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Ensino-aprendizagem de inglês em contexto de privação de liberdade: efeito de suspensão

The Teaching/Learning of English within Incarceration: The Effect of Suspension

RESUMO:

O presente trabalho tem como objetivo analisar a formação do efeito de suspensão, que estagna ações, posições discursivas e relações, no confuso espaço do ensino-aprendizagem do inglês, em uma unidade socioeducativa para adolescentes em conflito com a lei. Para tanto, serão analisados excertos de uma aula de inglês na unidade, além de trechos de entrevistas realizadas pelos participantes. A metodologia utilizada é a análise de discurso e mapeamento estrutural da aula. A análise aponta um movimento conflitante em torno do que pertence à ordem educacional e à ordem do encarceramento, delineando um espaço confuso para o ensino-aprendizagem da língua inglesa, dentro do qual emerge o efeito de suspensão.

PALAVRAS-CHAVE:
Inglês em contexto de privação de liberdade; espaço confuso; efeito de suspensão

ABSTRACT:

This paper aims at analyzing the formation of the Effect of Suspension which stagnates the actions, the discursive positions and the relationships within the confusing space of the teaching-learning of English in a juvenile detention center. In order to do so, excerpts from an English class and from some participants’ interviews are analyzed. The study is carried out under the discourse analysis research method and a structural mapping of the lesson. The analysis points out an intriguing conflict between meanings related to the educational issues and meanings related to the incarceration issues, outlining a confusing space for the English teaching-learning from which emerges the Effect of Suspension.

KEYWORDS:
English within incarceration; confused space; effect of suspension

1 Introdução

O espaço fala. Não digo, com isto, que o espaço possa ser visto como entidade autônoma, soberana, ou como dono absoluto de quereres. Ao contrário, o espaço está irremediavelmente subjugado ao sujeito e à história que nele atuam em dado tempo. Como nos lembra De Certeau ( 2012, p. 184DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.), o espaço é um lugar praticado e precisa, portanto, da ação humana para existir e (se) transformar. Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Blackwell, 1991. ressalta que espaço, considerado isoladamente, não passa de uma abstração, uma formulação vazia. Conforme o autor salienta, ao se articularem questões referentes ao espaço, deve-se também indicar o que e quem o ocupa, bem como como tal espaço é ocupado. A fala que dele emana deve ser, portanto, compreendida a partir do modo como seus sujeitos, naquele lugar e circundados pelo tempo, estabelecem suas relações. O ensino-aprendizagem da língua inglesa no espaço encarcerado também fala e é também constituído ao constituir sujeitos e relações que ali se delineiam, em dado tempo e na história. Dito de outro modo, a compreensão ou escuta da aprendizagem que se dá na privação de liberdade perpassa, necessariamente, pela compreensão da gênese espacial desse ambiente e do modo como ele atua na história de seus sujeitos, na medida em que tais sujeitos ali se relacionam. Nesse contexto, defendo que “o conceito de espaço liga o mental e o cultural, o social e o histórico” ( Lefebvre, 1991, p. 126LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Blackwell, 1991.). Assim, a história do sujeito e de suas relações se confundem e se constroem na história e no tempo de um espaço. Ouvir as vozes ecoantes do espaço do ensino-aprendizagem da língua inglesa dentro do espaço encarcerado constitui um genuíno desafio de desvio de caminhos já conhecidos nos limites da Linguística Aplicada (LA). Tal escuta pretende não apenas elaborar uma compreensão sistemática de tais vozes, mas, sobretudo, fazê-las ecoar, desbravando, com sorte, novas perspectivas para o ensino da língua inglesa em contextos particularmente desconhecidos e desafiadores.

Assim, o presente trabalho se ocupa da compreensão das vozes que ecoam no espaço de privação de liberdade. 1 1 Este trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). De modo mais específico, identifico a constituição do efeito de suspensão, que estagna ações, posições discursivas e relações, no confuso espaço do ensino-aprendizagem do inglês, em uma unidade socioeducativa para adolescentes em conflito com a lei. Para tanto, recorro a articulações e dados desenvolvidos em minha pesquisa de doutoramento, que, justamente, procurou investigar ações e dizeres constituintes do ensino e da aprendizagem de inglês em uma unidade socioeducativa para adolescentes em conflito com a lei na cidade de Belo Horizonte, MG. Mais precisamente, a pesquisa estava focada no modo como professora e alunos estabeleciam e negociavam o espaço físico e o espaço discursivo para o desenvolvimento das ações em torno da aula e da aprendizagem da língua inglesa. O presente estudo se configura, portanto, como uma elaboração e um amadurecimento de recortes de tal trabalho.

2 Fundamentação teórica

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que, no caso de infração grave, gravíssima ou reincidente, pode ser cerceado o direito à liberdade do adolescente, e que, nessa situação, ele deve cumprir medida socioeducativa de internação em um estabelecimento educacional – e não prisional (cf. Art. 185, Seção V) –, isto é, em uma unidade socioeducativa para adolescentes em conflito com a lei. Entendo que essa indicação do ECA põe em cena o que classifico como confusão inaugural, que marcará irremediavelmente tal espaço e seus sujeitos, ou que, apesar da tentativa de abafamento na nomeação do espaço – não podendo ser um estabelecimento prisional –, o total cerceamento da liberdade denuncia o conflito e instaura a confusão entre o que é da ordem educacional e o que é da ordem prisional. A reclusão é resultado de uma transgressão cometida, que deve ser punida. Desse modo, ainda que a palavra “prisão” seja camuflada nesse ambiente por meio da denominação imposta pelo ECA, o espaço fala e denuncia constantemente a existência de uma confusão entre o educacional e o prisional, que circunda as relações.

Acredito, sob essa perspectiva, que a voz que ecoa desse espaço detém e organiza memória(s), que, no espaço encarcerado, insistem em ditar dizeres e fazeres, determinando ações e relações. Defendo, com isso, que a sala de aula de língua inglesa em uma unidade socioeducativa pode revelar-se como um espaço confuso, a partir do entrelaçamento – via memória e discurso – entre os significantes educacional e prisional. Por essa razão, faz-se necessário nos alongarmos em tais conceitos.

2.1 Espaço e memória

Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória.

(José Saramago)

Se, conforme nos indica Saramago, o sujeito vive em um espaço, mas é ocupado por uma memória, vejo que o espaço é o lugar em que reside a memória.

