Acessibilidade / Reportar erro

A Percepção do Paciente em Relação à Visita Médica num Hospital-Escola: um Estudo Exploratório

Resumo

A visita médica é importante instrumento didático para o ensino dos estudantes e residentes de Medicina, mas pode ter efeitos negativos sobre os pacientes. Com o objetivo de investigar a percepção dos pacientes sobre a visita médica, foram entrevistados 20 pacientes internados num hospital-escola, por meio de uma entrevista semidirigida. Os dados obtidos mostram que a maioria dos pacientes têm uma percepção positiva da visita médica, mas relatam sentimentos conflitivos em relação à sua ocorrência. Referem dificuldades para compreender o que é dito a respeito de sua doença e sentem-se desinformados e expostos. São feitas sugestões para o melhor aproveitamento da situação de visita médica no hospital, de modo que, sem perder seu caráter didático, ela possa cumprir também um papel mais efetivo na assistência ao paciente.

Palavras-chave:
Visitas a pacientes; Aspectos psicológicos; Relações médicos-paciente

Summary:

Medical visits are important educational instruments in teaching residents and medical students. The goal of this study was to investigate patients perception about the medical visits. Twenty patients of a university hospital were interviewed according to a semi-structured model, where patients were asked how they felt during the medical visit, its positive and negative aspects, if they understood its content, and what changes they would make in the situation. Data collected point out that the majority of patients have a positive opinion about the medical visits, but show -conflictive feelings towards it. They resent the most the lack of information about their disease and treatment, and the personal exposure during the situation. Suggestions are made in order to improve the assistencial aspect of medical visits, without harming its educational purpose.

Key words:
Medical visits; Psychological aspects; Patient-doctor relationship

INTRODUÇÃO

A situação de visita médica faz parte da rotina de um hospital-escola e visa atingir um objetivo didático e assistencial. Nela são apresentados casos e discutidas condutas médicas: exames, cirurgias, medicamentos. Às vezes, o paciente é examinado.

A linguagem empregada durante a visita é essencialmente técnica (médica) em virtude dos objetivos educacionais, o que tende a dificultar a compreensão por parte do paciente daquilo que é discutido; assim como sua participação na visita. Observa-se intensa troca de informações e opiniões entre os médicos, e muito pouca entre estes e o paciente, a não ser que o médico queira esclarecer alguma dúvida ou quando um paciente mais "preocupado, ansioso e ousado" (sic) pergunta algo sobre a conduta estabelecida, o que é raro, sendo a troca rápida e sucinta.

De acordo com Lima Filho55. LIMA FILHO, M. T. Visitas Gerais à Beira do Leito: Prática a Ser Mantida ou Abandonada? Rev. Paul. Med. 1988, 106 (1): 5., a partir do século XIX "o exame do doente diante de uma assembleia de vários estudantes tornou-se rotina em todo o mundo, constituindo a clássica visita médica", método privilegiado para o ensino, aos estudantes de medicina, da semiologia e das técnicas de exame de pacientes, bem como da interpretação dos achados. O autor critica a ampliação desta prática para a discussão do diagnóstico na presença do paciente, onde "revela-se abertamente o diagnóstico ou os supostos diagnósticos a todos aqueles que se encontram junto ao paciente", o que pode gerar constrangimento e insegurança no mesmo, ao perceber as dúvidas dos profissionais e ao ver sua intimidade exposta publicamente.

No momento da visita, não é dada muita importância ao interesse do paciente em saber de seu estado e o que lhe vai acontecer, o que, muitas vezes, acarreta uma expectati­va ansiosa no paciente, fato que parece não ser notado pelos médicos.

A literatura refere que a rotina da "visita médica" parece aumentar o nível de ansiedade do paciente. Miller e Hafner66. MILLER, R. J; HAFNER, R. J. Medical Visits and Psychological Disturbance in Chronic Low Pack Pain. A Study of a Back Education Class. Psychosomatics. 1991, 32 (3): 309-16. observaram que o aumento do número de visitas elevava a ansiedade dos pacientes com quadro de lombalgia crônica.

Em trabalho desenvolvido por Lerman et al.44. LERMAN, C. E.; BRODY, D. S.; CAPUTO, G. C.; SMITH, D. G.; LAZARO, C. G.; WOLFSON, H. S. Patients Perceived Involvement in Care Scale: Relationship to Attitudes about Illness and Medical Care. J. Gen. Intern. Med. 1990, 5(1):29-33. sobre as trocas de informações entre médicos e pacientes em visita médica, concluiu-se que quanto maior a troca de informações com o paciente melhor é a compreensão deste, aumentando sua confiança, seu controle sobre a doença e a expectativa de melhora. Isto aponta para quanto uma "visita" pode ser eficiente em ajudar na recuperação do paciente internado. Todavia, para isso, parece que o médico pode e deve contar com recursos (internos e externos) que o ajudem.

