Acessibilidade / Reportar erro

UMA PROPOSTA PARA REFLEXÃO DA UNIVERSIDADE SOBRE A EDUCAÇÃO MÉDICA NO PAÍS

Resumo:

As reformulações propostas para o ensino médico nos últimos anos introduziram poucas modificações na qualidade do profissional que se forma. Sugere-se que as novas propostas se encontrem sempre vinculadas a discussões sobre o tipo e o caráter ideológico na prática médica e que é necessário uma discussão mais centrada no próprio método clínico, definição de doença, doente e tratamento para enriquecer a questão do ensino e apontar, com mais clareza, algumas diretrizes. Afirma o autor, ainda, que a questão sobre o relacionamento saber - prática médica está presente nas reflexões dos profissionais, mas que é necessário ampliar os debates na Universidade para que esta exerça o seu papel de reflexão e cn1ica sobre o conhecimento e a prática decorrente.

Abstract:

The present article reports the poor results in changing medical education last ten years, describing along general lines the main points studied about the question, like medical ideology. It suggests that medical knowledge and some reflections about the concepts of disease, health and the role of clinical practice can allow some news discussions about the question and contribute to emphasises the role of the University in the process of medical education and its changing.

Paulatinamente, no Brasil, aumenta o número de profissionais de saúde, em atividade, o acesso à atenção médica se expande e as medidas de racionalização, unificação e descentralização da gerência do setor saúde são implantadas.

A escola médica, segundo os pareceres mais recentemente motivados pelas propostas da Reforma Sanitária, encontra-se, no entanto, bastante atrasada em relação a estes movimentos. De uma certa forma, pode-se dizer que as reflexões e as investigações realizadas sobre a formação médica revelaram até agora dois ângulos principais do problema. Os planejadores e educadores, ligados a uma tradição funcionalista de análise, mostram que o recurso humano é inadequado a um funcionamento eficaz dos serviços de saúde tal como seria desejável. As análises que pensam desde uma perspectiva histórica e levam em conta os determinantes políticos e econômicos da organização social, demonstram que o recurso é adequado, ou seja, faz parte do quadro vigente, igualmente submetido às injunções políticas e determinantes que conformam a organização social e ali alocam a questão da saúde.

Observa-se que todo o movimento crítico e renovador da década de 70, consubstanciado na Conferência de Alma-Ata "saúde para todos no ano 2000" e a estratégia dos "cuidados primários em saúde", produziu poucas mudanças na formação do médico. Já em meados da década de 80, o diagnóstico do Diretor da Organização Pan Americana de Saúde, é de que o saldo de toda a atividade gerada pela idéia de integração docente-assistencial é duvidoso, constitui-se de experiências isoladas de reprodução difícil e que se superpuseram ao currículo tradicional sem chegar a modificá-lo substancialmente.11. MACEDO, C.G. A Universidade e "Saúde para todos no ano 2000". Rev. bras. Educ. Méd., 8(3):177-81, 1984. Uma análise sobre a situação venezuelana afirma que a situação em 1985 é idêntica à de 1972: mesmos problemas apontados, mesmas soluções sugeridas22. JAHÉN, MH & QUEZADA, T. Ciências Sociales, Medicina Preventiva y formación médica. Educ. Méd. Salud, 20(2):160-79, 1986., tal como no Brasil em 198633. BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Ensino Médico: Bases e diretrizes para sua reformulação. Doc. n° 6 da Comissão de Ensino Médico do Min. da Educação. 1986. Rev. bras. Educ. Méd., 10(2):67-74, 1986..

No Brasil, após a VIII Conferência Nacional de Saúde, ouvem-se críticas à escola médica e à prática profissional que, embora perfeitamente atualizadas, já são formuladas há décadas;

"A falta de formação científica sólida, aliada à mitificação tecnológica e ao descompromisso social, transformam o médico formado num elo fundamental na cadeia do consumo de medicamentos e equipamentos".44. SANTINI, L.A.R.S. A educação médica e a reforma sanitária. Cad. Saúde Públ., 2(4):493-504, FIOCRUZ, 1986.