De Certeau (2012)DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012. afirma que a concepção de espaço envolve a noção de ação e de movimento. Para o autor, o espaço é um lugar exercitado. A partir de tal articulação, é possível considerar que um espaço se constitui a partir da ação de seus sujeitos em dado tempo, sobre um dado lugar. Assim, a ação do sujeito e (sua) memória em um lugar e tempo configuram, (re)definem e estabelecem a criação de determinado espaço ( De Certeau, 2012DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.). A memória vem de um lugar fora de si mesmo, movendo as coisas à sua volta e mediando, portanto, as transformações espaciais e o surgimento dos fatos cotidianos ( De Certeau, 2012DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.). Por sua vez, a organização dos fatos ou ocasiões, as transformações espaciais e, ainda, as relações delimitadas pelo sujeito são realizadas pela memória, por meio de três procedimentos ( De Certeau, 2012DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.).

O primeiro, prossegue o autor, diz respeito ao jogo de alteração. Nesse jogo, a memória é regulada por uma múltipla e constante atividade de alteração ou de mudanças, não simplesmente porque ela é composta e marcada por ocorrências externas e por acumulação de sucessivas marcas inscritas na relação do sujeito com o mundo à sua volta, mas também porque essas inscrições invisíveis são trazidas à baila a partir das novas circunstâncias experimentadas pelo sujeito ( De Certeau, 2012DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.).

O segundo procedimento, para o autor, refere-se ao modo singular como a memória responde a esse jogo de alteração, isto é, sendo composta por fragmentos, cada detalhe de dada circunstância pode ganhar o status de memória. Assim, De Certeau (2012)DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012. afirma que cada fragmento de memória sobressai em uma relação metonímica com seu todo. Logo, cada fragmento da memória se revela singular e com força demonstrativa, uma vez que um cheiro, um objeto ou qualquer outra coisa pode interferir – como uma recordação, um resgate, um recall –, demonstrando fragmentos do passado em uma ocasião presente. O terceiro e último artifício levantado por De Certeau (2012)DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012. trata justamente da mobilidade da memória. Ele salienta que os detalhes eleitos como memória não são estáticos ou estáveis, uma vez que cada resgate de recordação provoca alterações ao ordená-los de acordo com a ocasião. Este movimento tem a ver com o modo como as relações serão delimitadas e com o poder distribuído na constituição e funcionamento de um espaço. A partir dessas formulações, compreendo que o modo como a memória se organiza, em meio às ocasiões ou fatos de nosso dia a dia, em movimentos não programados e dinâmicos, pode gerar uma desordem, transportada para o lugar em que o sujeito atua, podendo configurá-lo como um espaço confuso.

O termo espaço confuso foi discretamente mencionado por Foucault (2005)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. R. Ramalhete. 30. ed. Petrópolis, Vozes, 2005 [1975]. em sua articulação sobre o Grande Fechamento. Segundo o autor, o Grande Fechamento surgiu como resposta, tratamento e controle dos pestilentos e leprosos, de modo que o advento da peste e da lepra instruiu a humanidade na criação e na manutenção de modelos de exclusão e de técnicas disciplinares. Utilizando esquemas diferentes, mas compatíveis, tanto a lepra quanto a peste fomentaram técnicas que foram incorporadas pela sociedade no exercício do poder e em seus mecanismos de marcar e excluir o sujeito, classificando-o como anormal. Assim, para Foucault (2005)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. R. Ramalhete. 30. ed. Petrópolis, Vozes, 2005 [1975]., a lepra introduziu mecanismos de separação que inspiraram o formato e o funcionamento do grande fechamento, enquanto, por seu turno, a peste propiciou técnicas disciplinares para o bom treinamento do sujeito. Foucault (2005)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. R. Ramalhete. 30. ed. Petrópolis, Vozes, 2005 [1975]. ressalta que, a partir do século XIX, o espaço de internação – o Grande Fechamento – passou a ser habitado não mais apenas por leprosos de fato, mas também por sujeitos tidos como anormais, isto é, leprosos sociais. Nesse fechamento eram depositados aqueles que, uma vez à margem, deveriam compor um mesmo grupo de desvalidos, portanto, anormais: bêbados, mendigos, vagabundos, loucos, violentos, assassinos, infratores etc. Desse modo, os esquemas envolvidos no tratamento da peste e da lepra, por meio do exercício de controlar, excluir, vigiar e também punir, aproximaram-se um do outro, configurando importantes aspectos daquilo que entendemos hoje como internação, reclusão, prisão, reabilitação.

Esses lugares, ao serem exercitados pelo sujeito, com sua memória e em suas relações, tornam-se um espaço eminentemente confuso. Ademais, a partir de Reis (2018REIS, V. da S. Time, Space, and Memory in the Teaching and Learning of English within a Brazilian Juvenile Detention Centre: The Effect of Suspension in a Confused Space. In: LAMB, T.; MURRAY, G. (eds.). Space, Place and Autonomy in Language Learning. London: Routledge, 2018. p. 179-198.; 2011)REIS, V. da S. O ensino-aprendizagem do inglês como língua estrangeira (ILE) no espaço dentro-fora da lei de uma unidade socioeducativa para adolescentes infratores. 267 p. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., compreendo que o espaço do encarceramento é confuso na medida em que o sujeito que o habita porta consigo sua memória e história, que, não necessariamente de forma harmoniosa, confundem, desordenam ou estagnam realidades, transformando ou desordenando os limites espaço-temporais que o circundam. Assim, o espaço confuso do encarceramento dentro do ensino-aprendizagem (de língua inglesa – LI) pode gerar estagnação de conteúdos e ações, desordem nas relações e realidades, e suspensão, via trabalho da memória, do tempo presente, que é desconsiderado, em função de algo que se foi ou que ainda virá. A este fenômeno dou o nome de efeito de suspensão ( Reis, 2011REIS, V. da S. O ensino-aprendizagem do inglês como língua estrangeira (ILE) no espaço dentro-fora da lei de uma unidade socioeducativa para adolescentes infratores. 267 p. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. ; 2016REIS, V. da S. Recusas e deslocamentos subjetivos de duas professoras de inglês em contexto encarcerado. Letras & Letras, v. 32, n. 3, p. 80-104, nov. 2016. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/33371. Acesso em: jul. 2020.
http://www.seer.ufu.br/index.php/letrase...
; 2018REIS, V. da S. Time, Space, and Memory in the Teaching and Learning of English within a Brazilian Juvenile Detention Centre: The Effect of Suspension in a Confused Space. In: LAMB, T.; MURRAY, G. (eds.). Space, Place and Autonomy in Language Learning. London: Routledge, 2018. p. 179-198.), conceito desenvolvido de forma mais sistemática na seção de análises do presente trabalho. Antes, porém, é necessário discorrer sobre o modo como os sujeitos, no espaço da sala de aula, assumem, negligenciam ou transgridem posições discursivas que ali transitam.

