Acessibilidade / Reportar erro

Identificação das Diretriz es Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina pelos Alunos da Universidade de São Paulo

Identification of National Medical School Curricular Guidelines by University of São Paulo Undergraduate Students

Resumo:

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina reforçam a articulação entre a Educação Superior e a Saúde. A faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo definiu, em 1998, princípios muito semelhantes àqueles das Diretrizes formação generalista e humanista , crítica e reflexiva , com capacitação para atuar baseando-se em princípios éticos no processo de saúde doença em seus diferentes níveis de atenção , com ações de promoção , prevenção , recuperação e reabilitação , na perspectiva da integridade da assistência , com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania , como promotor da saúde integral do ser humano . Este artigo documenta as impressões dos alunos do curso médico da FMUSP sobre algumas das propostas curriculares de 1998 presentes nas Diretrizes Nacionais Na FMUSP ocorre maior concentração didática em ambiente hospitalar. Esse contato não sensibiliza o estudante a conhecer os fundamentos do Sistema Único de Saúde. A metodologia de ensino predominante é a tradicional, com aulas expositivas e laboratórios de atividades. A integração entre as disciplinas tem sido limitada. A inserção dos alunos em projetos de iniciação científica e em atividades de monitoria pode estimular tal integração.

Palavra-chave:
Educação Médica; Escolas Médicas; Curriculo; Diretrizes

Abstract:

The Brazilian National Curriculum for Medical Education emphasizes the interaction between the fields of health and education. Based on a review of its medical education program in 1998, the University of São Paulo Medical School (FMUSP) defined principles that are similar to those of the National Curriculum: a generalist humanitarian, judicious and reflexive education, fostering the capacity to work under ethical principles in the health-disease process at its different levels, acting to prevent disease and promote and rehabilitate health, considering the comprehensive nature of health care with social responsibility and a commitment to citizens' rights as factors for integral human health. This report discusses opinions by undergraduate medical students from FMUSP concerning key innovations in the 1998 reform that share the orientation of the National Curriculum. FMUSP has a relatively greater focus on hospital-based activities. This hospital-centered contact generally leaves students unaware of the underlying principles in the Unified National Health System (SUS). The teaching methodology is traditional: teacher-centered, with lectures and laboratory activities. There is limited integration among courses. Students participation in ongoing science projects and as tutors for beginning students could help stimulate greater integration among courses.

Key-words:
Education, Medical; Schools, Medical; Curriculum, guidelines

INTRODUÇÃO

Em 2001, a Comissão da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. A Comissão reforçou nas Diretrizes a articulação entre a Educação Superior e a Saúde, buscando como objetivo a formação geral e específica com ênfase na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde. Para tanto, o conceito de saúde e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde(SUS) foram considerados elementos fundamentais na articulação do Ensino Médico com a Saúde.

As Diretrizes prevêem que profissionais da medicina tenham formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, e sejam capacitados a atuar pautados em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção. Suas ações deverão dar ênfase aos atendimentos primários e secundários, na perspectiva da hierarquização e da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotores da saúde integral do ser humano. Os cursos deverão permitir a inserção precoce do aluno em atividades práticas11. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição. Homologa Parecer 1.133/ 2001 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. DOU, seção 1, número 190 de 3 de outubro de 2001. Disponível em: URL: http:/ /www.abemeducmed.org.br/ forum_dive.htm
http:/ /www.abemeducmed.org.br/ forum_di...
.

