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O elemento tubo na fundamentação do conceito de campo

Elements of tube in the foundations of the field concept

Resumos

Este trabalho discute a construção do conceito de campo na teoria eletromagnética, na segunda metade do século XIX, na Grã-Bretanha. A representação de campos por tubos foi tão fundamental no pensamento britânico que motivou pesquisas lideradas por William Thomson, posteriormente refinada por Joseph John Thomson, para representar a matéria por átomos compostos por tubos, o que culminou no modelo atômico de J. J. Thomson.

Palavras-chave:
tubos de Faraday; éter; J. J. Thomson; eletromagnetismo no século XIX; campo


This work discusses the construction of the concept field in the electromagnetic theory, in the second half of the 19th century, in Great Britain. The representation of fields by tubes was so fundamental to the british thoght that it motivated research led by William Thomson, later refined by Joseph John Thomson, to represent matter by atoms composed of tubes, which culminated in J. J. Thomson’s model of the atom.

Keywords
Faraday tubes; ether; J. J. Thomson; electromagnetism in the 19th century; field


1. Introdução

O conceito de campo não foi trivial. James Clerk Maxwell não aceitava a ideia de uma ação a distância e essa foi uma das motivações para que ele desenvolvesse uma teoria eletromagnética em que os campos eram movimentos no éter. Tubos de fluido foram o mecanismo básico da integração do eletromagnetismo com a dinâmica de fluidos.

Não existiu uma interpretação unívoca dos tubos. Maxwell foi inspirado pelas linhas de força mostradas por Michael Faraday. Em On Faraday’s Lines e na primeira parte de On Physical Lines, os tubos de Faraday aparecem como estruturas básica na concretização do conceito de campo e na matematização da fenomenologia eletromagnética da teoria de Maxwell; entretanto, em sua obra máxima, o Treatise of Electricity and Magnetism, os tubos perdem lugar para o conceito de displacement. Posteriormente, os tubos são revisitados por Joseph John Thomson como a melhor representação do campo elétrico.

Este trabalho discute a construção do conceito de campo na teoria eletromagnética, na segunda metade do século XIX, na Grã-Bretanha. A representação de campos por tubos foi tão fundamental no pensamento britânico que motivou pesquisas lideradas por William Thomson, posteriormente refinada por Joseph John Thomson, para representar a matéria por átomos compostos por tubos, o que culminou no modelo atômico de J. J. Thomson.

2. Uma nova fenomenologia

A fenomenologia apresentada pelo experimento de Ørsted mostrava, diferentemente das forças usuais (puxões e empurrões), uma ação transversal da corrente elétrica de um fio sobre o magneto.1 1 A fenomenologia eletromagnética estudada por Ørsted não foi trivial e possuiu entraves deixados por ideias pré-concebidas existentes, as propriedades de simetria do fenômeno é um exemplo [1]. Essa fenomenologia foi interpretada, basicamente, por duas percepções diferentes: a Continental, decorrente principalmente dos trabalhos introduzidos por André-Marie Ampère; a Britânica, desenvolvida a partir dos trabalhos e conceitos de Faraday [2[2] D.M. Siegel, Innovation in the Maxwell’s Electromagnetic Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 1991)., p. 6]. A primeira percebia o fenômeno através de uma ação transversal do fio sobre o magneto, a distância, sem qualquer intermediário entre os objetos da interação; enquanto a segunda propunha um comportamento rotatório para a ação do fio através do éter como agente intermediador.

Tanto Ampère quanto Jean-Baptiste Biot e Félix Savart desenvolveram, assim como a maior parte da escola Continental, a teoria da ação magnética das correntes elétricas originadas por uma ação a distância. A força era entendida como interação entre elementos infinitesimais de corrente, ou magnetos, obedecendo à lei do inverso do quadrado da distância e proporcional à intensidade de corrente.2 2 Ampère deduz a chamada Lei de Ampére a partir de quatro experimentos com sua “balança”, que mostram a lei do inverso do quadrado da distância [3]. , 3 3 As contribuições de Àmpere à eletrodinâmica possuem nuances que são bem tratadas na excelente obra de André Koch Torres Assis e João Paulo Martins Chaib [4].

As propostas para determinar a ação da corrente elétrica de Biot e Ampère eram análogas: as forças de interação dependem dos ângulos entre a direção da corrente e a direção da linha entre os segmentos de corrente que interagem. Entretanto, enquanto Biot focava na ação do elemento de corrente sobre um magneto, Ampère olhava para a interação entre dois elementos de corrente. Assim, Ampère, Biot e Savart mostraram leis que regiam a ação das forças de interação magnética dos fios sem a caracterização do campo, conceito que é estruturado mais tarde com a escola Britânica.4 4 O conceito de campo já estava presente nas discussões acerca dos fenômenos elétricos e magnéticos desde 1780 e, em geral, era entendido existindo em uma região do espaço, onde se poderia observar corpos de prova, eletrizados (ou magnetizados), movimentando-se através dessa região [5]. Biot e Savart nunca se debruçaram sobre a questão da configuração da direção da ação da força magnética exercida pela corrente, Biot simplesmente afirmou que a força era dirigida perpendicularmente ao plano do fio contendo o ponto de ação da força onde se localiza o magneto [6[6] F. Steinle, em The Oxford Handbook of the History of Physics, editado por J. Buchwald e R. Fox (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 545–547]. Ampère analisou a atração e repulsão buscando uma lei geral[2[2] D.M. Siegel, Innovation in the Maxwell’s Electromagnetic Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 1991)., 5[5] J.L. Heilbron, em Conceptions of Ether, editado por G.N. Cantor e M.J. Hodge (Cambridge University Press, Cambridge, 1981).], sem introduzir rotações [6[6] F. Steinle, em The Oxford Handbook of the History of Physics, editado por J. Buchwald e R. Fox (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 552], ao passo que Biot focava em uma situação particular.

Faraday inicia seus trabalhos sobre eletromagnetismo por volta de 1820, no laboratório de Humphry Davy (1778–1829), na Royal Institution of London[6[6] F. Steinle, em The Oxford Handbook of the History of Physics, editado por J. Buchwald e R. Fox (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 551], [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 16–18]. Nessa época, investigou questões relativas à teoria eletromagnética de Ampère, desvendando uma fenomenologia eletromagnética diferente: a configuração circular da ação magnética ao redor do fio (Figura 1). E foram os experimentos com limalha de ferro que levaram Faraday a acreditar que o fato fundamental era a rotação do polo ao redor do fio, ou do fio ao redor do polo [5[5] J.L. Heilbron, em Conceptions of Ether, editado por G.N. Cantor e M.J. Hodge (Cambridge University Press, Cambridge, 1981)., p. 201]. Essas rotações seriam a conexão de diversos fatos do Eletromagnetismo [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 17], algo mais fundamental que forças caracterizadas como puxões e empurrões [2[2] D.M. Siegel, Innovation in the Maxwell’s Electromagnetic Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 1991)., p. 9]. Entretanto, seus trabalhos tiveram pouca repercussão na época, suas ideias ganharam força mais tarde, nos meados de 1840, pelas mãos – e mente – de W. Thomson [6[6] F. Steinle, em The Oxford Handbook of the History of Physics, editado por J. Buchwald e R. Fox (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 562]. As ideias de Faraday são aprimoradas à medida que W. Thomson e Maxwell matematicamente interpretam a fenomenologia emergente através da dinâmica de um meio contínuo – o éter. A caracterização do conceito de campo inicia-se principalmente nesse período.

Figura 1
Representação da ação magnética de Faraday em On Some New Electromagnetical Motions and on the theory of Magnetism de 1821 [7[7] M. Faraday, Quarterly Journal of Science 12, 74 (1821).]. As imagens 6 e 7 representam a ação magnética da corrente elétrica.

As investigações de Faraday e Ampère diferenciam-se em metodologia e isso influencia diretamente a interpretação de cada um. Enquanto Ampère começa com uma hipótese abstrata e matemática para caracterizar a ação, Faraday parte do concreto, da visualização de círculos ao redor dos fios e seu conceito de power para, a partir daí, teorizar. Apesar dos resultados obtidos por Ampère e Faraday terem sido compatíveis, Faraday rejeitava a ideia de que a atração ou a repulsão fosse o fato primitivo; ele achava que atração e repulsão eram consequência da distribuição de power, apresentado em rotações eletromagnéticas [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 20]. A Tabela 1 mostra, de forma resumida, um esquema da diferença na abordagem de Ampère e Faraday sobre o Eletromagnetismo.

Tabela 1
Comparação entre as abordagens de Ampère e Faraday sobre a ação magnética.

3. Caracterização do campo e as linhas de força

As teorias de Faraday eram estabelecidas em duas perspectivas diferentes sobre a mesma fenomenologia elétrica: em uma haviam as linhas de força distribuídas no espaço, em outra a mediação da ação elétrica por um meio dielétrico composto por partículas contíguas [10[10] P.M. Harman, Energy, Force, and Matter (Cambridge University Press, Cambridge, 1982)., p. 73–79]. O campo poderia ser teorizado a partir de dois aspectos: das propriedades do espaço, caracterizado como campo de forças e representado em termos de um arranjo espacial; ou, através de um éter constituído de partículas discretas. A elaboração do conceito das linhas de força demandou anos para sua consolidação por parte de Faraday.

Um dos experimentos mais significativos na caracterização do campo foi feito por Faraday, em 1845, e possui, basicamente, a seguinte configuração: um pedaço de vidro é atravessado por luz polarizada e, enquanto a luz viaja através do vidro, um campo magnético uniforme é alinhado paralelamente à direção de propagação da luz. O efeito apresentado, sob essas condições, é a rotação do plano de polarização da luz, efeito hoje conhecido como Efeito Faraday. A descoberta foi fruto de onze anos de estudos e experimentos dedicados a desvendar alguma relação entre eletricidade e a luz [11[11] M. Faraday, Experimental Researches in electricity and magnetism (Taylor and Francis, Londres, 1839), v. 1., p. 235], [12[12] O. Knudsen, Arch. Hist. Exact. Sci. 15, 235 (1976).]. Pela interpretação de W. Thomson, o Efeito Faraday corrobora a característica rotatória do campo magnético; a linha de força corresponde ao eixo de rotação do meio no qual a luz se propaga. Assim, W. Thomson traz uma representação física da ação magnética através de sua teoria de vórtices moleculares, na qual o eixo de rotação desses vórtices estavam alinhados ao campo magnético externo, promovendo uma ação rotatória sobre a luz [13[13] P.M. Harman, em Kelvin’s Baltimore Lectures and Modern Theoretical Physics, editado por R. Kargon e P. Achinstein (MIT Press, Cambridge, 1987)., p. 79–83]. Esse modelo constitui a estrutura básica para a teoria eletromagnética da luz de Maxwell [12[12] O. Knudsen, Arch. Hist. Exact. Sci. 15, 235 (1976)., p. 236, 244–246]. W. Thomson impulsionou a teoria, matematizando-a e manteve discussões sobre os conceitos emergentes [14[14] B. Doran, Hitorical Studies in the Physical Sciences 6, 133 (1975)., p. 162–179]. A teoria de representação dos campos desenvolvida por W. Thomson é inicialmente apresentada em A Mechanical Representation [15[15] W. Thomson, Cambridge and Dublin Mathematical Journal 2 (1847).], no qual considera a propagação das forças elétricas e magnéticas como tensões, respectivamente linear e rotacional, em um sólido elástico. O entendimento da ação magnética a partir de uma tensão rotacional em um meio elástico era condizente com o efeito magnético sobre a luz, isto é, o efeito Faraday [10[10] P.M. Harman, Energy, Force, and Matter (Cambridge University Press, Cambridge, 1982)., p. 82]. Em Dynamical Illustration of the Magnetic and the Helicoidal Rotatory Effects [16[16] W. Thomson, Proceedings of the Royal Society of London 8, 150 (1857).], W. Thomson introduz a ideia hidrodinâmica de vorticidade para descrever a ação rotatória do campo magnético. A descrição proposta por W. Thomson ressoa em trabalhos futuros de Maxwell, nos quais a dinâmica rotatória do campo magnético é entendida como vórtices no éter.9 9 O mecanismo de analogia para os campos de W. Thomson é bem discutido na literatura, especialmente em [17], [18], [19, p. 203–285 e [8, p. 113–136].