2.2 Espaço discursivo e manejo da sala de aula

O espaço da sala de aula é constituído e caracterizado principalmente por meio do discurso que ali se delineia ou circula, via memória. Desse modo, podemos dizer que é na sala de aula que são constituídos e mobilizados os espaços discursivos nos quais lugar e posição ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.), dos alunos e do professor, são tomados, assumidos, ou curiosamente, como no caso da presente pesquisa, negados ou subvertidos. Formado pela fala do professor, manejando a instrução e o contato com os alunos e seu dizer, o termo discurso da sala de aula se refere a elementos linguísticos e não linguísticos do discurso que transita nesse espaço ( Tsui, 2011TSUI, A. Classroom discourse. In: SIMPSON, J. (ed). The Routledge Handbook of Applied Linguistics. Oxford; New York: Routledge, 2011. p. 274-286.). Assim, o manejo da instrução e da interação realizado pelo professor durante a aula é vital nesse espaço. Segundo Crookes e Chaudron (2001)CAMERON, D. Working with spoken discourse. London: SAGE Publications; New Delhi: Thousand Oaks, 2001., cabe ao professor, em sua prática na sala de aula, trazer e administrar elementos linguísticos da língua estrangeira nas quatro habilidades (falar, ouvir, escrever e ler), estratégias de aprendizagem e seu uso efetivo. Ao mesmo tempo, prosseguem os autores, cabe ao professor organizar tópicos e eventos, criando possibilidades para que seja aprendido o que for escolhido e apresentado na sala de aula. Outro elemento importante dentro do manejo na sala de aula é a dinâmica de correção e feedback para a produção dos alunos ( Crookes; Chaudron, 2001CROOKES, G.; CHAUDRON, C. Guidelines for Language Classroom Instruction. In: CELCE-MURCIA, M. (ed). Teaching English as a Second or Foreign Language. 3rd ed. Boston: Heinle & Heinle, 2001. p. 29-42.). Pêcheux (1997)PÊCHEUX, M. A. Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1997. p. 311-318. apresenta o termo espaços discursivos como sendo elementos logicamente estabilizados, que supõem que o sujeito falante tem domínio e sabe o que diz. Nesses termos, tais espaços são unificados por uma série de evidências lógico-práticas (homogeneidade lógica) e de nível muito geral. Contudo, o autor nos alerta para o fato de que, a despeito da intenção do enunciador, haverá sempre a possibilidade de que equívocos cruzem tais espaços, atravessando suas proposições e rompendo com uma cobertura lógica, exibindo regiões heterogêneas da ordem da falha, que constituem os enganos e “mal-entendidos” da fala.

Inseridos nos espaços discursivos, os participantes agem de acordo com o lugar e a posição assumidos por eles nos mais diversos eventos. Segundo Orlandi (1999)ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p., lugar pode ser entendido como uma denominação empírica, isto é, aquilo que pode ser socialmente descrito, uma vez que se refere à forma como o sujeito está socialmente inscrito, como, por exemplo, o lugar da mãe ou do filho na família, ou o lugar do professor e do aluno na sala de aula. Por outro lado, a autora apresenta o termo posição, para referir-se ao modo como o participante movimenta os efeitos de sentido ao tomar a palavra, produzindo, consequentemente, discurso. Nesse sentido, o sujeito assume sua posição discursiva a partir daquilo que fala e do modo como assume a palavra. Entendo, assim, que o discurso não pode ser considerado como independente ou isolado do espaço dentro do qual foi produzido, da situação, do lugar e da posição, assumida ou negada pelo sujeito, ao tomar a palavra. Como tenho defendido ao longo da presente proposta, o espaço fala, mas muitas vezes tal fala faz apenas ecoar a reprodução de discursos ali circulantes, inseridos em uma memória-história e proferidos pelos sujeitos em tomadas da palavra. Na sala de aula, há sempre a expectativa de que o professor assuma sua fala, a partir de sua posição histórica e ideologicamente construída. Assim, durante a aula, espera-se que o professor, assumindo sua fala e construindo seu espaço e posição discursiva, maneje os eventos, instruções e interações que ali ganham forma. O aluno, por outro lado, insere-se nessa relação, constituindo sua posição discursiva de aprendiz, que pergunta, responde e segue o manejo (gerenciamento) do professor, com ele concordando, ou mesmo redirecionando-o em relação à orientação das aulas 2 2 Consideramos, com esta fala, que a posição de aluno não é sempre harmônica, sem conflitos, ou apenas pacífica. Cabe a este, também, resistir e/ou desafiar a posição do professor, seja por meio da indisciplina, seja com perguntas que visam desestruturar ou testar a posição-professor. . Com isso, é possível afirmar que professor e alunos estão em uma negociação constante das regras e do funcionamento da aula, sendo que, neste movimento, a relação entre eles é balizada no espaço da sala de aula, na constituição do espaço discursivo. Considerando, por fim, que os sentidos são constituídos discursivamente ( Foucault, 1980 [1972]FOUCAULT, M. Power knowledge. Trad. C. Gordon. New York: Harvester Press, 1980 [1972].) e que é na dinâmica do dizer que o sujeito se define, defendo que a análise da natureza do discurso e da forma como as interações e instruções são estabelecidas na sala de aula pode ser reveladora do modo como os sentidos são aí construídos e negociados. Dito em outras palavras, tal análise torna possível a compreensão acerca da maneira como os participantes da sala de aula se constituem nesse espaço discursivo e social, negociando posições que regulam a relação e a natureza do ensino-aprendizagem, em que professor e alunos estão envolvidos. Desse modo, vale dizer que, no encarceramento, o espaço da “sala de aula” pode configurar uma espécie de desdobramento de outras instâncias que remetem à lei, à ordem, à punição e também à imagem da reabilitação. Os sujeitos dessa instituição híbrida e complexa, inseridos na dinâmica da sala de aula, podem ser mais bem compreendidos ao nos aproximarmos do discurso que circula nesse espaço, definindo melhor ações e relações.

