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PRÁTICAS MÉDICAS ORTODOXAS E HETERODOXAS

Resumo:

Nesse estudo, os autores pesquisaram a influência da medicina heterodoxa no cotidiano das pessoas. Através de entrevista com 163 pessoas dispostas em três grupos distintos - alunos de medicina, alunos de outros cursos de nível superior e usuários de ambulatórios de uma Faculdade de Medicina, puderam verificar o nível de aceitação das práticas heterodoxas em seu meio, bem como as formas de medicina heterodoxa preferidas e a primeira forma de auxílio à qual as pessoas recorrem quando estão doentes.

Descritores:
Medicina alternativa; Medicina Tradicional; Prática profissional

Summary:

ln this study, the authors researched the heterodox medicine influence on the people daily. Across interviews with 163 persons, disposed in distinct three groups - medicine students, superior level other courses students and ambulatories users could verify the acceptance of heterodox practices among people, so as the preferred heterodox medicine modalities and the first assistance method searched by the sick persons.

Keywords:
Alternative medicine; Tradicional medicine; Professional practice

INTRODUÇÃO

A visão mecanicista incorporada ao pensamento do homem moderno tem levado a medicina dita ortodoxa a considerar o ser humano como um conjunto de órgãos, onde cada especialidade se debruça sobre o estudo de um grupo restrito destes. Esta visão tem proporcionado campo para o surgimento de novas formas de abordagem da saúde do ser humano, formas estas que, vendo o homem na sua totalidade, bem como sendo muitas vezes de maior acessibilidade que a forma tradicional de medicina, ganham a cada dia maior penetração entre as camadas populares. De acordo com Watzkin11. WAITZKIN, H. & SIRROT, L.- Holism and Self Care. In Sidel V.W. & Sidel, R., Reforming Medicine. Pantheon Books. 1984. “estas formas emergiram corno corolário da deterioração das condições sociais do mundo moderno. A sociedade é impotente para prover com suas necessidades básicas a maioria de seus cidadãos.” Neste contexto, Pietroni22. PIETRONI, P.C. - Holistic Medicine. New Map. Old Territory, The Brit. J. Holist. Med., 1,3, 1984. salienta que "o grande benefício da colonização da Índia pelos ingleses não foi ter levado a cultura e a linguagem ocidental aos indianos, mas sim ter trazido o rico mundo dos Vedas, dos upanixades e a ioga à atenção de nossa civilização.”

Segundo Landmann33. LANDMANN, J. - As medicinas alternativas: mito, embuste ou ciência? - Editora Guanabara - 1989., a medicina atualmente “serve de biombo para mascarar as causas sociais da doença. A medicina científica dos fins do século passado e deste século baseia a solução dos problemas de saúde em princípios puramente biológicos e exclui as causas sociais e políticas salientadas no século passado por Virchow e Engels.”

Autores como Loyola44. LOYOLA, M. A - Medicina popular, in Saúde e Medicina no Brasil - Contribuição para um Debate - Edições Graal, 1978. vêem na medicina dita popular um obstáculo à ação do Estado na tentativa de reforçar a medicina dita científica, urna vez que a população visada por tal ação não seria “receptáculo passivo de políticas ditadas a nível ministerial”.

A presença de formas alternativas de medicina já era formalmente reconhecida em 1975, pela V Conferência Nacional de Saúde55. V CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - Ministério da Saúde, Brasília, agosto de 1975 - pág 3 e 4., em cujo texto encontrava-se: “no campo concreto de saúde o que existe são dois subsistemas de saúde: - um subsistema que se desenvolve graças a ações empírico-místicas, sem respaldo institucional legal, v.g., medicina de folk, curandeirismo, etc.; um subsistema que se desenvolve graças às ações empírico-científicas e com respaldo institucional-legal.”

Visando estudar a penetração da medicina dita heterodoxa entre a população desenvolvemos o presente estudo.

