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O bipartidarismo em Cabo Verde: a dinâmica do surgimento dos terceiros partidos e a magnitude dos distritos

Resumo

O artigo examina o sistema bipartidário, que caracteriza a democracia em Cabo Verde desde 1991, e avalia até que ponto o sistema eleitoral pode ser responsabilizado por esta evolução. Na primeira parte, recapitulamos a evolução do sistema bipartidário no âmbito nacional, analisando brevemente a disputa entre os dois partidos PAICV e MpD, desde a volta ao sistema multipartidário em 1991 até as últimas eleições em 2016. Na segunda parte, examinamos a dinâmica de evolução dos terceiros partidos menores, que apresentaram candidatos a deputado a partir de 1995, elegendo poucos representantes. A terceira parte está dedicada à investigação das possíveis causas para essa evolução. A partir da literatura mais recente sobre o papel da magnitude dos distritos eleitorais, analisamos primeiro os efeitos mecânicos e psicológicos deste fator sobre o processo eleitoral. Em seguida, abordamos duas questões adicionais que receberam atenção nos estudos recentes: a distribuição regional do eleitorado dos partidos e os seus efeitos de interação com a magnitude, bem como a questão da demanda que está por trás da iniciativa de lançar novas siglas disputando eleições. A nossa análise confirmou o efeito psicológico do sistema eleitoral sobre as elites partidárias. A iniciativa de lançar novos partidos, disputando eleições nacionais em Cabo Verde, está vinculada à questão da magnitude dos distritos. O efeito psicológico da magnitude sobre o eleitorado, bem como o efeito mecânico sobre os partidos pequenos parecem ter menos importância na dinâmica do processo eleitoral em Cabo Verde.

Palavras-chave:
sistema partidário; sistema eleitoral; bipartidarismo; magnitude eleitoral; pequenos partidos; Cabo Verde

Abstract

This article examines the bipartisan system, which has characterized democracy in Cape Verde since 1991, and evaluates the extent to which the electoral system can be blamed for this evolution. In the first part we review the evolution of the bipartisan system at the national level, briefly analyzing the dispute between the two parties, PAICV and MpD, since the return to the multiparty system in 1991 until the last elections in 2016. In the second part we examine the dynamics of smaller parties presenting candidates for deputy since 1995, but having limited success. The third part of this study is dedicated to investigating possible causes for this evolution. Following the recent literature on the role of district magnitude we first analyze the mechanical and psychological effects of this factor on the electoral process. Next, we address two additional questions that have received attention in recent studies: the regional distribution of voter support and its interaction effect with district magnitude, as well as the role of the demand side that drives new parties to contest elections. Our analysis confirmed the psychological effect on party elites. The initiative to launch new parties contesting national elections in Cape Verde is linked to the question of the magnitude of the districts. The psychological effect on the electorate as well as the mechanical effect on small parties seems to be less important in the dynamics of the electoral process in Cape Verde.

Keywords:
party system; electoral system; bipartisanism; district magnitude; small parties; Cape Verde

Introdução

Após quinze anos de regime de partido único em Cabo Verde, a introdução de eleições competitivas em 1991, com mais de um partido apresentando candidaturas, resultou em um sistema de competição polarizada em torno de dois partidos: o Partido Africano para Independência de Cabo Verde (PAICV) - partido que lutou pela independência - e o Movimento para Democracia (MpD), partido formado por um grupo dissidente do PAICV, e que teve um papel determinante no processo de abertura política no país. Esta configuração da disputa política entre dois grupos, os herdeiros e os dissidentes do partido único, caracteriza as eleições legislativas até hoje. Em todas as seis eleições realizadas nesse período, os dois partidos, que se revezaram no poder várias vezes, concentraram juntos mais de 90% dos votos e elegeram acima de 95% dos representantes para a casa do poder legislativo, a Assembleia Nacional, confirmando a consolidação do sistema bipartidário.3 3 Agradecemos aos três pareceristas anônimos da revista pelas críticas que foram decisivas para melhorar o argumento do artigo. Uma primeira versão do texto foi apresentada no NECI do Departamento de Ciência Política. Aos integrantes deste núcleo igualmente os nossos agradecimentos.