A reforma curricular implantada em 1998 na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - campus de São Paulo (FMUSP) definiu que o médico a ser formado deverá ler uma formação geral. Para tanto, estabeleceu duas áreas: o currículo nuclear, com disciplinas obrigatórias, e o currículo complementar, com disciplinas optativas. A Ocupação da grade entre estas duas áreas situa-se em 70% para o nuclear e 30% para o complementar, do primeiro ao quarto ano. Nos anos de internato (quinto e sexto) o sistema não foi implantado até o ano de 2002. A reforma curricular da FMUSP, também conhecida como "currículo nuclear", foi norteada por uma série de propostas:

  1. Resposta à crescente sobrecarga de informações no ensino médico;

  2. Resgate da atividade didática dos docentes pouco envolvidos na graduação médica;

  3. Aprimoramento dos métodos pedagógicos na graduação;

  4. Identificação do aluno ou recuperação da relação professor-aluno;

  5. Implementação do auto-aprendizado por meio de atividades complementares eletivas.

No Projeto Pedagógico da FMUSP, a formação integral do estudante/médico tem um papel central. Como parte dessa preocupação, foram estabelecidas quatro iniciativas principais:

Disciplinas Específicas - i) introdução à Medicina; ii) Bases Humanísticas da Medicina; iii) Cidadania e Medicina; Bioética; v) Bioética Clínica (no internato);

Incentivo a atividades de formação integral e de prestação de serviços à comunidade no currículo complementar;

Programa Tutores, no qual um tutor, selecionado entre voluntários médicos do Hospital das Clínicas e docentes da FMUSP, e supervisionado mensalmente em grupos, mantém reuniões quinzenais com um grupo de oito a dez alunos, constituído por um ou dois discentes de cada um dos anos do curso médico;

Reflexão sobre o papel do docente e discussão geral sobre o andamento do curso por meio de fóruns gerais semestrais de alunos e professores, iniciados em 2001. Nos dias de fórum, as aulas são suspensas para que a atividade se realize.

O currículo nuclear da FMUSP trouxe inovações para a graduação de Medicina da Universidade de São Paulo. Houve uma aparente integração entre os momentos do curso básico e profissionalizante, porém mais visível na grade curricular com ainda pouca integração de conteúdo. A inserção precoce do aluno em atividades práticas sob supervisão pode ser localizada já no segundo semestre do curso médico22. Vieira JE, Nunes MPT, Martins MA. Directing student response to early patient contact by questionnaire. Med Educ, 2003; 37:119-135.. A iniciação científica foi intensamente estimulada, e os alunos têm respondido com interesse: entre os anos de 1999 a 2002, a média de matrículas foi de 592,2 (comunicação pessoal, UF Juiz de Fora, 2002). A especialização precoce tem sido preocupação constante, e, ainda que 60% da carga horária sejam dedicados à formação geral do médico, é forçoso reconhecer que a Faculdade de Medicina da USP é formadora de especialistas. Por conta disso, pode ser impossível impedir que os alunos se envolvam com a especialização durante a graduação. Da mesma forma, a FMUSP não adotou plenamente novos métodos de ensino, como o "Aprendizado Baseado em Problemas", presente, no entanto, em algumas das disciplinas eletivas que compõem o currículo complementar33. Marcondes E. A Graduação Médica na Faculdade de Medicina - USP - Breve Histórico e Análise da Estrutura Curricular - 2001.Rev. HU - USP, 2001; 11 (1/2):5-21..

Esta pesquisa procura documentar as impressões dos alunos da FMUSP sobre algumas das propostas curriculares de 1998 que também compõem as Diretrizes Nacionais para o curso de Medicina.

MÉTODOS

As Diretrizes Curriculares foram disponibilizadas para conhecimento pelo Centro Acadêmico "Oswaldo Cruz" e nas suas páginas da internet. Um questionário foi elaborado com 19 perguntas a partir dos seis itens do texto das Diretrizes Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Cada questão comportou respostas em escala do tipo Likert, de pouco a muito, com cinco gradações, onde 1 representa pouco, 3 razoável e 5 muito, permitindo respostas intermediárias44. Babbie ER. The Practice of Social Research. Belmont (CA): Wadsworth Publishing; 1979.. Os alunos do sexto ano médico não responderam ao questionário por já terem concluído o curso no momento da pesquisa.