MATERIAL E MÉTODOS

Um questionário (anexo ANEXO Data da entrevista:........................................................ Entrevistador:................................................................ Iniciais do nome:........................................................... Idade:............................................................................ Sexo: ( )masculino ( )feminino Orçamento familiar:...................................................SM ( ) estudante de Medicina ( ) estudante de outro curso superior ( ) usuário ambulatorial 1. Você confia na medicina ortodoxa? ( ) sim ( ) não 2. Por quê? 3. Você confia na medicina heterodoxa? ( ) sim ( ) não 4. Por quê? 5.Você já fez uso da medicina heterodoxa? ( ) sim ( ) não 6. A qual forma de medicina heterodoxa você já recorreu? ( ) homeopatia ( ) acupuntura ( ) medicina oriental ( ) cromoterapia ( ) fisioterapia ( ) florais de Bach ( ) cirurgia espírita ( ) outros 7. A qual das formas de medicina heterodoxa acima citadas você recorreria? 8. Quando você fica doente, a que recorre primeiramente? ( ) benzedeira ( ) um médico ( ) automedicação alopática ( ) automedicação homeopática ( ) cultos religiosos ( ) n.r.a. ) foi submetido à apreciação de entrevistados dispostos basicamente em três grupos: alunos do curso de medicina, alunos de outros cursos da Universidade Federal de Uberlândia e pacientes de três ambulatórios ligados a esta instituição.

Os entrevistados eram esclarecidos quanto a termos constantes do questionário e dos quais poderiam não ter conhecimento.

Foram entrevistadas 163 pessoas, dispostas em uma amostragem não probabilística, utilizando-se unidades prontamente acessíveis, sendo o critério de escolha das referidas unidades a acessibilidade66. MALEITA, C.H.M. - Epidemiologia e Saúde Pública. - Livraria Atheneu - 1988.. Dessas, 93 eram pacientes dos ambulatórios, 38 alunos de diversos períodos do curso de medicina e 32 alunos de outros cursos da Universidade Federal de Uberlândia.

No presente estudo foram consideradas como formas de medicina heterodoxa a homeopatia, a acupuntura, a medicina oriental, a cromoterapia, a fitoterapia (herbalismo), o uso dos florais de Bach, a cirurgia espírita e a homeopatia. Esta última, apesar de ter sido reconhecida em 1980 como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina ainda não nos parece bem assimilada pela população em geral como forma de medicina ortodoxa, no sentido restrito da palavra. Outras modalidades menos comuns de medicina heterodoxa também foram consideradas. Para efeitos de pesquisa, portanto, procurou-se qualificar como práticas de Medicina Heterodoxa aquelas que não parecem de uso amplamente disseminado dentro da população como um todo, muito embora algumas destas práticas estejam progressivamente sendo incorporadas nos currículos das escolas médicas e nos serviços de atendimento público de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto à primeira pergunta: "Você confia na medicina ortodoxa?", nos diferentes grupos obtiveram-se as seguintes porcentagens:


Distribuição das crenças dos entrevistados na medicina ortodoxa

Como principais fatores apontados para se crer na medicina ortodoxa, foram citados os seguintes:


Razões para se crer na Medicina Ortodoxa

Com relação às razões apontadas para se confiar na medicina ortodoxa, o embasamento científico foi o fator preponderante apontado pelos alunos do curso de medicina, mostrando a preocupação deste grupo de entrevistados com a necessidade de justificativas para os procedimentos efetuados pela medicina ortodoxa. O embasamento científico foi apontado, por outro lado, por apenas 28% dos alunos de outros cursos e 07,86% dos pacientes ambulatoriais, denotando uma menor preocupação destes grupos em relação a um suporte científico para a conduta médico-ortodoxa. Para estes dois grupos (alunos de outros cursos da UFU e pacientes ambulatoriais) a confiança na medicina ortodoxa estava pautada principalmente na verificação e/ou obtenção de" bons resultados" quando do uso da medicina ortodoxa (40% dos alunos de outros cur­sos apontaram esta justificativa, enquanto que a mesma justificativa foi apontada por uma porcentagem estatisticamente semelhante - 40,45% - dos pacientes ambulatoriais). Isto mostra que a confiança destes dois grupos está fundamentada em resultados efetivos quando do uso da medicina ortodoxa, sendo que, todavia, no grupo de alunos do curso de medicina tal justificativa ficou em segundo plano (23,69% apenas dos entrevistados apontaram esta justificativa para a crença na medicina ortodoxa, contra um percentual de 65,79% dos que afirmaram crer na medicina ortodoxa em razão de seu embasamento científico).

Como principais razões para não se crer na medicina ortodoxa foram apontadas as seguintes:


Razões para não se crer na Medicina Ortodoxa

No grupo mais cético quanto à medicina ortodoxa (alunos de outros cursos da UFU), a principal razão apontada para não se crer em tal medicina por aqueles que nela não crêem foi o caráter eminentemente mercantilista que eles afirmavam estar a medicina apresentando atualmente. Para estes, medicina tem sido sinônimo de interesse por dinheiro, tendo os pacientes passado para um segundo plano aos olhos da medicina atual.