É melancólico constatar que uma crítica possa se manter atualizada por tantos anos, evidenciando uma postura praticamente inamovível da escola. Sem dúvida, os avanços recentes na área de saúde no Brasil fazem mais flagrante o conhecido atraso ou defasagem da escola, aumentam-no e o tornam cada vez mais inaceitável. Não se trata aqui de tecer elogios à situação atual da assistência à saúde no pais (o que só seria possível por grave cegueira, ingenuidade ou má fé), mas é inegável que houveram avanços enormes em relação à mesma assistência há vinte anos atrás, tanto na ampliação de serviços, como na aceitação de que a saúde faz parte dos direitos do cidadão.

A incapacidade das escolas de acompanharem este processo é clara, mesmo do ponto de vista dos alunos. Documentos provenientes do Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ temem a compelição do próprio setor de prestação de serviços como órgão formador mais capacitado:

"E esta omissão (da Universidade) está se revelando desastrosa para a vida acadêmica, uma vez que pouco a pouco as entidades prestadoras de serviços estão assumindo o papel de formadoras de seus recursos próprios".55. FACULDADE CIÊNCIAS MÉDICAS DIRETÓRIO ACADÊMICO SIR ALEXANDER FLEMING. Um breve estudo sobre o ensino médico e o internato na Faculdade de Ciências Médicas. Rio de Janeiro, 1986. Mimeo.

Em suma, a escola vem sendo duramente criticada ao longo das duas últimas décadas, por cientistas sociais, planejadores, estudantes e alguns educadores. O assunto formação do médico parecia relativamente menos polêmico após a institucionalização da proposta de integração docente assistencial, que surgiu como algo factível e com grande potencial para solucionar os problemas de um ensino mais ligado à realidade do trabalho médico. A proposta da reforma sanitária tende, no entanto, a trazer novamente um questionamento mais agudo ao setor, uma vez que, na verdade, quase nada mudou ao interior do mesmo, e a possibilidade de realização política, se não de todas as propostas da Reforma, mas ao menos de partes, levanta a pergunta: Com que recursos humanos?

É com essa pergunta em mente que esse artigo se propõe a apontar algumas linhas de reflexão, na convicção de que há ainda óticas e perspectivas pouco estudadas, que podem ser da maior importância para a formação e prática médica. Para isto é necessário mudar o enfoque da questão através de dois movimentos:

O primeiro consiste em desprivilegiar a discussão sobre a carga ideológica recebida junto com as aulas de clínica. O problema da formação clínica é frequentemente alocado segundo a polaridade liberal - especialista - con­sumidor de tecnologia x assalariado - generalista - atenção realizada com baixo emprego de tecnologia, sendo os últimos o "produto" adequado às necessidades da população. Essa crítica está feita e é pertinente, mas não fornece elementos suficientes para explicar até que ponto esse médico é inadequado. Pode ser que a escola imprima uma vocação de especialista ao seu corpo discente mas, dificilmente, um egresso de 2° ano da Residência hoje pode ser chamado de especialista, a não ser que tenha escapado francamente para atividades extracurriculares. A questão do conteúdo ideológico do ensino, reafirma-se, é importante mas dificulta a visão de um fato inconteste, evidente e claro, que se diluiu ao longo das especificações e adjetivações, qual seja: o médico formado pela escola é incompetente. Seja qual for sua inserção no mercado, qualquer que seja sua área de atuação, ele não foi preparado pela escola. Fazendo novamente apelo ao evidente, verifica-se que o índice de alunos em plantões extracurriculares, em sua grande maioria não remunerados, é próxima de 100% após o 4° ano médico1 1 Levantamento em andamento na Faculdade de Ciências Médicas da UERJ. Resultados de 1987, pela autora .