Quando da aplicação do instrumento, os alunos estavam em período de finalização do ano letivo. Por este motivo, pode se pressupor que alunos do primeiro e segundo anos tenham tido oportunidade de algum contato com temas comuns no meio médico-universitário e tratados no questionário, tais como currículo médico, formação acadêmica, sistema de saúde, laboratórios de investigação médica, especialistas e generalistas.

Logo após essa divulgação, os 875 alunos matriculados no curso de medicina da FMUSP, do primeiro ao quinto ano, foram solicitados a responder a um questionário. Este foi oferecido ao aluno pelo representante discente em sala de aula e recolhido logo em seguida. A distribuição ocorreu durante uma semana letiva. Uma vez que não foi utilizada amostragem aleatória, as respostas não explicam eventos nem testam relação entre variáveis. No entanto, podem indicar necessidades, fortalezas e fraquezas do currículo nuclear da FMUSP para sua melhor adequação às Diretrizes Nacionais do curso médico. A amostra foi submetida à estatística descritiva simples.

RESULTADOS

Responderam ao questionário 363 alunos (41,5%), e a distribuição entre os anos está apresentada no Quadro 1. As respostas dos 19 quesitos estão detalhadas nas Tabelas de 1 a 19. As respostas são comentadas em grupos de questões consideradas pelo texto das Diretrizes Curriculares, para inferir a identificação dos alunos da FMUSP com essas Diretrizes Curriculares Nacionais. O último item considera as questões relacionadas especificamente ao processo de ensino na FMUSP.

QUADRO 1
Distribuição de Respostas dos Alunos da FMUSP Segundo o Ano Letivo

TABELA 1
Distribuição Percentual de Oportunidades de interagir com Usuários do Sistema de Saúde

TABELA 2
Atividades na Graduação: Extensão (Serviços à Comunidade e ligas de Atendimento Médico) (%)

TABELA 3
Entendimento de Doenças como Decorrentes de Problemas Sociais, Culturais ou Comportamentais (%)

TABELA 4
Treinamento para Gerenciamento de Recursos como tempo, Informação e o Trabalho de Colegas (%)

TABELA 5
Distribuição Percentual de Oportunidades de Comunicação com Profissionais de Saúde e Pacientes

TABELA 6
Distribuição Percentual sobre Clareza da Informação em Bases Moleculares em Medicina

TABELA 7
Resposta à Pergunta: "Sua Formação como Médico vai Necessitar Constante Atualização"(%)

TABELA 8
Atividades na Graduação: Monitoria (%)

TABELA 9
Resposta à pergunta: "Os Estágios Realizados têm sido Suficientes para sua Formação Médica?" (%)

TABELA 10
Resposta à Pergunta: "Sua Formação o Capacitará como Médico Generalista?" (%)

TABELA 11
Treinamento para Prevenir Alterações em Saúde para um Indivíduo e para uma Comunidade (%)

TABELA 12
Resposta à Pergunta: "Informar e Indicar Prevenção e Promoção da Saúde"(%)

1. Atenção à Saúde. Prevenir alterações em saúde para um indivíduo e para uma comunidade (Tabela 11); informar e indicar prevenção e promoção em saúde (Tabela 12).

Os alunos da FMUSP consideram sua formação em prevenção em saúde para um indivíduo ou para uma comunidade como discretamente positiva (79,8 % razoável, tendendo para muito} (Tabela 11). Da mesma forma, veem sua capacidade de promover a saúde aumentar de forma pouco intensa ao longo dos anos, com um deslocamento pouco acima do razoável (Tabela 12).

2. Tomada de decisões. Doenças podem ser decorrentes de problemas sociais, culturais ou comportamentais (Tabela 3); os estágios realizados têm sido suficientes para sua formação médica (Tabela 9); têm praticado propedêutica suficiente para ter segurança em medicina (Tabela 19).

