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CIRURGIA AMBULATORIAL - EXPERIÊNCIA DA LIGA DE CIRURGIA AMBULATORIAL DO CENTRO ACADÊMICO OSWALDO CRUZ DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Resumo:

O sucesso e a crescente valorização dos Centros de Cirurgia Ambulatorial, nos últimos anos, vem aumentando o elenco de operações passiveis de serem realizadas a nível ambulatorial.

Neste contexto, a Liga de Cirurgia Ambulatorial representa uma nova filosofia de ensino aplicável em instituição universitária no sentido de proporcionar ao acadêmico de Medicina, habilidade profissional para solucionar parte considerável das necessidades de sua comunidade.

Foram realizadas 169 operações, pela Liga de Cirurgia Ambulatorial, no período de julho de 1986 a março de 1987, coordenada e supervisionada diretamente por docentes da 3a Clinica Cirúrgica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Serviço do Prof. Mário Ramos de Oliveira).

Nesta casuística não se observou nenhuma complicação no ato operatório. 82,24% dos casos operados foram seguidos até a alta ambulatorial. Houve 20 complicações pós-operatórias sendo duas de natureza infecciosa.

Abstract:

The growing success as well as the wide recognition of the Out Patient Surgery Centers as a medical entity in the past few years have given a rather substantial contribution towards the further development of ambulatory surgical care.

In this fashion, the "Liga de Cirurgia Ambulatorial" represents a new trend in the medical training field proportionating medical students skills to attend the community's demands.

A total of 169 outpatient surgeries were performed by 12 medical students between June 1986 and March 1987 under the coordination and supervision of assistant professor of the "3a Clínica Cirúrgica do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo".

No Complications took place during the surgical procedure. As many as 82,4% of all operated patients had a complete follow up before definitive dismissal.

Only two cases out of a total of twenty with different postoperative complications were infectious.

Introdução

A Cirurgia Ambulatorial ou cirurgia do paciente externo atualmente representa modalidade de tratamento cirúrgico aplicável a diferentes comunidades. Sua aceitação, principalmente na última década, foi obtida pelo baixo índice de complicações, intra e pós-operatórias, aliado à diminuição do custo da atenção médica.

O elenco de procedimentos cirúrgicos do âmbito da Cirurgia Ambulatorial é vasto. Decorre que uma grande parcela deste, caracterizando-se pela sua simplicidade, fica ao alcance do estado cognitivo e das habilidades psicomotoras do acadêmico de Medicina.606. OLIVEIRA, M. R.; SPERANZINI, M. B.; RODRIGUES JR., A. J. A atualidade da cirurgia ambulatorial. Rev. bras. Educ. Méd., 9:52-54, 1985.

Muitos destes procedimentos "simples" são necessários para a formação do médico geral e visam a solução de parte considerável das necessidades de sua futura clientela.404. LÁZARO DA SILVA, A. A cirurgia em nível ambulatorial. Rev. Assoc. méd. bras., 30:170-1, 1984.

A 3a Clínica Cirúrgica (3a CC) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) (Serviço do Prof. Mário Ramos de Oliveira), desde 1983 vem coordenando as atividades da Liga de Cirurgia Ambulatorial (LCA), entidade universitária integrada pelos acadêmicos 4° anistas de graduação do curso médico da FMUSP, que está sob orientação direta de um docente da clínica.

Doze acadêmicos são selecionados após concurso de inscrição voluntária, composto de prova escrita e entrevista. São considerados pré-requisitos o curso de graduação, o de Propedêutica Cirúrgica e o de Extensão Universitária, de Cirurgia Ambulatorial, no qual alguns tópicos do assunto são discutidos.

Foram estabelecidas regras, para seleção do paciente cirúrgico, escolha do procedimento operatório e dos cuidados pós-operatórios, visando a orientação dos acadêmicos, para quem, muitas vezes, esta situação repre­senta o primeiro contato com o paciente cirúrgico. As intervenções são realizadas no Setor de Cirurgia Ambulatorial da 3a CC, ou seja, no Centro Cirúrgico Ambulatorial do prédio dos Ambulatórios do HC/FMUSP.

