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Estudo do Universo de Friedmann partindo de conceitos Newtonianos

Study of the Friedmann Universe from Newtonian concepts

Resumos

Neste trabalho, realizamos um estudo numérico para o modelo cosmológico de Friedmann partindo de conceitos Newtonianos. Originalmente, esse modelo foi construído utilizando o ferramental matemático da Relatividade Geral, que possui grande nível de complexidade e não é acessível para os estudantes dos níveis iniciais da graduação. Sendo assim, a abordagem desse modelo através de conceitos Newtonianos torna acessível a compreensão de alguns conceitos básicos da Cosmologia. Além disso, também é possível que o estudante utilize esse material como uma introdução aos estudos dos métodos numéricos e computacionais. Na descrição de um Universo expansivo, as equações diferenciais são resolvidas numericamente pelo Método de Runge-Kutta de quarta ordem. Os resultados apresentados pelos gráficos das soluções numéricas condizem com os dados observacionais, descrevendo qualitativamente as eras pelas quais o Universo passou. Como motivação para o estudante, disponibilizamos as rotinas computacionais em C, Octave e Simulink.

Palavras-chave:
Palavras-chave:; Modelo de Friedmann; Cosmologia; simulação computacional; Octave; Simulink


In this work, we study Friedmann’s cosmological model from a numerical approach. To obtain Friedmann’s equations, we use Newtonian concepts. In general, this model has been constructed using the mathematical tools of General Relativity, which have a high level of complexity and are not easily approachable to initial-grade undergraduate students. For this reason, the approach of this model using Newtonian concepts makes the understanding of basic cosmology concepts. Furthermore, it is also possible to make the student use this work as an introduction to numerical and computational methods. Describing an expansive Universe, the differential equations are solved by the fourth-order Runge-Kutta method. The results shown by the numerical solution agree with the observational data, describing the ages of the Universe. As motivation for the student, we provided access to the computational routines in C, Octave, and Simulink.

Keywords:
Friedmann’s Model; Cosmology; Computational Simulation; Octave; Simulink


1. Introdução

A descrição do movimento dos corpos celestes, após as observações de Tycho Brahe (1546–1601) e Galileo Galilei (1564–1642), compôs o primeiro uso de modelos matemáticos para compreender a dinâmica destes corpos [1[1] M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Blusher, São Paulo, 2014).]. Com base nas observações, Johannes Kepler (1571–1630) obteve três leis que descrevem com grande precisão o movimento desses corpos. Entretanto, apenas em 1687 uma lei de gravitação foi proposta por Isaac Newton (1643–1727), descrevendo com grande precisão a dinâmica dos astros [1[1] M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Blusher, São Paulo, 2014)., 2[2] M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 4: Óptica, Relatividade e Física Quântica (Blusher, São Paulo, 2014).]. Além disso, Pierre Simon Laplace (1749–1827) levanta a questão sobre a estabilidade do Sistema Solar1 1 Uma linha do tempo com esses acontecimentos pode ser encontrada no Apêndice A. [3[3] K. Batygin e G. Laughlin, The Astrophysical Journal 683, 1207 (2008).].

Em 1915, o quadro conceitual da gravitação foi profundamente modificado pelos trabalhos de Albert Einstein (1879–1955) com a teoria da Relatividade Geral (RG) [4[4] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto, Rio de Janeiro, 2015)., 5[5] R.A. Martins, A Origem histórica da Relatividade Especial (Livraria da Física, São Paulo, 2015).]. Ademais, não apenas modificaram a compreensão dos efeitos gravitacionais, como também delinearam novas diretrizes para a Cosmologia [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).]. Isso aconteceu em 1917, quando Einstein estendeu a teoria da RG para descrever o comportamento do Universo como um todo. Para isso, considerou um Universo estático e obteve um modelo cosmológico [8[8] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (Princeton University Press, Princeton, 2017).]. A obtenção desse modelo implicou em uma profunda mudança na ciência da Cosmologia, estabelecendo um Programa Cosmológico [9[9] M. Novello, O que é Cosmologia? A revolução do pensamento cosmológico (Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2006).]. Todavia, em 1929 o astrônomo Edwin Hubble (1889–1953) mostrou que o Universo não é estático e, sobretudo, está em uma aceleração constante, invalidando o modelo Einsteniano [7[7] E. Hubble, Proceedings of the National Academiy of Sciences 15, 168 (1929).].

Uma solução não estática para as equações de campo da RG foi obtida por Alexander Friedmann (1888–1925) na primeira metade do século XIX. Essa solução nos permite entender a dinâmica de evolução do Universo [8[8] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (Princeton University Press, Princeton, 2017).]. Nesse modelo, o fator que descreve a expansão é associado a uma função a(t), que age como uma escala de distância em todas as direções do Universo [10[10] V.M. Mostepanenko, Cadernos de Astronomia 3, 17 (2022)., 11[11] I. Waga, Cadernos de Astronomia 3, 6 (2022).].

Obtém-se a equação de Friedmann através das soluções das equações de campo da RG [12[12] B. Schutz, A first course in General Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2018).]. Partindo-se desta abordagem clássica, os pesquisadores Aderaldo e Gonçalves [13[13] V.S. Aderaldo e V.P. Gonçalves, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200050 (2020).] apresentaram uma introdução ao estudo da evolução do Universo através do modelo cosmológico de Friedmann. Para tanto, levaram em consideração as diferentes composições e geometrias do Universo. Viglioni e Soares [14[14] A. Viglioni e D. Soares, Rev. Bras. Ensino Fís. 33, 4702 (2011).] discutiram os detalhes das funções do fator de escala para calcular as idades dos Universos de Friedmann. Entretanto, essa abordagem através do quadro conceitual da RG é avançada e exige certo conhecimento de conceitos da física e ferramentas matemáticas que normalmente não são acessíveis aos acadêmicos dos anos iniciais da graduação [15[15] J.E. Horvath, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200130 (2020).]. Diante disso, é possível estudar esse modelo através de abordagens alternativas [16[16] H.S. Vieira e V.B. Bezerra, Rev. Bras. Ensino Fís. 36, 3310 (2014)., 17[17] D. Soares, Rev. Bras. Ensino Fís. 34, 1302 (2012).]. Uma delas é partindo de conceitos Newtonianos, a qual faremos neste trabalho [20[20] A. Liddle, An Introduction to Modern Cosmology (Wiley, Chichester, 2003).].

Este trabalho tem como motivação a obtenção do modelo de Friedmann através de argumentos Newtonianos, os quais permitem a compreensão do modelo sem recorrer a RG. Além disso, estudamos as soluções das Equações Diferenciais Ordinárias (EDOs) oriundas do modelo, através de métodos numéricos. Para isso, utilizamos uma rotina computacional em C, cujo código é disponibilizado na Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
https://github.com/kiarosz/105GroupScien...
]. Também, essa mesma solução numérica será descrita utilizando o GNU Octave que é uma linguagem computacional, desenvolvida para computação matemática Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
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]. O GNU Octave possui uma interface em linha de comando para a solução de problemas numéricos, lineares e não-lineares, também é usada em experimentos numéricos. Além disso, apresentamos outra forma de solução utilizando o Simulink, que também está disponível na Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
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]. Dentro do software MATLAB encontramos uma ferramenta de simulação de gráficos a partir de blocos na forma de um circuito, chamada Simulink, que permite visualizar os diferentes elementos que compõem um sistema dinâmico. Este trabalho é uma fonte bibliográfica para estudantes que pretendem iniciar os estudos em Cosmologia nos mais diversos níveis, e também serve para aqueles que pretendem se aprofundar e/ou aprender métodos numéricos.