TABELA 13
Resposta à Pergunta: "Conhece bem o Sistema Único de Saúde (SUS)?" (%)

TABELA 14
Atividade, na Graduação: Iniciação Científica (%)

TABELA 15
Atividades na Graduação: Cursos em Outras Áreas (%)

TABELA 16
Disposição de Material Didático para Estudo Individualizado (%)

TABELA 17
Oportunidades de Avaliações Finais Comentadas (%)

TABELA 18
Frequência a Cursos Expositivos com Poucas Oportunidades de Participação em Aula (%)

TABELA 19
Oportunidades de Praticar a Propedêutica em Vezes Suficientes para ter Segurança em Medicina (%)

Nesta abordagem, os alunos responderam à pergunta: "Discute(iu) doenças como também decorrentes de problemas sociais, culturais ou comportamentais" (Tabela 3). As respostas mostram oportunidades próximas do razoável ao longo dos cinco anos de forma invariável. Por outro lado, as oportunidades de estágios para a formação médica, consolidando competências e habilidades, também são consideradas próximas do razoável (43,0%) mesmo nos anos mais práticos, como do terceiro ao quinto (Tabela 9). Na questão se "Prática (ou) a Propedêutica (história e exame físico) em vezes suficientes para ter segurança em medicina" (Tabela 19), o curso médico na FMUSP é mais generoso: ela é crescente ao longo do curso médico (76,5% do quinto ano, tendendo para muito) e já no segundo ano a média é superior à média geral, que só é baixa para o primeiro ano.

3. Comunicação. Oportunidades de interagir com usuários do sistema de saúde (Tabela 1); Oportunidade para comunicação com profissionais de saúde e com pacientes (Tabela 5).

Neste quesito, os alunos responderam à pergunta: "Teve oportunidade de interagir com usuários do sistema de saúde" (Tabela 1). As respostas mostram maiores oportunidades quando os alunos se integram ao curso clínico, portanto, a partir do segundo ano com o curso de Propedêutica. A frequência homogênea próxima do razoável (74,7%) pode ser explicada pela experiência no projeto autônomo de extensão universitária denominado "Projeto Julita", que oferece atendimento em saúde sob a supervisão de médicos em região paulistana carente de recursos. Já o número de oportunidades paro o estabelecimento de comunicação com profissionais da saúde ou pacientes tem sido considerado adequado, desde o primeiro ano (Tabela 5).

4. Liderança. Atividades em extensão como serviços à comunidade e atuação em ligas de atendimento médico (Tabela 2); Gerenciamento de recursos como tempo, informação e para o trabalho com colegas (Tabela 4).

Os alunos responderam sobre atividades de extensão universitária com serviços à comunidade, principalmente na forma de organização autônoma de Ligas de atendimento médico (Tabela 2). É interessante notar que há engajamento desde o primeiro ano, porém os alunos não intensificam seu engajamento nessa atividade são longo do curso médico, atingindo patamar homogêneo entre razoável e muito (71,6%). Os alunos responderam que sua formação ou treinamento para gerenciar recursos como tempo, informação e o trabalho com colegas têm sido limitados, com pouco (20,5%) ou apenas até razoável (26,1%) (rabeia 4), identificando uma possível deficiência no aprendizado da liderança.

5. Administração e gerenciamento. Questionamento sobre o Sistema Único de Saúde (Tabela 13).

Ainda que não se refira a treinamento médico considerado neste quesito, conhecer o Sistema Único de Saúde (SUS) é fundamental para uma prática médica coerente e responsável. Com o modelo fortemente hospitalar adotado pela FMUSP, os alunos consideram-se, na melhor das hipóteses, razoáveis conhecedores do SUS (88,3% de pouco a razoável) (Tabela 13).

6. Educação Permanente. Se o aluno tem clareza das bases moleculares em Medicina (rabeia 6); se a formação como médico irá necessitar constante atualização (Tabela 7); se a formação recebida poderá capacitar como médico generalista (Tabela 10).