Após três anos de trabalho, tendo como base as "Normas e Condutas da LCA"909. RODRIGUES Jr., A. J.; YAMAMURO, E. M.; SPERANZINI, M. M.; MAKSOUD F., J. G. Normas e condutas da Liga de Cirurgia Ambulatorial. São Paulo, 1986. Publicação particular., procuramos avaliar a eficiência da sua atividade através de um estudo prospectivo de casos operados na LCA no período de julho de 1986 a março de 1987.

As indicações destas operações obedeceram aos critérios de seleção e de elaboração diagnóstica conforme já estabelecidos em comunicações anteriores.909. RODRIGUES Jr., A. J.; YAMAMURO, E. M.; SPERANZINI, M. M.; MAKSOUD F., J. G. Normas e condutas da Liga de Cirurgia Ambulatorial. São Paulo, 1986. Publicação particular.), (1010. RODRIGUES Jr., A. J.; TAKEUTI, M. M.; SZAJNBOK, I.; KAMIKAWA, J.; LIN, O.; YAMAMURO, E. M. Normas de avaliação pré-operatória do paciente de cirurgia ambulatorial; uma proposta da Liga de Cirurgia Ambulatorial. Rev. Med., 67(2):37-9, 1987.

Casuística e Método

Foram realizadas 169 operações pela LCA (média de 14 intervenções por aluno) no período de julho de 1986 a março de 1987 (Tabela 1).

Tabela 1
Cirurgias realizadas na LCA no período de Julho de 1986 a março de 1987

Durante a triagem do paciente, após exame físico, é preenchido prontuário (Esquema 1) no qual são anotados, além dos dados pessoais, o resumo da observação clínica, a hipótese diagnóstica e a indicação da terapêutica cirúrgica. Ainda nessa primeira entrevista é marcada a data de operação e o horário em que o paciente comparece ao Ambulatório, além da orientação higiênico-dietética pertinente.

No dia da cirurgia, o paciente é avaliado quanto aos parâmetros vitais, estado emocional e observação da orientação higiênico-dietética.

No ato operatório, foi padronizado como anestésico local, a Lidocaína diluída a 1 % sem adrenalina para bloqueio ou infiltração zonal (na quantidade não superior a 20 mg); para hemostasia e sutura do tecido celular subcutâneo, fios de catgut "3-0" simples; para sutura da pele, pontos simples ou "Blair-Donnatti" de "mononylon" "4-0" ou "5-0". Após o ato cirúrgico, o paciente retorna a sua residência por seus próprios meios. E norma da Liga prescrever analgésico a todos os pacientes no pós-operatório imediato. E também obrigatório o pedido de exame anátomo-patológico. Nesse sentido, especial atenção é dada ao preenchimento dos vários itens que compõem a ficha de encaminhamento do exame, bem como proporcionar as melhores condições de fixação do espécime retirado.

Não utilizamos antibiótico profilático.

Ao término da cirurgia, o acadêmico acrescenta prontuário da Liga (Esquema 1), a descrição da cirurgia.

O paciente recebe orientações gerais sobre a oportunidade da troca de curativo, a higiene da região operada e orientação das possíveis complicações. Caso estas ocorram, é instruído para procurar o Serviço antes do retorno previsto.

O primeiro retorno após a cirurgia é realizado, em geral, no 7° dia pós-operatório, ocasião que preconizamos a retirada dos pontos de pele. Fazem exceção, operações sobre a face que terão retornos mais precoces entre o 2° e o 4° dias do pós-operatório. É norma da Liga fazer no mínimo dois retornos, ficando a cargo do Acadêmico, em caso de necessidade e supervisionado por docente, acrescentar eventuais retornos.