O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: na seção 2 2. Obtenção da Equação de Friedmann Na maioria das vezes, a equação de Friedmann é obtida a partir das equações de campo da RG ([18], p. 612). Um dos lados dessas equações é responsável por descrever a geometria do espaço-tempo através do tensor de Ricci. O outro é responsável por descrever a composição do Universo através do tensor energia-momento. Dessa forma, assim como na solução de um conjunto de equações, precisamos conhecer um lado para determinar o outro [6]. Nesse caso, procedemos considerando que o Universo é homogêneo e isotrópico, de tal maneira que a distribuição de matéria e energia é dada por um fluido perfeito [8]. Com essas considerações é possível calcular o tensor energia-momento e definir um dos lados das equações da RG. Todavia, precisamos definir uma métrica, isto é, como realizamos as medidas espaço-temporais. Sendo assim, a métrica apropriada é a de Robertson-Walker [18]. Essa métrica depende de uma quantidade desconhecida a⁢(t), que é chamada de fator de escala. Portanto, a solução das equações de campo leva a uma nova equação que determina o fator a⁢(t), que é a equação de Friedmann. Por meio de conceitos da Física Newtoniana [19, 20, p. 491], é possível obter uma equação de conservação a partir da equação de Friedmann. Um passo crucial na dedução desse modelo é a consideração do Princípio Cosmológico, o qual afirma: (i) as leis da Física são válidas em qualquer região do espaço-tempo e (i⁢i) o Universo é espacialmente homogêneo e isotrópico [6]. Em posse desse Princípio consideramos uma partícula de massa m localizada na borda de uma esfera em expansão, à uma distância r0 em relação ao centro da esfera, conforme ilustrado na Figura 1(a). Após um certo tempo t, a esfera se expande, conforme ilustrado na Figura 1(b). Devido ao processo de expansão a partícula passa a ser localizada a uma distância r em relação ao centro da esfera. Devida a homogeneidade, aplica-se essa argumentação para qualquer duas partículas localizadas em qualquer ponto do Universo, permitindo fazer uma mudança de coordenadas. Essa mudança é feita para um sistema de coordenadas comoventes [8, 22], que acompanha a expansão. Devido a uniformidade da expansão, a relação entre a posição real, r, e a distância comovente, x, é dada por r⁢(t)=a⁢(t)⁢x, onde a⁢(t) é o fator de escala [8, 12, 23]. Figura 1: Representação esquemática do modelo estudado. Em (a) uma partícula de massa m é localizada a uma distância r0 da origem. Em (b), a partícula passa a ser localizada em r = ax, após expansão da esfera. Para obtermos a equação que descreve a dinâmica desse fator de escala a, consideramos a conservação da energia. A energia mecânica (EM) da partícula é dada pela soma da energia cinética (K) com a energia potencial (U), gerada por uma esfera com distribuição uniforme de massa, conforme a Eq. (1). (1) E M = 1 2 ⁢ m ⁢ ( d ⁢ r d ⁢ t ) 2 - 4 ⁢ π 3 ⁢ G ⁢ ρ ⁢ r 2 ⁢ m , na qual d⁢r/d⁢t é a velocidade radial, G é a constante gravitacional e ρ é a densidade de massa da esfera. Considerando r⁢(t)=a⁢(t)⁢x na Eq. (1), obtemos (2) E M = 1 2 ⁢ m ⁢ ( d ⁢ a d ⁢ t ) 2 ⁢ x 2 - 4 ⁢ π 3 ⁢ G ⁢ ρ ⁢ a 2 ⁢ x 2 ⁢ m . Multiplicando os dois lados da Eq. (2) por 2/m⁢a2⁢x2, encontramos (3) 1 a 2 ⁢ ( d ⁢ a d ⁢ t ) 2 = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ρ 3 - k ⁢ c 2 a 2 , onde k⁢c2=-2⁢EM/m⁢x2 e c é a velocidade da luz no vácuo. Essa é a equação de Friedmann na forma padrão [13]. Na derivação Newtoniana a constante k fornece a medida de energia por partícula, entretanto, o real significado dessa constante está associado a curvatura do espaço-tempo, ou seja, a sua geometria [20]. Se k<0, o Universo possui geometria hiperbólica, Figura 2(a). Se k=0, a geometria é chata,2 Figura 2(b). Se k>0, a geometria é esférica, Figura 2(c). Esses três valores de k, <0, =0 ou >0 geram três modelos de Universos distintos, que são, respectivamente: aberto, chato e fechado [13]. As soluções da Eq. (3) descrevem a dinâmica de expansão do Universo e dependem da sua geometria, bem como da distribuição de matéria-energia do Universo, a qual está associada com a densidade de matéria. Figura 2: Representação esquemática das possíveis geometrias do Universo. Em (a) temos um Universo hiperbólico, k<0. Em (b) um Universo chato, k = 0. E em (c) um Universo esférico, k>0. Uma equação diferencial para descrever a evolução temporal da densidade de matéria ρ pode ser obtida através da equação da continuidade, derivada da Primeira Lei da Termodinâmica [20]. Para isso, consideramos que a energia associada à massa contida em um volume V dada por E=ρ⁢c2⁢V. Por outro lado, da Primeira Lei da Termodinâmica, temos que d⁢E=δ⁢Q-P⁢d⁢V [24, p. 192]. Como na expansão cosmológica não há fluxo de energia através da superfície que delimita o volume V, a densidade de energia será obtida a partir de (4) d ⁢ ρ d ⁢ t = - ( ρ + P c 2 ) ⁢ 1 V ⁢ d ⁢ V d ⁢ t . Sabendo que o volume V expande pela ação do fator de escala em três dimensões espaciais, podemos escrever V=V0⁢a3, onde V0 é o volume no instante inicial, quando a=1. Assim, o termo que envolve o volume V e sua derivada d⁢V/d⁢t torna-se (5) 1 V ⁢ d ⁢ V d ⁢ t = 1 ( V 0 ⁢ a 3 ) ⁢ d ⁢ ( V 0 ⁢ a 3 ) d ⁢ t = 3 a ⁢ d ⁢ a d ⁢ t . Finalmente, substituindo o resultado da Eq. (5) na Eq. (4), obtemos a forma final da equação da continuidade para a densidade de matéria em um Universo em expansão (6) d ⁢ ρ d ⁢ t = - 3 a ⁢ d ⁢ a d ⁢ t ⁢ ( ρ + P c 2 ) . Daqui em diante, a tarefa é encontrar as possíveis configurações de densidade da matéria no Universo, como função do fator de escala. Escrevendo a pressão como função da densidade, na forma P=ω⁢c2⁢ρ, onde ω é uma constante adimensional, é possível, por meio de integração, encontrar a densidade de matéria para diversos valores de ω, de modo que tais valores correspondem ao tipo de matéria que constitui o Universo. Assim, fazendo a substituição e rearranjando os termos, obtemos a seguinte equação diferencial (7) d ⁢ ρ ρ = - 3 ⁢ ( 1 + ω ) ⁢ d ⁢ a a , cuja solução é (8) ρ ⁢ ( a ) = ρ 0 a 3 ⁢ ( 1 + ω ) , onde ρ0 é a densidade inicial, referente ao estado quando a=1. Neste trabalho, analisamos três valores distintos para ω, os quais estão relacionados com a densidade de matéria através da Eq. (8) Primeiramente consideramos ω⁢m=0, que representa a matéria comum. Nesse contexto, o termo matéria comum é usado como abreviação para “matéria não relativística” (P/c2≪ρ) [6]. Este tipo de matéria é formada por bárions e matéria escura fria. Em seguida consideramos a radiação ω⁢r=1/3, cuja formação é dada por um gás de fótons com pressão igual a P=ρ⁢c2/3. Por fim consideramos ωΛ=-1, que corresponde a constante cosmológica (Λ) [20]. Essa constante é chamada de energia de vácuo, e algumas vezes quintessência [18]. Essa distinção na nomenclatura ocorre porque, quando esse valor é calculado pela teoria quântica de campos, há uma divergência de algumas ordens de grandeza em relação ao calculado pelas equações cosmológicas. Isso leva a uma especulação de que a energia de vácuo não é constante, mas é baixa porque o Universo é velho [18]. Quanto a geometria, temos três possíveis valores para k. Entretanto, para satisfazer um modelo de Universo homogêneo e isotrópico, escolhemos a geometria chata, que é a mais simples. Ademais, distante de distribuições de massa e energia, a geometria euclidiana é aplicável [20]. Além disso, os dados observacionais apontam que o Universo em que vivemos possui geometria chata [6]. encontra-se a obtenção das equações relacionadas ao modelo de Friedmann. Na seção 3 3. Algoritmo para Solução Numérica Para a solução