3 Condições de produção, participantes e metodologia da pesquisa

Conforme defendido ao longo da discussão aqui estabelecida, entendo que o espaço fala, logo, o presente trabalho objetiva compreender as vozes que ecoam no espaço de privação de liberdade, identificando aí o fenômeno que nomeio como efeito de suspensão. Nesse sentido, seguindo os princípios e procedimentos da análise de discurso ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.; Pêcheux, 1997PÊCHEUX, M. A. Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1997. p. 311-318.) a análise do corpus sempre é envolta em minuciosas considerações acerca das condições de produção nas quais o discurso se constitui. O termo condições de produção compreende os sujeitos e a situação, e o modo como a memória é acionada. Sendo, portanto, compreendida como um já-dito, a memória sempre ressoará na e da história do sujeito ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.; Pêcheux, 1997PÊCHEUX, M. A. Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1997. p. 311-318.). Assim, condições de produção também se referem ao contexto imediato e aos contextos social, histórico e ideológico que norteiam e balizam as possibilidades de produção.

Na presente pesquisa busco analisar a constituição do efeito de suspensão no espaço discursivo e confuso do encarceramento. Assim, os dados aqui investigados fazem parte do corpus coletado, ao longo de um ano letivo, em uma unidade socioeducativa da cidade de Belo Horizonte – MG, para adolescentes em conflito com a lei. A caracterização física dessa unidade é muito próxima à de uma prisão: grades e celas (também chamadas de alojamentos), muitos portões trancados por correntes e cadeados, espaço cercado por muros altos e cercas elétricas. A pesquisa contou com a participação de Manoela 3 3 Todos os nomes que aparecem no estudo são fictícios e foram escolhidos pelos próprios participantes. , que, no período da coleta, era professora há cinco anos, dois deles exercidos no centro socioeducativo. Manoela é formada em Letras com licenciatura em Português e Inglês por um centro universitário particular de Belo Horizonte. É casada e mãe de dois filhos. No presente recorte, também participam 5 alunos do sexto ano, com idade entre 16 e 18 anos, internos no período da pesquisa. O número de alunos-internos, durante o ano de coleta, chegou a 35, oscilando de acordo com desligamentos e novas internações. Em sua maioria, os alunos eram negros, pobres, reincidentes e evadidos da escola antes da infração. Como participantes do espaço pesquisado – logo, também da pesquisa –, há ainda os agentes socioeducativos, fisicamente presentes em todas as aulas, por questões de segurança. Serão analisados trechos de uma aula de inglês do sexto ano, gravada e transcrita durante o ano de coleta, bem como fragmentos de duas entrevistas, realizadas com a professora Manoela e um aluno. O tratamento do corpus, desde a transcrição 4 4 Convenção para a transcrição: / pausa breve; // pausa longa; // // pausa muito longa; // // // pausa longuíssima; [] comentários/perguntas da pesquisadora; (XXX) sequência incompreensível; (...) omissão de trechos da fala; X suspensão de um nome próprio; [risos]; ~ interrupção de uma formulação anterior; PALAVRA EM CAIXA ALTA ênfase dada pelo enunciador; ::: alongamento de vogal ou consoante. até a discussão e as conclusões sobre as implicações para o ensino e a aprendizagem de inglês em contexto de privação de liberdade, foi guiado pelo dispositivo analítico da escuta discursiva ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.). Tal dispositivo se configura como um meio pelo qual os gestos de interpretação se ligam aos processos de identificação dos sujeitos e às filiações de sentidos ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.). Por meio da escuta discursiva, é possível traçar uma descrição da relação que o sujeito estabelece com as redes circulantes da memória. Pode-se estabelecer, assim, um movimento interdependente, entre a descrição e a interpretação do corpus. A descrição envolve, por conseguinte, o nível intradiscursivo – a materialidade linguística – e o fio do discurso – dos dizeres produzidos pelos participantes da pesquisa. Ao mesmo tempo, considera-se que todo dizer é constituído por uma memória – o já-dito – e por um interdiscurso – que trabalha na produção de sentidos ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.). Já a interpretação, segundo Orlandi ( 1999, p. 59ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.), é o lugar no qual a análise de discurso trabalha, sendo este o “lugar da interpretação, da manifestação do inconsciente e da ideologia na produção dos sentidos e na constituição dos sujeitos”. Todas as aulas de língua inglesa, que aconteciam às segundas, quartas e sextas, foram acompanhadas, ao longo do ano letivo. Com efeito, pode-se dizer que a presente pesquisa é de cunho etnográfico, uma vez que a geração dos dados nos quais ela se fundamenta se deu dentro de uma profunda imersão no contexto investigado.

Dado que a pesquisa etnográfica demanda tempo para ser realizada, seus procedimentos representam uma oportunidade para observar e compreender os processos que nos rodeiam ( Anderson-Levitt, 2006ANDERSON-LEVITT, K. M. Ethnography. In: GREEN, J. et al. (ed.). Handbook of Complementary Methods in Education Research. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 2006. p. 279-295.). O olhar etnográfico, nesse sentido, se revela ímpar, por nos levar a fazer uma pergunta básica, mas profundamente elucidativa: “O que está acontecendo aqui?” Tal pergunta se desdobra, ainda, em outras duas: “Como isso acontece?” e “O que isso significa?”. Elas se mostram, assim, essenciais para a definição do problema a ser investigado ( Anderson-Levitt, 2006ANDERSON-LEVITT, K. M. Ethnography. In: GREEN, J. et al. (ed.). Handbook of Complementary Methods in Education Research. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 2006. p. 279-295.). Ademais, a abordagem etnográfica nos permite desenvolver uma compreensão das situações no contexto imediato, porém, deixando pistas de toda a sua complexidade, isto é, os estudos etnográficos oferecem uma oportunidade de explorar ações no contexto mais amplo, permitindo, desse modo, descrever a complexidade das realidades e das relações nas quais os sujeitos estão envolvidos ( Anderson-Levitt, 2006ANDERSON-LEVITT, K. M. Ethnography. In: GREEN, J. et al. (ed.). Handbook of Complementary Methods in Education Research. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 2006. p. 279-295.). Seguindo, então, os constructos de Green e Wallat (1981)GREEN, J.; WALLAT, C. Mapping instructional conversations. In: GREEN, J.; WALLAT, C. (ed.). Ethnography and language in education contexts. Norwood: Ablex, 1981. p. 162-195., foi feito um minucioso mapeamento (mapa estrutural e analítico) das interações arroladas na aula analisada, identificando o enunciador e todos os enunciados proferidos pelos participantes desse evento discursivo. Nesse contexto, identifiquei o conteúdo e a forma linguística de cada unidade de mensagem de cada enunciado, bem como sua função e sua estratégia de uso. Também procurei identificar o contexto e as tomadas de palavra/posição enunciativas mantidas ou negligenciadas entre os participantes. Por meio de tais procedimentos, foi-me possível compreender com profundidade o que estava acontecendo no espaço de encarceramento, bem como as vozes que ali ecoavam.