Os dados clínicos e as condutas tomadas durante o seguimento deverão constar na folha de evolução, no ver­so do prontuário da Liga (Esquema 1).

O retorno é previamente agendado, anotando-se a data e observações necessárias no livro de retornos próprio da Liga.

As trocas de curativos do paciente após exame da ferida cirúrgica foram padronizadas conforme referido.909. RODRIGUES Jr., A. J.; YAMAMURO, E. M.; SPERANZINI, M. M.; MAKSOUD F., J. G. Normas e condutas da Liga de Cirurgia Ambulatorial. São Paulo, 1986. Publicação particular.

Semanalmente são realizadas reuniões da Liga de Cirurgia Ambulatorial com a participação de todos os membros da Liga, onde, além de aulas teóricas e seminários sobre temas relacionados à Cirurgia Ambulatorial, são discutidas complicações das operações realizadas, sob a orientação do coordenador da Liga de Cirurgia Ambulatorial.

Resultados

Em nenhum dos pacientes operados pudemos observar, durante o ato cirúrgico, complicações decorrentes da anestesia local.

Dos 169 casos operados, apenas 30 (17,75%) não compareceram ao primeiro retorno. Assim, serão apre­sentadas as evoluções dos 139 casos que foram seguidos até a alta definitiva.

Vinte casos evoluíram com complicações, divididas em dois grupos: 18 casos (12,94%) que caracterizaram defeitos clínicos de cicatrização sem infecção (Tabela 2), e dois casos (1,43%) com infecção: um com deiscência parcial e supuração de subcutâneo; outro com abscesso subcutâneo. O exame bacteriológico revelou Staphylococcus aureus no primeiro caso e bacilo negativo no segundo caso.

Tabela 2
Complicações sem infecção

O número de retornos necessários foi analisado. Assim, para os casos de evolução sem intercorrência, é norma haver dois retornos: o 19 para retirada de pontos de pele e o 29 em torno do 149 dia do pós-operatório para reavaliação e alta. Nos casos que evoluíram com complicação sem infecção, a média foi de três retornos enquanto que naqueles com infecção houve necessidade de quatro retornos.

Comentários

A Cirurgia Ambulatorial como tratamento médico necessita desempenhar o seu papel com desenvoltura e segurança.

A análise de cada caso deve ser ainda mais criteriosa para que o paciente desfrute de condições semelhantes às obtidas no regime de internação.

Atualmente, no planejamento cirúrgico eletivo para determinada comunidade não é possível prescindir da utilização da Cirurgia Ambulatorial.

Nesse trabalho, 169 casos foram operados por acadêmicos, 4° anistas da FMUSP, orientados diretamente por docentes da 3ê CC. Evidentemente, a proposição de oferecer treinamento em cirurgia ao 4° anista de Medicina não é tarefa desprovida de preocupação, justificando-se por isso nas indicações dos casos operados a relativa simplicidade e superficialidade dos procedimentos, uma vez que se tratava do primeiro contato destes alunos com o doente cirúrgico.

Dos 169 operados, 139 foram seguidos até a alta definitiva.

O retorno de 82,24% dos pacientes pode ser considerado em nosso meio um nível bastante satisfatório.

É importante assinalar que isso se deve, principalmente, à real participação do acadêmico, cujo interesse e dedicação permitiram estabelecer, de modo marcante e estreito, a relação médico-paciente.

O objetivo primordial da LCA é o de propiciar ao acadêmico, a possibilidade de praticar o ato médico na sua plenitude, exercitando a anamnese, a propedêutica, a elaboração do diagnóstico clínico e a indicação da operação, e a sua realização, a prática dos cuidados pós-operatórios normais, o tratamento das complicações e a ava­liação dos critérios de alta.

A LCA é fruto da iniciativa, motivação e inquietude próprias do acadêmico que, prevendo ser a prática médi­ca de fundamental importância na sua formação profissional, associa ao mesmo tempo este legítimo anseio à prestação de serviço à comunidade que lhe serve de suporte. Nesse sentido, coube à 3a CC compreender essa justa reinvindicação e oferecer o apoio e a orientação que a iniciativa necessitava.