numérica das equações de Friedmann utilizamos o integrador de Runge-Kutta de quarta ordem [25, p. 192]. Optamos por esse integrador devido a sua precisão e aplicabilidade [26]. O integrador foi desenvolvido utilizando linguagem C e os gráficos gerados com um software de livre acesso acadêmico, Gnuplot 5.2, ambos de livre e fácil acesso e disponíveis na Ref. [21]. Além disso, esse mesmo método de integração numérica será descrito no Octave que faz parte do projeto GNU, que é um software livre e também no Matlab-Simulink. Para construir o integrador, consideramos um problema de valor inicial definido pela equação diferencial d⁢yd⁢t=f⁢(t,y) e pela condição inicial y⁢(t=0)=y0, cuja solução y⁢(t) é aproximada por (9) y n + 1 = y n + h ⁢ ( k n ⁢ 1 + 2 ⁢ k n ⁢ 2 + 2 ⁢ k n ⁢ 3 + k n ⁢ 4 6 ) , onde (10) k n ⁢ 1 = f ⁢ ( t n , y n ) , (11) k n ⁢ 2 = f ⁢ ( t n + 1 2 ⁢ h , y n + 1 2 ⁢ h ⁢ k n ⁢ 1 ) , (12) k n ⁢ 3 = f ⁢ ( t n + 1 2 ⁢ h , y n + 1 2 ⁢ h ⁢ k n ⁢ 2 ) , (13) k n ⁢ 4 = f ⁢ ( t n + n , y n + h ⁢ k n ⁢ 3 ) . Que pode ser resumido na rotina (14) k 1 = f ⁢ ( t , y ) , (15) k 2 = f ⁢ ( t + 1 2 ⁢ h , y + 1 2 ⁢ h ⁢ k 1 ) , (16) k 3 = f ⁢ ( t + 1 2 ⁢ h , y + 1 2 ⁢ h ⁢ k 2 ) , (17) k 4 = f ⁢ ( t + h , y + h ⁢ k 3 ) , (18) y = y + h 6 ⁢ ( k 1 + 2 ⁢ k 2 + 2 ⁢ k 3 + k 4 ) , (19) t = t + h , onde h é o tamanho do passo considerado, quanto menor, maior será a precisão numérica. Nesse método o erro de truncamento é proporcional a h5 [25]. Nas nossas simulações e resultados, consideramos h=0,001. Essa rotina é encontrada no arquivo integrador.c e os gráficos são feitos no Gnuplot através do arquivo script.plt , ambos em Ref. [21]. No Octave, o script do método numérico de Runge-Kutta, bem como o script da obtenção dos gráficos das soluções numéricas, que podem ser utilizados nas simulações das Eqs. (20), (21), (23) e (25) descritas nesse trabalho, estão nos arquivos metodoRK4.m e plotEDO_RungeKutta.m , respectivamente, na Ref. [21]. Conforme já foi comentado, essas mesmas rotinas foram disponibilizadas na forma de blocos da biblioteca do Simulink, no arquivo RBFcos.slx , em Ref. [21]. apresenta-se um algoritmo numérico para a solução das EDOs. Nas seções 4 4. Soluções da Equação de Friedmann para uma Componente 4.1. Matéria comum Substituindo a função ρ⁢m⁢(a), correspondente à matéria comum, na Eq. (8), obtemos ρ⁢(a)=ρ0⁢a-3. Esse resultado mostra que a densidade de matéria decai proporcionalmente ao volume do Universo. Na equação de Friedmann (Eq. 3), encontramos a seguinte equação (20) ( d ⁢ a d ⁢ t ) 2 = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ρ 0 3 ⁢ 1 a . Essa equação pode ser resolvida analiticamente através da separação de variáveis. Todavia, como o nosso foco é discutir soluções numéricas, implementaremos o método de Runge-Kutta descrito anteriormente em C e, também, com o script no Octave EDO_MC.m para resolver a Eq. (20), ambos na Ref. [21]. Especificamente no caso do Octave, para a obtenção das figuras que seguem devemos executar e utilizar todos os scripts descritos anteriormente numa mesma pasta. Para realizar as integrações numéricas, consideramos a constante 8⁢π⁢G⁢ρ03=1 na Eq. (20) e em todas as soluções numéricas vindouras. Como o nosso interesse é apresentar e discutir o comportamento qualitativo das soluções, essa escolha não afeta os resultados. Para lembrar ao leitor que essa escolha foi feita, acrescentamos uma barra sobre as variáveis oriundas das soluções numéricas. A solução da Eq. (20) é apresentada na Figura 3 pela curva vermelha. A curva azul mostra a constante de Hubble (H⁢(t)=a˙/a [13]) e a curva verde mostra o comportamento de ρ⁢(t). A constante de Hubble foi descoberta por Edwin P. Hubble (1889–1953) e se relaciona ao fator de expansão através de a˙⁢a-1⁢r=H⁢r. Como vimos anteriormente, a posição de um observador (ou de uma massa m) é dada por r = ax em um sistema de coordenada comóvel. Dessa maneira, o papel da constante H é medir a velocidade desse observador, ou seja, ela mede a velocidade de afastamento das galáxias [6]. A solução para o parâmetro de expansão mostra que um modelo cosmológico composto apenas por matéria comum (bárions e matéria escura fria) se expande para sempre. A constante de Hubble, nesse caso, tem comportamento assintótico para zero e a densidade de matéria decai em função da expansão do Universo, como observado anteriormente. A ordenada nesses casos é uma escala e assume os valores de a¯⁢(t), H¯⁢(t) e ρ¯⁢(t). A escala de tempo também é arbitrária, uma vez que as constantes são iguais à 1. Figura 3: Comportamento do fator de escala, em vermelho, parâmetro de Hubble, em azul, e densidade de matéria, em verde, para o modelo de Friedmann composto por matéria comum. 4.2. Radiação O modelo de Friedmann para um Universo composto unicamente por radiação tem a densidade de matéria dada por ρ⁢(a)=ρ0⁢a-4. Fazendo essa substituição na Eq. (3), encontramos (21) ( d ⁢ a d ⁢ t ) 2 = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ρ 0 3 ⁢ 1 a 2 . Cuja solução numérica é apresentada na Figura 4. Esse resultado mostra que quando o modelo cosmológico é composto unicamente por radiação o Universo se expande indefinidamente, porém, de maneira mais lenta que quando composto somente por matéria comum. Isso pode ser observado pela inclinação das duas curvas. Essa expansão mais lenta ocorre porque a densidade de matéria para o modelo composto por radiação decai de maneira mais abrupta que o composto unicamente por matéria comum. Figura 4: Comportamento do fator de escala, em vermelho, parâmetro de Hubble, curva azul, e densidade de matéria, em verde, para o modelo de Friedmann composto por radiação. , 5 5. Soluções da Equação de Friedmann para Duas Componentes 5.1. Radiação e matéria comum Combinando a configuração de densidade de matéria comum com a densidade de radiação, chegamos em (22) ρ ⁢ ( a ) = ρ ⁢ m + ρ ⁢ r = ρ 0 a 3 + ρ 0 a 4 . Levando esse resultado na Eq. (3), encontramos (23) ( d ⁢ a d ⁢ t ) 2 = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ρ 0 3 ⁢ ( 1 a + 1 a 2 ) . A solução da Eq. (23) é exibida na Figura 5. Como há uma adição de componentes, o comportamento do fator de escala se torna mais complexo. Para entendermos melhor essa contribuição, olhamos para soluções separadas, bem como para a solução da adição. Figura 5: Comportamento do fator de escala, em vermelho, parâmetro de Hubble, em azul, e densidade de matéria, em verde, para o modelo de Friedmann composto por radiação e matéria comum. A Figura 6 mostra a solução numérica para a¯⁢(t) quando o modelo é composto por radiação e matéria comum na curva em vermelho (a¯r+m), para a¯⁢r (composto por radiação, Eq. (21) na curva em preto e para a¯⁢m (composto por matéria comum, Eq. (20) em verde. Esse resultado mostra a predominância da radiação para o fator de escala em momentos iniciais do Universo, contudo, após um certo tempo, a contribuição de matéria comum passa a prevalecer e permanece por todo o tempo. Esse período do Universo é chamado de período de desacoplamento [27], onde o Universo deixou de ser dominado por radiação, assumindo sua aparência conhecida atualmente. Rastros dessa radiação são chamados de radiação cósmica de fundo [27]. Figura 6: Soluções para a¯⁢(t), para o modelo de Friedmann composto por radiação e matéria comum (a¯r+m), em vermelho. Para o modelo composto por radiação (a¯⁢r), em preto. E composto unicamente por matéria comum (a¯⁢m), em verde. 