Essa evolução do sistema partidário contraria as previsões da ciência política. Afinal, o sistema eleitoral de Cabo Verde - proporcional, com lista fechada e com distritos de magnitude variada - deveria oferecer espaço para o surgimento e o sucesso de terceiros partidos políticos. De fato, a partir da segunda eleição, vários terceiros partidos disputaram vagas nas eleições legislativas. Porém, até hoje, conseguiram ocupar no máximo três das 72 cadeiras em disputa. O que explica essa evolução? Os trabalhos de Costa (2003COSTA, D. H. (2003). “Sistema eleitoral e sistema partidário cabo-verdiano (1991-2001) com um olhar sobre o mundo”. Revista Direito e Cidadania, v. 16/17, p. 253-300.) e Sanches (2012aSANCHES, E.R. (2012). “O Processo de Institucionalização do Sistema de Partidos Cabo-Verdiano”. Revista de Estudos Cabo-Verdianos, n. 4, p. 9-28.) tentaram responder à questão, mobilizando Rae (1967RAE, D. W. (1967). The Political Consequences of Electoral Laws. Yale University Press. ), que destaca a fórmula eleitoral, a estrutura da célula e a magnitude do círculo eleitoral, como os três elementos decisivos pelos quais o sistema eleitoral influencia os padrões da disputa partidária. Costa chega à conclusão de que “a baixa magnitude média em combinação com a fórmula d´Hondt, principalmente”, contribui para o bipartidarismo e para uma divisão desproporcional de cadeiras no parlamento. Sanches explica que o bipartidarismo vem se consolidando cada vez mais e, indo ao encontro de Costa, responsabiliza o método D’Hondt e os círculos de baixa dimensão por esta evolução.

No presente artigo, retomamos a questão da relação entre sistema eleitoral e bipartidarismo em Cabo Verde, incorporando contribuições novas em várias direções. Em primeiro lugar, focamos na questão da magnitude dos distritos eleitorais.4 4 Neste texto, usaremos a expressão “distritos eleitorais”, conceito comum na literatura da ciência política, para nos referirmos aos “círculos eleitorais”, expressão usada na legislação de Cabo Verde. A justificativa é a de que, enquanto a fórmula eleitoral (o voto proporcional baseado no sistema D’Hondt) e a estrutura da cédula (um voto por lista fechada) são universalmente aplicadas nas eleições para deputado nacional em Cabo Verde, a magnitude dos distritos apresenta alta variação no país. As seis eleições, de 1991 a 2016, para deputado, foram realizadas em distritos que elegeram de 1 a 19 deputados - uma variabilidade considerável de magnitude, em uma comparação internacional. Outra razão pela qual a magnitude dos distritos deve despertar o interesse dos cientistas políticos é a de que a definição dos distritos eleitorais em Cabo Verde passou por intensa remodelação, no período analisado. Em dois momentos (1995 e 2011), mais da metade dos distritos sofreu alteração que afetou sua magnitude. Em outros momentos, um grupo menor de distritos foi modificado e, somente entre a penúltima e a última eleição parlamentar, a configuração dos distritos permaneceu inalterada. Por fim, cabe assinalar que a literatura sobre o impacto dos sistemas eleitorais e, especificamente, o papel da magnitude dos distritos avançaram nos últimos anos, aprofundando a questão da separação entre diferentes mecanismos causais em jogo. Conectamos a análise do caso cabo-verdiano com esta discussão, separando os efeitos mecânicos dos efeitos psicológicos, e, nestes últimos, o impacto sobre o eleitor, do impacto sobre os partidos políticos. Também ampliamos a abrangência da análise do caso de Cabo Verde. Enquanto Costa (2003COSTA, D. H. (2003). “Sistema eleitoral e sistema partidário cabo-verdiano (1991-2001) com um olhar sobre o mundo”. Revista Direito e Cidadania, v. 16/17, p. 253-300.) incluiu os dados de apenas três eleições (1991, 1995 e 2001) e Sanches (2012aSANCHES, E.R. (2012). “O Processo de Institucionalização do Sistema de Partidos Cabo-Verdiano”. Revista de Estudos Cabo-Verdianos, n. 4, p. 9-28.) incorporou o pleito de 2006, nossa análise abrange as seis eleições, de 1991 a 2016.

Assim, o presente artigo analisa a questão da influência da magnitude sobre o sistema partidário, a partir dos dados das eleições legislativas nacionais em Cabo Verde, levando em conta os resultados das últimas eleições e os debates na literatura mais recente. Testamos indicadores diferentes, para aferir o impacto do sistema eleitoral sobre o sistema partidário como um todo, e também, especificamente, sobre os partidos pequenos.

Cinco seções compõem este artigo, além da introdução e da conclusão. Na primeira delas, recapitulamos brevemente a história política de Cabo Verde, desde a independência, com ênfase na disputa político-partidária e nas instituições que moldaram o sistema partidário, desde a volta ao multipartidarismo, em 1991. Para um leitor não familiarizado com o quadro das disputas políticas em democracias no continente africano, é importante situar o caso cabo-verdiano, para caracterizar a sua excepcionalidade, tanto no que diz respeito à estabilidade do regime democrático, como também no que tange à questão da competitividade do sistema político, resultando em várias alterações de governo, no período. Na segunda seção, descrevemos mais detalhadamente questões relacionadas à disputa pelo legislativo, desde 1991. Questões importantes, neste contexto, referem-se à descrição da formação de terceiros partidos. Quando surgem e por que? Quais são as suas características em termos de presença nacional e perenidade no tempo? Na terceira seção, analisamos os dados quantitativos, aferindo a influência do sistema eleitoral sobre o sistema partidário, com enfoque especial sobre o papel da magnitude dos distritos sobre os pequenos partidos. Na quarta seção investigamos o argumento de que partidos pequenos podem evadir as barreiras colocadas por distritos de pequena magnitude, quando seus votos são concentrados regionalmente. A quinta seção analisa em que medida os novos partidos têm origem na demanda externa por representação de interesses, até então não atendidos. Concluímos, resumindo os achados e apontando para lacunas na pesquisa sobre a questão da magnitude dos distritos.