No tratamento cirúrgico ambulatorial, a avaliação pré-operatória do paciente é fator decisivo e, nessas condições, devemos concordar com BATTAGLIA (1983) para quem "qualquer procedimento que não invada as cavidades naturais maiores do organismo, exceto a laparoscopia e a hernioplastia, podem ser consideradas passíveis de tratamento cirúrgico ambulatorial, se os critérios assim o permitirem"808. POLAND, V. Strategies for ambulatory surgery. Aorn. J., 39: 1245, 1248-9, 1252-3, 1984..

Indubitavelmente, nossos bons resultados decorrem da observação dos critérios normativos de seleção do pa­ciente estabelecidos em "Normas e Condutas da LCA"909. RODRIGUES Jr., A. J.; YAMAMURO, E. M.; SPERANZINI, M. M.; MAKSOUD F., J. G. Normas e condutas da Liga de Cirurgia Ambulatorial. São Paulo, 1986. Publicação particular..

Nossa experiência na LCA não é diferente da de outros Centros de Cirurgia Ambulatorial606. OLIVEIRA, M. R.; SPERANZINI, M. B.; RODRIGUES JR., A. J. A atualidade da cirurgia ambulatorial. Rev. bras. Educ. Méd., 9:52-54, 1985.. Não foram aqui também observados nenhum acidente cardiovascular ou necessidade de transfusão de sangue ou derivados, nem transferência do paciente operando para unidades de internação.

Um serviço de cirurgia pode ser avaliado sob outros aspectos; entre estes, o índice de complicações pós-operatórias infecciosas, em cirurgias limpas, constitui fator de particular relevância.

A redução do índice de infecção pós-operatória, tanto no paciente jovem como no paciente idoso, sem necessitar técnicas ou equipamentos sofisticados, tem sido uma das mais importantes vantagens da Cirurgia Ambulatorial.

Já em 1968, OTHERSEN & CLATWORTHY707. OTHERSEN Jr., H. B. & CLATWORTHY Jr., H. W. Outpatient herniorrhaphy for infants. Amer. J. Dis. Chil., 116:78-80, 1968. mostraram que a taxa de infecção, tanto respiratória como do trato gastrointestinal, era reduzido de 50 a 70% quando as cirurgias eram realizadas a nível ambulatorial.

No Shouldice Hospital, instituição que desde 1945 propõe para hérnias inguinais um tratamento cirúrgico em regime ambulatorial, a taxa de infecção observada foi de 0,5%101. ALEXANDER, M. A. J. How to select suitable procedures for outpatient surgery; the Shouldice Hospital experience. Bull. Amer. Coll. Surg., 71:7-11, 1986..

Note-se que nesse e em outros serviços303. DAVIS, J. E. Ambulatory surgical care; basic concept and review of 1,000 patients. Surgery, 73:483-5, 1973.), (505. NATOF, H. E. Complications associated with ambulatory surgery. J. Amer. med. Ass., 244:1116-8, 1980. o ato cirúrgico é realizado sempre por cirurgiões experientes e devidamente treinados. De forma que a existência de 2 complicações infecciosas em 139 pacientes operados por acadêmicos, em fase inicial de treinamento, não surpreende e, de qualquer forma, atesta o padrão de qualidade obtido, e que ainda pode ser melhorado.

Com as ressalvas já assinaladas, podemos afirmar que a possibilidade do acadêmico de 4º ano realizar 14 intervenções e participar em 30, sob orientação docente, é opção válida, desprovida de complicações graves e com níveis de complicações compatíveis e aceitáveis, concernente ao ato médico. Relativo à formação profissional é iniciativa adequada ao acadêmico, ao ensejar a prática médica na sua plenitude e que tem trazido grande satisfação ao aluno.

Referências Bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1988
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