Apoiado nas contribuições de W. Thomson, Maxwell se propõe a desenvolver e matematizar as ideias de Faraday, deixando isso bem claro tanto no seu Treatise [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).], quanto em seus trabalhos antecessores. A proposta de Maxwell era formular modelos e teorias que conseguissem dar conta das questões conceituais deixadas por Faraday acerca do campo: a relação entre o modo de propagação da força e a natureza que o constitui. Dentro dessa proposta, Maxwell produz cinco principais trabalhos: On Faraday’s Lines (1856) [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856).], seu primeiro artigo acerca do assunto; On the Physical Lines (1861–1862) [22[22] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 21 (1861)., 23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862).]; A Dynamical Theory, em (1865) [24[24] J.C. Maxwell, Philosophical transactions of the Royal Society of London 155, 459 (1865).] e; por último seu Treatise de dois volumes, em 1873.

Em Faraday’s Lines descreve a fenomenologia eletromagnética por intermédio de analogias com o movimento de um fluido incompressível para, em seguida, analisar as consequências de seu método através de aplicações [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 159]. Por analogia, as linhas de força são representadas por linhas de escoamento do fluido e “podem ser modificadas para serem aplicadas às ciências de eletricidade estática, magnetismo permanente, magnetismo de indução e correntes galvânicas uniformes, deixando as leis do eletromagnetismo para uma consideração especial” [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 42]. Maxwell desenvolve um modelo de tubos e superfícies, no qual a intensidade da grandeza em questão era representada pelo fluxo do fluido que se movia no interior de tubos delimitados pelas linhas de força.

Para Maxwell, em On Physical Lines, o conceito de vorticidade ganha protagonismo na concepção dos fenômenos eletromagnéticos. Nesse artigo, dividido em quatro partes, Maxwell aplica a teoria de vórtices aos fenômenos magnéticos (parte I), correntes elétricas (parte II), eletricidade estática (parte III) e ação do magnetismo sobre a luz polarizada (parte IV). O modelo de tubo de vórtices aplicados à magnetoestática é apresentado na parte I; nesse momento é caracterizado o campo magnético. Nas partes seguintes, a lei da indução magnética, a lei eletrostática e a luz são deduzidas a partir dos vórtices [25[25] P.M.C. Dias e R.F. Morais, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3 (2014).]; Maxwell unifica a luz e os fenômenos elétrico e magnético, tanto estático quanto dinâmico, em um mesmo modelo; no desenrolar da teoria, nas demais partes, os tubos perdem protagonismo. A estrutura que inicialmente foi central, em Faraday’s Lines, embora mantenha sua importância, agora perde destaque. Os próximos trabalho de Maxwell, Dynamical Theory e o Treatise usa como principais recursos os conceitos de energia potencial e cinética, seu Treatise é um compilado de toda teoria e contém um caráter didático, como um manual; nele os elementos principais para sua teoria são os conceitos de energia potencial e cinética associadas a um meio elástico – o éter.

4. Os tubos e seu abandono

J.J. Thomson entende que os tubos “se apresentam mais prontamente à formação de uma imagem mental” na representação do campo do que o displacement[26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 16], que era a representação dada por Maxwell em seu Treatise. Os tubos aos quais J.J. Thomson se refere são elétricos, entretanto têm a configuração geométrica dos tubos da magnetoestática que aparecem na primeira parte do Line’s of force e perdem espaço nos demais trabalhos de Maxwell. Para W. Thomson os tubos auxiliam no entendimento da distribuição magnética e articulam conceitos que são revisitados nas teorias de J.J. Thomson.

4.1. As configurações magnéticas propostas por W. Thomson

O que podemos dizer sobre tubos, que antecedem Maxwell e que é posterior a Faraday, encontra-se em A Mathematical Theory os Magnetism de 1851 [27[27] W. Thomson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 141, 243 (1851).], com a proposta de investigar problemas relativos à distribuição da matéria magnética, W. Thomson desenvolve uma análise usando analogias, nas quais associa configurações de certas distribuições magnéticas a situações da dinâmica de fluido. As distribuições investigadas são duas: a solenoidal e a lamilar[27[27] W. Thomson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 141, 243 (1851)., p. 378–379]. A primeira está associada a configuração da ação magnética ocasionada por um solenoide definido como “solenoide magnético”. O termo solenoide,10 10 Vem do grego σωλη´ν e pode significar tubo (assim como calha ou canal). segundo W. Thomson, foi sugerido pela expressão “solenoide eletrodinâmico”, aplicada por Ampère a um certo arranjo de circuitos elétricos que forma um tubo e, além disso, produz o mesmo efeito magnético de uma longa barra magnetizada longitudinalmente. Dessa maneira, a distribuição magnética definida como solenoidal é semelhante àquela produzida por um solenoide. Essa distribuição pode ser entendida considerando-se uma barra infinitamente fina, longitudinalmente magnetizada e com intensidade magnética variando inversamente com a área de sua seção transversal. Nessa configuração, é definida uma grandeza chamada strength, que nada mais é que o produto entre a intensidade magnética e a área da seção transversal. Partindo dessa configuração, W. Thomson constrói a imagem de um tubo para dada distribuição magnética, na qual esses tubos podem se apresentar de maneira aberta ou fechada.

No caso da segunda distribuição, a lamilar, W. Thomson parte de uma casca com a distribuição de magnetização normal a sua superfície e a considera constituída por uma folha infinitamente fina. O termo lamilar (lamillar), segundo W. Thomson, foi preferido a laminado (laminated) pois o último poderia sugerir algo plano, já que o mesmo era muitas das vezes associado à estruturas planas; enquanto o primeiro termo seria mais adequado e geral, porque abrange superfícies tanto curvas – em forma de concha, casca, calota – quanto planas. Tais superfícies podem aparecer, como no caso solenoidal, em duas formas: aberta, tal uma fita; ou fechada, tal uma casca esférica, por exemplo (Figura 2). Toda configuração magnética pode ser entendida como a composição das distribuições solenoidal e lamelar [27[27] W. Thomson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 141, 243 (1851)., p. 380]:

Se um ímã finito de qualquer forma for capaz de se dividir em um número infinito de solenóides que são fechados ou têm suas extremidades na superfície delimitadora, a distribuição do magnetismo nele é considerada solenoidal, e a substância é considerada solenoidalmente magnetizada. Se um ímã finito de qualquer forma for capaz de se dividir em um número infinito de camadas magnéticas que são fechadas ou têm suas bordas na superfície delimitadora, a distribuição do magnetismo nele é considerada lamelar, e a substância é dita ser lamelarmente magnetizada.

Figura 2
Representação das distribuições solenoidal, em I; e “lamelar”, em II. As setas representam as linhas de campo magnético produzidas pelas diferentes magnetizações.

A partir dessas configurações e entendendo os fenômenos magnéticos como fruto da matéria magnética caracterizada por um fluido ideal, a teorização avança através da matemática existente para a dinâmica de um meio imcompressível.

No caso solenoidal, considerando-se a matéria magnética em um fluido ideal e em regime estacionário, uma dada densidade de matéria magnética pode ser descrita pela equação

(1) d α d x + d β d y + d γ d z = 0

em que α, β e γ são as componentes da magnetização em um ponto (x,y,z) no interior da configuração solenoidal. Através de uma percepção contemporânea, permitindo-se ser anacrônico, α, β e γ são as componentes do vetor M de maneira que a equação acima pode ser escrita como:

(2) · M = 0

A equação 1 é análoga a equação de continuidade de um fluido homogêneo e incompressível se M for a velocidade do fluido. Nessas condições, através de um tubo, a velocidade do fluido (ou melhor, a velocidade média) em qualquer parte é inversamente proporcional à área da seção. Portanto, a intensidade e a direção da magnetização em uma distribuição solenoidal estão sujeitas à mesma condição que a velocidade de um fluido incompressível em movimento [27[27] W. Thomson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 141, 243 (1851)., p. 384].

Na situação em que a distribuição é lamelar, é possível imaginar um magneto que é constituído por uma série de superfícies ou, dizendo de outra maneira, por inúmeras cascas. Essas superfícies podem ser descritas por uma função ψ, onde ψ=ψ(x,y,z). Para cada casca estará associada uma função ψ que parametriza a superfície. Por definição, uma casca magnética possui as linhas de magnetização ortogonais a essas superfícies. A distribuição magnética será lamelar se αdx+βdy+γdz for o diferencial de uma função de três variáveis independentes, de tal sorte a obter

(3) d β d z - d γ d y = 0 d γ d x - d α d z = 0 d α d y - d β d x = 0 .

Em uma perspectiva atual, a função ψ corresponde a um potencial magnetostático, no qual cada superfície – ou casca – define uma superfície equipotencial. As quantidades α, β e γ são as componentes de M (a magnetização) e a relação entre α, β e γ e ψ, no caso lamelar, pode ser traduzida como M=ψ, fazendo com que a equação (3) possa ser escrita ×M=0, pois ×ψ=0. Assim, W. Thomson entendeu a distribuição magnética através de magnetos a partir da composição de duas possíveis configurações, uma em que ·M=0 e outra em que ×M=0.

4.2. On Faraday’s Lines

Em seu primeiro trabalho sobre a fenomenologia eletromagnética – Faraday’s Lines [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856).] – Maxwell usa as linhas de força para construir uma analogia com as equações de um fluido e, após matematizar a ação elétrica e magnética, ele explica o estado eletrotônico de Faraday.11 11 Dentro de uma perspectiva contemporânea, o estado eletrotônico é o potencial vetor [28]. Pelas palavras de Maxwell [21, p. 52]: […]um estado em que todos os corpos são lançados pela presença de ímãs e correntes. Este estado não se manifesta por nenhum fenômeno conhecido, desde que não seja perturbado, mas qualquer mudança neste estado é indicada por uma corrente ou tendência para a corrente. A este estado ele deu o nome de “Estado Eletrotônico”.

A estratégia usada para analogia é associar as linhas de força às linhas de escoamento de um fluido [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 30]:

Podemos […] obter uma visão […] mais adequada às nossas investigações mais difíceis, adotando para a definição das forças [campos elétricos e magnéticos] de que tratamos, que elas podem ser representadas em magnitude e direção pelo movimento uniforme de um fluido incompressível.Proponho, então, descrever primeiro um método pelo qual o movimento de tal fluido possa ser claramente concebido; em segundo lugar, traçar as consequências de assumir certas condições de movimento e apontar a aplicação do método a alguns dos fenômenos menos complicados de eletricidade, magnetismo e galvanismo [corrente elétrica]; e, finalmente, mostrar como por uma extensão desses métodos e a introdução de outra idéia de Faraday [o estado eletrotônico], as leis das atrações e ações indutivas de ímãs e correntes podem ser claramente concebidas, sem fazer quaisquer suposições quanto à natureza física da eletricidade, ou acrescentar qualquer coisa ao que já foi provado por experimentos.

A intensão de Maxwell era partir de um fenômeno conhecido para, então, construir uma teoria de uma nova fenomenologia; sua proposta partia da dinâmica de um fluido ideal em escoamento laminar para, em seguida, formular uma construção espacial geométrica das linhas de força. Por certo, Maxwell tinha como proposta inicial explicar e ilustrar a ideia de “linhas de força”. A ação da resultante das forças em cada ponto do espaço mostrava como poderia ser visualizada a linha de força. A situação era análoga para corpos magnetizados e, com essa descrição, era possível construir uma representação visual e espacial da ação elétrica e magnética. Porém, Maxwell percebeu que essa representação carecia da informação da intensidade da ação e, por isso, introduz os tubos como elemento para matematização [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 30]:

Se considerarmos essas curvas não como meras linhas [de força], mas como tubos finos de seção variável carregando um fluido incompressível, então, como a velocidade do fluido é inversa[mente] [proporcional] à seção do tubo, podemos fazer a velocidade variar de acordo com qualquer lei dada regulando a seção do tubo e, desta forma, podemos representar a intensidade da força, bem como sua direção pelo movimento do fluido nesses tubos. Este método de representar a intensidade de uma força pela velocidade de um fluido imaginário em um tubo é aplicável a qualquer sistema de forças concebível, além de ser capaz de grande simplificação no caso em que as forças são tais como explicadas pela hipótese de atrações variando inversamente ao quadrado da distância, como as observadas em fenômenos elétricos e magnéticos. No caso de um sistema de forças perfeitamente arbitrário, geralmente haverá interstícios entre os tubos; mas, no caso das forças elétricas e magnéticas, é possível dispor os tubos de modo a não deixar interstícios. Os tubos serão, então, meras superfícies direcionando o movimento de um fluido que preenche todo o espaço.