Histórico da formação política de Cabo Verde

Cabo Verde se tornou independente em 1975, juntamente com a Guiné-Bissau, após prolongada luta armada contra Portugal, último país a reconhecer a independência das suas colônias na África. A luta de libertação desses dois países foi dirigida por um mesmo partido, de caráter binacional: o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), criado em 1956 e liderado por Amílcar Cabral, que era filho de cabo-verdianos e nasceu na Guiné-Bissau (Andrade, 2013ANDRADE, M. (2013). Amilcar Cabral, unidade e luta: a arma da teoria. Praia: Fundação Amilcar Cabral, v. 1.). Para a história política posterior, é importante mencionar que a luta armada aconteceu no território guineense. Não houve conflitos sangrentos pela independência, no arquipélago de Cabo Verde. Após a independência, a geração dos libertadores dominaria durante longo tempo o cenário político. O PAIGC, lar político desta geração e portador da memória da libertação, dirigiu o novo país sob um sistema unipartidário. Após um golpe de Estado em Guiné-Bissau (1980), os dois países se separam formalmente. Renomeado como Partido Africano para Independência de Cabo Verde (PAICV), o partido, presente somente em Cabo Verde, continuou dirigindo o país por mais uma década (até 1991), sob o mesmo sistema unipartidário.

Nesse período unipartidário, foram realizadas eleições gerais para o legislativo, mas as escolhas efetivas apresentadas aos eleitores eram bastante limitadas. As regras eleitorais existentes, à época, determinavam a escolha dos dirigentes políticos por meio de um único sufrágio universal e direto. Somente os deputados da Assembleia Nacional eram eleitos pelo voto popular, com mandato de 5 anos. O governo - composto pelo Presidente, Primeiro-ministro e Ministros - era eleito indiretamente pela Assembleia Nacional. Durante o período, somente o PAIGC podia apresentar candidatos nas eleições populares. O eleitor votava na lista fechada apresentada pelo partido único, optando por marcar uma cruz (X) na janela da cor preta (caso fosse contra a lista apresentada), ou na janela de cor verde (caso estivesse de acordo com a lista apresentada pelo partido). A lista apresentada pelo PAIGC tinha de ser aprovada com maioria simples pelos eleitores. Caso isso não acontecesse, o partido teria a responsabilidade de apresentar uma nova lista para o segundo turno.5 5 Para mais detalhes, consultar as leis eleitorais nº 2, 1980 e nº45 II, 1984. Foram realizadas três eleições legislativas, em 1975, 1980 e 1985, sob as referidas regras. Em todos os pleitos, os eleitores legitimaram a lista apresentada pelo PAICV, no primeiro turno. O caso da reprovação pelo eleitor, forçando o partido único a apresentar outros candidatos, não ocorreu.

Vale realçar que o regime unipartidário, adotado nos primeiros quinze anos de independência em Cabo Verde, era semelhante ao escolhido pelos demais países africanos que foram colônias portuguesas, os chamados PALOP (Países Africanos de Língua Portuguesa), incluindo Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Segundo Évora (2009ÉVORA, R. (2009). Poder Legislativo no Regime Democrático em Cabo Verde. Doutorado. Brasília: UnB.), a história política pós-independência desses países divide-se em duas fases. Na primeira, entre 1973/1975 a 1990, todos adotaram o sistema de partido único, baseado na ideologia marxista e leninista. Porém, os cinco países vivenciaram essa fase em condições diferentes. Macuane (2000 e 2009) explica que, em Angola e Moçambique, o sistema monopartidário de ideologia marxista-leninista conviveu com a repressão de qualquer outra força de manifestação do pluralismo político, contrária ao regime instalado. Segundo Almeida e Sanches (2010SANCHES, E.R. (2010). “Institucionalização dos Sistemas Partidários na África Lusófona. O caso Cabo-Verdiano”. Caderno de Estudos Africanos, n. 20, p. 111-138.), esses dois países mergulharam, cada qual, em uma guerra civil prolongada, logo após a independência.6 6 Em Angola, o governo da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) sofreu combate armado pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola); e, em Moçambique, o governo da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) enfrentou a luta armada da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). A Guiné Bissau também vivenciou instabilidade política, enfrentando vários golpes militares. No mesmo período, apenas Cabo Verde e São Tomé e Príncipe não vivenciaram cenários de golpe militares e/ou guerra civil.