5.2. Matéria comum e constantecosmológica (Λ) Para o caso em que combinamos a densidade de matéria comum com a constante cosmológica (Λ), a densidade de matéria assume a forma (24) ρ ⁢ ( a ) = ρ ⁢ m + ρ Λ = ρ 0 a 3 + ρ 0 , que, substituída na Eq. (3), fornece (25) ( d ⁢ a d ⁢ t ) 2 = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ρ 0 3 ⁢ ( 1 a + a 2 ) . Embora na equação de Friedmann apareça um termo da constante cosmológica, a incluímos apenas na densidade de matéria, pois a consideração desse termo resultará em uma constante multiplicativa no final da EDO (Eq. (25)). Como o nosso interesse é apenas na descrição qualitativa do parâmetro a⁢(t), essa simplificação não altera o resultado final, que é exibido na Figura 7. Entretanto, antes de discutirmos esse resultado, é interessante discutirmos um pouco sobre a constante cosmológica (Λ). Historicamente as equações de campo foram propostas sem essa constante e em 1917 Einstein a introduz nas equações da RG. Como apresentamos anteriormente, o modelo cosmológico Einsteniano é estático, modelo condizente com a época. Para satisfazer essa condição, Einstein introduziu um termo de vácuo nas equações, que é identificado como Λ [6, 18]. Uma discussão detalhada sobre a estabilidade é encontrada na Ref. [18]. Após evidências observacionais, descobriu-se que o Universo não é estático. Com isso, os cosmólogos da época perderam o interesse nesse tipo de Universo, inclusive Einstein. Após essa evidência, ele chegou a afirmar que a introdução dessa constante foi um grande erro. Contudo, observações atuais sugerem que esse termo de vácuo é não nulo [8] e está ligado a energia escura [6]. Esse resultado mostra que quando o modelo é composto por matéria comum mais constante cosmológica o Universo sofre uma expansão acelerada após um certo tempo. Essa aceleração acontece devido à predominância da contribuição da constante cosmológica, que atua como uma pressão negativa. Esses resultados também mostram que a densidade de matéria tem, inicialmente, um decaimento similar ao do modelo composto unicamente por matéria comum, no entanto, essa quantidade tende a um valor constante e proporcional ao valor ρ0. Figura 7: Comportamento do fator de escala, curva vermelha, parâmetro de Hubble, curva azul, e densidade de matéria, curva verde, para o modelo de Friedmann composto por matéria comum e constante cosmológica. A Figura 8 apresenta a evolução de a¯⁢(t) para o modelo composto por esses dois fatores, curva em vermelho (a¯m+Λ). Composto unicamente pela cosmológica, curva em preto (a¯Λ). E composto por matéria comum, curva verde (a¯⁢m). Através desse resultado, é possível perceber que inicialmente a matéria comum prevalece na contribuição para o fator de escala, mas que após um certo tempo é suplantada pelo fator da constante cosmológica, que prevalece por todo o tempo. Figura 8: Soluções para a¯⁢(t), para o modelo de Friedmann composto por matéria comum mais constante cosmológica (a¯m+Λ), curva vermelha. Para o modelo de Friedmann composto por constante cosmológica (a¯Λ), curva preta. E composto unicamente por matéria comum (a¯⁢m), curva verde. e 6 6. Soluções da Equação de Friedmann para três componentes Combinando as três componentes, a distribuição de densidade de matéria se torna (26) ρ ⁢ ( a ) = ρ ⁢ m + ρ ⁢ r + ρ Λ = ρ 0 a 3 + ρ 0 a 4 + ρ 0 . Substituindo a função de densidade das três componentes na Eq. (3), obtemos (27) ( d ⁢ a d ⁢ t ) 2 = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ρ 0 3 ⁢ ( 1 a 2 + 1 a + a 2 ) . A solução é apresentada na Figura 9. Essa solução é muito parecida com a solução da Eq. (25). Isso mostra que matéria comum e constante cosmológica têm maior contribuição para a evolução do Universo do que radiação. Figura 9: Comportamento do fator de escala, curva vermelha, parâmetro de Hubble, curva azul, e densidade de matéria, curva verde, para o modelo de Friedmann composto por radiação, matéria comum e constante cosmológica. Esse resultado é melhor observado na Figura 10. A curva vermelha é solução da Eq. (27) (a¯r+m+Λ), a curva preta para o modelo composto unicamente por constante cosmológica (a¯Λ), a curva verde para o modelo composto por matéria comum (a¯⁢m) e a curva azul para o modelo composto por radiação (a¯⁢r). Esses resultados mostram que inicialmente a radiação predomina e depois passa a ser dominada por matéria comum. Todavia, após um certo tempo, a constante cosmológica ganha o cenário e prevalece sobre as demais. Essa é a solução que mais se aproxima dos resultados observados, pois sua evolução é coerente com a existência de expansão desacelerada após o Big Bang,3 compreendendo um desacoplamento entre radiação e matéria comum, seguido pelo domínio da matéria comum e a retomada da expansão acelerada devida ao domínio da constante cosmológica. Figura 10: Solução para o fator de escala a¯ para o modelo de Friedmann composto pelas três componentes (a¯r+m+Λ), em vermelho. A curva preta mostra o fator de escala para o modelo composto por constante cosmológica (a¯Λ). A curva verde mostra o fator de escala para o modelo composto por matéria comum (a¯⁢m), e a curva azul mostra o modelo composto por radiação (a¯⁢r). discute-se os resultados da solução das EDOs através da análise gráfica para diferentes composições do Universo. Por fim, na seção 7 7. Conclusões A determinação do Modelo de Friedmann partindo de argumentos Newtonianos e suas soluções numéricas proporcionam uma oportunidade para estudantes de graduação iniciarem seu primeiro contato com a Cosmologia, ao mesmo tempo que se introduzem métodos numéricos para a solução de EDO’s não lineares. As demonstrações gráficas reproduzem qualitativamente o comportamento dinâmico do Universo observado, desde o período desacelerado, compreendendo as eras de domínio da radiação e da matéria comum, até o período acelerado atual, onde a constante cosmológica domina. Este trabalho buscou tornar o tópico da Cosmologia muito mais acessível para um possível ensino introdutório em nível de graduação, graças à simplificação da linguagem matemática empregada, o que o torna um recurso bibliográfico interessante para um curso introdutório sobre o tema. Neste trabalho realizamos uma revisão do modelo de Friedmann com um caráter introdutório. Entretanto, o modelo atual da cosmologia padrão é o modelo ΛCDM [29], o qual inclui a constante cosmológica Λ, que é associada a energia escura, bem como a matéria bariônica e escura CDM (Cold Dark Matter) [30]. Esse modelo é construído com base na métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW), que nos leva as equações de Friedmann-Lemaître. A diferença do modelo Friedmann-Lemaître para o modelo de Friedmann está em uma constante cosmológica não nula [31]. O modelo ΛCDM surgiu para responder algumas questões que pareciam contraditórias dentro da cosmologia. Uma delas é que as proposições cosmológicas da nucleossíntese consideram que a maior parte da massa não está na forma ordinária de bárions. Além disso, essa questão é reforçada com observações de anisotropias na radiação cósmica de fundo de microondas [18], junto com o problema da massa faltante [32]. Esse problema surge do estudo da velocidade de rotação de galáxias. Para ajustar o modelo aos dados observacionais, é necessário um acréscimo de 400 vezes mais massa além da massa observável. Como essa massa não é luminosa, ela é denominada de matéria escura [6]. Uma discussão sobre esse problema pode ser encontrada nas Ref. [6, 18]. Por outro lado, a energia escura, que é um fluido hipotético com pressão negativa, é necessária para explicar a expansão acelerada do Universo, verificada por observações de supernovas do tipo Ia [33] e, também, para explicar a planeza do Universo [6]. Portanto, o modelo ΛCDM explica esses problemas observacionais e apresenta boa concordância com os dados [34]. apresentam-se as conclusões.

