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O CURRÍCULO NA FORMAÇÃO DO MÉDICO GERAL

Parece haver quase unanimidade entre os responsáveis pela educação médica quanto à definição do médico geral para atender à realidade de saúde do País. Os elementos cognitivos, as habilidades e as atitudes que devem configurar o seu perfil têm sido amplamente debatidos em congressos e seminários promovidos pela ABEM, no âmbito dos colegiados das escolas médicas, em comissões especiais e grupos de trabalho, bem como estão expressos em documentos e publicações pertinentes.

O Ministério da Educação definiu que os egressos dos cursos de graduação "deverão ser capacita dos profissionalmente nos dois primeiros níveis de atenção (primário e secundário), com ligeiras incursões em nível terciário" (Série Cadernos de Ciências da Saúde n.o 03, MEC-SESu, 1981). As propostas apresentadas no Seminário promovido pela ABEM, com a colaboração da Comissão de Ensino Médico do Ministério da Educação, em julho de 1986, no Rio de Janeiro, foram no sentido de que as competências do médico geral devem abranger a Clínica Médica (inclusive Doenças Infecciosas, Dermatologia e Neurologia), Pediatria, Tocoginecologia, pequena Cirurgia, Medicina Social, as afecções mais freqüentes em Psiquiatria e Traumatologia, bem como em Otorrinolaringologia e Oftalmologia, excluídos os procedimentos cirúrgicos.

Por outro lado, pouco temos avançado no sentido de estabelecer as prioridades e estratégias educacionais para atingir os objetivos a que nos propomos. Como e onde formar este médico geral? Como avaliá-los? Nos plenários, onde essas questões são discutidas, verifica-se a existência de um grande distanciamento entre a apresentação das propostas e sua efetiva concretização, entre a dialética do discurso e a prática. Inúmeras causas certamente contribuem para essa situação, mas o cerne do problema está, a nosso ver, na estruturação curricular. Constitui o currículo o instrumento apropriado para implementar as mudanças necessárias ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.

Os Institutos de Ciências Biológicas ou Institutos de Ciências Biomédicas, criados há 20 anos nas Universidades Federais, parecem não ter contribuído, na área médica, para a articulação entre o ciclo básico e o ciclo profissional. Observa-se, geralmente, uma transição abrupta da formação básica para os estudos clínicos. Há opiniões respeitáveis no sentido de que os Institutos não substituíram adequadamente o ensino pré-clínico e que houve prejuízo para a integração. Urge um reexame isento da questão.

Na maioria das escolas médicas, o predomínio das especialidades se reflete na organização curricular. Essa distorção não será certamente corrigida apenas pelo internato, ainda que implantado com rodízio nas quatro grandes áreas, em conformidade com a Resolução N.o 9/83 do Conselho Federal de Educação. Entretanto, cumpre reconhecer como indispensável a participação dos especialistas na formação do médico geral, embora a maior parcela de sua atenção docente se desenvolva na pós- graduação.

Impõe-se a mudança curricular, não apenas do conteúdo programático das disciplinas e da carga horária, mas da estrutura e da metodologia. Alguns currículos já apresentam avanço com a adoção de programas interdisciplinares ou do ensino centrado nos sistemas orgânicos, tal como foi instituído originariamente na Case Reserve University, de Cleveland, Ohio, no início da década de 50. Em outra modalidade, o desenvolvimento curricular procura assegurar a competência para a execução das tarefas assistenciais prevalentes nas populações a que o egresso irá servir, incluindo, não somente o conhecimento das ciências biomédicas, como também a compreensão dos fatores sociais e culturais que influenciam o cuidado dos pacientes e seu bem-estar.

O ensino, caracterizado pela acumulação memorizada de conhecimentos ou por mera reprodução de informações contidas nos textos didáticos, será substituído pelo aprendizado clínico integrado, que não contempla as especialidades como disciplinas isoladas. O futuro médico terá a oportunidade de desenvolver as qualidades de criatividade, reflexão e pensamento crítico, e ser capaz de promover seu próprio aperfeiçoamento ao longo de toda a sua vida profissional.

Não existe, com frequência, correspondência entre o que é ensinado nas escolas médicas e o que é mais necessário na prática médica. Cumpre haver correlação entre a nosologia prevalente e a ênfase dada à instrução, especialmente quanto aos objetivos educacionais.

O aprendizado desenvolver-se-á em situações reais e não seletivas ou artificialmente criadas. O predomínio das exposições teóricas e das aulas de demonstração de pacientes cederá lugar à participação precoce e direta do aluno, desde a fase propedêutica, no atendimento do doente nos ambulatórios e enferma rias, com responsabilidade gradualmente crescente.

A integração ensino-serviço será vantajosamente iniciada antes do internato, propiciando ao aluno a freqüência aos ambulatórios periféricos da rede de saúde municipal, estadual e federal. Completar-se-á no internato, a realizar-se no Hospital-Escola, incluindo atividades extramurais, mediante convênios, bem corno estágios junto às populações rurais, pois são aquelas que têm as maiores necessidades e as menores facilidades de cuidados médicos.

O papel do professor será fundamentalmente o de coordenador e orientador do processo ensino-aprendizagem, com interferência gradualmente decrescente ao longo do curso. É indispensável que integrem o corpo docente alguns professores de Medicina Geral, que possam representar modelos de identificação para o médico geral que desejamos preparar.

A avaliação do aprendizado não será apenas objetiva ou formal, através do sistema tradicional de provas, mas também subjetiva ou formativa, realizando-se pelo professor em conjunto com os alunos, que farão igualmente a auto-avaliação. Procurar-se-á verificar, além da assiduidade, a eficiência do estudante, em função dos resultados alcançados em todo o período letivo. Serão apreciados os aspectos de relação com o paciente, interesse, participação, habilidades, conhecimento teórico, raciocínio clínico e trabalho em equipe.

Em síntese, um currículo inovador exigirá a mudança da estrutura tradicional, caracterizando-se, não pelo aprendizado de disciplinas independentes, mas por sua aplicação à prática da Medicina, não somente no conhecimento das doenças, como também na sua prevenção e na promoção da saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1986
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