A segunda fase na periodização de Évora vai de 1991 a 1994, que seria o momento da abertura do sistema para o regime multipartidário. Cabo Verde e São Tomé e Príncipe foram os primeiros a realizar eleições no cenário multipartidário, em 1991. Em Angola, as primeiras eleições aconteceram em 1992, e em Moçambique e Guiné-Bissau, em 1994 (Sanches, 2011). Todavia, não obstante a semelhança do processo de abertura para o multipartidarismo, as caraterísticas dos sistemas democráticos implementados nesses países, na primeira metade dos anos noventa, apresentaram especificidades.

Em Angola, Santos (2009)SANTOS, A. M. D. (2006). “Regras eleitorais importam? Modelos de listas eleitorais e seus efeitos sobre a competição partidária e o desempenho institucional”. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, V. 49, p. 721-749. identifica a existência de um sistema multipartidário com monopólio de um partido, o MPLA. Almeida e Sanches (2010SANCHES, E.R. (2010). “Institucionalização dos Sistemas Partidários na África Lusófona. O caso Cabo-Verdiano”. Caderno de Estudos Africanos, n. 20, p. 111-138.) ressaltam que as eleições pós-conflito resultaram na volta ao conflito. Na Guiné-Bissau, Azevedo (2009) e Neto e Lobo (2009) descrevem o sistema partidário como fragmentado, marcado por instabilidade do governo, golpe de Estado e guerra civil. Em Moçambique, instala-se um sistema multipartidário, com tendência ao bipartidarismo com dois partidos fortes (FRELIMO e RENAMO), apesar de haver uma grande proliferação de outros partidos no país (Macuane, 2009MACUANE, J. J. (2009). “O Semipresidencialismo em Moçambique (1986-2008)”, in Lobo, M. C.; Amorim Neto, O. (Orgs.). O Semipresidencialismo nos Países de Língua Portuguesa. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, pp. 171-199.). No caso de São Tomé e Príncipe, Seibert (2009SEIBERT, G. (2009). “Instabilidade Política e revisão Constitucional. Semipresidencialismo em São Tomé e Príncipe. in Lobo, M. C.; Amorim Neto, O. (Eds.). O semipresidencialismo nos países de língua portuguesa. Instituto de Ciências Sociais. ) caracteriza o sistema multipartidário adotado, como sendo uma democracia marcada por fracas capacidades institucionais e instabilidade política, refletida em frequentes mudanças de governo. Por fim, no caso cabo-verdiano, que é o nosso objeto de análise no presente artigo, Costa (2009COSTA, D. H. (2009). “O Papel do Chefe de Estado no Semipresidencialismo Cabo-verdiano: 1991-2007”, in Lobo, M. C. & Amorim Neto, O. (Orgs.). O Semipresidencialismo nos Países de Língua. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais.) e Sanches (2012aSANCHES, E.R. (2012). “O Processo de Institucionalização do Sistema de Partidos Cabo-Verdiano”. Revista de Estudos Cabo-Verdianos, n. 4, p. 9-28.) identificam a presença de um sistema multipartidário com tendência à polarização, com dois partidos dominando o sistema: PAICV (Partido Africano para Independência de Cabo Verde) e MpD (Movimento para Democracia).

Neste quadro comparativo, os processos de abertura do regime unipartidário e de transição para a democracia em Cabo Verde ocorreram de forma negociada e pacifica. Évora (2001ÉVORA, R. A. (2001). Abertura política e o processo de transição democrática em Cabo Verde. Dissertação de Mestrado. Brasília: UnB.) explica que o desencadeamento do processo de abertura para o regime pluripartidário em Cabo Verde ocorreu principalmente a partir da pressão externa, por parte dos países que forneceram apoio político e econômico. O processo de transição foi conduzido como uma iniciativa conjunta dos líderes do regime autoritário e do movimento de oposição, organizado no MpD. Este movimento político foi fundado pelos chamados “trotskistas”, um grupo de antigos integrantes do PAIGC. Expulso do partido PAICV, em 1979, o grupo organizou um novo partido político, o MpD, e fez pressão a favor da abertura política.

O processo de transição foi posto em marcha pelo próprio governo, quando o então Primeiro-ministro Pedro Pires, no final de seu mandato em fevereiro 1990, anunciou a intenção de realizar uma revisão constitucional, fazendo cair o artigo 4º, que garantia o monopólio do PAICV. A partir dessa decisão, a Assembleia Nacional Popular (ANP) reuniu-se em convocação extraordinária, revogando o artigo 4º da Constituição, e criando as condições jurídicas e institucionais passíveis de assegurar a competição entre várias forças políticas. A transição para a chamada II República veio na esteira de várias reformas nas instituições políticas nacionais. Com o objetivo de formatar as condições da competição política multipartidária, foram aprovadas a Lei n.º 86/III/1990, que institui o regime jurídico dos Partidos Políticos; a Lei n.º 88/III/1990, que aprova a lei eleitoral do Presidente da República; e a Lei n.º 90/III/1990, que regula o acesso aos meios de comunicação: o chamado direito de antena e de resposta política.