Os alunos, aparentemente, têm uma impressão limitada do que o ensino das bases moleculares, no primeiro semestre do curso, tem representado em sua formação em Medicina (89,1% de pouco a razoável). No entanto, esta resposta não deve ser entendida como uma limitação da importância do tema, mas provavelmente como uma decorrência da forma como foi abordado para a prática médica. Considerando a necessidade de atualização como educação permanente, os alunos responderam à pergunta: "Sua formação como médico vai necessitar constante atualização" (Tabela 7). As respostas mostram uma impressionante postura, indicando a necessidade de atualização desde o primeiro ano (muito isoladamente tem 80,8%). É interessante notar a percepção sobre o ensino médico praticado na FMUSP, que tem um corpo docente altamente especializado: a maioria dos alunos (77,6%) situa próximo do razoável a perspectiva de formação como médico generalista (Tabela 10).

7. O processo de ensino da FMUSP e seu Projeto Pedagógico. Atividades de monitoria (Tabela 8); Atividades de iniciação científica (Tabela 14); Matrícula em cursos de outras áreas da universidade (Tabela 15); Disposição de material didático para estudo individualizado (Tabela 16); Avaliações de cursos comentadas (Tabela 17);

Os cursos têm sido expositivos, trazendo pouca oportunidade de participação em aula (Tabela 18).

Considerando as propostas do Projeto Pedagógico da FMUSP, os alunos responderam sobre a suficiência ou oferta de monitoria ao longo dos anos de graduação (Tabela 8). Embora não possam ser consideradas especificamente como treinamento em auto aprendizado, são oportunidades para o ensino entre pares, que pode estimular o auto aprendizado. As oportunidades de monitoria têm sido, no entanto, muito limitadas (59,6% pouco). A pergunta: “Você realizou a atividade de Iniciação Científica” (Tabela 14) motivou resposta considerada razoável até muito de por volta de 60% dos alunos a partir do segundo ano. As oportunidades de diversificação da formação médica, com cursos em outras áreas, se mostraram bastante limitadas (51,2% com resposta em pouco) (rabeia 15). A abordagem didática dos cursos da FMUSP foi considerada pelas questões: “Existe(iu) material para você desenvolver estudos individualizados" (Tabela 16) e “As avaliações finais são corrigidas e comentadas” (Tabela 17). Em ambos os quesitos, a postura parece bastante limitada: por volta de 90% das respostas estão situadas entre pouco e razoável para ambos os quesitos. As avaliações finais comentadas parecem ter discretas maiores frequências durante o internato de quinto ano, mas ainda assim bastante limitadas (7,8% acima do razoável para a média de 2,8%). É interessante notar que os temas de estudo no curso médico foram considerados (Tabela 18) relativamente participativos, uma vez que houve uma resposta homogênea em tomo do razoável (43,1%).

DISCUSSÃO

Os alunos do curso de Medicina da FMUSP têm deficiências na sua formação em atenção primária, treinamento aparentemente limitado para atuar em equipes de saúde e limitado conhecimento do sistema de saúde brasileiro. Ainda assim, consideram sua formação generalista, mesmo tendo um curso com orientação predominante para um modelo pedagógico tradicional.

A forte tendência a um modelo centrado no atendimento hospitalar pode se refletir nas baixas respostas que consideram o entendimento do sistema de saúde (Tabela 13). No entanto, as oportunidades de atendimento médico são consideradas elevadas pelos estudantes. Esses achados devem ser vistos como um reforço à necessidade dos hospitais-escola, com ênfase na organização do seu atendimento às necessidades da região onde se localizam. No ensino médico da FMUSP, o Hospital Universitário da USP responde por tal demanda, priorizando o atendimento da região do Butantã. No entanto, a importância do hospital-escola não deve subtrair a necessidade vital do treinamento em atenção primária. A maior dificuldade de adoção de novo modelo na FMUSP seguramente deverá se refletir na dificuldade de deslocamento não só de professores, mas também de alunos para a comunidade55. Gonçalves e Silva, GE. A Educação Médica e o Sistema de Saúde. Rev Bras Educ Méd 2002; 26(2):125-127..