Verhaak1010. VERHAAK, P.F. Detection of Psychologica1 Complaints by General Practitioners. Med Care . 1989, 26(10): 1009-20. observou que, na visita a pacientes com doenças somáticas, o médico que contava com uma capacidade extra de utilizar técnicas de comunicação conseguia detectar as doenças somáticas de origem psicogênica. Entre estas "técnicas" estavam a atenção, o interesse, a capacidade para esclarecer queixas e uma atitude centrada no paciente. O interessante foi a observação de que os pacientes davam mais informações aos médicos que não apresentavam essa capacidade e menos informações àqueles que a apresentavam, já que estas eram naturalmente pesquisadas pelo profissional mais preocupado com o paciente.

Uma boa relação médico-paciente favorece uma visão holística do paciente, o que pode colaborar na abordagem de sua doença e na aderência ao tratamento. Brody et al.11. BRODY, D. S.; MILLER, S.M.; LERMAN, C.E.; SMITH, D.G.; CAPUTO, G.C. Patients Perception of Involvement in Medical Care: Relationship to Illness Attitudes and Outcomes. J. Gen. Interm. Med. 1989a, 4(6): 506-11.),(22. BRODY, D. S.; MILLER, S. M.; LERMAN, C. E.; LAZARO, C. G.; BLUM, M. J. The Relationship Between Patient's Satisfaction with Their Physicians and Perceptions About Interventions They Desired and Received. Med. Care. 1989b, 27(11): 1027-35. observaram em seu trabalho que a satisfação do paciente quanto à relação médico-paciente era maior quando havia uma orientação (educação) para ele (paciente), aconselhamento sobre estresse e informações sobre sua doença do que quando eram priorizados dados e informações sobre terapia, medicamentos e o exame físico.

Algo complementar foi também verificado por Wartman et al.1111. WARTMAN, S. A.; NORLOCK, L. L.; MALITZ, F. E.; PALM, E. A. Patient Understanding and Satisfaction as Predictors of Compliance. Med Care . 1983, 21(9): 88-91. em seu trabalho sobre visita médica: os pacientes estavam satisfeitos com a informação científica (medicação), mas estavam insatisfeitos com a comunicação dos médicos durante a visita.

Isto sugere que o paciente valoriza as informações técnico-médicas recebidas durante a visita médica, procurando incorporá-las e segui-las. Mas o outro lado de suas expectati­vas, dúvidas e temores talvez fique sem o devido esclarecimento, o que pode gerar ansiedade e frustração.

A Divisão de Clínica Vascular é predominantemente cirúrgica: os pacientes que ali estão internados aguardam cirurgia, seja uma amputação, um enxerto, uma desobstrução de artéria, etc. É grande o número de pacientes que já se internam com um membro amputado ou que irão fazer uma amputação. Parece, então, existir uma espécie de fantasma nesta enfermaria no que diz respeito a uma possível amputação. Corno os pacientes são distribuídos nos diversos quartos pelas patologias, basta haver um único "amputado" no quarto para que seus companheiros nos leitos próximos passem a acreditar na real possibilidade de amputação.

O que "ajuda" os pacientes a enfrentar uma amputação é a dor, muito intensa. Este sofrimento é tão acentuado, que, por vezes, em casos onde não existe indicação de amputação no momento, e sim de um tratamento clínico ou então um enxerto, os pacientes pedem a amputação, a fim de se livrar dessa dor, forte e incômoda, o mais rápido possível.

As decisões terapêuticas - incluindo a realização de cirurgias - são, em sua grande maioria, tomadas na visita médica, o que cria uma grande expectativa no paciente em relação ao seu futuro e ao que ocorre nesta visita. Ela acontece na Clínica Vascular duas vezes por semana, com duração média de uma hora. Nela, há um médico assistente responsável, mas todos os outros assistentes, os residentes, os anestesistas, a assistente social, a enfermeira-chefe e a psicóloga também participam.

Considerando-se que se trata de um hospital-escola, muitas vezes, o paciente não tem como referencial um único médico, isto é, não há identificação de um só médico como o responsável por seu caso. Isto favorece o conluio do anonimato e dificulta a relação médico-paciente, sendo a hora da visita médica o momento em que todos estão se atendo exclusiva­mente ao "seu caso"- o que faz com que este momento assuma um significado bastante particular.