A competição política passou a acontecer em dois âmbitos administrativos. No âmbito nacional, os eleitores continuam elegendo os deputados da Assembleia Nacional (AN) e, adicionalmente, passariam a eleger diretamente o chefe de Estado, o Presidente da República (antes, eleito indiretamente pela AN). O novo cargo de Primeiro-ministro continuaria sendo eleito indiretamente pela AN. Essa combinação caracteriza o sistema semipresidencialista de Cabo Verde. No âmbito local, os executivos colegiados (Câmaras Municipais) e as casas legislativas (Assembleias Municipais) são eleitas em eleições diretas e simultâneas, mas defasadas das eleições nacionais, nas chamadas autarquias locais, que correspondem às cidades e vilas rurais. A democracia pluripartidária em Cabo Verde nasceu com grande capilaridade, fortalecendo a presença dos partidos nas unidades descentralizadas do Estado.

Quadro 1 -
Órgãos de poder político eleitos com voto popular e as regras eleitorais

O quadro acima representa os órgãos de poder político, escolhidos por meio de eleições diretas, e as regras que regulam as eleições. Na eleição presidencial, os votos são totalizados em uma única circunscrição nacional. As candidaturas para esse cargo são propostas por um mínimo de mil e o máximo de quatro mil eleitores (artigo 111º da Constituição da República). Aplica-se o sistema majoritário, com maioria simples e de dois turnos; ou seja, ganha o candidato que tiver maioria absoluta dos votos válidos e, caso isso não aconteça, procede-se ao segundo turno, até o décimo quinto dia seguinte à primeira eleição (artigo 37º, Código Eleitoral, 2010).7 7 O cargo de Presidente da República não pode ser exercido por mais de dois mandatos consecutivos (alínea e, artigo 371º) e é incompatível com qualquer outro cargo político ou outra função pública e funções privadas (artigo 129º da Constituição da República).

Nas eleições legislativas, elegem-se diretamente os deputados nacionais que compõem a Assembleia Nacional. O legislativo é unicameral, composto por setenta e dois deputados, cujo mandato é de cinco anos. Para a eleição dos deputados, o território nacional é dividido em distritos, chamados círculos eleitorais, que correspondem aproximadamente à divisão do país em ilhas e, dentro destas, à divisão administrativa em vilas. No presente texto, referiremos estes círculos eleitorais como distritos. A magnitude dos distritos varia, com alguns elegendo apenas um deputado e outros até 19. O número total de deputados nacionais era de 79, em 1991, e foi reduzido para 72, nas eleições seguintes, permancendo até hoje. O direito de apresentação de candidaturas está reservado aos partidos políticos com listas ordenadas e fechadas de candidatos para cada círculo eleitoral. A conversão dos votos em mandatos é feita de forma proporcional, utilizando o método d´Hondt (CE, 2010). Após a eleição, a Assembleia Nacional elege de forma indireta o chefe do Governo, o Primeiro-ministro.

Assim, criadas as condições legais, os meses de janeiro (eleições legislativas), fevereiro (eleições presidenciais) e dezembro (eleições municipais) de 1991 marcaram o início da competição multipartidária em Cabo Verde. Desde então, realizaram-se eleições regulares e competitivas em Cabo Verde, nos intervalos previstos. Foram realizadas seis eleições legislativas: 1991, 1995, 2001, 2006, 2011 e 2016; sete eleições autárquicas (municipais): 1991, 1996, 2000, 2004, 2008, 2012 e 2016; e seis eleições presidenciais: 1991, 1995, 2001, 2006, 2011 e 2016. Todas essas eleições ocorreram em ambiente pacífico, porém competitivo, resultando em três alterações de governo, em âmbito nacional. Na primeira eleição, em 1991, o MpD desbancou do poder o PAICV, antigo partido único, que governou o país por dez anos (1991-2001). Em 2001, o PAICV voltou ao poder e governou o país durante quinze anos (2001-2016). Em 2016, o MpD venceu as eleições e voltou ao poder.

Retomando o ponto anterior, vale ressaltar que Cabo Verde, juntamente com São Tomé e Príncipe, são os únicos países do grupo dos países africanos de língua portuguesa que possuem regimes políticos relativamente estáveis, baseados na realização de eleições pacíficas após 1991 (Macuane, 2000). Cabo Verde se destaca por ser o único país do grupo em que as eleições resultaram em reiteradas mudanças no controle do governo nacional, baseadas na vitória da oposição nas urnas. Uma das marcas importantes dessa consolidação da democracia em Cabo Verde é a evolução de um sistema unipartidário para o sistema bipartidário. Na seção seguinte, analisaremos mais detalhadamente a evolução e a consolidação do sistema bipartidário.