Novamente o depoimento dos alunos se faz presente, na afirmação igualmente antiga e ainda atual: "a escola não forma generalistas e muito menos especialista..."66. OLIVEIRA, J.A. Encontro Rio-São Paulo de médicos residentes. Relatório Final. Res. Méd., 4(8):65-6, 1975.

Em segundo lugar, pode ser útil desvincular a questão do ensino médico da questão "área de prática", que tende a estreitá-la na polaridade já cediça do Hospital Universitário x prática de integração docente-assistencial a nível primário. Os problemas e defeitos dos hospitais­escola são sobejamente conhecidos e criticados por todos os que lidam com saúde, e os convênios com o INAMPS, se mitigaram suas diferenças para com um hospital comum, nem por isso facilitaram as condições de ensino de forma, ao menos, significativa. Outrossim, menos conspícuos porque menos conhecidos e importantes quantitativamente, são os problemas existentes nas áreas de ensino em atenção primária. Tradicionalmente, o ensino do hospital é relativo apenas a doenças raras, ou de abordagem excessivamente complexa para o estudante (acusação de sanitaristas e planejadores), enquanto as áreas de prática carecem invariavelmente de supervisão rigorosa (crítica dos professores tradicionais).

Afastando momentaneamente estas duas questões, sugerimos que é o momento de privilegiar uma análise do próprio conhecimento médico como mais uma fonte de subsídios para a melhoria do ensino médico. Deslocar, desta forma, o centro do problema de aprendizagem - área de prática, para aprendizagem-conhecimento. E, fazendo isto, deslocar o fórum de discussão para a Universidade.

Vilaça88. DEVEZA, M. Saúde para todos: médicos no ano 2000? (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1983. diz que a proposta de integração docente assistencial é um projeto acadêmico, saído da universidade, que necessita de uma contribuição da ótica de serviços. Esse projeto tem talvez sua origem mais especifica nos departamentos de medicina preventiva, o que realmente é uma estrutura universitária, mas geralmente mal integrada no conjunto da escola médica. Se talvez falte uma dimensão de análise do problema do ponto de vista dos serviços, sem dúvida continua faltando o dos clínicos e professores de clínica, que ainda não contribuíram o suficiente para um bom encaminhamento do problema.

A necessidade que se impõe é a de discussão e reflexão ao interior da escola, justamente para que seja possível a criação de uma contradição, de uma interlocução com o restante do setor saúde e do conjunto da sociedade. Sem dúvida as influências econômicas e políticas de mercado e outras sempre se farão sentir; já é mais do que tempo de se fazer também sentir a da universidade, que tem como tarefa a criação e reprodução de conhecimento, e se não o fizer, nenhuma outra instância social a substituirá à altura, e haverá sempre uma lacuna na discussão da formação do médico.

A questão do conhecimento médico, não apenas sobre o conhecimento do médico, está presente na cabeça de inúmeros médicos e educadores, sem nenhuma dúvida, mas suscita pouco debate88. DEVEZA, M. Saúde para todos: médicos no ano 2000? (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1983.), (99. DONATO, R.R. A crise da medicina: prática e saber - alguns aspectos. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1979.), (1010. LOPES PONTES, S.P. Ensino Médico no Brasil: Evolução, perspectiva e desafios. Rev. bras. Educ. Méd., 6(2):104-116, 1982.), (1111. FERREIRA, J.R. Formação de recursos humanos para a medicina do ano 2000. Rev. bras. Educ. Méd ., 7(2):93-100, 1983.. O tema é da maior relevância e, certamente, um aprofundamento a respeito torna-se mais premente à medida que a tecnologia tende a complexificar o campo de investigação e terapêuticas clínicas e cirúrgicas.