Entre os entrevistados do grupo de pacientes ambulatoriais não houve uma associação entre a imagem médica e interesses mercantis, tal qual houve no grupo de alunos de outros cursos da UFU.

Quanto à terceira questão "Você confia na medicina heterodoxa?", obtiveram-se os seguintes resultados:


Porcentagens de confiança na medicina heterodoxa, por grupos

Verifica-se pelos dados acima que apenas no grupo dos pacientes ambulatoriais a maioria afirmava acreditar na medicina heterodoxa no presente trabalho (69,89%). Desta forma, verifica-se que, entre os alunos de curso superior, quer sejam ou não do curso de medicina, alunos estes com um padrão aquisitivo maior que o dos pacientes ambulatoriais e também com um grau de escolaridade maior do que o daqueles, foi menor a aceitação da medicina heterodoxa.

As principais razões para se crer na medicina heterodoxa são listadas abaixo:


Razões para se acreditar na Medicina Heterodoxa

O grupo de alunos de outros cursos da UFU que não a medicina foi o único que vinculou a medicina heterodoxa com a ocorrência de menos efeitos colaterais. Tanto o grupo dos alunos de outros cursos quanto o grupo dos pacientes ambulatoriais não viram na fundamentação científica um fator que justificasse sua crença na medicina heterodoxa.

As principais razões para não se acreditar na medicina heterodoxa estão relacionadas abaixo.


Razões para não se acreditar na Medicina Heterodoxa

O preconceito está amplamente disseminado em todos os grupos entrevistados. Tal preconceito contra a medicina heterodoxa ficou patente no presente trabalho de pesquisa pelas respostas dos entrevistados, nas quais afirmaram estes não acreditarem na medicina heterodoxa pelo fato dela ser heterodoxa".

A falta de resultados efetivos também foi importante fator apontado pelos entrevistados como justificativa para não se acreditar na medicina heterodoxa, igualando os percentuais de entrevistados que demonstraram preconceito no presente trabalho, o que vem demonstrar que mesmo em se tratando de modalidades alternativas de medicina, há uma exigência por parte de uma parcela importante dos usuários quanto à necessidade de resultados efetivos quando do uso da mesma. Aspecto que corrobora esta exigência dos usuários para com a medicina heterodoxa é a porcentagem significativa de usuários (20,59% dos usuários que afirmaram não crer na medicina heterodoxa) que apontam a ausência de base científica da medicina heterodoxa, na visão deles, como principal fator para nela não crerem.

As seguintes porcentagens de entrevistados alegaram que jamais recorreriam à medicina heterodoxa:


Porcentagens de entrevistados que jamais recorreriam à medicina heterodoxa

Foram encontradas as seguintes porcentagens de entrevistados que já recorreram alguma vez à medicina heterodoxa.


Porcentagens de entrevistados que já recorreram à medicina heterodoxa

O caráter contraditório do ser humano, bem como sua necessidade de qualquer forma paliativa de cura ficaram evidentes pelos resultados apresentados nas duas últimas tabelas acima.

Enquanto 60,53% dos alunos de medicina afirmaram que não acreditam na medicina heterodoxa, apenas 21,05% afirmaram que jamais recorreriam a esta modalidade de medicina. Ou seja, 39,48% usariam esta modalidade de medicina apesar de nela não confiarem.

Enquanto 53,13% dos alunos de outros cursos afirmaram não confiar na medicina heterodoxa, 21,87% deles afirmaram que jamais recorreriam à medicina heterodoxa. Ou seja, 31,26% dos entrevistados deste grupo usariam a medicina heterodoxa, apesar de nela não confiarem.

Enquanto 30,11 % dos pacientes ambulatoriais afirmaram não acreditar na medicina heterodoxa, 16,13% afirmaram que jamais fariam uso desta modalidade de medicina, ou seja, 13,98% dos pacientes ambulatoriais fariam uso da medicina heterodoxa, apesar de nela não acreditarem.

Um percentual de 47,37% dos alunos de medicina afirmou já ter usado a medicina heterodoxa. Isto contrasta com o fato de que 39,47% dos alunos de medicina disseram confiar na medicina heterodoxa.

Um percentual de 50% dos alunos de outros cursos da UFU disse já ter usado a medicina heterodoxa. Isto contrasta com o fato de que 46,87% disseram confiar nesta modalidade de medicina.