Considerando esses aspectos, a proposta deste estudo foi investigar as atitudes e expectativas dos pacientes internados na Divisão de Clínica Vascular no que concerne à visita médica.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram entrevistados 20 pacientes internados na I Clínica Cirúrgica, na Clínica Vascular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Tais pacientes foram escolhidos aleatoriamente e sua participação no estudo foi voluntária. Os critérios de inclusão referiam-se à participação em pelo menos duas visitas médicas e à existência de um contato anterior com a psicóloga.

Foram excluídos pacientes com idade inferior a 20 anos e os portadores de sequelas neurológicas ou distúrbios psiquiátricos significativos que pudessem comprometer a compreensão das questões formuladas.

Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de questões elaborado com o objetivo de investigar a impressão e as expectativas dos pacientes em relação à visita médica, aplicado individualmente pela psicóloga à beira do leito.

RESULTADOS

Dos 20 pacientes, 20% eram do sexo feminino e 80% do sexo masculino, o que corresponde à ocupação rotineira dos leitos na enfermaria. Suas idades variavam entre 27 e 84 anos, a média correspondendo a 60 anos. Destes pacientes, 60% foram entrevistados no período pré-operatório e o restante no pós-operatório. Constatou-se que 85% deles já haviam estado internados em instituições hospitalares, sendo que 88,2% destes por motivos associados a doenças vasculares, enquanto 11,8% por outros motivos.

Na internação atual, o tempo médio de permanência foi de 30 dias, oscilando entre 8 e 76 dias, em virtude da patologia, da complexidade do caso e de sua evolução, observando­se discreta tendência a maiores períodos de permanência entre pacientes com mais idade.

Verificou-se que, dos pacientes entrevistados, 30% alegavam nada saber a respeito de sua doença, enquanto 15% referiam saber "muito pouco". Os restantes 55% sabiam referir qual a doença que os acometia, e sua informação correspondia ao diagnóstico médico que constava em seu prontuário.

Indagados sobre sua opinião a respeito da visita médica, um número representativo de pacientes (45%) referiu que ela era "boa", representando um momento de esclarecimento para o paciente, em que lhe era dada atenção. Considerando-se o número de pacientes, a maioria considerou a visita de maneira positiva, como pode ser depreendido dos dados apresentados na Tabela 1. Todavia, muitas vezes, as opiniões positivas vieram acompanhadas de comentários negativos. Por outro lado, considerando-se as verbalizações como um todo, observa-se que existe um número mais alto de queixas (53%) - como falta de comunicação entre profissionais e pacientes durante a visita médica - do que de elogios. Tais dados são apresentados na Tabela 2.

TABELA 1
Opiniões dos pacientes sobre a visita médica

TABELA 2
Comentários positivos e negativos a respeito da visita médica

Os sentimentos relatados pelos pacientes como associados à visita médica variaram entre "sentir-se importante" ou sentir-se "bem" com a visita, a sentir-se "envergonhado", "sem importância". Evidenciaram-se, ainda, sentimentos conflitivos e ambivalentes entre alguns pacientes, como sumarizado na Tabela 3.

TABELA 3
Sentimentos associados à visita médica relatados pelos pacientes

Indagada sobre o que gostariam que fosse abordado durante a visita médica, a grande maioria dos pacientes referiu que gostaria de receber informações sobre seu próprio caso (50%) ou ter dados para entender melhor o que é dito, como pode ser visto na Tabela 4.

TABELA 4
Assuntos a serem abordados na visita médica, segundo os pacientes

Perguntados sobre o que mais lhes agradava na visita médica, 65% dos pacientes referiram ser o fato de receber atenção, 30% valorizaram ser o momento em que podiam receber informações e 20% declararam que nada lhes agradava na visita. Tais dados estão sumarizados na Tabela 5.

TABELA 5
O que mais agrada na visita médica

Os pacientes relataram que o que mais lhes desagrada na visita médica é a falta de interação entre os médicos e os pacientes, bem como a falta de informação. Um número representativo verbalizou que não havia nada de que não gostasse na situação de visita médica. Outros aspectos mencionados foram: ser examinado durante a visita médica, a presença feminina como fator inibidor, haver muita gente no quarto durante a visita e a ocorrência da discussão dos casos de pacientes de outras enfermarias, bem como o horário das visitas (por coincidir com o café da manhã). Tais dados estão apresentados na Tabela 6.