Sugeridos um fórum e um tema, a tentativa de caminhar sobre o conhecimento necessita em primeiro lugar que se volte a uma pergunta já respondida inúmeras vezes: Para que serve o médico, e o que ele faz ou deve fazer? As respostas são bastante matizadas, e querem algumas delas que ele seja um profissional da promoção da saúde, ou que possa utilizar o trabalho em saúde para a transformação social, outras que é um profissional ligado às classes dominantes e que visa manter a população sob controle. Todas estas afirmações podem ser demonstradas como verdadeiras, mas não interessam aqui. Pode-se responder também que o médico é procurado em caso de doença, porque se espera que ele seja capaz de tratar ou curar. Esta resposta, apesar de aparentemente ingênua, pode constituir uma chave a facilitar o desenvolvimento de uma longa reflexão sobre o que aprender. O conhecimento que se desenvolveu no ocidente a partir dessa demanda foi justamente a clínica enquanto método, e as demais ciências da biologia se desenvolveram na busca de respostas às questões levantadas pela clínica. Canguillem em seu belíssimo "O normal e o patológico"1212. CANGUILLEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1977. demonstra claramente como a atividade médica só faz sentido a partir de uma queixa, de um desejo de contrariar a doença e a morte, e da presença de um critério valorati­vo, subjetivo e individual de saúde e doença, ou de estar sadio ou doente.

Com base nestas afirmações, pode-se levantar aqui as seguintes questões:

uma das principais críticas às escolas tradicionais e aos hospitais universitários é a de que seu ensino é voltado para a enfermidade. As tentativas de caracterizar nega­tivamente esse fato devem ser encarados com cautela e rigor. Afirmar que o médico deve ser um agente de saúde pode ser simplesmente uma impossibilidade lógica, na medida em que seu método de abordagem no trabalho é o raciocínio clínico, e este pressupõe a doença como objeto. Pode ser também uma tentativa revolucionária de reformular as bases do conhecimento e métodos de trabalho médico, para o que se faz necessário uma longa e profunda reflexão sobre as mudanças introduzidas pouco a pouco pela tecnologia e pela prevenção, nunca um assunto a ser liquidado simplesmente pela frase "formar o médico enquanto agente de saúde". Essa expressão costuma ser identificada com a atividade de prevenção, e deve haver um trabalho cuidadoso de tentar agregá-la à atividade médica sem desqualificar o modo ainda prepoderante de abordagem do doente, que é através da doença.

Em seqüência, fazem-se freqüentemente duas críticas que se contradizem, e que só podem coexistir se houver um deslindamento do que cada uma pode significar: a primeira é de que o médico não deve ser voltado para uma "medicina individual"11. MACEDO, C.G. A Universidade e "Saúde para todos no ano 2000". Rev. bras. Educ. Méd., 8(3):177-81, 1984., a segunda de que ele deve tratar o doente individual; não a doença. Nesta incoerência, é necessário ter-se em vista que o diagnóstico clínico é individual, e ainda não se conhece melhor método para tratar a doença que já atingiu o indivíduo. (As medicinas alternativas que tenham paciência, mas isto é verdade para a maioria dos casos). O instrumental clínico é eficiente na prática individual, exatamente para tratar doentes. Embora as técnicas preventivas avancem, são os médicos os elementos da sociedade mais bem equipados para tratar as falhas dessa prevenção. A medicina clínica, enquanto cumpridora do preceito "Sedare dolorem opus divinum est" é individual, e nobremente individual. A dor e o sofrimento são da ordem do privado, do íntimo, e merecem tratamento personalíssimo e exclusivo.

Atender a um doente exige ações centradas no individual, ver a doença como um fenômeno coletivo permite ações sobre o coletivo. Ora, o fenômeno coletivo de causação da doença, justamente enquanto coletivo, é da ordem do público, é inespecífico, e ainda hoje não é clara a atribuição do profissional médico neste domínio. Querer que ele tenha um papel específico no combate à formação social da doença exige um sério estudo para definir esta especificidade. Não está claro se é justo demandar do médico a excelência no saber tratar individualmente e a capacidade simultânea de possuir conhecimentos em saneamento, organização de comunidades ou mesmo educação coletiva em saúde. Talvez tais tarefas estejam muito mais no âmbito da escolha do cidadão do que na obrigação profissional.