Portanto, a analogia com o movimento hidrodinâmico através de um tubo permite que as forças de interação sejam “representadas em magnitude e direção pelo movimento uniforme de um fluido incompressível” [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 30]. A proposta de Maxwell segue por três etapas, como ele mesmo escreveu:

  • “descrever um método pelo qual o movimento de um fluido incompressível pode ser claramente concebido”;

  • “traçar as consequências de assumir certas condições de movimento e apontar a aplicação do método a alguns dos menos complicados fenômenos de eletricidade, magnetismo e galvanismo”;

  • “mostrar como, por uma extensão desses métodos, e a introdução de outra ideia devido a Faraday, as leis das atrações e ações indutivas de ímãs e correntes podem ser claramente concebidas, sem fazer quaisquer suposições quanto à natureza física da eletricidade, ou adicionar qualquer coisa àquilo que já foi provado por experimentos”.

O artigo prossegue com a seção Teoria do movimento de um fluido incompressível, onde são formuladas diversas condições e premissas a respeito do meio material em questão; as condições seguintes impostas caracterizam o fluido ideal e o seu estado de movimento:

  • o fluido deve ser incompressível. Isso é colocado como consequência da lei que diz que “a porção de fluido que em qualquer instante ocupou um determinado volume, ocupará em qualquer instante subsequente um volume igual” [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 31]. Tendo, assim, uma lei para a conservação da quantidade de fluido;

  • o fluido precisa estar em movimento estacionário, assim a direção e a velocidade em um dado ponto fixo independem do tempo. Isso caracteriza as linhas de movimento do fluido que, mais à frente, serão associadas às linhas de força;

  • o conjunto de linhas de movimento compõe um tubo de movimento;

  • pela imposição da lei de incompressibilidade, a quantidade de fluido, que passa por qualquer seção do tubo, em dado intervalo de tempo, será a mesma. Dessa maneira, considerando uma unidade de volume atravessando uma seção do tubo em uma unidade de tempo, teremos um tubo unitário de movimento de fluido e, assim, o movimento do fluido pode ser definido por unidades de tubos;

  • o movimento do fluido pode ser determinado por tubos unitários, a velocidade do fluido é determinada pela área da seção do tubo unitário em dado ponto;

Conforme novos elementos são introduzidos, as equações vão sendo construídas. Após condições acima impostas, o fluido é considerando permeando um meio que oferece resistência a seu movimento e, supondo um meio uniforme, “qualquer porção do fluido em movimento através do meio de resistência está sujeito a uma força de retardo proporcional a sua velocidade” [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 34], de maneira que a resistência seja dada pelo produto kv, onde k é uma constante que representa as propriedades resistivas do meio. A definição matemática para a pressão nessas condições parte de uma fonte imersa nesse fluido, no qual a pressão a uma infinita distância da fonte é zero. O fluido tem, assim, a partir da fonte, seu fluxo de forma radial; uma vez que a unidade de volume flui para fora de cada superfície esférica ao redor do ponto em unidade de tempo, a velocidade a uma distância r da fonte é

(4) v = 1 4 π r 2 ;

a pressão decresce a uma taxa de kv, ou ainda, k4πr2, e sendo a pressão nula no infinito a pressão em dado ponto será

(5) p = k 4 π r .

Dessa maneira, Maxwell conseguiu descrever o movimento de um fluido ideal, incompressível e imponderável,12 12 Sem massa, “sem inércia” segundo Maxwell [21, p. 33]. através de um meio resisitivo isotrópico. Ele dividiu o fluido em pequenos tubos unitários, por onde passava uma unidade de volume por unidade de tempo. O fluxo era definido pela configuração de tubos, o sentido era dado pelo escoamento, a área da seção definia a velocidade do fluido através de uma relação inversa.13 13 Para uma área transversal igual a A, a velocidade era v∝A-1.

O movimento do fluido era uniforme, a velocidade de dado elemento de volume era constante, sendo necessária a existência de uma diferença de pressão entre as partes anterior e posterior desse elemento e, dessa maneira, a pressão diminuía na direção do movimento. A resistência do meio era diretamente proporcional a sua velocidade, dada por kv, agindo na direção contrária ao fluxo. Nessa configuração, na qual havia variação de pressão em todo fluido, era possível determinar um conjunto de pontos de igual pressão de tal sorte a se definir uma superfície de mesma pressão perpendicular à direção do fluxo. Assim, para um fluido imponderável com movimento uniforme, Maxwell conclui que a velocidade do fluido deve ser proporcional ao gradiente de pressão [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 39–40].

Na seção Applications of the Idea of Lines of Force, após estruturar os tubos, Maxwell expande o uso de sua ferramenta [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 42]:

Tenho agora que mostrar como a ideia de linhas de movimento do fluido [que formam tubos], […] pode ser modificada de modo a ser aplicável à ciência da eletricidade estática, magnetismo permanente, magnetismo de indução e correntes galvânicas uniformes, reservando as leis do eletro-magnetismo a uma consideração especial.

No caso da eletrostática, os tubos estavam relacionados às linhas de indução elétrica enquanto que a pressão e a resistência estavam associadas ao potencial e à capacidade indutiva do dielétrico. A aplicação nesse caso se dá de forma direta, pois considerando a velocidade do fluido devida a todas as fontes em dado ponto, é possível relacioná-la à força resultante sobre as partículas de matéria elétrica naquele mesmo ponto como situação análoga [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 42]:

A velocidade devida a cada fonte seria proporcional à atração sobre a partícula correspondente, e a velocidade resultante devida a todas as fontes seria proporcional à atração resultante de todas as partículas. Agora é possível encontrar a pressão resultante em qualquer ponto, adicionando as pressões relativas às fontes dadas e, portanto, podemos encontrar a velocidade resultante em uma determinada direção a partir da taxa de diminuição da pressão nessa direção, e isso será proporcional à atração resultante das partículas resolvidas naqueladireção.

Como a atração resultante no caso eletrostático é proporcional à diminuição de pressão do fluido, Maxwell escreveu:

(6) X = - d p d x ,

que é uma das componentes da força resultante F=Xx^+Yy^+Zz^. Assim, para o potencial V:

(7) d V = X d x + Y d y + Z d z = - d p .

Considerando-se a pressão nula no infinito, p = 0 e V = 0, tem-se V=-p.

Em notação moderna, a equação 6 é uma componente da relação:

(8) F = - V .

Por fim, para a situação eletrostática, a analogia com o movimento do fluido mostra:

(9) V = - p ;
(10) X = - d p d x = - k u ;
(11) d m = k 4 π S ,

onde V é o potencial elétrico, X é a intensidade da força elétrica em uma direção, k a capacidade indutiva do dielétrico, dm são as cargas produzidas pela fonte S. As linhas de força são os tubos unitários do movimento do fluido, que podem ser determinadas numericamente pela quantidade de tubos.

No magnetismo, os tubos eram as linhas de força magnética – aquelas descritas por Faraday – enquanto que o gradiente de pressão era a intensidade magnética, chamada de “força resultante do magnetismo”; a resistência estava associada ao inverso do “poder condutor” das linhas de força. Pela semelhança matemática entre os fenômenos da eletricidade e magnetismo, Maxwell toma a liberdade de aplicar a mesma estrutura de tubos à magnetostática [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 44]:

Um ímã é concebido como sendo feito de partículas magnetizadas elementares, cada uma das quais com seus próprios pólos norte e sul, cuja ação sobre os outros pólos norte e sul é governada por leis matematicamente idênticas às da eletricidade.Consequentemente, a mesma aplicação da ideia de linhas de força pode ser feita a este assunto [magnetos permanentes] e a mesma analogia de movimento do fluido pode ser empregada para ilustrá-lo.

Os pólos do imã eram células unitárias onde o fluido entrava por uma face (sumidouro), polo sul; e saia por outra face (fonte), polo norte. A composição de células formavam o tubo unitário. A descrição de Maxwell contempla a distribuição magnética usada por Kelvin em 1851 [27[27] W. Thomson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 141, 243 (1851).], em A Mathematical Theory of Magnetism[21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 44]. Na eletrocinética, os tubos de Maxwell correspondiam às linhas de corrente, a pressão era o potencial eletrostático ou tensão e a resistência do meio estava associada a resistência elétrica. Maxwell via semelhança entre grandezas envolvidas nos fenômenos estático e cinético da eletricidade, afirmando que o potencial eletrodinâmico é análogo ao potencial eletrostático [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 46]. Após mostrar que os tubos podem ser aplicados tanto aos fenômenos elétricos quanto aos magnéticos, Maxwell lança mão de um relevante aspecto em sua analogia: a distinção entre força e fluxo.14 14 O termo força está sendo empregado aqui com o sentido de robustez, pujança, vigor. Maxwell separa as grandezas em duas classes, a intensidade e a quantidade. Para Maxwell, a intensidade está associada à tensão do meio, algo que causa a corrente elétrica, ou algo como o efeito visto em um eletroscópio. No caso da quantidade, ele se refere ao “vigor” da grandeza, algo como a corrente elétrica que um capacitor carregado produz. O termo quantidade refere-se ao número de tubos que atravessa uma dada superfície – o fluxo – enquanto que a intensidade se refere ao número de superfícies perpassadas por um dado tubo – o vigor.

Então, os tubos e superfícies montam, juntos, a estrutura básica na relação entre eletricidade e magnetismo.

Essa estrutura permitiu que Maxwell escrevesse a força eletromotiva como a variação de uma certa ‘intensidade’ que representasse o estado eletrotônico de um condutor [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 51]. Dessa forma, Maxwell conseguiu aliar os tubos com superfícies na matematização da fenomenologia eletromagnética [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 146], [25[25] P.M.C. Dias e R.F. Morais, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3 (2014).]. Os tubos seguem como mecanismo de representação do campo, porém deixam de ser o coração da teoria perdendo lugar para outras características do meio etéreo.

4.3. On Physical Lines

O final da década de 1850 e as décadas seguintes são marcadas por uma temática emergente no estudo da hidrodinâmica: a dinâmica dos vórtices. Um excelente recurso para aqueles que interpretam fenômenos eletromagnéticos a partir de um meio contínuo como o éter. Os vórtices trouxeram suporte à definição do caráter rotatório do campo magnético, importante aspecto na construção das relações eletromagnéticas.