Por uma questão didático-metodológica, os recortes são apresentados em quadros, com linhas referentes à aula transcrita (L1; L2 etc.) ou às entrevistas realizadas (E1; E2 etc.), as quais, por sua vez, correspondem a cada unidade de mensagem (UM), com a definição de seu enunciador (E: aluno A; professora P etc.). Vale ressaltar que a transcrição e o mapeamento da aula em análise aconteceram linha a linha e que, portanto, não aparecerá aqui em ordem cronológica ou crescente, mas em recortes, segundo os objetivos da presente proposta.

4 Análise

Green e Wallat (1981)GREEN, J.; WALLAT, C. Mapping instructional conversations. In: GREEN, J.; WALLAT, C. (ed.). Ethnography and language in education contexts. Norwood: Ablex, 1981. p. 162-195., em um texto seminal, empregam o termo conversas instrutivas, para defender que, nos limites da sala de aula, administra-se muito mais que um conteúdo didático, isto é, segundo as autoras, a sala de aula é também um lugar no qual, junto com o conteúdo, são negociadas práticas sociais. Assim, a instrução formal é constituída não apenas pelo manejo de questões linguísticas e pedagógicas, mas também pelo modo como os participantes da sala de aula compreendem, assumem ou interferem na dinâmica social ( Green; Wallat, 1981GREEN, J.; WALLAT, C. Mapping instructional conversations. In: GREEN, J.; WALLAT, C. (ed.). Ethnography and language in education contexts. Norwood: Ablex, 1981. p. 162-195.).

As autoras então propõem uma maneira de capturar, de forma minuciosa, o desenvolvimento da instrução, a fim de compreender o modo como se estabelecem os processos sociais, nos limites da sala de aula. Green e Wallat (1981)GREEN, J.; WALLAT, C. Mapping instructional conversations. In: GREEN, J.; WALLAT, C. (ed.). Ethnography and language in education contexts. Norwood: Ablex, 1981. p. 162-195. empreendem uma microanálise discursiva, isto é, uma análise linha a linha da aula, realizando um mapeamento estrutural das ocorrências instrucionais, com a identificação do contexto, das ocorrências linguísticas e extralinguísticas, bem como das regras sociais que ali são estabelecidas.

Com base nessa proposta, foi feita a análise linha a linha de uma aula de língua inglesa no contexto de privação de liberdade, formulando um preciso sistema descritivo, que permitiu, juntamente com a análise de diários e entrevistas, compreender o modo como os sentidos são construídos dentro de tal espaço. Tal procedimento tornou possível a compreensão dos discursos que ecoam nesse espaço, viabilizando a apreensão do fenômeno efeito de suspensão, observado no modo como posições, ações e relações são assumidas ou negadas no espaço confuso do encarceramento.

As subseções seguintes apresentarão: (1) uma discussão acerca de algumas ocorrências do sistema descritivo (mapa estrutural), apreendidas a partir da análise linha a linha de uma aula de LI; e (2) algumas implicações do modo como a aula ganha forma em tal espaço e a formulação do efeito de suspensão.

4.1 Mapa estrutural

O quadro 5 5 Respeitando as limitações espaço-temporais da presente proposta, serão apresentadas e discutidas apenas algumas das inúmeras ocorrências identificadas no quadro. Para aprofundamento das demais ocorrências, ver Reis (2011). a seguir apresenta a síntese do sistema descritivo das ocorrências segundo as formas e as funções ou estratégias linguísticas identificadas, a partir de um criterioso mapa estrutural da aula analisada, que explicita cada enunciado proferido durante a aula. O quadro apresenta também o enunciador do discurso, mostrando os tipos de funções e estratégias usadas nas interações pelos participantes e o número de vezes que cada participante toma a palavra, para assumir ou revelar sua posição discursiva, explicitando, assim, quão ativo é cada participante durante a aula.

Quadro 1 -
Frequência das Formas e Estratégias Linguísticas

Destacando as formas linguísticas referentes a afirmações e respostas, é possível observar que estas são controladas pela professora. É interessante observar que a forma linguística referente à produção de perguntas e a função linguística referente à avaliação – normalmente controladas pelo professor ( Crookes; Chaudron, 2001CROOKES, G.; CHAUDRON, C. Guidelines for Language Classroom Instruction. In: CELCE-MURCIA, M. (ed). Teaching English as a Second or Foreign Language. 3rd ed. Boston: Heinle & Heinle, 2001. p. 29-42.) – são controladas pelos alunos. As perguntas dos alunos são elaboradas, principalmente, na seguinte ordem de ocorrência: (a) para a constituição de uma instrução; (b) para solicitar algum esclarecimento; (c) para esclarecer alguma dúvida em relação ao conteúdo do inglês; e (d) para expressar dúvida(s) em relação a um fato extraclasse. Nesse sentido, vejamos as ocorrências abaixo:

Já a ocorrência e a natureza das questões propostas por Manoela referem-se respectivamente a: (a) a retomada circular do conteúdo administrado no dia, isto é, ensino dos cumprimentos/ greetings (bom dia, boa tarde, boa noite); (b) assuntos extraclasse referentes a outro tempo e a outro espaço, principalmente ligado à fuga ou aos desligamentos de outros alunos; (c) verificação de algo que não foi compreendido. Conforme excertos abaixo:

Outro aspecto da aula que merece destaque é a ocorrência e a natureza da função linguística referente à instrução formal ( Tsui, 2011TSUI, A. Classroom discourse. In: SIMPSON, J. (ed). The Routledge Handbook of Applied Linguistics. Oxford; New York: Routledge, 2011. p. 274-286.). Consideremos o recorte abaixo:

Como pode ser observado, a instrução formal da aula analisada gira, quase exclusivamente, em torno do uso dos greetings e é interrompida pela ação dos alunos introduzindo ou solicitando o ensino de vocabulário. Como indicado no quadro das ocorrências e formas, os alunos, curiosamente, dominam as ocorrências de formulação de instrução formal.