O método de ensino predominante em praticamente todo o curso médico é tradicional, baseado em aulas expositivas e laboratórios de atividades práticas (anatomia, histologia, bioquímica). Em várias disciplinas, não houve uma adaptação dos conteúdos ao novo currículo, que teve toda a sua carga horária reduzida. Em algumas disciplinas, existem metodologias inovadoras, como as técnicas de estudo de cortes em Anatomia e o uso de simulações em computador (Bases Fisiológicas da Clínica Médica). No Ensino Clínico, predominam atividades práticas, principalmente com pacientes, e de discussão de casos em pequenos grupos (7 a 12 alunos). Essa disposição se reflete de forma positiva na prática de Propedêutica, considerada adequada entre os alunos (Tabela 19), mas insuficiente para as oportunidades de estágios, consideradas apenas razoavelmente adequadas (Tabela 9).

Os alunos da USP se reconhecem com formação generalista, mesmo com um forte perfil de especialização de seu corpo docente. Por outro lado, o ensino tradicional parece se mesclar com novas metodologias integradoras e problematizadoras (Tabela 18). As propostas de mudança no ensino médico têm convivido, no novo currículo da FMUSP, com o tradicional. Assim, a necessidade de formação geral na graduação pode e deve conviver com a necessidade de formação de especialistas66. Almeida MJ. A Educação Médica e as Atuais Propostas de Mudança: Alguns Antecedentes Históricos. Rev Bras Educ Méd 2001; 25(2):42-52..

É interessante notar o aparentemente reduzido aproveitamento das bases moleculares para o entendimento do processo saúde-doença. É de se esperar que essa postura se origine na baixa integração entre as disciplinas do ciclo básico e do ciclo profissional. Na FMUSP, ainda se preserva somente um modelo dessa integração, localizada no conjunto de disciplinas Moléstias Transmissíveis, que utiliza o sistema de blocos do Curso Experimental de Medicina da FMUSP, vigente na década de 197077. Marcondes E. Integração Horizontal e Vertical: os Conjuntos de Disciplinas na Graduação Médica. In: Marcondes E, Gonçalves EL. Educação Médica. São Paulo: Sarvier; 1998. p.115-129. No entanto, há resistências a uma integração maior, muitas vezes sendo invocada a autonomia dos departamentos, prevista nas estruturas de funcionamento da Universidade de São Paulo, Este parece ser um assunto que integra uma pauta política além da pedagógica.

Um dos caminhos possíveis para maior integração é a própria inserção dos alunos em projetos de pesquisa com a iniciação científica e em atividades didáticas com programas de monitoria. A reforma de 1998 da FMUSP, com o reconhecimento dos estágios em laboratórios como créditos válidos na graduação do médico, valorizou no estudante o hábito da procura e consulta da bibliografia atualizada, desenvolvendo atitudes e aptidões para o estudo individual e a educação continuada88. Montes GS. Da implantação de uma disciplina de Iniciação Científica ao currículo nuclear na graduação em medicina na USP. Rev Bras Cardiologia 2000; 2(2):70-77.. Enquanto a prática de iniciação científica vem tendo boa aceitação entre os estudantes, a oferta de monitorias tem sido ainda pobre (Tabela 8). Da mesma forma, outras áreas, como as ciências humanas e sociais, têm tido espaços limitados na graduação médica. Essa deficiência se reflete na limitada formação ou treinamento para gerenciar recursos como tempo, informação e o trabalho com colegas, bem como poucas oportunidades (Tabela 3) para discutir ou reconhecer as doenças como também decorrentes de problemas sociais, culturais ou comportamentais. Na valorização ou inserção das ciências humanas no currículo médico, pode ser necessário vencer preconceitos99. Briani MC. O ensino médico no Brasil está mudando? Rev Bras Educ Méd 2001; 25(3):73-77..