Um percentual de 80,64% dos pacientes ambulatoriais disse já ter feito uso da medicina heterodoxa. Isto contrasta com o fato de que 69,89% deles afirmaram crer na medicina heterodoxa.

As formas de medicina heterodoxa mais procuradas foram as seguintes:


Formas de Medicina Heterodoxa mais procuradas

Com relação à pergunta "Quando você fica doente, recorre primeiro a que?", foram encontradas as seguintes porcentagens.


Primeira forma de ajuda procurada pelos entrevistados, quando doentes

A tabela mostra que o médico ainda continua como a primeira forma de auxílio das pessoas quando de enfermidades. Demonstra ainda que as pessoas apresentam uma maior tendência a se automedicarem com fármacos alopáticos do que homeopáticos. O misticismo ainda ocupa um certo papel na mentalidade das pessoas como forma de cura ou alívio de seu sofrimento, o que realça a importância da abordagem dos pa­cientes de uma maneira holística.

CONCLUSÕES

O presente trabalho mostra que a totalidade dos alunos do curso de medicina acredita na medicina ortodoxa, unanimidade esta não obtida nos demais grupos de entrevistados.

Bons resultados vistos e/ou obtidos e embasamento científico são os fatores preponderantes para a crença na medicina ortodoxa. O bom atendimento (boa relação médico-paciente) também contribui de forma importante para tal crença.

O caráter mercantilista da medicina atual, o atraso tecnológico da medicina, a falta de resultados dos fármacos, os erros médicos, a falta de vagas/demora no atendimento são fatores que se somam, na visão dos que afirmaram não crer na medicina ortodoxa, para a tomada de tal posição.

Pela pesquisa realizada, a maioria dos pacientes ambulatoriais acredita na medicina heterodoxa, enquanto a maioria dos entrevistados dos outros grupos nela não acredita.

Os bons resultados vistos e/ou obtidos constituem quase 2/3 das razões apontadas para se crer na medicina heterodoxa. Por outro lado, o preconceito, a ausência de base científica e a falta de resultados efetivos foram os fatores principais apontados para não se crer na medicina heterodoxa.

Parte significativa dos entrevistados de todos os grupos usou a medicina heterodoxa, apesar de nela não acreditar.

A fitoterapia e a homeopatia continuam sendo as modalidades de medicina heterodoxa mais procuradas pelos usuários, segundo este trabalho.

O médico continua, segundo esta pesquisa, sendo o principal elemento a ser procurado quando da ocorrência de enfermidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    WAITZKIN, H. & SIRROT, L.- Holism and Self Care. In Sidel V.W. & Sidel, R., Reforming Medicine. Pantheon Books. 1984.
  • 2
    PIETRONI, P.C. - Holistic Medicine. New Map. Old Territory, The Brit. J. Holist. Med., 1,3, 1984.
  • 3
    LANDMANN, J. - As medicinas alternativas: mito, embuste ou ciência? - Editora Guanabara - 1989.
  • 4
    LOYOLA, M. A - Medicina popular, in Saúde e Medicina no Brasil - Contribuição para um Debate - Edições Graal, 1978.
  • 5
    V CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - Ministério da Saúde, Brasília, agosto de 1975 - pág 3 e 4.
  • 6
    MALEITA, C.H.M. - Epidemiologia e Saúde Pública. - Livraria Atheneu - 1988.

ANEXO

Data da entrevista:........................................................

Entrevistador:................................................................

Iniciais do nome:...........................................................

Idade:............................................................................

Sexo: ( )masculino ( )feminino

Orçamento familiar:...................................................SM

( ) estudante de Medicina ( ) estudante de outro curso superior ( ) usuário ambulatorial

1. Você confia na medicina ortodoxa?

( ) sim ( ) não

2. Por quê?

3. Você confia na medicina heterodoxa?

( ) sim ( ) não

4. Por quê?

5.Você já fez uso da medicina heterodoxa?

( ) sim ( ) não

6. A qual forma de medicina heterodoxa você já recorreu?

( ) homeopatia

( ) acupuntura

( ) medicina oriental

( ) cromoterapia

( ) fisioterapia

( ) florais de Bach

( ) cirurgia espírita

( ) outros

7. A qual das formas de medicina heterodoxa acima citadas você recorreria?

8. Quando você fica doente, a que recorre primeiramente?

( ) benzedeira

( ) um médico

( ) automedicação alopática

( ) automedicação homeopática

( ) cultos religiosos

( ) n.r.a.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1999
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