No período entre 1858 a 1868, Hermann von Helmholtz produz uma série de importantes trabalhos sobre Hidrodinâmica. Em seu artigo Über Integrale der hydrodynamischen Gleichungen [29[29] H. von Helmholtz, J. für Reine Angew. Math. 55, 25 (1858).],15 15 Com título completo Über Integrale der hydrodynamischen Gleichungen, welche den Wirbelbewegungen entsprechen ou ainda, em português, Sobre Integrais das Equações Hidrodinâmicas que Correspondem a Movimentos de Vórtices. Helmholtz introduz vórtices na investigação da dinâmica de um fluido,16 16 A proposta do Helmholtz era entender a dinâmica de um fluido real, a ideia era complementar às teorias de fluidos anteriores, como a teoria da hidrodinâmica de Euler, por exemplo. Helmholtz teoriza a influência do atrito sobre o ar no interior dos tubos do órgão (instrumento musical). Ao introduzir o atrito na dinâmica, Helmholtz chega ao vórtice como solução das equações da hidrodinâmica euleriana [30, p. 145]. usando analogias com fenômenos eletromagnéticos para ilustrar sua teoria hidrodinâmica. Ele apontou que as linhas de movimento do fluido eram organizadas da mesma maneira que as linhas de força magnética em torno de uma corrente elétrica fluindo ao longo do eixo do vórtice e, assim, trabalhou a partir do eletromagnetismo para desenvolver argumentos físicos e obter uma compreensão intuitiva do comportamento dos vórtices [31[31] I. Falconer, Philosophical Transactions of Royal Society A 377 (2019).]. A associação feita era: o eixo de rotação dos vórtices do fluido ficava determinado pelo sentido da corrente elétrica. Em contraponto, a proposta de Maxwell na analogia hidrodinâmica dos vórtices com o eletromagnetismo possuía outro viés, no qual indicava o eixo de rotação dos vórtices do fluido alinhado ao sentido do campo magnético [23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862)., p. 86]:

O professor Helmholtz investigou o movimento de um fluido incompressível e concebeu linhas traçadas de modo a corresponder em todos os pontos ao eixo instantâneo de rotação do fluido ali [naquele mesmo ponto]. Ele observou que as linhas de movimento do fluido são arranjadas de acordo com as mesmas leis em relação às linhas de rotação, como aquelas pelas quais as linhas de força magnética são arranjadas em relação às correntes elétricas. Por outro lado, neste artigo [On Physical Lines], considerei o magnetismo como um fenômeno de rotação, e as correntes elétricas como consistindo na translação real das partículas, assumindo assim o inverso da relação entre os dois conjuntos de fenômenos.

A escolha de Maxwell é inspirada pelo experimento de Faraday – sobre a mudança do plano de polarização da luz – e as ideias de W. Thomson, presentes em On a Mechanical Representation e Dynamical Illustrations of the Magnetic and the Heliçoidal Rotatory Effects [15[15] W. Thomson, Cambridge and Dublin Mathematical Journal 2 (1847)., 16[16] W. Thomson, Proceedings of the Royal Society of London 8, 150 (1857).].

As analogias sugeridas por Helmholtz e Maxwell podem ser parecidas, porém possuem implicações completamente diferentes, pois Maxwell as usa para definir características dos campos elétrico e magnético. W. Thomson já havia observado que não havia alternativa se não considerar que [32[32] W. Thomson, Nichol’s Cyclopaedia (Griffin, Edinburgh, 1860), 2 ed., p. 224–225]:

[…] um certo alinhamento de eixos de revolução neste movimento [dos vórtices] É magnetismo.17 17 A letra maiúscula e a escrita em itálico é ênfase dada por W. Thomson e foi preservada. [Pois] o experimento magneto-óptico de Faraday torna isso não uma hipótese, mas uma conclusão demonstrada.

Para Maxwell o efeito Faraday indica a natureza rotatória do campo magnético [23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862)., p 87] e, junto a outros argumentos, corrobora a escolha das características linear e rotatória na formulação do campo elétrico e magnético: [2[2] D.M. Siegel, Innovation in the Maxwell’s Electromagnetic Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 1991)., p. 47]

  • efeitos lineares da corrente elétrica, como na eletrólise;

  • ausência de efeitos rotatórios da corrente elétrica, segundo experimentos realizados por Faraday;

  • ausência de efeitos lineares do magnetismo;

  • efeitos rotatórios do magnetismo, como visto na mudança do plano de polarização da luz (Efeito Faraday).

Desse modo, a interação magnética fica representada pela dinâmica de vórtices. Os tubos de vórtices correspondem ao arranjo geométrico das linhas de campo magnético, pois o eixo de revolução do vórtice é o campo magnético (Figura 3).

Figura 3
Linhas de campo magnéticas, que são entendidas como tubos de vórtices, configurando a interação entre polos opostos.

Essa correspondência promove a visualização do campo, porém ainda falta uma questão: como a intensidade é determinada nesse modelo? Pois bem, a intensidade do campo magnético fica determinada pela velocidade angular dos vórtices, assim:

(12) ω H .

Nesse caso, um aumento na intensidade do campo é entendida pelo alargamento equatorial do tubo de vórtices, o que implica o encurtamento de seu comprimento (Figura 4). Essa configuração justifica a aproximação de imãs e a deformação das linhas de campo quando os mesmos se aproximam.

Figura 4
Onde H0, o meio é preenchido por tubos de vórtices ou filamentos. O aumento da intensidade do campo é associado à expansão equatorial do vórtice que implica, assim, o encurtamento do tubo. Em (I) tubo mais longo que em (II), onde existe o alargamento equatorial.

A analogia da vorticidade com o campo magnético dá conta de alguns aspectos, como os que foram mostrados acima, contudo trazem um entrave em sua conciliação com a teoria eletromagnética. De fato, como os vórtices seriam arranjados em uma região onde o campo magnético possua um único sentido? Ou ainda, perguntando de outra maneira, como conciliar vórtices solidários girando no mesmo sentido? Na parte II de On Physical Lines, Maxwell introduz um elemento capaz de resolver a questão. Vórtices adjacentes poderiam rodar em um mesmo sentido se houvesse partículas esféricas capazes de rolar, sem deslizar, entre os vórtices e com isso transmitir o movimento entre os vórtices vizinhos (Figura 5). A essas partículas, Maxwell deu o nome de “idle wheels”. Essas “rodas livres” formavam a matéria elétrica. Nesse modelo, no qual o fenômeno da indução magnética é explicado, os sistemas de vórtices agem como um mecanismo conectado capaz de transferir movimento elétrico de um condutor para outro. Uma certa quantidade de rodas livres junto com um conjunto de vórtices formam uma molécula do meio, a corrente elétrica é determinada pela transferências de “wheels” entre vórtices [22[22] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 21 (1861)., p 285]. Através de um pensamento mecanicista, fazendo as analogias entre corrente elétrica e movimento de rodas livres, velocidade angular dos vórtices e campo magnético; em um cenário onde o campo elétrico carrega característica linear e campo magnético possuí caracterização rotatória, Maxwell escreve para a lei circuital de Ampère [23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862)., p 85]:

p = 1 4 π ( d γ d y - d β d z ) q = 1 4 π ( d α d z - d γ d x ) r = 1 4 π ( d β d x - d α d y )

onde, p, q e r são as componentes da densidade de corrente e α, β e γ são as componentes da intensidade do campo magnético. Que, de maneira moderna, podemos escrever:

(13) J = 1 4 π × H .

A fim de sustentar sua correlação, Maxwell suscita relações mecânicas que combinem as mesmas características:

  • Se α, β e γ representam deslocamentos lineares ou mudanças de posição, então p, q e r representam deslocamentos rotatórios ou mudança de posição angular;

  • se α, β e γ representam velocidades lineares, então p, q e r representam velocidades angulares;

  • se α, β e γ representam forças, então p, q e r representam um torque ou torção;

  • se α, β e γ representam as velocidades rotatórias de vórtices cujos centros são fixos, então p, q e r representam as velocidades com as quais as partículas soltas colocadas entre esses vórtices seriam transportadas.

Figura 5
Mecanismo usado por Maxwell como analogia para a fenomenologia eletromagnética. Os hexágonos são os vórtices, o sentido de rotação é representado pelas setas curvas e os sinais de “+” e “-”, nos quais o “+” corresponde ao sentido anti-horário (campo magnético apontando para fora da página) e o “–” corresponde ao sentido horário (campo magnético apontando para dentro da página). As pequenas esferas são as “idle wheels”. As cores azul e vermelha foram ênfase nossa a fim de mostrar as correntes primária (azul) e a induzida (vermelha).

As considerações dinâmicas nesse modelo levaram Maxwell a outras conclusões. Com efeito, se os vórtices adjacentes giram com mesma velocidade angular, as partículas que entremeiam os vórtices rodam sem transladar. Por outro lado, se os vórtices adjacentes giram com velocidades angulares diferentes, as partículas que entremeiam os vórtices rodam e transladam. Sendo assim, a condição para que exista mudança da velocidade angular (que significa mudança de campo magnético) é que haja força tangencial feita pelas “wheels” sobre as superfícies dos vórtices. Essa força tangencial gera um torque sobre os vórtices – representados por hexágonos (5). Esse torque é igual à taxa de variação do momento angular do vórtice que é, por sua vez, proporcional à intensidade de campo magnético. Assim, de acordo com a ação e reação, deve haver uma força tangencial igual e oposta sobre as partículas. Maxwell chamou essa força de força eletromotriz agindo sobre a corrente. Então, sabendo-se que o rotacional da força eletromotriz é proporcional à taxa de variação da intensidade do campo, a equação final é:

1 4 π ( d p d z - d r d y ) = μ d α d t , 1 4 π ( d r d x - d p d z ) = μ d β d t , 1 4 π ( d p d y - d q d x ) = μ d γ d t ,

onde, p, q e r representam as componentes da força eletromotriz de Maxwell – o campo elétrico – e α, β e γ são as componentes magnéticas. Assim, a equação acima em notação moderna fica:

(14) × E = - μ H t .

A equação (14) mostra que, mais uma vez, há vínculo entre grandezas lineares e rotatórias. As relações e deduções matemáticas de Maxwell seguem basicamente com as seguintes analogias: “idle wheels” formam a matéria elétrica; fluxo de “wheels” é a corrente elétrica; força sobre as “wheels” é a força eletromotriz; pressão entre as “wheels” é a tensão ou potencial eletrostático; velocidade angular dos vórtices é a intensidade magnética (Tabela 2).

Tabela 2
Analogia no modelo de vórtices moleculares de Maxwell.

O próximo passo de Maxwell é a introdução de termos que definam a elasticidade do meio e, a partir das considerações acerca da elasticidade, a lei de Ampère é corrigida introduzindo a corrente de deslocamento e a lei de Gauss é demonstrada [23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862)., p. 12–24]. A suposição da elasticidade do meio magneto-elétrico permitiu a extensão da teoria à eletrostática, na qual as tensões elásticas do éter mecânico correspondiam ao campo eletrostático. Os hexágonos podiam ser deformadas pela ação das forças feitas pelas pequenas partículas ao redor e, por sua vez, essa deformação variavam de acordo com a movimentação das rodas livres. Veja, por exemplo, em uma situação de campo magnético uniforme, na qual os vórtices giram com mesma velocidade angular e as “wheels” possuem apenas movimento de rotação. Sendo assim, neste caso, a força eletrostática é nula, pois não existe tensão sobre os vórtices (ou sobre as “wheels”). Contudo, se por algum motivo houver variação na rotação dos vórtices, as rodas livres irão transladar, além de girar. A mudança de movimento das “wheels” é causada por uma força exercida pelos vórtices que, devido a ação e reação, sofrem ação das “wheels” e se deformam. Essa dinâmica da variação da deformação dos vórtices aliada a variação da rotação dos vórtices propaga-se como onda, o que seria uma onda eletromagnética[23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862)., p. 85–95].

Em On Physical Lines, Maxwell teve como objetivo central juntar os fenômenos eletromagnéticos e a luz sob um único modelo. O título íntegro de seu trabalho deixa isso claro, On Physical Lines of Force: The Theory of Molecular Vortices Applied to
  • . . .

    Magnetic Phenomena [22[22] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 21 (1861).];

  • . . .

    Electric Currents [22[22] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 21 (1861).];

  • . . .

    Statical Electricity [23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862).];

  • . . .

    the Action of Magnetism on Polarized Light [23[23] J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862).].

A proposta era ousada e teve sucesso na demonstração que o meio eletromagnético é o mesmo meio em que a luz se propaga. Um marco na história da Física.

Os tubos são inicialmente usados no trabalho, porém perdem espaço para outros elementos de caracterização do meio, as definições e a matemática giram em torno do modelo de “colmeias” que representam os vórtices interagindo com as pequenas partículas, as “wheels”. Para os próximos trabalhos os conceitos de elasticidade do meio e vorticidade se mantém na teorização dos fenômenos eletromagnéticos, entretanto sem a ilustração de um mecanismo como justificativa.