A função linguística referente à explicação também merece destaque, dada a sua importância na constituição do manejo da sala de aula. A explicação é parte fundamental da fala do professor, juntamente com a apresentação e a distribuição de tarefas ( Jonhson; Jonhson, 1998JONHSON, K.; JONHSON, H. Encyclopedic Dictionary of Applied Linguistics: A Handbook for Language Teaching. Oxford: Blackwell, 1998. 404 p.). A análise da aula mostra que a função linguística explicativa, além de também ser dominada pelos alunos, não está relacionada apenas a conteúdos de uma instrução formal, mas principalmente a acontecimentos mais abrangentes, geralmente ligados à realidade do espaço de encarceramento, tais como novas internações/prisões, desligamentos e fugas. Vejamos algumas ocorrências:

Finalmente, merece destaque o modo peculiar como a palavra é disputada entre professora e alunos. Em meio à evidente disputa, é possível perceber que os participantes assumem ou negam sua posição discursiva ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.; Pêcheux, 1997PÊCHEUX, M. A. Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1997. p. 311-318.). Acompanhando o modo como os turnos (tomada da palavra) e os temas são estabelecidos 7 7 As tomadas de turnos e/ou o início de um novo tópico na aula são marcados por meio da linha mais sobressalente que aparece após uma unidade de mensagem. , destaco a participação ativa e incisiva dos alunos sobre a da professora. Verifico, assim, que Manoela tem sua posição confrontada e, consequentemente, estabelece um embate para definir sua posição-professora, obscurecida, silenciada ou transfigurada, na relação com seu aluno, na confusão desse espaço. A professora pede a palavra muitas vezes por meio da palavra/expressão: olha só/olha, gente, mas, na maioria das vezes, sua tomada de posição não é sustentada; vencem os alunos. Vejamos os recortes abaixo:

1. Repetidas vezes, localizam-se turnos iniciados por Manoela pedindo a palavra, e, em seguida, longas pausas de silêncio, após o que os alunos (re)assumem o espaço discursivo. É possível identificar, por fim, que a ausência do manejo objetivo da aula, observada na posição da professora, gera uma posição-aluno que, de certo modo, direciona e dá ritmo aos eventos da aula, confrontando a memória ( De Certeau, 2012DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.) sobre o lugar e posição ( Orlandi, 1999ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.) do professor, e desordenando as vozes ali circulantes. Vejamos, a seguir, as implicações de tais ocorrências, para as ações e relações estabelecidas nesse espaço. 4.2 Implicações do espaço para a aula de inglês e a criação do efeito de suspensão.

Conforme Cameron (2001)CAMERON, D. Working with spoken discourse. London: SAGE Publications; New Delhi: Thousand Oaks, 2001. propõe, os diversos cenários e contextos sociais, tais como os tribunais e as salas de aula, são caracterizados por uma distribuição desigual do direito de falar e das obrigações. Geralmente, na sala de aula, cabe aos professores fazer perguntas, avaliar as respostas, estabelecer ou administrar os tópicos que serão discutidos e até mesmo como os turnos serão distribuídos entre os participantes. Sacks (1992)SACKS, H. Lectures on Conversation. Oxford: Basil Blackwell. 1992. v. 1. defende que, por meio da elaboração de perguntas, quem interroga possui o controle do discurso, uma vez que ele se constitui como aquele que tem o direito de falar após cada resposta e, por conseguinte, a possibilidade de nortear o tópico e a conversa para onde lhe convier. Contrapondo tal afirmação com a aula em análise e o decorrente levantamento das formas e funções linguísticas estabelecidas, é possível sustentar empiricamente a afirmação de que os alunos controlam, direcionam e manejam o ensino-aprendizagem de inglês no espaço pesquisado. Os alunos dominam, entre outros elementos, a formulação de perguntas.

Posições constituídas social e ideologicamente são carregadas de representações (imagens, memória discursiva) que trazem consigo demandas circulantes em sua formação, isto é, demanda-se sempre do professor a postura de gerenciar a instrução formal a ser trabalhada com os alunos. Assim, apesar de Manoela não se apropriar do direito de falar, este lhe pertence e, por isso, se estabelece, nesse espaço de aula, um embate contínuo entre as vozes ali ecoantes. Esse embate é, no entanto, muitas vezes camuflado com risos, ironias e manifestações de amabilidade, marcando confusões e desordens no espaço. O que também contribui para a formação dessa confusão é o fato de haver inúmeros tópicos abertos no decorrer da lição. Esses tópicos são suspensos pela inclusão de outros e permanecem sem desfecho. Desse modo, os assuntos se apresentam desordenados, comprometendo os sentidos.

Por sua vez, os advérbios de lugar aqui e lá, que aparecem em todo o corpus 8 8 Ver alguns exemplos, destacados em negrito, nos excertos da seção anterior. , mostram que a memória joga com o espaço e com o tempo, influenciando a relação entre os participantes, o ensino e a aprendizagem da língua inglesa que ali se delineia. Com efeito, percebe-se que o que acontece na sala de aula está, de alguma forma, conectado ao que aconteceu aos alunos em outro lugar, antes de sua internação no presente centro, ou mesmo ao que ainda virá, quando dali saírem.

A partir daí, é possível observar que há uma espécie de suspensão do evento e do tempo presentes, quando, por exemplo, o aluno A3 solicita da professora uma determinada atividade que ele considera incompleta (L128 e L129) e ouve da professora que depois eles irão “copiar”, suspendendo um tempo ao relacioná-lo com a continuidade de algo suspenso (L130 e L131).

As interações no contexto investigado apontam para uma espécie de “faz de conta” acerca do ensino e da aprendizagem, explicitado (ou motivado) pela estagnação no desenvolvimento dos tópicos e atividades da aula. Cria-se, assim, um espaço ‘lugar nenhum’, onde ações, relações e conteúdos se encontram suspensos. A desordem confunde a todos e paralisa o progresso das atividades e a compreensão das vozes e desejos ressoantes dos sujeitos desse espaço (confuso).