Essa observação não impede o reconhecimento de que a medicina preventiva está profundamente ligada ao método clínico de raciocínio, pois também é centrada na doença, doença esta fundada em moldes clínicos e anátomo-patológicos1313. GONÇALVES, R.B.M. Reflexão sobre a articulação entre a investigação epidemiológica e a prática médica a propósito das doenças crônicas. In: Textos de apoio, epidemiologia I. Rio de Janeiro. ABRASCO, 1985, p. 31-39.. O que se previne, seja em cada pessoa atendida por um médico que faz um teste de rastreamento, seja em uma população onde se melhora o abastecimento de água, é sempre um evento definido pela patologia. Critica-se ainda o ensino como "biologizante"11. MACEDO, C.G. A Universidade e "Saúde para todos no ano 2000". Rev. bras. Educ. Méd., 8(3):177-81, 1984.. De imediato, esta é uma questão complexa e multifacetada. E através dessa "biologização" que se faz possível a dissociação conhecida entre a pessoa do doente e a doença que ele apresenta. Tal problema decorre mais da forma como se pensa a biologia do que, propriamente, da biologia em abstrato. Sugerindo apenas uma possibilidade de desenvolvimento da questão, pode-se opor aqui a clínica enquanto linguagem, modo de abordar, com a biologia, que não apresenta o mesmo método. Utilizando sempre Canguillen como apoio, pode-se distinguir estes momentos ou modos diferentes de abordar o doente e a doença; a doença é definida a µpartir de um critério valorativo, de normas de vida, e é este o ponto de vista clínico. A biologia procura quantificar, analisar e encontrar os pontos de intervenção possíveis, mas não oferece meios para o julgamento do estado de saúde e de doença. É um trabalho analítico, de fragmentação,1414. ASÚA, M. Evolución de la formación médica en las Facultades de Medicina. Argentina, 1900-1982. Educ. Méd. Salud , 20(1): , 1986. enquanto a clínica é, por excelência, uma síntese. Assim, a atividade do médico é sobretudo valorativa e, portanto, não científica1212. CANGUILLEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1977.. A afirmação de que a atividade do médico é científica1515. FEDERAÇÃO PAN AMERICANA DE ASSOCIAÇÕES DAS FACULDADES DE MEDICINA. Contribuição das Américas à Conferência Mundial de Educação Médica. Projeto EMA, Rio de Janeiro, 1988. é uma simplificação. As bases biológicas que informam cada vez mais a clínica são indiscutíveis, mas o médico as utiliza como subsídio para um julgamento de valor e uma intervenção terapêutica. Há portanto um corte entre a atividade científica de pesquisa do conhecimento sobre o corpo com a atividade de, munido deste conhecimento, "julgar" sobre o que aflige o paciente e qual a melhor conduta a seguir. Combater um ensino "biologizante" não é, portanto, contrapor um ensino "sociologizante". É sobretudo contrapor uma postura especificamente clínica de julgamento e valoração (que corresponde perfeitamente à expressão "saber tomar decisões"), sabiamente definida como um dos objetivos do ensino médico1010. LOPES PONTES, S.P. Ensino Médico no Brasil: Evolução, perspectiva e desafios. Rev. bras. Educ. Méd., 6(2):104-116, 1982.), (1414. ASÚA, M. Evolución de la formación médica en las Facultades de Medicina. Argentina, 1900-1982. Educ. Méd. Salud , 20(1): , 1986..