TABELA 6
O que desagrada na visita médica

Quanto à compreensão dos pacientes sobre o que era discutido durante as visitas médicas, a grande maioria informou que não compreendia o que os médicos diziam (70%), a não ser em raras ocasiões; outros informaram que somente às vezes, quando eles "falam fácil" (sic, 25%); somente 5% referiu compreender o que era dito. Tais dados encontram-se sumarizados a seguir na Tabela 7.

TABELA 7
Compreensão dos pacientes a respeito do conteúdo da visita médica

Indagados sobre se havia liberdade para perguntar alguma coisa durante a visita médica, 70% referiram que não e 30% que sim. Ao serem perguntados se teriam vontade de participar da visita de alguma forma, 70% declararam que sim, enquanto 30% disseram que preferiam não participar. Dos que preferiam participar, 71 % gostariam de receber mais informações sobre sua doença, 14% queriam informações mais precisas a respeito da cirurgia (quando e como) e 15% não sabiam especificar que tipo de participação ou informação gostariam de receber.

DISCUSSÃO

Os dados levantados demonstram que a visita médica, tal como atualmente conduzida, é percebida pela maioria dos pacientes de maneira positiva. Por outro lado, não é insignificante o número de queixas, algumas bastante pertinentes e que sugerem caminhos para a solução dos problemas apontados pelos pacientes.

Os aspectos positivos salientados referem-se, principalmente, à oportunidade de entrar em contato mais direto com os profissionais responsáveis por seu atendimento, recebendo atenção e "esclarecimento" sobre suas condições. Isto é particularmente importante ao se considerarem as condições de assistência e ensino, intimamente vinculadas em hospitais-escola, que favorecem o distanciamento entre o médico e seu paciente, diluindo as responsabilidades e instalando certo "anonimato": frequentemente, o paciente desconhece quem é o "seu médico", não sabe a quem pedir orientação ou esclarecimentos. Neste sentido, a ocasião da visita possibilita ao paciente identificar os profissionais responsáveis por seu caso e perceber que "algo" está sendo feito para que sua saúde melhore. A atenção recebida é extremamente valorizada pelo paciente, que se sente prestigiado e importante.

Por outro lado, a situação de ensino, com a presença de muitos profissionais e estudantes, e a discussão que ocorre a respeito dos dados de exames, diagnósticos e condutas, parecem ser fonte de ansiedade e queixas. Apesar de sabedores, antecipadamente, das condições de assistência-ensino da instituição, os pacientes ressentem-se da falta de privacidade que permeia as discussões e do fato de não compreenderem o que é dito a seu respeito em virtude da linguagem utilizada. Referem sentir-se como "cobaias", "objetos de estudo", carentes de informação e sem condições de compreender o que é dito.

A própria situação de discussão de alternativas terapêuticas pode ser vivenciada com insegurança pelo paciente, podendo dar a impressão de que os médicos "não sabem o que fazer", e apreensão, se as alternativas não lhe forem apresentadas com todo o cuidado individualmente, sendo-lhe oferecida a oportunidade para esclarecer dúvidas.

Apesar da percepção positiva da visita, esta é associada a vivências por vezes desagradáveis e conflitivas: vergonha, sentimentos de menos-valia e indiferença contrapõem-se a sentir-se "bem" ou "importante" por ter seu caso discutido por todos. Paralelamente, a maioria dos pacientes não se sen­tia à vontade para fazer perguntas aos médicos, apesar de não compreender o que era dito na situação de visita. Tais dados alertam para a condição extremamente passiva que a equipe atribui ao paciente e que é internalizada por ele. Tal passividade parece traduzir-se por obediência às ordens médicas e adesão ao tratamento, mas pode significar, igualmente, a falta de condições do paciente de assumir a responsabilidade pelo próprio tratamento, o que eventualmente se traduzirá em pouca aderência ao tratamento ambulatorial sub-sequente à internação e projeção das responsabilidades pessoais na figura do médico e da instituição. Nesse contexto, o paciente tende a delegar toda a capacidade de restabelecimento ao médico, não se apropriando de seu potencial de cura interior, tão importante na resposta positiva do organismo à medicação empregada e aos procedimentos utilizados, podendo interferir no tempo de internação.