A evolução do sistema bipartidário em Cabo Verde

Após a introdução de eleições multipartidárias, dois partidos (o PAICV e o MpD) conseguiram dominar a disputa eleitoral nacional, situação que, em larga escala, predomina até hoje. Isto contraria as previsões de Duverger (1954DUVERGER, M. (1954). Political Parties: Their Organisation and Activity in the Modern State. Cambridge: University Printing House (Methuen & Co Ltd).), que estabeleceu uma correspondência entre sistemas eleitorais majoritários e sistemas bipartidários, de um lado, e sistemas proporcionais e sistemas multipartidários, de outro lado. Desde a abertura política, em 1991, o sistema eleitoral de Cabo Verde para as eleições legislativas é proporcional, de lista fechada.8 8 As formulações exatas da lei de Duverger variam, mesmo nos textos do autor, havendo amplo debate na literatura sobre a correta interpretação da teoria. A formulação algo imprecisa, utilizada aqui, é suficiente para sinalizar que, pela lei de Duverger, poderíamos esperar o surgimento e sucesso de terceiros partidos. Portanto, segundo Duverger, o país ofereceria condições favoráveis ao surgimento e consolidação de terceiros partidos. Por que estas iniciativas não prosperaram, como a teoria sugere? Antes de responder à pergunta, examinemos mais de perto os padrões da disputa.

Os quadros 2, 3 e 4 recapitulam, brevemente, as características da disputa eleitoral pelo legislativo, nas seis eleições observadas. Os quadros seguem as três etapas sequenciais do processo eleitoral. Em primeiro lugar, os partidos decidem se lançam candidaturas, ou não. O quadro 2 retrata o resultado dessa decisão. Depois, os eleitores tomam a decisão eleitoral nas urnas. Os padrões de votação são resumidos no quadro 3. O terceiro passo é a transformação dos resultados das urnas em cadeiras na Assembleia Nacional. O sistema eleitoral tem grande influência sobre essa transformação. A alocação de cadeiras é retratada no quadro 4.

Quadro 2:
O lançamento de candidaturas pelos partidos para as vagas na Assembleia Nacional

O quadro 2, referente à decisão de lançar candidaturas, sugere uma avaliação em dois níveis de profundidade. Os campos marcados em cinza identificam quais partidos apresentaram pelo menos um candidato à Assembleia Nacional. Os números identificam quantas vagas da Assembleia Nacional cada partido disputou. Este último dado é o resultado da soma do número de cadeiras disputadas nos distritos eleitorais onde cada partido apresentou candidatos.

Verificamos que somente os dois principais partidos, PAICV e MpD, disputaram todas as eleições no período. Estas duas siglas também foram as únicas disputando todas as cadeiras em cada pleito. Os outros sete partidos, que participaram das eleições para a Assembleia Nacional, fizeram-no de forma intermitente. Participaram de algumas eleições apenas e, na maioria das vezes, disputaram somente as vagas em uma parte dos distritos eleitorais.

Na primeira eleição, em 1991, somente o PAICV e o MpD apresentaram candidatos. É importante mencionar que a ausência de terceiros partidos nesta eleição não era resultado de escolha deliberada. Segundo vários autores, a limitação do tempo para realização do registro de novos partidos inviabilizou a participação de outros partidos (ÉVORA, 2009ÉVORA, R. (2009). Poder Legislativo no Regime Democrático em Cabo Verde. Doutorado. Brasília: UnB.; RAMOS, 2012RAMOS, A. M. (2012). Partidos Políticos na Democracia Cabo-verdiana: um estudo de caso (1991-2011). Dissertação de Mestrado. Praia: Universidade de Cabo Verde.; RODRIGUES, 2015RODRIGUES, A. L. (2015). A democracia Cabo-verdiana e os pequenos partidos políticos. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo.)Um destes exemplos é a UCID, sigla criada ainda em 1978 pelos exilados na Holanda, e que conseguiu seu registro somente depois das eleições em 1991, sendo impedida de disputar a Assembleia Nacional daquele ano. Esses impedimentos de ordem político-legal, que limitaram a competitividade dessas primeiras eleições fundadoras, devem ser responsabilizados pela ausência de terceiros partidos em 1991.

A apresentação de terceiros partidos nas eleições legislativas começou a partir da segunda eleição, em 1995, na qual três partidos adicionais (UCID, PSD e PCD) apresentaram candidatos. Somente o PCD apresentou candidatos em todos os distritos eleitorais, disputando as 72 vagas. Os outros dois partidos, UCID e PSD, apresentaram candidatos somente em parte dos distritos, disputando 57 e 45 das vagas, respectivamente.

Em 2001, foram novamente três partidos adicionais que apresentaram candidatos. O PSD aumentou a sua presença, disputando agora 58 (antes 45) das vagas. PCD e UCID se juntaram ao PTS, e disputaram as eleições como aliança eleitoral (ADM), conseguindo, assim, apresentar candidatos em todos os distritos, disputando as 72 cadeiras. A novidade na eleição foi o PRD, que igualmente apresentou candidaturas em todos os distritos. Isto significa que eleitores de qualquer região puderam escolher entre os candidatos de quatro partidos - PAICV, MpD, ADM e PRD -, sendo que, na metade das circunscrições, houve como quinta opção os candidatos do PSD. Foi nesta eleição que o PAICV conseguiu reconquistar a maioria na Assembleia Nacional.

