam o rebaixamento epistêmico dos participantes, como se dá pela avaliação explícita de uma resposta produzida a uma indagação. No centro de tecnologia estudado, há consistência entre o status e o posicionamento epistêmico dos participantes quando eles fazem e respondem perguntas. A não ocorrência de avaliações nesse cenário em que se está produzindo conhecimento de ponta e todos os participantes estão em posição de igualdade em termos epistêmicos faz com que se questione o papel da correção e da avaliação de respostas em uma sala de aula que se proponha a ser mais igualitária e democrática e que esteja ocupada em produzir conhecimentos novos – ou ainda, em preparar os alunos para que produzam conhecimentos novos.

O olhar detido para o modo como diferentes relações epistêmicas se constroem a partir da mobilização de perguntas pode proporcionar a profissionais da educação reflexões sobre o planejamento de suas aulas, principalmente no que diz respeito à condução das interações. Se as atividades pedagógicas planejadas têm como finalidade a mera exibição e avaliação de conhecimentos, balizados apenas por aquilo que a professora entenda como certo, provavelmente os objetivos pedagógicos alcançados serão circunscritos à reprodução de conhecimento. Contudo, se as atividades planejadas têm como foco a troca (como na sala de aula de Sílvia) ou a resolução de problemas (como no laboratório) e se a mediação da interação não se resumir a avaliar as respostas produzidas, há chances de que objetivos mais amplos relacionados à construção conjunta de conhecimentos sejam concretizados.

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ANEXO A – Convenções de transcrição

. (ponto final) entonação descendente
? (ponto de interrogação) entonação ascendente
, (vírgula) entonação de continuidade
- (hífen) marca de corte abrupto
↑↓ (flechas para cima e para baixo) alteração do tom de voz (mais agudo: para cima; mais grave: para baixo)
: (dois pontos) prolongamento do som
palavra (sublinhado) som enfatizado
PALAVRA (maiúsculas) fala em volume alto
°palavra° (sinais de graus) fala em voz baixa
>palavra< (sinais de maior do que e menor do que) fala acelerada
<palavra> (sinais de menor do que e maior do que) fala desacelerada
hh (série de h’s) aspiração ou riso
.hh (h’s precedidos de ponto) inspiração audível
[ ] (colchetes) fala simultânea
[[

[[
(colchetes duplos) falas simultâneas que iniciam ao mesmo tempo
= (sinais de igual) elocuções contíguas
(2,4) ( n ú m e r o s e n t r e parênteses) medida de silêncio (em segundos e décimos de segundos)
(.) (ponto entre parênteses) micropausa, até 2/10 de segundo
( ) (parênteses vazios) segmento de fala que não pôde ser transcrito
(palavra) (segmento de fala entre parênteses) transcrição duvidosa
(( olhando para o teto)) (parênteses duplos) descrição de atividade não-vocal
Fonte: Adaptado de Atkinson e Heritage (1984ATKINSON, J. M.; HERITAGE, J. Structures of Social Action. Cambridge: Cambridge University Press, 1984., p. 9-16) e de Loder e Jung (2008LODER, L. L.; JUNG, N. M. (org.). Fala-em-interacão social: introdução à análise da conversa etnometodológica. Porto Alegre: Mercado de Letras, 2008., p. 168).
  • 1
    Garcez (2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121., p. 99) observa que esse dado, além de uma ocorrência clássica de sequência IRA, configura-se também como um episódio de transgressão ética, “em que uma sequência IRA apresenta, na iniciação, não apenas uma pergunta de informação conhecida, mas, além disso, uma pergunta que traz um item (“litros”, linha 1) que não deve aparecer na resposta correta, o que impede que os alunos jamais possam produzir a resposta conforme esperado, que seria o cálculo do volume da piscina expresso em metros cúbicos”. O autor também esclarece que, antes do momento transcrito, Olga havia apresentado e trabalhado com seus interlocutores o cálculo de área e volume, bem como as conversões entre as medidas de área e volume. No que de fato é uma atividade de revisão, Olga parece, então, esperar que os interlocutores possam reunir as duas operações, isto é, o cálculo de volume bem como a conversão de litros para metros cúbicos ( GARCEZ, 2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121.).
  • 2
    De fato, Mehan (1985MEHAN, H. The Structure of Classroom Discourse. In: VAN DIJK, T. A. (ed.). Handbook of Discourse Analysis. London: Academic Press, 1985. p. 119-131. v. 4., p. 249) aponta que, na sala de aula, “‘perguntas de informação conhecida’ podem amortecer a discussão e induzir à passividade dos estudantes”, relacionando o emprego da sequência ao disciplinamento e controle social.
  • 3
    Hall (2001HALL, J. K. Methods for Teaching Foreign Languages: Creating a Community of Learners in the Classroom. New Jersey: Merrill Prentice Hall, 2001.), por exemplo, aponta que a sequência IRA pode ser mobilizada para expandir a participação dos alunos, em ocorrências em que a professora, no turno de avaliação, reformula a resposta produzida pelo aluno, de modo que o aluno é impelido a falar algo a respeito da reformulação proposta pela professora. Margutti (2010MARGUTTI, P. On Designedly Incomplete Utterances: What Counts as Learning for Teachers and Students in Primary Classroom Interaction. Research on Language and Social Interaction, London, v. 43, p. 315-345, 2010.) sugere que o emprego de elocuções propositalmente incompletas seja um modo de auxiliar os alunos na produção de respostas corretas e, como consequência disso, negociar uma posição epistêmica de C+.
  • 4
    A íntegra do segmento pode ser encontrada em Garcez (2012GARCEZ, P. M. A fala-em-interação de sala de aula: controle social, reprodução, construção conjunta. In: GUEDES, P. C. (org.). Educação linguística e cidadania. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 87-121., p. 107-114).
  • 5
    A transcrição e análise integral do segmento pode ser encontrada em Garcez, Frank, Kanitz (2012GARCEZ, P. M.; FRANK, I.; KANITZ, A. Produção conjunta de conhecimento em um cenário de desenvolvimento de tecnologia. Veredas, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 166-184, 2012., p. 172-178); Kanitz (2013KANITZ, A. Resolução de problemas e construção conjunta de conhecimento na fala-em- interação em cenário de desenvolvimento tecnológico. 2013. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013., p. 168-175) e Frank (2015FRANK, I. Produção conjunta de conhecimento em um laboratório de tecnologia: perguntas como recursos para o enfrentamento de problemas emergentes. 2015. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015., p. 112-125).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2021
  • Aceito
    16 Dez 2021
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