4.4. Dynamical Theory

Unificar a luz e os fenômenos elétrico e magnéticos em uma dinâmica de um único meio mecânico foi, de fato, um grande feito de Maxwell. Dentro desse programa, Maxwell escreveu as equações que são a base do eletromagnetismo clássico até hoje e mostrou que uma onda eletromagnética se propaga com a velocidade da luz. Em A Dynamical Theory of the Elctromagnetic Fild (p. 460), Maxwell mantém a ideia dos fenômenos eletromagnéticos como a dinâmica de um meio e propõe sua

[…] teoria do Campo Eletromagnético, porque tem a ver com o espaço na vizinhança dos corpos elétricos ou magnéticos, e pode ser chamada de Teoria Dinâmica, porque assume que naquele espaço há matéria em movimento, pela qual os fenômenos eletromagnéticos observados são produzidos.18 18 Os itálicos do texto original foram mantidos.

A proposta da luz como onda eletromagnética mantém-se, pois “as ondulações são de uma substância etérea”. A luz era devida à propagação da deformação do meio etéreo, o qual possui elasticidade, na qual Maxwell chamou de “resiliência do meio”. Maxwell entende que a luz se propaga através da alternância entre a energia “real”, devido ao movimento das partes do meio; e a energia “potencial”, devida à resiliência [24[24] J.C. Maxwell, Philosophical transactions of the Royal Society of London 155, 459 (1865)., p. 461]:

O meio é […] capaz de receber e armazenar dois tipos de energia, a saber, a energia “real”, dependendo dos movimentos de suas partes, e a energia “potencial”, que consiste no trabalho que o meio fará na recuperação do deslocamento em virtude de sua elasticidade.A propagação das ondulações [a luz] consiste na transformação contínua de uma dessas formas de energia na outra alternadamente e, a qualquer momento, a quantidade de energia em todo o meio é igualmente dividida, de modo que metade é energia de movimento e [a outra] metade é resiliência elástica.

Em Dynamical Theory, os mecanismos de interação são suprimidos pelo método e conceitos estabelecidos por Lagrange, em Mécanique analytique [33[33] J.L. Lagrange, Mécanique analytique (Desaint, Paris, 1788).]. Desse modo, os conceitos principais para a descrição dos fenômenos eletromagnéticos são, portanto, o movimento e a elasticidade do meio, energia cinética e potencial, respectivamente, pois “a energia nos fenômenos eletromagnéticos é energia mecânica” [24[24] J.C. Maxwell, Philosophical transactions of the Royal Society of London 155, 459 (1865)., p. 487]. Assim, o foco de Maxwell é a dinâmica do meio, entretanto sem se ater à forma do mecanismo de interação. Em verdade, a teoria requer que haja interação no meio etéreo, porém agora não demanda mais de uma estrutura como as “idle wheels” e as colmeias [24[24] J.C. Maxwell, Philosophical transactions of the Royal Society of London 155, 459 (1865)., p. 487]. A associação básica feita é que a energia cinética é o movimento produzido pelo trabalho da força magnética sobre a matéria elétrica, enquanto a tensão elétrica, ou ainda, o campo elétrico é associado à energia potencial armazenada no meio. Toda teoria gira em torno das analogias com a mecânica levando Maxwell às mesmas equações do eletromagnetismo que havia escrito outrora – em Physical Lines, mostrando consistência do método.

O meio elástico, que suporta deformação e as mudanças de movimento ocasionadas nesse mesmo meio tornam-se os principais protagonistas da teoria eletromagnética, ficando para trás, dessa forma, as estruturas que representavam essas qualidades. Embora as linhas de força permaneçam, pois são elas que mostram a disposição espacial das superfícies equipotenciais, não há mais tubos, “idle wheels”, colmeias, catracas, engrenagens ou qualquer imagem física que represente as interações eletromagnéticas. Posteriormente, em seu Treatise, Maxwell mantém a elasticidade do meio para caracterizar a carga eletrostática e introduzir o conceito de displacement, conceito de difícil aceitação e compreensão da teoria eletromagnética maxwelliana [34[34] J. Buchwald, From Maxwell to Microphysics (University of Chicago Press, Chicago, 1985)., p. 25]. É sobre esse conceito que J.J. Thomson monta sua crítica a Maxwell e retoma os tubos como estrutura representativa do campo [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 16].

4.5. Treatise

No mês de Março de 1873 é publicado, em dois volumes, o Treatise on Electricity and Magnetism [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).], fruto de quase vinte anos de dedicação de Maxwell ao estudo da teoria eletromagnética. Esse Tratado era um manual avançado sobre teoria matemática, instrumentação e fundamentos experimentais de eletricidade e magnetismo, em uma nova abordagem teórica de campo. Como um manual, a estrutura do Treatise mostra-se didática. O livro começa introduzindo conceitos preliminares como unidades fundamentais ([20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).], § 3–5), continuidade de uma função ([20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).], § 8), diferenças entre escalares e vetores ([20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).], § 11) dentre outros temas. Em seu prefácio, Maxwell mostra preocupação em resgatar as principais teorias até o momento e justificar sua escolha de abordagem. Embora reconheça a importância das teorias pautadas pela ação a distância, Maxwell diferencia sua abordagem daquelas feitas por Wilhelm Eduard Weber, Bernhard Riemann, Carl Gottfried Neumann e outros [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).]. Dentre tantas ideias contidas no Treatise, como mostra Buchwald [35[35] J. Buchwald, em Wranglers and Physicists, editado por P.M. Harman (Manchester University Press, Manchester, 1985)., p. 230–231], pode-se destacar:

  • Carga é uma descontinuidade no deslocamento elétrico (hoje, o vetor D) e a corrente é o éter em movimento;

  • o efeito da matéria sobre o éter é misterioso e deve ser deixado de lado até que os problemas sejam resolvidos pelo método da energia;

  • a condutividade elétrica é particularmente misteriosa e tem algo a ver com a estrutura da matéria;

  • condições de contorno são ferramentas analíticas cruciais;

  • modelos mecânicos do éter são importantes ilustrações das trocas de energia mas não refletem a verdadeira estrutura do éter.

Diferente de On Physical Lines, onde a corrente elétrica correspondia ao fluxo de partículas (“wheels”) entre os vórtices (“colmeias”) e a carga ao acúmulo dessas partículas, no Treatise, semelhantemente ao Dynamical Theory, Maxwell define a corrente elétrica como transferência da polarização e a carga como discontinuidade da polarização. Essa discontinuidade é associada ao deslocamento elétrico (D). Maxwell inicia sua discussão com a garrafa de Leyden [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873)., § 111]:

I. Deslocamento elétrico. Quando a indução ocorre em um dielétrico, ocorre um fenômeno que é equivalente a um deslocamento de eletricidade na direção da indução. Por exemplo, em um frasco de Leyden, no qual o revestimento interno é carregado positivamente e o revestimento externo negativamente, o deslocamento na substância do vidro é de dentro para fora.

Qualquer aumento deste deslocamento é equivalente, durante o tempo de aumento, a uma corrente de eletricidade positiva de dentro para fora, e qualquer diminuição do deslocamento é equivalente a uma corrente na direção oposta.

Dentro dessa percepção, em vez de considerar a carga uma substância elétrica que pudesse se acumular nos corpos, Maxwell entendia a carga como um epifenômeno do campo. Seu conceito envolvia a transformação da energia armazenada no éter em forma de calor, o que era representado macroscopicamente pela condutividade elétrica. Por exemplo, como ilustração: pode-se imaginar uma região do éter sem a presença de matéria ordinária e que contenha campo elétrico – tendo assim energia potencial armazenada no éter. Agora, colocando-se um pedaço de matéria nessa região – por exemplo um condutor – a região do éter, agora ocupada pela matéria, começa a perder a energia armazenada por conta da condução. O resultado é a criação de uma diferença nos valores do deslocamento elétrico na fronteira entre a matéria e o éter livre. Essa diferença representa, em qualquer instante, a carga elétrica na fronteira. A corrente elétrica era considerada a taxa com a qual uma parte do éter se move. Se o éter não for perturbado, não existe corrente. Para ligar os dois processos, carga e corrente, é assumido ou que a corrente gera um campo magnético ou então que um campo magnético variável gera um deslocamento do éter. E ainda, pelas palavras de Maxwell a carga é [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873)., § 111]:

II. Carga superficial das partículas do dielétrico. Conceba qualquer porção do dielétrico, grande ou pequeno, a ser separada (na imaginação) do resto por uma superfície fechada, então devemos supor que em cada porção elementar desta superfície há uma carga medida pelo deslocamento total da eletricidade através daquele elemento da superfície em seu interior.

No caso da jarra de Leyden cujo revestimento interno é carregado positivamente, qualquer porção do vidro terá seu lado interno carregado positivamente e seu lado externo negativamente. Se esta porção estiver inteiramente no interior do vidro, sua carga superficial será neutralizada pela carga oposta das partes em contato com ele, mas se estiver em contato com um corpo condutor que é incapaz de manter em si o estado indutivo, a carga superficial não será neutralizada, mas constituirá aquela carga aparente que é comumente chamada de Carga do Condutor.

A carga, portanto, na superfície limite de um condutor e do dielétrico circundante, que na teoria antiga era chamada de carga do condutor, deve ser chamada na teoria da indução de carga superficial do dielétrico circundante.

Segundo essa teoria, toda carga é o efeito residual da polarização do dielétrico. Essa polarização existe em todo o interior da substância, mas aí é neutralizada pela justaposição de partes de cargas opostas, de modo que é apenas na superfície do dielétrico que os efeitos da carga se tornam aparentes.

Para a melhor compreensão da argumentação apresentada por Maxwell, será seguido de perto a discussão feita pelo Buchwald [34[34] J. Buchwald, From Maxwell to Microphysics (University of Chicago Press, Chicago, 1985)., p. 25–27], na qual faz-se um paralelo entre garrafa de Leyden e uma esfera positivamente carregada imersa em um dielétrico infinito. A discussão mostra a diferença entre uma percepção moderna e a percepção maxwelliana.

Figura 6
Distribuição de carga em uma esfera condutora imersa em um dielétrico infinito na visão moderna.

Através de uma visão moderna, a análise deve ser feita a partir da carga positiva distribuída sobre a superfície da esfera condutora (Figura 6). Esta carga produz um campo elétrico que polariza o dielétrico ao redor. Supondo uma divisão do dielétrico em duas partes, por uma superfície imaginária (S) – como proposto por Maxwell. Uma parte interna (A), que está entre condutor e a superfície imaginária; e outra parte externa (B), que está após a superfície imaginária e segue ao infinito. Seguindo pela teoria moderna, a fronteira interna de A – a parte interna em contato com a esfera – contém carga de polarização negativa, na qual é menor em magnitude que a carga de condução da esfera. A fronteira de A delimitada pela superfície S contém carga de polarização positiva, numericamente igual à carga negativa encontrada na parte de A que está em contato com a esfera. As cargas contidas na parte A se compensam, deixando assim a parte de B que toca a superfície S carregada negativamente (Figura 7).

Figura 7
A carga contida na superfície da esfera condutora induz carga no dielétrico de sinal oposto e menor em magnitude.

Agora, analisando a situação através da citação de Maxwell [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873)., § 111], o esquema é dado de outra maneira (Figura 8). Procedendo de maneira análoga à anterior, dividindo o dielétrico em duas partes, A e B; há um deslocamento elétrico D por todo dielétrico que aponta para fora a partir do centro da esfera. Considerando-se primeiro a parte B, tendo em vista que o deslocamento elétrico aponta do centro da esfera para fora, D aponta paralelo ao vetor normal à superfície interna de B. Pela definição de Maxwell, a superfície interna de B, aquela logo após a superfície imaginária S, está carregada positivamente. Essa quantidade de carga por unidade de área é numericamente igual à D.

Figura 8
Distribuição de carga em uma esfera condutora imersa em um dielétrico infinito na visão de Maxwell.