O fato de urna queixa bastante mencionada referir-se à falta de interação entre o paciente e a equipe durante a visita sugere, inclusive, que a atenção recebida o é de maneira ambígua ou ambivalente: trata-se de uma "atenção impessoal", se tal é possível, de urna preocupação com o "caso" e não com o indivíduo. Nas instituições hospitalares, é bastante comum o paciente ser visto de uma forma cindida, isto é, a doença é separada de seu portador; é corno se houvesse duas entidades distintas: a pessoa humana portadora de urna história de vida, com sentimentos, emoções, dúvidas, e o acometimento físico da doença. Na atuação médica, parece haver espaço só para a atenção da manifestação somática da doença. O que se nota é que há urna necessidade premente de o paciente resgatar sua identidade cindida.

Outro ponto relevante é a solicitação feita pelos pacientes no sentido de que a visita médica possa ser utilizada para receberem informações sobre seu problema ou sua cirurgia de maneira compreensível. Tal solicitação levanta duas hipóteses que necessitam ser confirmadas: os pacientes ou ressentem-se da falta de informações a respeito de "seu caso" por falha de comunicação do grupo/médico responsável, ou sentem que estas informações têm pouco valor intrínseco, precisando ser "validadas" na visita médica, que passa a ser, então, percebida como um fórum privilegiado, onde seu destino será decidido. Nas duas situações, existe a possibilidade de ocorrer um enfraquecimento do já tênue vinculo médico-paciente na instituição, seja por falta de confiança na autonomia ou na capacidade do profissional, seja por falhas de comunicação. Tais hipóteses apontam para a necessidade de fortalecer o vínculo médico-paciente e esclarecer ao paciente, quando de sua internação, os objetivos da visita médica e as condições em que ocorre.

Cabe aqui lembrar que o Cremesp33. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DE SÃO PAULO. O Paciente Didático: Recomendação Cremesp., em recomendações específicas sobre o (assim denominado) "paciente didático", e considerando que a prática da visita médica pode revelar-se "impiedosa e antiética, além de perniciosa ao estado psíquico do paciente", e que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a dignidade das pessoas", sugere:

"Aos médicos, professores e estudantes que, durante suas preleções, aulas ou observações, abstenham-se de comentários além dos exigidos para obtenção dos dados anamnéticos e semióticos indispensáveis, reservando-se para, em separado, (proceder) à discussão do caso, diagnóstico diferencial, hipótese diagnóstica, terapêutica e o prognóstico, além das conside­rações supracitadas, a fim de evitar o constrangimento que tal prática possa acarretar".

Em face destas considerações e recomendações, tomando por base os dados apurados nesta investigação, e, ainda, valorizando, em especial, a percepção primordialmente positiva da visita médica e suas possíveis repercussões sobre o bem­estar do paciente, alguns pontos merecem especial reflexão, podendo ser sugeridas algumas diretrizes de conduta:

a) Em relação à situação de visita:

  • promover a identificação personalizada e nominal do paciente, evitando mencioná-lo como "o caso de aneurisma de aorta" ou "o doente do leito 5";

  • informar o paciente previamente da existência da visita médica, sua dinâmica e seus objetivos; essa informação deve ser prestada, de preferência, pelo residente designado para atendê-lo;

  • não discutir, junto ao leito, aspectos diagnósticos e terapêuticos, especialmente quando se tratar de questões polêmicas, em particular quando a visita ocorrer em enfermarias com mais de um leito;

  • orientar os profissionais a abster-se de comentários irrelevantes que minimizem a importância da situação de visita e o status do paciente, bem como daqueles que implicam juízo de valor a respeito do paciente, sua vida, suas convicções, etc.

  • não manter o paciente à margem da discussão, informando-o, sumariamente e em linguagem acessível, do que foi discutido e dando-lhe a oportunidade de fazer perguntas aos profissionais e de se posicionar;

  • -vitar situações constrangedoras no exame físico do paciente;

  • não utilizar o espaço da "visita médica" prioritariamente para emitir críticas em relação ao trabalho feito pelo médico responsável, a fim de evitar constrangimento por parte dos profissionais e o enfraquecimento do vínculo com o paciente;

  • dizer ao paciente que o médico responsável voltará de para conversar com ele sobre o que foi discutido a respeito de suas condições.

b) Em relação à divulgação de informações:

  • na medida do possível, não trazer durante a visita dados novos (exames, diagnóstico, etc.) sem que o paciente tenha conhecimento deles, ou, pelo menos, sem que seu significado seja discutido com o paciente. É extremamente disjuntivo o paciente ser informado de um diagnóstico que ele possa con­siderar ruim ou letal numa situação em que ele não se sente em condições de expressar-se;