2. Obtenção da Equação de Friedmann

Na maioria das vezes, a equação de Friedmann é obtida a partir das equações de campo da RG ([18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).], p. 612). Um dos lados dessas equações é responsável por descrever a geometria do espaço-tempo através do tensor de Ricci. O outro é responsável por descrever a composição do Universo através do tensor energia-momento. Dessa forma, assim como na solução de um conjunto de equações, precisamos conhecer um lado para determinar o outro [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).]. Nesse caso, procedemos considerando que o Universo é homogêneo e isotrópico, de tal maneira que a distribuição de matéria e energia é dada por um fluido perfeito [8[8] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (Princeton University Press, Princeton, 2017).]. Com essas considerações é possível calcular o tensor energia-momento e definir um dos lados das equações da RG. Todavia, precisamos definir uma métrica, isto é, como realizamos as medidas espaço-temporais. Sendo assim, a métrica apropriada é a de Robertson-Walker [18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).]. Essa métrica depende de uma quantidade desconhecida a(t), que é chamada de fator de escala. Portanto, a solução das equações de campo leva a uma nova equação que determina o fator a(t), que é a equação de Friedmann. Por meio de conceitos da Física Newtoniana [19[19] A.R. Choudhuri, Astrophysics for Physicists (Cambridge University Press, 2010)., 20[20] A. Liddle, An Introduction to Modern Cosmology (Wiley, Chichester, 2003)., p. 491], é possível obter uma equação de conservação a partir da equação de Friedmann.

Um passo crucial na dedução desse modelo é a consideração do Princípio Cosmológico, o qual afirma: (i) as leis da Física são válidas em qualquer região do espaço-tempo e (ii) o Universo é espacialmente homogêneo e isotrópico [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).]. Em posse desse Princípio consideramos uma partícula de massa m localizada na borda de uma esfera em expansão, à uma distância r0 em relação ao centro da esfera, conforme ilustrado na Figura 1(a). Após um certo tempo t, a esfera se expande, conforme ilustrado na Figura 1(b). Devido ao processo de expansão a partícula passa a ser localizada a uma distância r em relação ao centro da esfera. Devida a homogeneidade, aplica-se essa argumentação para qualquer duas partículas localizadas em qualquer ponto do Universo, permitindo fazer uma mudança de coordenadas. Essa mudança é feita para um sistema de coordenadas comoventes [8[8] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (Princeton University Press, Princeton, 2017)., 22[22] M. Rodrigues, Rev. Bras. Ensino Fís. 35, 1312 (2013).], que acompanha a expansão. Devido a uniformidade da expansão, a relação entre a posição real, r, e a distância comovente, x, é dada por r(t)=a(t)x, onde a(t) é o fator de escala [8[8] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (Princeton University Press, Princeton, 2017)., 12[12] B. Schutz, A first course in General Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2018)., 23[23] R.C.S. Jantsch, Modelos cosmológicos para o universo atual e primordial. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Paraná, Paraná (2012).].

Figura 1:
Representação esquemática do modelo estudado. Em (a) uma partícula de massa m é localizada a uma distância r0 da origem. Em (b), a partícula passa a ser localizada em r = ax, após expansão da esfera.

Para obtermos a equação que descreve a dinâmica desse fator de escala a, consideramos a conservação da energia. A energia mecânica (EM) da partícula é dada pela soma da energia cinética (K) com a energia potencial (U), gerada por uma esfera com distribuição uniforme de massa, conforme a Eq. (1).

(1) E M = 1 2 m ( d r d t ) 2 - 4 π 3 G ρ r 2 m ,

na qual dr/dt é a velocidade radial, G é a constante gravitacional e ρ é a densidade de massa da esfera.

Considerando r(t)=a(t)x na Eq. (1), obtemos

(2) E M = 1 2 m ( d a d t ) 2 x 2 - 4 π 3 G ρ a 2 x 2 m .

Multiplicando os dois lados da Eq. (2) por 2/ma2x2, encontramos

(3) 1 a 2 ( d a d t ) 2 = 8 π G ρ 3 - k c 2 a 2 ,

onde kc2=-2EM/mx2 e c é a velocidade da luz no vácuo. Essa é a equação de Friedmann na forma padrão [13[13] V.S. Aderaldo e V.P. Gonçalves, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200050 (2020).].

Na derivação Newtoniana a constante k fornece a medida de energia por partícula, entretanto, o real significado dessa constante está associado a curvatura do espaço-tempo, ou seja, a sua geometria [20[20] A. Liddle, An Introduction to Modern Cosmology (Wiley, Chichester, 2003).]. Se k<0, o Universo possui geometria hiperbólica, Figura 2(a). Se k=0, a geometria é chata,2 2 Faz-se o uso do termo geometria chata ao invés de plana para evitar mal entendidos. No inglês esse termo é “flat”, cuja tradução adequada é chata/chato. Figura 2(b). Se k>0, a geometria é esférica, Figura 2(c). Esses três valores de k, <0, =0 ou >0 geram três modelos de Universos distintos, que são, respectivamente: aberto, chato e fechado [13[13] V.S. Aderaldo e V.P. Gonçalves, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200050 (2020).]. As soluções da Eq. (3) descrevem a dinâmica de expansão do Universo e dependem da sua geometria, bem como da distribuição de matéria-energia do Universo, a qual está associada com a densidade de matéria.