Sobre a parte A que toca a superfície S: o deslocamento elétrico que aponta do centro da esfera para fora está em sentido contrário ao vetor normal à superfície interna de A, consequentemente a carga é negativa e de mesma magnitude da carga contida no interior de B. Sendo assim, a carga total nessa região é nula. Porém, na interface entre a esfera condutora e o dielétrico, a superfície interna de A possui o vetor normal à superfície paralelo e em mesmo sentido ao vetor D, dessa maneira a carga nessa superfície é positiva. Todavia, não á deslocamento elétrico dentro do condutor fazendo que não haja carga em sua superfície (Figura 9). Assim, a teoria moderna vê carga positiva na superfície do condutor, enquanto a teoria de Maxwell vê carga positiva na parte interna do dielétrico.

Figura 9
Não há carga no condutor, a carga está no meio e é um subproduto da discontinuidade de D.

5. O retorno dos tubos

Em 1884 J. J. Thomson assume a cadeira como professor e chefe do laboratório Cavendish.19 19 De 1884 até 1919. Suas atenções estão sobre os experimentos de descargas em gases, porém não sobre a natureza dos raios catódicos.20 20 As investigações sobre a natureza de raios catódicos de J. J. Thomson culminaram na descoberta de seu “corpúsculo” que, mais tarde, foi batizado como elétron. Inicialmente J. J. Thomson se dedica aos experimento de descarga em gases com a intenção de compreender a relação entre matéria, eletricidade e combinação química. Sua atenção sobre a natureza dos raios catódicos surge após 1895 com a descoberta dos raios-X [36[36] I. Falconer, Theory and Experiment in J.J. Thomson’s Work on Gaseous Discharge. Tese de Doutorado, University of Bath, 1985., 37[37] I. Falconer, British Journal for the History of Science 20, 241 (1987)., 38[38] I. Falconer, J.J. Thompson and the ’Discovery of the Electron’ (Taylor and Francis, Londres, 1997)., 39[39] I. Falconer, em Histories of the Electron: The Birth of Microphysics, editado por J. Buchwald e A. Warwick (MIT Press, Cambridge, 2001).]. Nessa conjuntura, após a publicação de Cathode Rays, o elétron – então chama de corpúsculo – é introduzido gradativamente por J. J. Thomson em suas teorias da condução de eletricidade, composição da matéria e ligações químicas.

Ao assumir a posição de chefe do laboratório Cavendish, J. J. Thomson começa a dispor de recursos próprios para experimentação, o que dirigiu sua atenção aos experimentos com descarga em gases. J. J. Thomson reconhecia a importância do estudo dos experimentos de descargas em gases, porque alinhava-se com o pensamento de Maxwell, no qual [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873)., § 57]:

[…] muitos […] fenômenos sobre descarga elétrica são extremamente importantes e, quando eles forem mais bem entendidos, eles provavelmente irão trazer luz acerca da natureza da eletricidade, assim como a natureza dos gases […]

Em verdade, J. J. Thomson fazia coro com Maxwell ao pensar que, para os fenômenos de descarga em gases [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 189]:

talvez não haja outro ramo da física que nos ofereça uma oportunidade tão promissora de penetrar no segredo da eletricidade.

Com efeito, não é por acaso que o segundo capítulo do Recent Researches é dedicado ao estado da arte dos fenômenos conhecidos até então sobre descarga em gases, pois “não há resumo nos livros didáticos em inglês da extensa literatura sobre o assunto” [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 53].21 21 O livro Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism é conhecido como o livro que dá sequência ao Treatise de Maxwell. De fato, o subtítulo de Recent Researches é Intended as a Sequel to Professor Clerk-Maxwell’s Treatise on Electricity and Magnetism. Ainda sobre descarga elétrica e a natureza da eletricidade, J. J. Thomson enxerga a eletrolise como um fenômeno central para o entendimento da fenomenologia, pois apoia-se sobre os direcionamentos dados por Maxwell, no qual afirma que [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873)., § 255]:

[d]e todos fenômenos elétricos, eletrólise aparenta ser o mais provável para nos fornecer uma visão real da verdadeira natureza da corrente elétrica.

Sendo assim, a intenção e o foco de J. J. Thomson ficam evidentes; o Recent Researches apresenta suas duas principais preocupações: as interpretações dos fenômenos eletromagnéticos através dos tubos de Faraday e os resultados experimentais de Heinrich Rudolf Hertz sobre a existência das ondas eletromagnéticas.20 20 As investigações sobre a natureza de raios catódicos de J. J. Thomson culminaram na descoberta de seu “corpúsculo” que, mais tarde, foi batizado como elétron. Os tubos forneciam um mecanismo capaz de responder às questões dos fenômenos eletromagnéticos que lhe eram caras. Hertz obteve resultados que traziam alento à teoria de tubos. Os resultados dos experimentos de Hertz foram muito bem recebidos pelos britânicos, pois corroboravam a teoria da onda eletromagnética de Maxwell [42[42] B.J. Hunt, The Maxwellians (Cornell University Press, Ithaca, 1991)., p. 158–162]. Entre os anos de 1888 e 1890, J. J. Thomson usa técnicas experimentais de Hertz para desenvolver experimentos que comprovassem resultados de Maxwell [41[41] J. Navarro, A History of the Electron (Cambridge University Press, Cambridge, 2012)., p. 60]. O principal interesse era a relação entre a velocidade de propagação de descargas elétricas em condutores e nos dielétricos em torno do condutor. J. J. Thomson desenvolveu experimentos não só em sólidos, também em líquidos e gases [43[43] J.J. Thomson, Proceedings of the Royal Society of London 46, 292 (1889)., 44[44] J.J. Thomson, Proceedings of the Royal Society of London 46, 1 (1889)., 45[45] J.J. Thomson, Proceedings of the Royal Society 45, 269 (1889).]. Os resultados encontrados mostravam que a velocidade da descarga em tubos era próxima à da luz, fato desconsiderado em seu Treatise [46[46] J.J. Thomson, A Treatise On the Motion of Vortex Rings (MacMillan, London, 1883).]. A questão da rápida propagação da eletricidade em gases traz um problema, pois [45[45] J.J. Thomson, Proceedings of the Royal Society 45, 269 (1889)., p. 132]:

[a] taxa muito rápida com que a descarga elétrica é propagada através de um gás rarefeito nos compele em admitir que a eletricidade não é conduzida por átomos carregados que se movem com essa velocidade [próxima da luz].

A fim de resolver o problema, J. J. Thomson introduz o mecanismo de propagação em cadeia, um modelo análogo à Grotthus chain.23 23 Freiherr Christian Johann Dietrich Theodor von Grotthuss (1785–1822) foi um cientista nascido na Lituânia. Inspirado pela pilha de Volta, Grotthus propôs uma teoria de eletrólise publicada em 1805 em Roma [48]. Esse mecanismo de condução elétrica também foi usado por Humphry Davy no início dos século XIX e revisitado por Faraday em 1833 em seus estudos da eletrólise [8, p. 81] Dessa forma, as teorias de J. J. Thomson tomam como base os tubos de Faraday, o que é explicitado [47[47] J.J. Thomson, Philosophical Magazine and Journal of Science 31 (1891)., 140–150]:

Eu tenho que tentar[…] desenvolver um método para expressar os vários processos que ocorrem no campo elétrico em termos de mudanças na forma ou posição dos tubos de indução eletrostática que se supõe estarem distribuídos por todo o campo[…]. Métodos como este, de materializar, por assim dizer, concepções matemáticas, parecem ter utilidade mesmo onde, como no caso da Eletricidade, a teoria analítica está bem estabelecida; pois qualquer método que nos permita formar uma imagem mental do que se passa no campo elétrico tem um frescor e um poder de fornecer rapidamente as principais características de um fenômeno, distintas dos detalhes, que poucos podem esperar derivar de análises puramente de métodos analíticos. A experiência mostrou, penso eu, que a concepção de deslocamento elétrico [displacement] de Maxwell é de caráter um tanto geral demais para se prestar facilmente à formação de uma concepção de um mecanismo que ilustraria, por seu funcionamento, os processos que ocorrem no campo elétrico. Para tanto, a concepção de tubos de indução eletrostática introduzida por Faraday parece possuir muitas vantagens. Se considerarmos esses tubos como tendo uma existência física real, podemos, como me esforçarei para mostrar, explicar os vários processos elétricos – como a passagem de eletricidade através de metais, líquidos ou gases, a produção de uma corrente, força, a indução de correntes, e assim por diante, – como decorrentes da contração ou alongamento de tal tubo e seu movimento através do campo elétrico.

Assim, J. J. Thomson afirma que os tubos de Faraday é a estrutura básica do éter capaz de explicar os fenômenos eletromagnéticos.

5.1. Os tubos de Faraday (ou de J. J. Thomson?)

Os tubos de Faraday eram tubos unitários de indução eletrostática com mesma intensidade correspondente a uma unidade de carga [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 3],

[s]e assumirmos que os tubos no campo são todos da mesma intensidade, a quantidade de eletricidade positiva livre em qualquer superfície será proporcional ao número de tubos que saem da superfície.

Os tubos eram concebidos mecanicamente no éter como filamentos de vórtices fechados ou com seus terminais ligados à matéria ordinária, ou melhor, ao átomo. Evidenciando-se, assim, uma flagrante analogia entre os filamentos de vórtice de Helmholtz,24 24 Os filamentos de vórtices apresentam-se sempre fechados (como um anel) ou terminam nos limites do fluido [29]. colocada de forma consciente por J. J. Thomson [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 3 – 4]25 25 Já havia sido comentado de forma similar em [47, p. 150]: […] os tubos se assemelham a linhas de vorticidade em hidrodinâmica, pois essas linhas devem ser fechadas ou ter suas extremidades em um limite do fluido. :

A propriedade dos tubos de Faraday de sempre formarem circuitos fechados ou alternativamente terem suas extremidades em átomos pode ser ilustrada pela propriedade similar possuída pelos tubos de movimento em vórtice em um fluido sem fricção; esses tubos ou formam circuitos fechados ou têm suas extremidades na fronteira do líquido no qual ocorre o movimento do vórtice.

Os tubos possuem direção, iniciam-se em cargas positivas e terminam em cargas negativas, desse modo os átomos onde os tubos se iniciam estão positivamente carregados e, ao contrário, aqueles que recebem os tubos estão negativamente carregados [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 3]:

[…] esses tubos partem de locais onde há eletricidade positiva e terminam em locais onde há eletricidade negativa, sendo a quantidade de eletricidade positiva no início do tubo igual à da negativa no final.

J. J. Thomson ressignifica os tubos e, assim, faz uma releitura daqueles já apresentados por Maxwell em Faraday Lines [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856).].

5.2. O campo elétrico e o magnético

Em sua autobiografia, J. J. Thomson escreve [49[49] J.J. Thomson Recollections and Reflections (Cambrige University Press, Cambrige, 1936)., p. 94–95]:

Uma coisa que me atraiu foi a analogia entre as propriedades dos filamentos de vórtice e as das linhas de força elétrica deintroduzidas por Faraday para representar o campo elétrico […] De fato, parecia que mesmo que a vorticidade não fosse suficiente para representar a matéria, ela ainda poderia dar uma representação muito útil do campo elétrico.

Os tubos como campo elétrico mantinham a vorticidade em sua caracterização, pois eram formados por feixes de filamentos de vórtice, onde os eixos de rotação dos vórtices estavam paralelos ao eixo do tubo (Figura 10). Assim, os tubos eram repletos de filamentos que davam a direção através da regra da mão direita [50[50] J.J. Thomson, Philosophical Magazine and Journal of Science 40, 511 (1895)., p. 512].

Figura 10
Filamentos de vórtices compondo o do tubo de Faraday. A direção do tubo é alinhado à vorticidade dos filamentos e seu sentido é dado pela regra da mão direita.