O desequilíbrio entre a postura de pesquisa científica versus a atividade clínica de julgamento para a tomada de decisões dificulta sobremodo o aprendizado e treinamento em terapêutica, já que esta biologia é neutra e apenas mostra os fatos, não sugere necessariamente uma ação. Para que o médico ao se formar possa vir a cumprir sua função precípua, é necessário desqualificá-lo como cientista para lhe atribuir função mais poderosa (sem dúvida também mais perigosa), a de estabelecer, junto com cada paciente, um juízo de valor sobre sua saúde e uma estratégia de intervenção.

Essas questões, afloradas de modo ainda incipiente, longe de fechar o assunto, pretendem apenas sugerir mais um ponto de vista para a questão, e apontar que este é um tema para médicos, alunos e professores de Medicina, a ser debatido na Universidade. Que a escola médica e a Universidade executem uma reflexão, que o façam seguindo uma linha de filosofia do conhecimento a respeito da própria atividade e objeto é, até prova em contrário, a melhor maneira de recriar um currículo médico que instrumente o estudante a tornar-se um profissional capaz de tratar e curar.

Referências Bibliográficas

  • 1
    MACEDO, C.G. A Universidade e "Saúde para todos no ano 2000". Rev. bras. Educ. Méd., 8(3):177-81, 1984.
  • 2
    JAHÉN, MH & QUEZADA, T. Ciências Sociales, Medicina Preventiva y formación médica. Educ. Méd. Salud, 20(2):160-79, 1986.
  • 3
    BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Ensino Médico: Bases e diretrizes para sua reformulação. Doc. n° 6 da Comissão de Ensino Médico do Min. da Educação. 1986. Rev. bras. Educ. Méd., 10(2):67-74, 1986.
  • 4
    SANTINI, L.A.R.S. A educação médica e a reforma sanitária. Cad. Saúde Públ., 2(4):493-504, FIOCRUZ, 1986.
  • 5
    FACULDADE CIÊNCIAS MÉDICAS DIRETÓRIO ACADÊMICO SIR ALEXANDER FLEMING. Um breve estudo sobre o ensino médico e o internato na Faculdade de Ciências Médicas. Rio de Janeiro, 1986. Mimeo.
  • 6
    OLIVEIRA, J.A. Encontro Rio-São Paulo de médicos residentes. Relatório Final. Res. Méd., 4(8):65-6, 1975.
  • 7
    MENDES, E.V. A integração docente assistencial na perspectiva dos serviços. Rev. bras. Educ. Méd., 8(1):50-9, 1984.
  • 8
    DEVEZA, M. Saúde para todos: médicos no ano 2000? (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1983.
  • 9
    DONATO, R.R. A crise da medicina: prática e saber - alguns aspectos. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1979.
  • 10
    LOPES PONTES, S.P. Ensino Médico no Brasil: Evolução, perspectiva e desafios. Rev. bras. Educ. Méd., 6(2):104-116, 1982.
  • 11
    FERREIRA, J.R. Formação de recursos humanos para a medicina do ano 2000. Rev. bras. Educ. Méd ., 7(2):93-100, 1983.
  • 12
    CANGUILLEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1977.
  • 13
    GONÇALVES, R.B.M. Reflexão sobre a articulação entre a investigação epidemiológica e a prática médica a propósito das doenças crônicas. In: Textos de apoio, epidemiologia I. Rio de Janeiro. ABRASCO, 1985, p. 31-39.
  • 14
    ASÚA, M. Evolución de la formación médica en las Facultades de Medicina. Argentina, 1900-1982. Educ. Méd. Salud , 20(1): , 1986.
  • 15
    FEDERAÇÃO PAN AMERICANA DE ASSOCIAÇÕES DAS FACULDADES DE MEDICINA. Contribuição das Américas à Conferência Mundial de Educação Médica. Projeto EMA, Rio de Janeiro, 1988.
  • 1
    Levantamento em andamento na Faculdade de Ciências Médicas da UERJ. Resultados de 1987, pela autora

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1988
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com