Figura 2:
Representação esquemática das possíveis geometrias do Universo. Em (a) temos um Universo hiperbólico, k<0. Em (b) um Universo chato, k = 0. E em (c) um Universo esférico, k>0.

Uma equação diferencial para descrever a evolução temporal da densidade de matéria ρ pode ser obtida através da equação da continuidade, derivada da Primeira Lei da Termodinâmica [20[20] A. Liddle, An Introduction to Modern Cosmology (Wiley, Chichester, 2003).]. Para isso, consideramos que a energia associada à massa contida em um volume V dada por E=ρc2V. Por outro lado, da Primeira Lei da Termodinâmica, temos que dE=δQ-PdV [24[24] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física: Ondas Gravitação e Termodinâmica (LTC, Rio de Janeiro, 2012)., p. 192]. Como na expansão cosmológica não há fluxo de energia através da superfície que delimita o volume V, a densidade de energia será obtida a partir de

(4) d ρ d t = - ( ρ + P c 2 ) 1 V d V d t .

Sabendo que o volume V expande pela ação do fator de escala em três dimensões espaciais, podemos escrever V=V0a3, onde V0 é o volume no instante inicial, quando a=1. Assim, o termo que envolve o volume V e sua derivada dV/dt torna-se

(5) 1 V d V d t = 1 ( V 0 a 3 ) d ( V 0 a 3 ) d t = 3 a d a d t .

Finalmente, substituindo o resultado da Eq. (5) na Eq. (4), obtemos a forma final da equação da continuidade para a densidade de matéria em um Universo em expansão

(6) d ρ d t = - 3 a d a d t ( ρ + P c 2 ) .

Daqui em diante, a tarefa é encontrar as possíveis configurações de densidade da matéria no Universo, como função do fator de escala. Escrevendo a pressão como função da densidade, na forma P=ωc2ρ, onde ω é uma constante adimensional, é possível, por meio de integração, encontrar a densidade de matéria para diversos valores de ω, de modo que tais valores correspondem ao tipo de matéria que constitui o Universo. Assim, fazendo a substituição e rearranjando os termos, obtemos a seguinte equação diferencial

(7) d ρ ρ = - 3 ( 1 + ω ) d a a ,

cuja solução é

(8) ρ ( a ) = ρ 0 a 3 ( 1 + ω ) ,

onde ρ0 é a densidade inicial, referente ao estado quando a=1.

Neste trabalho, analisamos três valores distintos para ω, os quais estão relacionados com a densidade de matéria através da Eq. (8) Primeiramente consideramos ωm=0, que representa a matéria comum. Nesse contexto, o termo matéria comum é usado como abreviação para “matéria não relativística” (P/c2ρ) [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).]. Este tipo de matéria é formada por bárions e matéria escura fria. Em seguida consideramos a radiação ωr=1/3, cuja formação é dada por um gás de fótons com pressão igual a P=ρc2/3. Por fim consideramos ωΛ=-1, que corresponde a constante cosmológica (Λ) [20[20] A. Liddle, An Introduction to Modern Cosmology (Wiley, Chichester, 2003).]. Essa constante é chamada de energia de vácuo, e algumas vezes quintessência [18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).]. Essa distinção na nomenclatura ocorre porque, quando esse valor é calculado pela teoria quântica de campos, há uma divergência de algumas ordens de grandeza em relação ao calculado pelas equações cosmológicas. Isso leva a uma especulação de que a energia de vácuo não é constante, mas é baixa porque o Universo é velho [18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).]. Quanto a geometria, temos três possíveis valores para k. Entretanto, para satisfazer um modelo de Universo homogêneo e isotrópico, escolhemos a geometria chata, que é a mais simples. Ademais, distante de distribuições de massa e energia, a geometria euclidiana é aplicável [20[20] A. Liddle, An Introduction to Modern Cosmology (Wiley, Chichester, 2003).]. Além disso, os dados observacionais apontam que o Universo em que vivemos possui geometria chata [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).].

3. Algoritmo para Solução Numérica

Para a solução numérica das equações de Friedmann utilizamos o integrador de Runge-Kutta de quarta ordem [25[25] W.E. Boyce, R.C. Diprima e D.B. Meade, Equações diferenciais elementares e problemas de valores de contorno (LTC, Rio de Janeiro, 2018)., p. 192]. Optamos por esse integrador devido a sua precisão e aplicabilidade [26[26] A.M. Batista, S.L.T. de Souza, K.C. Iarosz, A.C.L. Almeida, J.D. Szezech Jr., E.C. Gabrick, M. Mugnaine, G.F. dos Santos e I.L. Caldas, Rev. Bras. Ensino Fís. 43, e20210171 (2021).]. O integrador foi desenvolvido utilizando linguagem C e os gráficos gerados com um software de livre acesso acadêmico, Gnuplot 5.2, ambos de livre e fácil acesso e disponíveis na Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
https://github.com/kiarosz/105GroupScien...
]. Além disso, esse mesmo método de integração numérica será descrito no Octave que faz parte do projeto GNU, que é um software livre e também no Matlab-Simulink.

Para construir o integrador, consideramos um problema de valor inicial definido pela equação diferencial dydt=f(t,y) e pela condição inicial y(t=0)=y0, cuja solução y(t) é aproximada por

(9) y n + 1 = y n + h ( k n 1 + 2 k n 2 + 2 k n 3 + k n 4 6 ) ,

onde

(10) k n 1 = f ( t n , y n ) ,
(11) k n 2 = f ( t n + 1 2 h , y n + 1 2 h k n 1 ) ,
(12) k n 3 = f ( t n + 1 2 h , y n + 1 2 h k n 2 ) ,
(13) k n 4 = f ( t n + n , y n + h k n 3 ) .

Que pode ser resumido na rotina

(14) k 1 = f ( t , y ) ,
(15) k 2 = f ( t + 1 2 h , y + 1 2 h k 1 ) ,
(16) k 3 = f ( t + 1 2 h , y + 1 2 h k 2 ) ,
(17) k 4 = f ( t + h , y + h k 3 ) ,
(18) y = y + h 6 ( k 1 + 2 k 2 + 2 k 3 + k 4 ) ,
(19) t = t + h ,

onde h é o tamanho do passo considerado, quanto menor, maior será a precisão numérica. Nesse método o erro de truncamento é proporcional a h5 [25[25] W.E. Boyce, R.C. Diprima e D.B. Meade, Equações diferenciais elementares e problemas de valores de contorno (LTC, Rio de Janeiro, 2018).]. Nas nossas simulações e resultados, consideramos h=0,001. Essa rotina é encontrada no arquivo integrador.c e os gráficos são feitos no Gnuplot através do arquivo script.plt , ambos em Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
https://github.com/kiarosz/105GroupScien...
].

No Octave, o script do método numérico de Runge-Kutta, bem como o script da obtenção dos gráficos das soluções numéricas, que podem ser utilizados nas simulações das Eqs. (20), (21), (23) e (25) descritas nesse trabalho, estão nos arquivos metodoRK4.m e plotEDO_RungeKutta.m , respectivamente, na Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
https://github.com/kiarosz/105GroupScien...
]. Conforme já foi comentado, essas mesmas rotinas foram disponibilizadas na forma de blocos da biblioteca do Simulink, no arquivo RBFcos.slx , em Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
https://github.com/kiarosz/105GroupScien...
].

4. Soluções da Equação de Friedmann para uma Componente

4.1. Matéria comum

Substituindo a função ρm(a), correspondente à matéria comum, na Eq. (8), obtemos ρ(a)=ρ0a-3. Esse resultado mostra que a densidade de matéria decai proporcionalmente ao volume do Universo. Na equação de Friedmann (Eq. 3), encontramos a seguinte equação

(20) ( d a d t ) 2 = 8 π G ρ 0 3 1 a .