A teorização do campo elétrico resgata a representação da ação elétrica através das linhas de força proposta por Faraday. Essas linhas coincidem com a direção da ação elétrica e a intensidade é dada pela concentração de linhas em dada região, ou seja, regiões com maior número de linhas possui maior intensidade da ação elétrica. Dessa maneira, o campo elétrico era repleto de linhas de força elétrica, as quais eram traçadas emergindo das cargas positivas e terminando nas cargas negativas. J. J. Thomson reconhece que as linhas de força são descritivas mas não são quantitativas, ou seja, as linhas representam a região de ação elétrica e fornecem a intensidade da ação de forma qualitativa. Entretanto, segundo ele, é fácil desenvolver um método que quantifique a ação, bastando introduzir a ideia de “tubos de força” [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 14]:

Se através da fronteira de qualquer pequena curva fechada no campo elétrico traçarmos as linhas de força, essas linhas formarão uma superfície tubular e se seguirmos as linhas de volta à superfície eletrificada positivamente, a qual começam e a partir da qual avançam para superfície negativamente eletrizada, onde terminam, podemos provar que a carga positiva encerrada pelo tubo em sua origem é igual à carga negativa encerrada por ele em sua extremidade. Escolhendo adequadamente a área da pequena curva através da qual traçamos as linhas de força, podemos fazer com que a carga contida no tubo seja igual à carga unitária.

Segundo J. J. Thomson, os tubos de Faraday poderiam explicar as definições de electric displacement usados por Maxwell em seu Treatise e justificar o campo magnético [50[50] J.J. Thomson, Philosophical Magazine and Journal of Science 40, 511 (1895)., p. 512]:

Quando esses tubos se espalham no meio, eles dão origem ao deslocamento de Maxwell e o movimento dos tubos através do meio produz um campo magnético.

Para o “deslocamento elétrico” de Maxwell, a explicação de J. J. Thomson parte de duas ideias, apresentadas a seguir. A primeira considera uma superfície fechada, onde a diferença entre a quantidade de tubos que adentram e a quantidade de tubos que saem da superfície é igual à soma algébrica das cargas dentro dessa superfície; a essa soma, Maxwell chamou de electric displacement. A segunda considera o sentido do “fluxo” de tubos por unidade de área definindo o electric displacement em dada direção a partir de um ponto; a rotação existente nos tubos dão origem a uma pressão, a qual é associada a tensão no meio. Os tubos na eletrostática se repelem, o que justifica a representação em linhas curvas (Figuras 11 e 12). A região de maior concentração de linhas é a região de maior tensão/pressão. Para determinar a tensão, J. J. Thomson faz referência a resultados apresentados no tratado de Maxwell [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 16]. Assim, a tensão é dada por 12NR, onde N é a densidade de tubos em dada superfície fechada perpendicular às linhas de força e R é a intensidade elétrica. A energia potencial eletrostática do campo elétrico é associada ao movimento de rotação do éter ocasionado pelos vórtices dos tubos de Faraday [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 5]:

[…] nos tubos de Faraday há uma distribuição de velocidade do éter tanto nos próprios tubos quanto no espaço que os circunda. Assim, podemos ter rotação no éter dentro e ao redor dos tubos, mesmo quando os próprios tubos não têm velocidade de translação, a energia cinética devido a esse movimento constitui a energia potencial do campo eletrostático.

Figura 11
Linhas entre cargas opostas. As linhas se repelem, a região PQ possui maior concentração de linhas do que na região além de PQ. A repulsão entre as linhas contidas na região PQ é maior do que na região fora de PQ fazendo com que as linhas se entortem [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 11].
Figura 12
Linhas entre placas paralelas. As linhas entre as placas são retas e nas beiras das placas são curvas. Em dada linha do campo entre as placas, a pressão para baixo exercida pelas linhas de força logo acima será igual à pressão para cima exercida pelas linhas logo abaixo. Para uma linha de força próxima à borda superior da placa – por exemplo, no entanto, a pressão promovida pelas linhas de força abaixo excederá a pressão promovida por aquelas acima, fazendo com que a linha de força se projete até que sua curvatura e tensão contrabalancem a ação das linhas que estão entre a placa [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 13–14].

Para o caso no qual os tubos estejam em movimento translacional, a energia é associada ao campo magnético. E, a fim de ilustrar a relação entre o movimento dos tubos e o campo magnético, J. J. Thomson em Electricity and Matter usa a descarga de um capacitor de placas paralelas como exemplo [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 17–19]. A descarga é realizada por um fio condutor colocado em contato em uma das extremidades de cada placa do capacitor (Figura 13). O fio ocupará um lugar no espaço que outrora era ocupado por um tubo de Faraday e, segundo J. J. Thomson, nessa situação, os tubos dentro do condutor “contraem-se às dimensões moleculares” [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 17], o que significa que a corrente elétrica nesse fio pode ser entendida pela corrente de Grotthus. Considerando-se a repulsão mútua dos tubos de Faraday, a substituição de um tubo eletrostático por um fio condutor faz com que a repulsão, anteriormente exercida pelo tubo, desapareça. Assim, um tubo imediatamente acima do fio estará submetido a uma repulsão de um outro tubo logo acima do primeiro, dessa maneira, o primeiro tubo é empurrado em direção ao fio. Essa dinâmica se mantém até que todos os tubos sejam empurrados em direção a fio, onde ocorre a descarga elétrica. A movimentação desses tubos produz o campo magnético. Então, de maneira concisa, pode-se entender que o resultado da conexão das placas do capacitor produz uma corrente elétrica através do fio, que flui no sentido da placa positiva para as placa negativa e, enquanto isso, há o surgimento do campo magnético entre as placas. Embora J. J. Thomson reconheça a direção do campo magnético sendo perpendicular à pagina, ele não se preocupa em explicitar o sentido do campo.

Figura 13
Duas placas paralelas, A e B, carregadas. O fio condutor EFG conecta as extremidades do capacitor. O tubo PQ deixa o seu estado de equilíbrio no instante que há diminuição da tensão na região compreendida entre PQ e EFG. [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 17].

A intensidade do campo magnético é 4πσv, onde σ é a densidade de carga contida nas placas e v a velocidade com que as cargas se movimentam [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 17–18].26 26 A intensidade do campo magnético definida a partir da velocidade da carga já era conhecida por Maxwell [20, § 606] e [40, p. 8]: 4πp=dγdy-dβdz,4πq=dαdz-dγdx,4πr=dβdx-dαdy, onde p, q, r são as componentes da corrente elétrica nas direções dos eixos cartesianos x, y e z; ao mesmo tempo que α, β e γ são as componentes do campo magnético. Se escrito em notação moderna: 4πJ=∇×H

Dessa maneira J. J. Thomson associa o movimento dos tubos de Faraday ao campo magnético [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 18–19]:

Aqui temos dois fenômenos que não ocorrem no campo eletrostático constante, um o movimento dos tubos de Faraday, o outro a existência de uma força magnética [campo magnético]; isso sugere que há uma conexão entre os dois e que o movimento dos tubos de Faraday é acompanhado pela produção de força magnética [campo magnético]. […] Pois, como o deslocamento elétrico é medido pela densidade dos tubos de Faraday, […] o movimento dos tubos de Faraday, por hipótese, implica força magnética [campo magnético].27 27 O campo magnético H era denominado força magnética. O termo força nesse caso é entendido como intensidade, assim, a expressão “força magnética” pode ser melhor entendida como “intensidade do campo magnético”.

Os tubos de Faraday, por princípio, não podiam nem ser criados nem ser destruídos. Então, a variação do campo elétrico era dada pelo movimento dos tubos implicando campo magnético. Assim, para J. J. Thomson [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 19], um tubo de Faraday movendo-se com velocidade v produz um campo magnético com intensidade 4πvsinθ e tem direção perpendicular ao tubo e à velocidade (Figura 14). O termo θ é o ângulo formado pela direção do tubo e o movimento. Para o caso do capacitor de placas paralelas, o movimento do conjunto de tubos de Faraday produz um campo magnético com intensidade 4πσv (como mencionado acima), pois sinθ=1 já que a direção do tubo é perpendicular à direção que se movimentam.

Figura 14
Representação da ação magnética implicada pelo movimento do tubo de Faraday [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 12].

A fim de analisar as consequências da existência de campo magnético pelo movimento dos tubos, J. J. Thomson recorre a uma caso particular: uma esfera carregada em movimento. E, a partir dela, infere a energia existente devido ao movimento dos tubos. A massa da carga contida na esfera é determinada pela energia do campo magnético que, por sua vez é caracterizado pelo éter. Assim, a situação pode ser pensada como a seguir.

Quando há uma esfera carregada,28 28 J. J. Thomson não faz menção sobre a esfera ser condutora, o que, de verdade, não tem importância, pois a análise dos campos é feita para pontos externos à esfera. há pequenos tubos de Faraday unitários emergindo ou incidindo na superfície da esfera (dependendo da carga da esfera). Os tubos se espalham de forma radial e uniforme em torno da esfera; em dada região do espaço é possível imaginar uma concentração de tubos, ou melhor, uma densidade de tubos que pode ser dada por e4πr2[26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 20], onde r é a distância do centro da esfera até um ponto qualquer do espaço.29 29 Pode-se entender a situação a partir do vetor deslocamento D, assim, em uma pequena região dS do espaço ao redor da esfera carregada, a densidade de tubos pode ser representada por D·dS.

O movimento da esfera com os tubos produz um campo magnético em uma região do espaço de intensidade evsinθr2, onde v é a intensidade da velocidade com que a esfera se movimenta (Figura 15).

Figura 15
Representação de uma esfera carregada, centrada no ponto O, movimentando-se da esquerda para a direita em direção horizontal. A densidade de tubos de Faraday no ponto P é dada por e4πOP2, onde e é a carga sobre a esfera e θ é o ângulo entre os tubos de Faraday e a direção de movimento [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 20].

Ao campo magnético, em certa região do espaço, está associada uma densidade de energia igual a: μH28π, onde μ é a permeabilidade magnética do meio. Assim, para a esfera carregada se movendo, a energia por unidade de volume pode ser escrita como μe2v2sin2θ8πr4; integrando para todo o espaço, a energia será μe2v23a, onde a é o raio da esfera [26[26] J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904)., p. 21]. Dessa maneira, J. J. Thomson considera que para o movimento dos tubos há uma energia associada igual a μe2v23a, enquanto que ao movimento da esfera há uma energia cinética igual a 12mv2, onde m é a massa da esfera. Então, a energia total é:

(15) E = 1 2 ( m + 2 μ e 2 3 a ) v 2 ,

que seria a energia de uma esfera que se move com velocidade v e possui massa M=m+2μe23a ao invés de m. O que leva J. J. Thomson a crer que, por conta da carga elétrica, a massa da esfera é aumentada por um fator 2μe23a, sendo essa a massa da carga contida na esfera. Assim, através dessa visão, a matéria é um produto do éter:

Nessa visão da constituição da matéria, parte da massa de qualquer corpo seria a massa do éter arrastada pelos tubos de Faraday que se estendem pelo átomo entre os constituintes eletrizados positiva e negativamente. O ponto de vista que desejo apresentar a vocês é que não é apenas uma parte da massa de um corpo que surge dessa maneira, mas que toda a massa de qualquer corpo é apenas a massa de éter que circunda o corpo que é transportada por os tubos de Faraday associados aos átomos do corpo. De fato, toda massa é massa do éter, todo momento, momento do éter, e toda energia cinética, energia cinética do éter.

Nesse contexto, não há distinção entre massa, carga e éter. Pois, a eletrificação é um fenômeno que está nas extremidades dos tubos, enquanto que a massa da partícula carregada é a massa de éter carregada pelos tubos de Faraday.

Mais à frente, esse resultado é revisitado por J. J. Thomson para descrever a massa de seu corpúsculo carregado e o átomo.

6. Conclusão

Os tubos fundamentaram a teoria em seu início e ao longo da evolução dos conceitos perdeu lugar para outras abordagens. Após muito tempo, J. J. Thomson revisita os tubos dando novas qualidades a eles e usa a vorticidade para dar conta da representação dos campos elétrico e magnético, de fenômenos e componentes que antes estavam em aberto, a saber: a eletrólise e a estrutura do átomo. O caminho trilhado por J. J. Thomson em compor seu modelo atômico a partir dos tubos será mostrado em trabalho futuro.