Na eleição seguinte, em 2006, a competitividade das eleições, vista sob a ótica da apresentação de candidaturas de terceiros partidos, diminuiu. Novamente, três partidos adicionais apresentaram candidatos, mas nenhum conseguiu disputar em todos os distritos eleitorais. O PSD reduziu a sua presença nacional, disputando agora 37 cadeiras. Com isto, ele caiu abaixo do patamar alcançado em 1991 e 1996, quando havia disputado 45 e 57 cadeiras, respectivamente. A aliança ADM se desfez e, dos partidos integrantes, somente a UCID apresentou candidatos. O partido disputou apenas as 11 vagas no distrito de São Vicente, número bem inferior às 57 vagas disputadas em 1996. O PRD, que na eleição anterior tinha apresentado candidatos para todas as 72 cadeiras, reduziu igualmente sua presença, disputando agora 47 das vagas na Assembleia Nacional. Em comparação à eleição anterior, disputada por no mínimo quatro partidos nacionalmente, somente os dois partidos apresentaram candidatos em todos os distritos, com presença intermitente de um dos terceiros partidos.

Em 2011, novamente cinco partidos apresentaram candidaturas. Entre os terceiros partidos, figuraram novamente PSD e UCID. O PRD não apresentou candidatos; em seu lugar, entrou o PTS como quinto concorrente. Tanto PSD e UCID conseguiram reverter o declínio, aumentando o número de vagas disputadas: no caso do PSD, de 37 para 44, e no caso do UCID, de 11 para 66. O novo partido PTS se apresentou disputando 35 das 72 vagas. Como na eleição anterior, somente os dois grandes partidos apresentaram candidatos em todos os distritos eleitorais.

Na última eleição, em 2016, seis partidos, incluindo PAICV e MpD, disputaram as eleições legislativas nacionais. A UCID se fortaleceu, apresentando candidatos em todos os distritos. Por outro lado, PSD e PTS reduziram sua presença, de 44 para 24, e de 35 para 18 vagas disputadas, respectivamente. Como novo competidor, entrou o PP que disputou 37 das 72 vagas.

Essa breve recapitulação ilustra como, do ponto de vista da apresentação de candidaturas, somente os dois partidos grandes, PAICV e MpD, demostraram capacidade de disputar todas as vagas da Assembleia Nacional, em todas as eleições. Desconsiderando as eleições de 1991, em função das limitações político-legais, e interpretando a aliança eleitoral ADM como continuidade dos três partidos nela envolvidos, podemos dizer que dois partidos adicionais, UCID e PSD, tiveram presença em todas as eleições, de 1996 a 2016, mesmo que disputando somente parte das vagas. A presença dos outros quatro partidos na disputa eleitoral foi intermitente; nenhum deles conseguiu disputar vagas em mais do que duas eleições consecutivas.

Quadro 3:
As preferências partidárias agregadas do eleitorado na eleição para a Assembleia Nacional

A segunda etapa no caminho para a representação política passa pelo eleitor, que manifesta as suas preferências partidárias na hora de votar. O quadro 3 retrata novamente o padrão bipartidário das disputas, agora manifestado através dos padrões de votação do eleitorado. Somando os votos depositados nos terceiros partidos (na penúltima coluna), verificamos que eles ficam sempre abaixo de 10% dos votos. Isto significa que nove entre dez eleitores votaram em um dos dois grandes partidos, PAICV ou MpD, em todas as eleições. Outra medida para aferir a fragmentação partidária é o Número Efetivo de Partidos no eleitorado,9 9 O cálculo do Número Efetivo de Partidos (NEP), segundo Laakso e Taagepera (1979), é conhecido na Ciência Política. que indica (na última coluna) que, para todas as eleições, o índice ficou próximo de 2 partidos efetivos, com pequenas oscilações.

Os terceiros partidos apresentam um perfil variado. O PSD tem uma adesão pequena no eleitorado, conquistando nele não mais do que 1%. A UCID tem perfil diferente: começou com votação modesta, mas nas últimas três eleições conseguiu ampliar constantemente a sua participação no eleitorado e é, hoje, de longe, o terceiro partido mais importante nas disputas eleitorais. Os outros quatro partidos (incluindo, aqui, a coligação ADM) têm uma presença mais volátil no eleitorado. Mesmo avaliando o eleitorado dos terceiros partidos em conjunto, não é possível identificar uma tendência clara de crescimento ou declínio, ao longo das eleições. O quadro é de oscilação abaixo do patamar de 10% do eleitorado.

O quadro 3 também ilustra a alternância de maioria nas preferências do eleitorado. Verificamos os três momentos de mudança do controle sobre o governo nacional, a partir das novas maiorias, resultantes do processo eleitoral. Primeiro, na eleição de transição, em 1991, o PAICV perdeu o apoio da maioria do eleitorado para o MpD. Depois, em 2001, conseguiu reverter a situação, novamente a partir do sucesso nas urnas. E, por fim, em 2016, o MpD volta a ganhar a maioria dos votos nas eleições legislativas. Essa mudança pacífica do poder político pela via eleitoral é a característica marcante da evolução política de Cabo Verde.