Essa equação pode ser resolvida analiticamente através da separação de variáveis. Todavia, como o nosso foco é discutir soluções numéricas, implementaremos o método de Runge-Kutta descrito anteriormente em C e, também, com o script no Octave EDO_MC.m para resolver a Eq. (20), ambos na Ref. [21[21] https://github.com/kiarosz/105GroupScience/tree/RBEF
https://github.com/kiarosz/105GroupScien...
]. Especificamente no caso do Octave, para a obtenção das figuras que seguem devemos executar e utilizar todos os scripts descritos anteriormente numa mesma pasta. Para realizar as integrações numéricas, consideramos a constante 8πGρ03=1 na Eq. (20) e em todas as soluções numéricas vindouras. Como o nosso interesse é apresentar e discutir o comportamento qualitativo das soluções, essa escolha não afeta os resultados. Para lembrar ao leitor que essa escolha foi feita, acrescentamos uma barra sobre as variáveis oriundas das soluções numéricas.

A solução da Eq. (20) é apresentada na Figura 3 pela curva vermelha. A curva azul mostra a constante de Hubble (H(t)=a˙/a [13[13] V.S. Aderaldo e V.P. Gonçalves, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200050 (2020).]) e a curva verde mostra o comportamento de ρ(t). A constante de Hubble foi descoberta por Edwin P. Hubble (1889–1953) e se relaciona ao fator de expansão através de a˙a-1r=Hr. Como vimos anteriormente, a posição de um observador (ou de uma massa m) é dada por r = ax em um sistema de coordenada comóvel. Dessa maneira, o papel da constante H é medir a velocidade desse observador, ou seja, ela mede a velocidade de afastamento das galáxias [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).]. A solução para o parâmetro de expansão mostra que um modelo cosmológico composto apenas por matéria comum (bárions e matéria escura fria) se expande para sempre. A constante de Hubble, nesse caso, tem comportamento assintótico para zero e a densidade de matéria decai em função da expansão do Universo, como observado anteriormente. A ordenada nesses casos é uma escala e assume os valores de a¯(t), H¯(t) e ρ¯(t). A escala de tempo também é arbitrária, uma vez que as constantes são iguais à 1.

Figura 3:
Comportamento do fator de escala, em vermelho, parâmetro de Hubble, em azul, e densidade de matéria, em verde, para o modelo de Friedmann composto por matéria comum.

4.2. Radiação

O modelo de Friedmann para um Universo composto unicamente por radiação tem a densidade de matéria dada por ρ(a)=ρ0a-4. Fazendo essa substituição na Eq. (3), encontramos

(21) ( d a d t ) 2 = 8 π G ρ 0 3 1 a 2 .

Cuja solução numérica é apresentada na Figura 4. Esse resultado mostra que quando o modelo cosmológico é composto unicamente por radiação o Universo se expande indefinidamente, porém, de maneira mais lenta que quando composto somente por matéria comum. Isso pode ser observado pela inclinação das duas curvas. Essa expansão mais lenta ocorre porque a densidade de matéria para o modelo composto por radiação decai de maneira mais abrupta que o composto unicamente por matéria comum.

Figura 4:
Comportamento do fator de escala, em vermelho, parâmetro de Hubble, curva azul, e densidade de matéria, em verde, para o modelo de Friedmann composto por radiação.

5. Soluções da Equação de Friedmann para Duas Componentes

5.1. Radiação e matéria comum

Combinando a configuração de densidade de matéria comum com a densidade de radiação, chegamos em

(22) ρ ( a ) = ρ m + ρ r = ρ 0 a 3 + ρ 0 a 4 .

Levando esse resultado na Eq. (3), encontramos

(23) ( d a d t ) 2 = 8 π G ρ 0 3 ( 1 a + 1 a 2 ) .

A solução da Eq. (23) é exibida na Figura 5. Como há uma adição de componentes, o comportamento do fator de escala se torna mais complexo. Para entendermos melhor essa contribuição, olhamos para soluções separadas, bem como para a solução da adição.

Figura 5:
Comportamento do fator de escala, em vermelho, parâmetro de Hubble, em azul, e densidade de matéria, em verde, para o modelo de Friedmann composto por radiação e matéria comum.

A Figura 6 mostra a solução numérica para a¯(t) quando o modelo é composto por radiação e matéria comum na curva em vermelho (a¯r+m), para a¯r (composto por radiação, Eq. (21) na curva em preto e para a¯m (composto por matéria comum, Eq. (20) em verde. Esse resultado mostra a predominância da radiação para o fator de escala em momentos iniciais do Universo, contudo, após um certo tempo, a contribuição de matéria comum passa a prevalecer e permanece por todo o tempo. Esse período do Universo é chamado de período de desacoplamento [27[27] F. Teston, Instabilidade gravitacional para um Universo estático e em expansão sob influência de termos dissipativos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Paraná (2017).], onde o Universo deixou de ser dominado por radiação, assumindo sua aparência conhecida atualmente. Rastros dessa radiação são chamados de radiação cósmica de fundo [27[27] F. Teston, Instabilidade gravitacional para um Universo estático e em expansão sob influência de termos dissipativos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Paraná (2017).].

Figura 6:
Soluções para a¯(t), para o modelo de Friedmann composto por radiação e matéria comum (a¯r+m), em vermelho. Para o modelo composto por radiação (a¯r), em preto. E composto unicamente por matéria comum (a¯m), em verde.

5.2. Matéria comum e constantecosmológica (Λ)

Para o caso em que combinamos a densidade de matéria comum com a constante cosmológica (Λ), a densidade de matéria assume a forma

(24) ρ ( a ) = ρ m + ρ Λ = ρ 0 a 3 + ρ 0 ,

que, substituída na Eq. (3), fornece

(25) ( d a d t ) 2 = 8 π G ρ 0 3 ( 1 a + a 2 ) .

Embora na equação de Friedmann apareça um termo da constante cosmológica, a incluímos apenas na densidade de matéria, pois a consideração desse termo resultará em uma constante multiplicativa no final da EDO (Eq. (25)). Como o nosso interesse é apenas na descrição qualitativa do parâmetro a(t), essa simplificação não altera o resultado final, que é exibido na Figura 7. Entretanto, antes de discutirmos esse resultado, é interessante discutirmos um pouco sobre a constante cosmológica (Λ). Historicamente as equações de campo foram propostas sem essa constante e em 1917 Einstein a introduz nas equações da RG. Como apresentamos anteriormente, o modelo cosmológico Einsteniano é estático, modelo condizente com a época. Para satisfazer essa condição, Einstein introduziu um termo de vácuo nas equações, que é identificado como Λ [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010)., 18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).]. Uma discussão detalhada sobre a estabilidade é encontrada na Ref. [18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).]. Após evidências observacionais, descobriu-se que o Universo não é estático. Com isso, os cosmólogos da época perderam o interesse nesse tipo de Universo, inclusive Einstein. Após essa evidência, ele chegou a afirmar que a introdução dessa constante foi um grande erro. Contudo, observações atuais sugerem que esse termo de vácuo é não nulo [8[8] C.W. Misner, K.S. Thorne e J.A. Wheeler, Gravitation (Princeton University Press, Princeton, 2017).] e está ligado a energia escura [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).]. Esse resultado mostra que quando o modelo é composto por matéria comum mais constante cosmológica o Universo sofre uma expansão acelerada após um certo tempo. Essa aceleração acontece devido à predominância da contribuição da constante cosmológica, que atua como uma pressão negativa. Esses resultados também mostram que a densidade de matéria tem, inicialmente, um decaimento similar ao do modelo composto unicamente por matéria comum, no entanto, essa quantidade tende a um valor constante e proporcional ao valor ρ0.