Por meio dos seguintes recortes da aula e das entrevistas é possível vislumbrar e discutir a estagnação, que culmina no que defino como efeito de suspensão:

Johnson e Johnson (1998)JONHSON, K.; JONHSON, H. Encyclopedic Dictionary of Applied Linguistics: A Handbook for Language Teaching. Oxford: Blackwell, 1998. 404 p. afirmam que uma aula decorrente de um bom planejamento promove uma progressão clara de atividades, que estão inter-relacionadas. A análise da aula denunciou um fato curioso, que abriu uma via de acesso para a compreensão desse espaço e de suas vozes. A combinação do mapeamento linha a linha e a análise de uma aula dada nesse espaço com a observação etnográfica de todas as aulas do ano letivo, bem como de diários e entrevistas também coletados, permitiu vislumbrar uma estagnação quanto às atividades referentes à instrução formal administrada na sala de inglês. A partir da análise, destacou-se, por exemplo, o fato de os alunos fazerem a mesma pergunta repetidas vezes: “é para copiar isso aí?”. O mapeamento ainda mostra que a professora, durante todo o tempo da aula, insiste em ensinar alguns mesmos cumprimentos em inglês: “L24: E::: Boa noite / em inglês? / L116: Good Evening // // //(xxx) / L309: / in the evening? Nos limites da sala de aula, o tempo é evidenciado a partir da progressão de determinado conteúdo e de determinada atividade, por meio da qual o aluno apreende elementos da língua estudada e os vai conectando com conteúdos de aulas anteriores. Uma memória é, portanto, acionada. Por outro lado, a aula nos indica uma estagnação em relação à atividade proposta. O tempo passa, mas as atividades não progridem, gerando o curioso efeito de suspensão, que estagna relações e ações, confunde vozes e posições discursivas. O que a análise da aula elucida pode, enfim, ser balizado a partir da análise das entrevistas da professora e de seus alunos, conforme excertos que se seguem:

O enunciado “ensino como são” é aqui entendido como portador de vozes outras, que ecoam fortemente neste/deste espaço para além do tempo presente da aula ou da fala da professora. Como um lapso que irrompe inadvertidamente da fala de Manoela, apreendemos que há um ensino delimitado, consciente ou inconscientemente, para aquele espaço particular. Defendo, assim, que as relações estabelecidas nesse espaço partem de uma memória que multiplica e atualiza a condição infratora desse sujeito. Logo, Manoela deixa escapar que ensina “como são”, configurando, assim, a existência de um ensino encarcerado para um público encarcerado, que circula em torno do mesmo (“faço repito”) (XXX), como observado também na fala do aluno Robert. Nos próximos recortes, há outro indício que corrobora a percepção do efeito de suspensão. Vejamos o incômodo e as incertezas gerados pelo (confuso) término da aula.

Como não há uma progressão clara e eficiente no manejo da instrução das atividades e das interações na sala de aula, a conclusão da aula também se estabelece na desordem, ao acaso e de modo confuso. O término da aula é estabelecido pelos alunos, e não pela professora. A pergunta do aluno A2, sobre a possibilidade de guardar o caderno (L501), é interpretada como o fim da aula, sendo a partir de então que o fim do encontro realmente se estabelece. Igualmente, o término da aula concorre com assuntos pertencentes à realidade de um centro de internação, o que é também conflitante. Os alunos questionam o término da aula (“acabou?”; “Tá liberado?”; “Acabou/ não acabou?”), a fim de construir a instrução referente a seu fim. A professora se dirige ao agente socioeducativo, para saber se ela pode ou não levar seu próprio material (L521). Segundo as condições de produção dos discursos nesse lugar, a pergunta da professora pretende avisar e justificar para o agente – a lei naquele espaço – que a aula foi concluída. No entanto, isso se dá aos vinte e poucos minutos da aula, motivo do mal-estar e incerteza em relação a seu término. Diante do exposto na presente subseção, é possível, enfim, definir o efeito de suspensão como um embate – nem sempre consciente, nunca bem-sucedido – do sujeito com o tempo, na tentativa de controle constantemente perturbada pela memória. O tempo sempre vence e a curiosa relação entre sujeitos, memória, conteúdo, em suas posições discursivas, denuncia o retorno infindável a ele, ao fragmentado, a algo que insiste em congelar conteúdos, ações, relações e posições discursivas. Desse modo, o tempo passa, o conteúdo estagna e tudo que resta é a confusão, que denuncia o conflito desconcertante de se caminhar sem sair do lugar, sem progressos ou novidades. O efeito de suspensão é formulado por fragmentos de ações, dizeres e relações, que, via memória, jogam em cena, incessantemente, algo do ontem que (não) se foi, ou algo do amanhã que ainda virá; elementos que insistem em permanecer suspensos.

5 Considerações finais

Como defendido ao longo do presente trabalho, é pela ação do sujeito, com sua história, em dado tempo, que espaços são criados, mantidos, subvertidos, transformados, mas também estagnados. O espaço fala, mas as vozes que nele transitam (re)velam a presença e a ação humana através do tempo, resgatadas pela memória que nele habita. Assim, nenhum espaço se tornaria coisa alguma, apartado de um tempo, de sua história e, principalmente, da surpreendente ação humana sobre ele.

Por meio da pesquisa apresentada, pôde-se constatar que o que se denomina, nesse espaço, ensino-aprendizagem de língua inglesa é como um faz de conta, que precisa acontecer mais por cumprimento da lei do que pelo compromisso com um ensino capaz de instaurar no sujeito aprendiz o desejo de novas possibilidades. É preciso dizer que a prática didático-pedagógica nesse espaço se revela confusamente suspensa, não somente pelas impossibilidades físicas (constantes internações e desligamentos, que dificultam a continuidade dos trabalhos, por exemplo), de formação linguística ou pedagógica da professora, mas, sobretudo, de ouvir o que esse espaço denuncia e de enxergar os alunos em suas necessidades particulares. Enfim, o espaço encarcerado dentro do qual se formula o espaço do (não) ensino-aprendizado da língua inglesa é confuso graças ao efeito de suspensão que nele se instaura e incomoda. Não obstante, também resiste e persiste em desordenar possibilidades mais efetivas.