A FMUSP implantou a tutoria no ano de 2000 e vem desenvolvendo um programa de aproximação entre alunos e professores. Tem sido interessante notar as expectativas dos estudantes, distintas ao longo da graduação em Medicina, que podem auxiliar no contato entre professores e alunos (1010. Bellodi PL, Massaroppe B, Martinho T, Martins MA. A mentor for what? Needs Assessment in a group of Brazilian medical students. Association for Medical Education in Europe - AMEE Conference. Approaches to Better Teaching. Lisboa - Portugal. 29/08 a 01/09/2002 Disponível em: URL: http://www.usp.br/medicina/tutores/public/congresso8.html
http://www.usp.br/medicina/tutores/publi...
. No dizer de Komatsu: "... ninguém melhor que os docentes e discentes para conhecerem a realidade específica de cada escola médica, suas fragilidades e fortalezas, vantagens e desvantagens, seu espaço e lugar na comunidade, sua gente"1111. Komatsu RS. Educação Médica: Responsável de Quem? Em Busca dos Sujeitos da Educação do Novo Século. Rev Bras Educ Méd 2002; 26(1):55-61..

Em conclusão, o curso médico da Universidade de São Paulo tem deficiência na formação em atenção primária. Essa deficiência pode ser uma das razões de um treinamento aparentemente limitado para atuar em equipes de saúde e do limitado conhecimento do sistema de saúde brasileiro. Ainda assim, os alunos consideram possuir uma formação geral em Medicina, mesmo num curso com orientação predominante para um modelo pedagógico tradicional. A integração entre as disciplinas do ciclo básico e profissionalizante é limitada na FMUSP. A inserção dos alunos em projetos de iniciação científica e em atividades didáticas com programas de monitoria pode estimular tal integração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Enfermagem, Medicina e Nutrição. Homologa Parecer 1.133/ 2001 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. DOU, seção 1, número 190 de 3 de outubro de 2001. Disponível em: URL: http:/ /www.abemeducmed.org.br/ forum_dive.htm
    » http:/ /www.abemeducmed.org.br/ forum_dive.htm
  • 2
    Vieira JE, Nunes MPT, Martins MA. Directing student response to early patient contact by questionnaire. Med Educ, 2003; 37:119-135.
  • 3
    Marcondes E. A Graduação Médica na Faculdade de Medicina - USP - Breve Histórico e Análise da Estrutura Curricular - 2001.Rev. HU - USP, 2001; 11 (1/2):5-21.
  • 4
    Babbie ER. The Practice of Social Research. Belmont (CA): Wadsworth Publishing; 1979.
  • 5
    Gonçalves e Silva, GE. A Educação Médica e o Sistema de Saúde. Rev Bras Educ Méd 2002; 26(2):125-127.
  • 6
    Almeida MJ. A Educação Médica e as Atuais Propostas de Mudança: Alguns Antecedentes Históricos. Rev Bras Educ Méd 2001; 25(2):42-52.
  • 7
    Marcondes E. Integração Horizontal e Vertical: os Conjuntos de Disciplinas na Graduação Médica. In: Marcondes E, Gonçalves EL. Educação Médica. São Paulo: Sarvier; 1998. p.115-129.
  • 8
    Montes GS. Da implantação de uma disciplina de Iniciação Científica ao currículo nuclear na graduação em medicina na USP. Rev Bras Cardiologia 2000; 2(2):70-77.
  • 9
    Briani MC. O ensino médico no Brasil está mudando? Rev Bras Educ Méd 2001; 25(3):73-77.
  • 10
    Bellodi PL, Massaroppe B, Martinho T, Martins MA. A mentor for what? Needs Assessment in a group of Brazilian medical students. Association for Medical Education in Europe - AMEE Conference. Approaches to Better Teaching. Lisboa - Portugal. 29/08 a 01/09/2002 Disponível em: URL: http://www.usp.br/medicina/tutores/public/congresso8.html
    » http://www.usp.br/medicina/tutores/public/congresso8.html
  • 11
    Komatsu RS. Educação Médica: Responsável de Quem? Em Busca dos Sujeitos da Educação do Novo Século. Rev Bras Educ Méd 2002; 26(1):55-61.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2003

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2002
  • Revisado
    27 Jan 2003
  • Aceito
    11 Fev 2003
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com