Figura 7:
Comportamento do fator de escala, curva vermelha, parâmetro de Hubble, curva azul, e densidade de matéria, curva verde, para o modelo de Friedmann composto por matéria comum e constante cosmológica.

A Figura 8 apresenta a evolução de a¯(t) para o modelo composto por esses dois fatores, curva em vermelho (a¯m+Λ). Composto unicamente pela cosmológica, curva em preto (a¯Λ). E composto por matéria comum, curva verde (a¯m). Através desse resultado, é possível perceber que inicialmente a matéria comum prevalece na contribuição para o fator de escala, mas que após um certo tempo é suplantada pelo fator da constante cosmológica, que prevalece por todo o tempo.

Figura 8:
Soluções para a¯(t), para o modelo de Friedmann composto por matéria comum mais constante cosmológica (a¯m+Λ), curva vermelha. Para o modelo de Friedmann composto por constante cosmológica (a¯Λ), curva preta. E composto unicamente por matéria comum (a¯m), curva verde.

6. Soluções da Equação de Friedmann para três componentes

Combinando as três componentes, a distribuição de densidade de matéria se torna

(26) ρ ( a ) = ρ m + ρ r + ρ Λ = ρ 0 a 3 + ρ 0 a 4 + ρ 0 .

Substituindo a função de densidade das três componentes na Eq. (3), obtemos

(27) ( d a d t ) 2 = 8 π G ρ 0 3 ( 1 a 2 + 1 a + a 2 ) .

A solução é apresentada na Figura 9. Essa solução é muito parecida com a solução da Eq. (25). Isso mostra que matéria comum e constante cosmológica têm maior contribuição para a evolução do Universo do que radiação.

Figura 9:
Comportamento do fator de escala, curva vermelha, parâmetro de Hubble, curva azul, e densidade de matéria, curva verde, para o modelo de Friedmann composto por radiação, matéria comum e constante cosmológica.

Esse resultado é melhor observado na Figura 10. A curva vermelha é solução da Eq. (27) (a¯r+m+Λ), a curva preta para o modelo composto unicamente por constante cosmológica (a¯Λ), a curva verde para o modelo composto por matéria comum (a¯m) e a curva azul para o modelo composto por radiação (a¯r). Esses resultados mostram que inicialmente a radiação predomina e depois passa a ser dominada por matéria comum. Todavia, após um certo tempo, a constante cosmológica ganha o cenário e prevalece sobre as demais. Essa é a solução que mais se aproxima dos resultados observados, pois sua evolução é coerente com a existência de expansão desacelerada após o Big Bang,3 3 Uma explicação a respeito do Big Bang pode ser encontrada na Ref. [28]. compreendendo um desacoplamento entre radiação e matéria comum, seguido pelo domínio da matéria comum e a retomada da expansão acelerada devida ao domínio da constante cosmológica.

Figura 10:
Solução para o fator de escala a¯ para o modelo de Friedmann composto pelas três componentes (a¯r+m+Λ), em vermelho. A curva preta mostra o fator de escala para o modelo composto por constante cosmológica (a¯Λ). A curva verde mostra o fator de escala para o modelo composto por matéria comum (a¯m), e a curva azul mostra o modelo composto por radiação (a¯r).

7. Conclusões

A determinação do Modelo de Friedmann partindo de argumentos Newtonianos e suas soluções numéricas proporcionam uma oportunidade para estudantes de graduação iniciarem seu primeiro contato com a Cosmologia, ao mesmo tempo que se introduzem métodos numéricos para a solução de EDO’s não lineares. As demonstrações gráficas reproduzem qualitativamente o comportamento dinâmico do Universo observado, desde o período desacelerado, compreendendo as eras de domínio da radiação e da matéria comum, até o período acelerado atual, onde a constante cosmológica domina. Este trabalho buscou tornar o tópico da Cosmologia muito mais acessível para um possível ensino introdutório em nível de graduação, graças à simplificação da linguagem matemática empregada, o que o torna um recurso bibliográfico interessante para um curso introdutório sobre o tema.

Neste trabalho realizamos uma revisão do modelo de Friedmann com um caráter introdutório. Entretanto, o modelo atual da cosmologia padrão é o modelo ΛCDM [29[29] W.L.A. Miranda, A radiação cósmica de fundo e a interação entre Energia e Matéria Escuras. Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia, Bahia (2017).], o qual inclui a constante cosmológica Λ, que é associada a energia escura, bem como a matéria bariônica e escura CDM (Cold Dark Matter) [30[30] L.M. Krauss, The Astrophysical Journal 27, 1137 (1995).]. Esse modelo é construído com base na métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW), que nos leva as equações de Friedmann-Lemaître. A diferença do modelo Friedmann-Lemaître para o modelo de Friedmann está em uma constante cosmológica não nula [31[31] G.P.E.M.P. Hobson e A.N. Lasenby, General Relativity: An introduction for physicists (Cambridge University Press, New York, 2006).].

O modelo ΛCDM surgiu para responder algumas questões que pareciam contraditórias dentro da cosmologia. Uma delas é que as proposições cosmológicas da nucleossíntese consideram que a maior parte da massa não está na forma ordinária de bárions. Além disso, essa questão é reforçada com observações de anisotropias na radiação cósmica de fundo de microondas [18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).], junto com o problema da massa faltante [32[32] S. Trippe, arXiv:1401.5904 (2014).]. Esse problema surge do estudo da velocidade de rotação de galáxias. Para ajustar o modelo aos dados observacionais, é necessário um acréscimo de 400 vezes mais massa além da massa observável. Como essa massa não é luminosa, ela é denominada de matéria escura [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).]. Uma discussão sobre esse problema pode ser encontrada nas Ref. [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010)., 18[18] S. Weinberg, Cosmology (Oxford University Press, Oxônia, 2008).].

Por outro lado, a energia escura, que é um fluido hipotético com pressão negativa, é necessária para explicar a expansão acelerada do Universo, verificada por observações de supernovas do tipo Ia [33[33] D.H. Weinberg, M.J. Mortonson, D.J. Eisenstein, C. Hirata, A.G. Riess e E. Rozo, Physics Reports 530, 87 (2013).] e, também, para explicar a planeza do Universo [6[6] M. Novello, N.P. Neto e S.E.P. Bergliaffa (org.), Programa Mínimo de Cosmologia (Jauá Editora, Rio de Janeiro, 2010).].

Portanto, o modelo ΛCDM explica esses problemas observacionais e apresenta boa concordância com os dados [34[34] D. Comelli, M. Pietroni e A. Riotto, Physics Letters B. 571, 115 (2003).].

Agradecimentos

Esse trabalho foi possível através do suporte financeiro das seguintes agências: CNPq, CAPES, Fundação Araucária. Os autores também agradecem ao Grupo 105 (www.105groupscience.com).

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online: Apêndice A.

Referências

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  • [34]
    D. Comelli, M. Pietroni e A. Riotto, Physics Letters B. 571, 115 (2003).
  • 1
    Uma linha do tempo com esses acontecimentos pode ser encontrada no Apêndice A Material suplementar O seguinte material suplementar está disponível online: Apêndice A. .
  • 2
    Faz-se o uso do termo geometria chata ao invés de plana para evitar mal entendidos. No inglês esse termo é “flat”, cuja tradução adequada é chata/chato.
  • 3
    Uma explicação a respeito do Big Bang pode ser encontrada na Ref. [28[28] M. Novello, Do Big Bang ao Universo Eterno (Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2010).].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2022
  • Revisado
    09 Set 2022
  • Aceito
    11 Set 2022
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