O que também insiste, como desafio que aqui lanço, e do qual não abro mão, é a necessidade de elaborarmos formas de romper com tal efeito 9 9 Uma possibilidade é trabalhar com o que denomino “Oportunidades em Gotas”, sendo estas instrumentos elaborados para combater o efeito de suspensão, ao prever lições independentes, curtas, mas intensas e significativas, com começo, meio e fim, considerando todas as particularidades desse espaço confuso ( Reis, 2016). , o qual, a meu ver, também se revela como realidade em outros contextos de ensino 10 10 A voz que constantemente ressoa em torno de dizeres de que há, no ensino regular, um ensino repetido do verbo to be, é um exemplo da possibilidade da ocorrência do fenômeno. . O espaço fala, deixando ecoar vozes da memória que ali circula, desordenando eventos, ditando relações, estagnando ações, tornando-o, com efeito, confuso. Assim, é a confusão que formula e alimenta a suspensão do fazer e do dizer no ensino-aprendizagem (de LI) no espaço de privação de liberdade. A desestabilização desse efeito exige uma escuta atenta de tais vozes, a fim de se propiciarem novos caminhos, novos dizeres-fazeres, que irão construir, finalmente, novas possibilidades de relações e produções de sentido, para a (re) organização desse espaço que ainda se faz confuso.

Referências

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  • BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União – Seção 1 – Brasília, DF, 16 jul. 1990, p. 13563 (Publicação Original).
  • CAMERON, D. Working with spoken discourse. London: SAGE Publications; New Delhi: Thousand Oaks, 2001.
  • CROOKES, G.; CHAUDRON, C. Guidelines for Language Classroom Instruction. In: CELCE-MURCIA, M. (ed). Teaching English as a Second or Foreign Language. 3rd ed. Boston: Heinle & Heinle, 2001. p. 29-42.
  • DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano: artes do fazer. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
  • FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. R. Ramalhete. 30. ed. Petrópolis, Vozes, 2005 [1975].
  • FOUCAULT, M. Power knowledge. Trad. C. Gordon. New York: Harvester Press, 1980 [1972].
  • GREEN, J.; WALLAT, C. Mapping instructional conversations. In: GREEN, J.; WALLAT, C. (ed.). Ethnography and language in education contexts. Norwood: Ablex, 1981. p. 162-195.
  • JONHSON, K.; JONHSON, H. Encyclopedic Dictionary of Applied Linguistics: A Handbook for Language Teaching. Oxford: Blackwell, 1998. 404 p.
  • LEFEBVRE, H. The production of space. Oxford: Blackwell, 1991.
  • ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimento. Campinas: Pontes, 1999. 455 p.
  • PÊCHEUX, M. A. Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1997. p. 311-318.
  • REIS, V. da S. Time, Space, and Memory in the Teaching and Learning of English within a Brazilian Juvenile Detention Centre: The Effect of Suspension in a Confused Space. In: LAMB, T.; MURRAY, G. (eds.). Space, Place and Autonomy in Language Learning. London: Routledge, 2018. p. 179-198.
  • REIS, V. da S. Recusas e deslocamentos subjetivos de duas professoras de inglês em contexto encarcerado. Letras & Letras, v. 32, n. 3, p. 80-104, nov. 2016. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/33371 Acesso em: jul. 2020.
    » http://www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/33371
  • REIS, V. da S. O ensino-aprendizagem do inglês como língua estrangeira (ILE) no espaço dentro-fora da lei de uma unidade socioeducativa para adolescentes infratores. 267 p. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
  • SACKS, H. Lectures on Conversation. Oxford: Basil Blackwell. 1992. v. 1.
  • TSUI, A. Classroom discourse. In: SIMPSON, J. (ed). The Routledge Handbook of Applied Linguistics. Oxford; New York: Routledge, 2011. p. 274-286.
  • 1
    Este trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 2
    Consideramos, com esta fala, que a posição de aluno não é sempre harmônica, sem conflitos, ou apenas pacífica. Cabe a este, também, resistir e/ou desafiar a posição do professor, seja por meio da indisciplina, seja com perguntas que visam desestruturar ou testar a posição-professor.
  • 3
    Todos os nomes que aparecem no estudo são fictícios e foram escolhidos pelos próprios participantes.
  • 4
    Convenção para a transcrição: / pausa breve; // pausa longa; // // pausa muito longa; // // // pausa longuíssima; [] comentários/perguntas da pesquisadora; (XXX) sequência incompreensível; (...) omissão de trechos da fala; X suspensão de um nome próprio; [risos]; ~ interrupção de uma formulação anterior; PALAVRA EM CAIXA ALTA ênfase dada pelo enunciador; ::: alongamento de vogal ou consoante.
  • 5
    Respeitando as limitações espaço-temporais da presente proposta, serão apresentadas e discutidas apenas algumas das inúmeras ocorrências identificadas no quadro. Para aprofundamento das demais ocorrências, ver Reis (2011)REIS, V. da S. O ensino-aprendizagem do inglês como língua estrangeira (ILE) no espaço dentro-fora da lei de uma unidade socioeducativa para adolescentes infratores. 267 p. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011..
  • 6
    Convenção utilizada para o mapeamento da aula e seu quadro descritivo: Enunciador (E); Forma (F); Função/Estratégia (F/E); Tomada da Palavra (TdP); Tomada de Posição (TdPos); Espaço (Esp).
  • 7
    As tomadas de turnos e/ou o início de um novo tópico na aula são marcados por meio da linha mais sobressalente que aparece após uma unidade de mensagem.
  • 8
    Ver alguns exemplos, destacados em negrito, nos excertos da seção anterior.
  • 9
    Uma possibilidade é trabalhar com o que denomino “Oportunidades em Gotas”, sendo estas instrumentos elaborados para combater o efeito de suspensão, ao prever lições independentes, curtas, mas intensas e significativas, com começo, meio e fim, considerando todas as particularidades desse espaço confuso ( Reis, 2016REIS, V. da S. Recusas e deslocamentos subjetivos de duas professoras de inglês em contexto encarcerado. Letras & Letras, v. 32, n. 3, p. 80-104, nov. 2016. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/33371. Acesso em: jul. 2020.
    http://www.seer.ufu.br/index.php/letrase...
    ).
  • 10
    A voz que constantemente ressoa em torno de dizeres de que há, no ensino regular, um ensino repetido do verbo to be, é um exemplo da possibilidade da ocorrência do fenômeno.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2021
  • Aceito
    04 Maio 2022
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