  • certificar-se de que o paciente compreendeu a essência do que foi dito a seu respeito, com o objetivo de respeitar seu direito à informação e conseguir sua colaboração no tratamento;

  • em situações de planejamento cirúrgico, o médico-cirurgião deve se apresentar ao paciente e se dispor a orientá-lo e a responder suas dúvidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A visita médica num hospital-escola parece ter uma conotação ambivalente para o paciente. Por um lado, é um momento onde este certifica-se de estar sendo cuidado, sendo o centro das atenções, quando surgem todas as informações e discussões entre os médicos a respeito de sua doença. Por outro lado, pode surgir uma enorme frustração, já que sua expectativa de entender o discurso médico para saber de seu estado, tratamento, cirurgia ou prognóstico frequentemente não é atendida, o que possibilita o aparecimento de sentimentos desagradáveis (sentir-se corno cobaia, objeto de estudo, etc.). Surge, então, a solicitação dos pacientes para que haja maior interação, informação e compreensão entre eles e seus médicos.

Esta situação é favorecida pela existência de objetivos diferentes: para os médicos, a visita médica tem primeiramente um caráter didático (ensino e pesquisa); para os pacientes, ela tem um caráter urgentemente assistencial. Portanto, seria interessante que a visita médica continuasse cumprindo seu objetivo didático, mas que houvesse um espaço para informações, esclarecimento de dúvidas e maior interação médico-paciente, preferencialmente num momento anterior à visita ou em seu contexto. Desta forma, o paciente poderia sentir-se participante e informado sobre seu tratamento.

É importante ressaltar que a figura do médico é, para o paciente, permeada por idealizações, mitos e expectativas, caracterizando-se, assim, corno urna relação de intensa carga emocional que deveria ser cuidadosamente entendida e valorizada, pois é um instrumento de grande valor (se bem utilizado), com repercussões no tratamento e restabelecimento do paciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BRODY, D. S.; MILLER, S.M.; LERMAN, C.E.; SMITH, D.G.; CAPUTO, G.C. Patients Perception of Involvement in Medical Care: Relationship to Illness Attitudes and Outcomes. J. Gen. Interm. Med. 1989a, 4(6): 506-11.
  • 2
    BRODY, D. S.; MILLER, S. M.; LERMAN, C. E.; LAZARO, C. G.; BLUM, M. J. The Relationship Between Patient's Satisfaction with Their Physicians and Perceptions About Interventions They Desired and Received. Med. Care. 1989b, 27(11): 1027-35.
  • 3
    CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DE SÃO PAULO. O Paciente Didático: Recomendação Cremesp.
  • 4
    LERMAN, C. E.; BRODY, D. S.; CAPUTO, G. C.; SMITH, D. G.; LAZARO, C. G.; WOLFSON, H. S. Patients Perceived Involvement in Care Scale: Relationship to Attitudes about Illness and Medical Care. J. Gen. Intern. Med. 1990, 5(1):29-33.
  • 5
    LIMA FILHO, M. T. Visitas Gerais à Beira do Leito: Prática a Ser Mantida ou Abandonada? Rev. Paul. Med. 1988, 106 (1): 5.
  • 6
    MILLER, R. J; HAFNER, R. J. Medical Visits and Psychological Disturbance in Chronic Low Pack Pain. A Study of a Back Education Class. Psychosomatics. 1991, 32 (3): 309-16.
  • 7
    ROST, K; CARTER, W.; INUI, T. Introduction of Information During the initial Medical Visit: Consequence form Patient Follow -Through with Physician Recommendations for Medication. Sci. Med. 1989, 22 (4) 315-21.
  • 8
    ROTER, D. L.; EWART, C. P. Emotional inhibition in Essential Hypertension: Obstacle to Communication During Medical Visits? Health Psychol. 1992, 11(3): 163-9.
  • 9
    ROTER, D. L.; LIPKIN, M, Jr.; KORSGAARD, A. Sex Differences in Patients and Physicians Communication During Primary Care Medical Visits. Med Care. 1991, 29(11): 1083-93.
  • 10
    VERHAAK, P.F. Detection of Psychologica1 Complaints by General Practitioners. Med Care . 1989, 26(10): 1009-20.
  • 11
    WARTMAN, S. A.; NORLOCK, L. L.; MALITZ, F. E.; PALM, E. A. Patient Understanding and Satisfaction as Predictors of Compliance. Med Care . 1983, 21(9): 88-91.
  • 1
    *Trabalho realizado na Clínica Vascular do ICHC-FMUSP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    May-Dec 1997
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com