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Conquista e Desafios

Conquest and challenge

“O santo profeta Maomé (que a paz esteja com ele), ao voltar de uma batalha, declarou: ‘Regressamos da pequena jihad (jihad al-asghar) para a jihad maior (jihad al-akbar)’. A verdadeira jihad de hoje não é sequestrar aviões, mas construí-los.” Izzat Majeed1 1 . Carta Aberta a Osama Bin Laden, in O Estado de São Paulo, de 17 de novembro de 2001.

A aprovação das diretrizes curriculares de medicina e sua recente homologação pelo ministério de Educação representam uma conquista da Abem e de todos os segmentos envolvidos com a causa da qualidade da formação médica, entre ele, Cinaem e Rede Unida.

O antigo currículo mínimo, fundamentado no conhecimento biomédico, na prática, exercida no interior dos hospitais universitários, tornou-se ultrapassado com o avanço do conhecimento técnico-científico e a crescente ramificação da prática médica em especialidades e subespecialidades que fragmentaram o cuidado médico e a grade curricular dos cursos de medicina. O resultado é um processo de formação que não conduz à terminalidade, induzindo à busca de especialização através dos programas de residência médica.

Este passo tem determinação a formação de elevado número de especialistas, voltados para a atenção terciária à saúde, em detrimento de profissionais capacitados para ações de promoções, prevenção, proteção e reabilitação da saúde, tanto individuais como coletivas. Quando implantadas, estas ações resolvem 80% da necessidade de saúde. Somente as 20% restantes é que necessitam de atendimento especializado, ambulatorial ou através de internação.

Outra resultante do modelo é a distribuição inadequada de médicos no Brasil, que apresenta distorções tanto na regionalização, com concentrações no Sul e Sudeste, como na interiorização, com concentração nas capitais.

O predomínio de especialistas vem determinando elevação de custos, baixa resolutividade na atenção à saúde e dificuldades na consolidação do Sistema Único de Saúde.

O debate internacional sobre as questões da equidade, eficiência, eficácia e controle de custos da atenção à saúde tem evidenciado estreita correlação entre a melhoria destes indicadores e novos modelos de formação profissional.

Esta visão crítica do processo de formação esteve presente na elaboração da proposta das diretrizes curriculares para a graduação médica, coordenada pela Comissão de Especialistas de Medicina, assessores da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação. Esta secretaria, coerente com o ideário das diretrizes curriculares, submeteu a proposta da comissão de especialistas a um novo ciclo de debates, coordenados pela Abem. Nesta etapa, além da Diretoria da entidade, reuniram-se, em grupos de trabalho, diretores e coordenadores da maioria das escolas médicas, representantes discentes, entidades componentes da Cinaem e representantes da Rede Unida. A proposta resultante, com pequenas modificações, foi apresentada pelos conselheiros relatores e aprovada pelo Conselho Nacional de Educação em agosto passado.

As novas diretrizes resgatam questões fundamentais do perfil do médico, definindo em seus primeiros artigos:

  • As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Medicina definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de médicos, estabelecidos pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em medicina das instituições do Sistema de Ensino Superior;

  • O Curso de Graduação em Medicina tem como perfil do formando egresso/profissional o médico com formação generalista, humanista. crítica e reflexiva. Capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.

Nesta perspectiva de formação, aponta como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações, identificadas pelo setor de saúde e referidas pelos usuários, colocando os conteúdos essenciais não como disciplinas, mas como conhecimentos integrados que versem, de um lado, sobre os determinantes biológicos, sociais, culturais, comportamentais, psicológicos éticos e legais do processo saúde-doença, e, por outro lado, desenvolvam a compreensão e o domínio da propedêutica médica, da conduta terapêutica, da promoção da saúde.

A proposta inova não só pela integração dos conteúdos e interdisciplinaridade, mas também nas metodologias de ensino-aprendizagem, que deverão privilegiar a participação ativa na construção do conhecimento.

O estágio curricular de treinamento em serviço supervisionado, de no mínimo três semestres letivos, no final do curso, deve representar a última etapa de um processo contínuo de formação prática desenvolvido desde o início do curso.

Preserva-se o ensino hospitalar, colocando-o, porém, como um dos cenários de ensino prático, ao lado de outros mais voltados para a atenção básica à saúde.

Esta resolução representa um passo concreto no sentido de reverter o processo atual de formação, induzindo, ao mesmo tempo, à terminalidade da graduação e ao processo contínuo de educação permanente. Sem perder sua autonomia, as IES, observando as diretrizes, formarão um médico com o perfil acima, conforme o desejo da sociedade, com os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários a uma prática médica humanizada e holística, com postura ética, senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania.

São profundas as mudanças necessárias. Estão as escolas médicas preparadas para a mudança do modelo pedagógico? Quantos professores e alunos estão dispostos a transformar transformando-se? Como impedir que a ampliação de cenários não se constitua em simples ampliação de área física? Como integrar conteúdos realmente? Como dialogar com os serviços e com a comunidade? Quais os caminhos a percorrer para garantir o resgate da ética? Como... Quais...

Estes inúmeros comos e quais delineiam o novo desafio da Abem: contribuir para a real implementação das diretrizes em cada um e em todos os cursos médicos.

Várias frentes podem ser descortinadas: da decodificação das diretrizes à aproximação de parceiros; da realização de oficinas de trabalho à proposta de coerência entre os instrumentos oficiais de avaliação e a proposta moderna; da busca de financiamento especifico para a transformação ao estabelecimento de redes de apoio.

Não devemos sequestrar as diretrizes, não devemos apequená-las através de leituras equivocadas, devemos construí-las.

  • 1
    . Carta Aberta a Osama Bin Laden, in O Estado de São Paulo, de 17 de novembro de 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2001
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