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    J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).
  • [21]
    J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856).
  • [22]
    J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 21 (1861).
  • [23]
    J.C. Maxwell, Philosophical Magazine and Journal of Science 23, 12 (1862).
  • [24]
    J.C. Maxwell, Philosophical transactions of the Royal Society of London 155, 459 (1865).
  • [25]
    P.M.C. Dias e R.F. Morais, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 3 (2014).
  • [26]
    J.J. Thomson, Electricity and Matter (Charles Scribner’s Sons, New York, 1904).
  • [27]
    W. Thomson, Philosophical Transactions of the Royal Society of London 141, 243 (1851).
  • [28]
    A.M. Bork, History of Science Society 58, 210 (1967).
  • [29]
    H. von Helmholtz, J. für Reine Angew. Math. 55, 25 (1858).
  • [30]
    O. Darrigol, Worlds of Flow: a history of hydrodynamics from the Bernoullis to Prandtl (Oxford University Press, Oxford, 2005).
  • [31]
    I. Falconer, Philosophical Transactions of Royal Society A 377 (2019).
  • [32]
    W. Thomson, Nichol’s Cyclopaedia (Griffin, Edinburgh, 1860), 2 ed.
  • [33]
    J.L. Lagrange, Mécanique analytique (Desaint, Paris, 1788).
  • [34]
    J. Buchwald, From Maxwell to Microphysics (University of Chicago Press, Chicago, 1985).
  • [35]
    J. Buchwald, em Wranglers and Physicists, editado por P.M. Harman (Manchester University Press, Manchester, 1985).
  • [36]
    I. Falconer, Theory and Experiment in J.J. Thomson’s Work on Gaseous Discharge Tese de Doutorado, University of Bath, 1985.
  • [37]
    I. Falconer, British Journal for the History of Science 20, 241 (1987).
  • [38]
    I. Falconer, J.J. Thompson and the ’Discovery of the Electron’ (Taylor and Francis, Londres, 1997).
  • [39]
    I. Falconer, em Histories of the Electron: The Birth of Microphysics, editado por J. Buchwald e A. Warwick (MIT Press, Cambridge, 2001).
  • [40]
    J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893).
  • [41]
    J. Navarro, A History of the Electron (Cambridge University Press, Cambridge, 2012).
  • [42]
    B.J. Hunt, The Maxwellians (Cornell University Press, Ithaca, 1991).
  • [43]
    J.J. Thomson, Proceedings of the Royal Society of London 46, 292 (1889).
  • [44]
    J.J. Thomson, Proceedings of the Royal Society of London 46, 1 (1889).
  • [45]
    J.J. Thomson, Proceedings of the Royal Society 45, 269 (1889).
  • [46]
    J.J. Thomson, A Treatise On the Motion of Vortex Rings (MacMillan, London, 1883).
  • [47]
    J.J. Thomson, Philosophical Magazine and Journal of Science 31 (1891).
  • [48]
    R. Pauliukaite, J. Juodkazyt˙e e R. Ramanauskas, Electrochimica Acta 236, 28 (2017).
  • [49]
    J.J. Thomson Recollections and Reflections (Cambrige University Press, Cambrige, 1936).
  • [50]
    J.J. Thomson, Philosophical Magazine and Journal of Science 40, 511 (1895).
  • 1
    A fenomenologia eletromagnética estudada por Ørsted não foi trivial e possuiu entraves deixados por ideias pré-concebidas existentes, as propriedades de simetria do fenômeno é um exemplo [1[1] R.A. Martins, Cadernos de História e Filosofia da Ciência 10, 89 (1986).].
  • 2
    Ampère deduz a chamada Lei de Ampére a partir de quatro experimentos com sua “balança”, que mostram a lei do inverso do quadrado da distância [3[3] P.M.C. Dias e V.H. Alves, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 4 (2015).].
  • 3
    As contribuições de Àmpere à eletrodinâmica possuem nuances que são bem tratadas na excelente obra de André Koch Torres Assis e João Paulo Martins Chaib [4[4] A.K.T. Assis e J.P.M. Chaib, Eletrodinâmica de Ampère (Editora Unicamp, Campinas, 2011).].
  • 4
    O conceito de campo já estava presente nas discussões acerca dos fenômenos elétricos e magnéticos desde 1780 e, em geral, era entendido existindo em uma região do espaço, onde se poderia observar corpos de prova, eletrizados (ou magnetizados), movimentando-se através dessa região [5[5] J.L. Heilbron, em Conceptions of Ether, editado por G.N. Cantor e M.J. Hodge (Cambridge University Press, Cambridge, 1981).].
  • 5
    Segundo Darrigol, “Laplace e seus discípulos buscaram reduzir todos os fenômenos a forças centrais agindo entre partículas de fluidos ponderáveis e imponderáveis, em uma analogia com a teoria da gravitação” [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 1].
  • 6
    Segundo Ampère, “[p]rimeiro observe os fatos, varie as circunstâncias tanto quanto possível, acompanhe esse trabalho inicial com medidas precisas para, delas, deduzir leis gerais, fundamentadas, apenas, na experiência e deduzir dessas leis, independentemente de qualquer hipótese sobre a natureza das forças que produzem os fenômenos, o valor matemático dessas forças, ou seja, a formula que os representa, esse é o curso que Newton seguiu. [. . . ], [E] foi [esse curso] que me serviu de guia em todas as minhas pesquisas sobre fenômenos eletrodinâmicos. Apenas consultei a experiência para estabelecer as leis desses fenômenos e, daí, eu deduzi a fórmula que pode sozinha representar as forças pelas quais eles são originados”. [9[9] A.M. Ampère, Mémories de l’Académie Royale des Sciences de l’Institut de France VI, 175 (1827)., p. 176].
  • 7
    Segundo Darrigol, “[c]onceito muito utilizado por Faraday, porém pouco definido. Aparentemente, power podia se referir a uma porção do espaço, onde ações emanavam e poderiam fazer parte, tanto de um magneto quanto de um fio com corrente elétrica” [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 19].
  • 8
    Ampère inicialmente obtém a força em coordenadas angulares:
    d2F=ρ(θ,θ,ω)i.i.ds.dsrn;
    r é o comprimento do segmento que une os centros dos dois elementos de circuito, ρ é uma função dos ângulos θ, θ e ω; θ e θ são os ângulos entre um elemento de circuito e r^ e ω é o ângulo entre os planos contendo os elementos de circuito; i e i são elementos de corrente, ds e ds são elementos de circuito.
  • 9
    O mecanismo de analogia para os campos de W. Thomson é bem discutido na literatura, especialmente em [17[17] J.Z. Buchwald, Historical Studies in the Physical Sciences 8, 101 (1977).], [18[18] O. Knudsen, em Wranglers and Physicists, editado por P.M. Harman (Manchester University Press, Manchester, 1985).], [19[19] C. Smith e M.N. Wise, Energy and Empire: a biographicalstudy of Lord Kelvin (Cambridge University Press, Cambridge, 1989)., p. 203–285 e [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 113–136].
  • 10
    Vem do grego σωλη´ν e pode significar tubo (assim como calha ou canal).
  • 11
    Dentro de uma perspectiva contemporânea, o estado eletrotônico é o potencial vetor [28[28] A.M. Bork, History of Science Society 58, 210 (1967).]. Pelas palavras de Maxwell [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 52]:

    […]um estado em que todos os corpos são lançados pela presença de ímãs e correntes. Este estado não se manifesta por nenhum fenômeno conhecido, desde que não seja perturbado, mas qualquer mudança neste estado é indicada por uma corrente ou tendência para a corrente. A este estado ele deu o nome de “Estado Eletrotônico”.

  • 12
    Sem massa, “sem inércia” segundo Maxwell [21[21] J.C. Maxwell, Transactions of the Cambridge Philosophical Society X, 27 (1856)., p. 33].
  • 13
    Para uma área transversal igual a A, a velocidade era vA-1.
  • 14
    O termo força está sendo empregado aqui com o sentido de robustez, pujança, vigor.
  • 15
    Com título completo Über Integrale der hydrodynamischen Gleichungen, welche den Wirbelbewegungen entsprechen ou ainda, em português, Sobre Integrais das Equações Hidrodinâmicas que Correspondem a Movimentos de Vórtices.
  • 16
    A proposta do Helmholtz era entender a dinâmica de um fluido real, a ideia era complementar às teorias de fluidos anteriores, como a teoria da hidrodinâmica de Euler, por exemplo. Helmholtz teoriza a influência do atrito sobre o ar no interior dos tubos do órgão (instrumento musical). Ao introduzir o atrito na dinâmica, Helmholtz chega ao vórtice como solução das equações da hidrodinâmica euleriana [30[30] O. Darrigol, Worlds of Flow: a history of hydrodynamics from the Bernoullis to Prandtl (Oxford University Press, Oxford, 2005)., p. 145].
  • 17
    A letra maiúscula e a escrita em itálico é ênfase dada por W. Thomson e foi preservada.
  • 18
    Os itálicos do texto original foram mantidos.
  • 19
    De 1884 até 1919.
  • 20
    As investigações sobre a natureza de raios catódicos de J. J. Thomson culminaram na descoberta de seu “corpúsculo” que, mais tarde, foi batizado como elétron.
  • 21
    O livro Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism é conhecido como o livro que dá sequência ao Treatise de Maxwell. De fato, o subtítulo de Recent Researches é Intended as a Sequel to Professor Clerk-Maxwell’s Treatise on Electricity and Magnetism.
  • 22
    A maioria dos capítulos de Recent Researches estão dedicados em explicar os tubos de Faraday, enquanto o experimento de Hertz aparece apenas no capítulo 5. Isso poderia levar ao entendimento que o experimento de Hertz não está relacionado aos tubos de Faraday, o que não é verdade [41[41] J. Navarro, A History of the Electron (Cambridge University Press, Cambridge, 2012)., p. 60].
  • 23
    Freiherr Christian Johann Dietrich Theodor von Grotthuss (1785–1822) foi um cientista nascido na Lituânia. Inspirado pela pilha de Volta, Grotthus propôs uma teoria de eletrólise publicada em 1805 em Roma [48[48] R. Pauliukaite, J. Juodkazyt˙e e R. Ramanauskas, Electrochimica Acta 236, 28 (2017).]. Esse mecanismo de condução elétrica também foi usado por Humphry Davy no início dos século XIX e revisitado por Faraday em 1833 em seus estudos da eletrólise [8[8] O. Darrigol, Electrodynamics from Ampère to Einstein (Oxford University Press, Oxford, 2000)., p. 81]
  • 24
    Os filamentos de vórtices apresentam-se sempre fechados (como um anel) ou terminam nos limites do fluido [29[29] H. von Helmholtz, J. für Reine Angew. Math. 55, 25 (1858).].
  • 25
    Já havia sido comentado de forma similar em [47[47] J.J. Thomson, Philosophical Magazine and Journal of Science 31 (1891)., p. 150]:

    […] os tubos se assemelham a linhas de vorticidade em hidrodinâmica, pois essas linhas devem ser fechadas ou ter suas extremidades em um limite do fluido.

  • 26
    A intensidade do campo magnético definida a partir da velocidade da carga já era conhecida por Maxwell [20[20] J.C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873)., § 606] e [40[40] J.J. Thomson, Notes on Recent Researches in Electricity and Magnetism (The Clarendon Press, Oxford, 1893)., p. 8]:
    4πp=dγdy-dβdz,4πq=dαdz-dγdx,4πr=dβdx-dαdy,
    onde p, q, r são as componentes da corrente elétrica nas direções dos eixos cartesianos x, y e z; ao mesmo tempo que α, β e γ são as componentes do campo magnético. Se escrito em notação moderna:
    4πJ=×H
  • 27
    O campo magnético H era denominado força magnética. O termo força nesse caso é entendido como intensidade, assim, a expressão “força magnética” pode ser melhor entendida como “intensidade do campo magnético”.
  • 28
    J. J. Thomson não faz menção sobre a esfera ser condutora, o que, de verdade, não tem importância, pois a análise dos campos é feita para pontos externos à esfera.
  • 29
    Pode-se entender a situação a partir do vetor deslocamento D, assim, em uma pequena região dS do espaço ao redor da esfera carregada, a densidade de tubos pode ser representada por D·dS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2022
  • Revisado
    16 Maio 2022
  • Aceito
    19 Maio 2022
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