Quadro 4:
A composição da Assembleia Nacional a partir do resultado eleitoral

A última etapa do processo eleitoral consiste na tradução dos votos em cadeiras. A composição da Assembleia Nacional, no quadro 4, deixa claro que os terceiros partidos ocupam uma posição marginal, somando entre 1 e 3 cadeiras, desde a sua entrada na arena eleitoral, em 1995. Esse número corresponde de 1,4 a 4,2% dos 72 assentos na Assembleia Nacional. Mesmo com uma tendência crescente, o peso político é marginal. O partido vencedor, seja PAICV ou MpD, continua com votos suficientes no legislativo para garantir a maioria absoluta na Casa, não precisando do eventual apoio dos partidos pequenos, para garantir maioria nas votações. Outro dado que expressa resiliência do bipartidarismo no legislativo é o número de partidos efetivos. Comparando os valores da fragmentação do eleitorado (NEP voto) com a fragmentação da Assembleia Nacional (NEP cadeiras), vemos que a segunda está sempre mais próxima do valor 2, representando o bipartidarismo puro.10 10 É importante lembrar que o NEP voto e o NEP cadeiras não dependem somente do desempenho dos terceiros partidos, mas também da relação entre os primeiros colocados. Esta é uma das razões pelas quais não usamos o NEP para aferir a questão da resiliência do bipartidarismo. O foco sobre a votação e as cadeiras para terceiros partidos é mais preciso para abordar a questão principal da nossa investigação, que diz respeito às dinâmicas fora do bipartidarismo.

Mencionamos, antes, que a teoria de Duverger a respeito do impacto do sistema eleitoral sobre a disputa partidária sugere uma tendência ao bipartidarismo em sistemas majoritários, e também espaço para sistemas pluripartidários em sistemas proporcionais. Tal explicação não encontra apoio nos dados acima apresentados. Por que o sistema proporcional de lista fechada, em vigor em Cabo Verde em todas as eleições analisadas, não incentivou terceiros partidos a lançarem candidatos? Por que eleitores descontentes não votam nestes partidos? E por que os partidos não conseguem eleger um número de representantes proporcional à sua votação, como prometem os sistemas proporcionais?

A ciência política tem três respostas diferentes para estes questionamentos. A primeira introduz um elemento adicional à análise das instituições eleitorais: a magnitude dos distritos. A segunda argumenta que o impacto das instituições depende da distribuição geográfica dos votos. E a terceira diz que a formulação acima interpreta Duverger de forma incompleta. Para fomentar um sistema multipartidário, além da permissividade do sistema institucional, não basta a permissividade do sistema eleitoral. O sistema político precisaria produzir uma demanda por mais partidos.

A magnitude dos distritos e os mecanismos causais

Após o trabalho pioneiro de Duverger (1954DUVERGER, M. (1954). Political Parties: Their Organisation and Activity in the Modern State. Cambridge: University Printing House (Methuen & Co Ltd).), as investigações sobre as consequências dos sistemas eleitorais para os sistemas partidários giraram em torno das diferentes fórmulas eleitorais e das escolhas apresentadas aos eleitores. No centro da pesquisa estavam a oposição entre sistemas proporcionais e majoritários, as votações em um ou vários turnos, os sistemas de transferência de votos para captar as preferências do eleitor e as fórmulas para implementar o princípio da proporcionalidade, como D’Hondt, Saint Laigue ou sistema de maiores sobras. Em contraste, a questão da magnitude dos distritos, como característica que perpassa todos os sistemas eleitorais, teve uma entrada tardia nos estudos sobre sistemas eleitorais.11 11 Lijphart menciona Horwill (1925) como precursor, chamando atenção para a atitude, e Sartori cita Hogan (1945); mas ambos reconhecem o papel de Rae. Somente com o trabalho de Rae (1967RAE, D. W. (1967). The Political Consequences of Electoral Laws. Yale University Press. ), a magnitude foi identificada como um dos principais fatores responsáveis pela desproporcionalidade dos sistemas eleitorais. Uma vez que as disputas eleitorais podem ser realizadas nacionalmente, ou subdividindo o país em vários distritos, o termo magnitude se refere ao número de representantes eleitos por distrito. Segundo Rae, distritos de pequena magnitude dificultam a eleição de minorias; enquanto distritos de grande magnitude são mais permissivos para a representação de grupos minoritários, promovendo, portanto, sistemas partidários mais fragmentados. Sartori (1986SARTORI, G. (1986). “The influence of electoral systems: Faulty laws or faulty methods?”. in Grofman, B.; Lijphart, A. (Eds.). Electoral Laws and Their Political Consequences. 2ª. ed. Algora Publishing, p. 43-68. , p. 53) reconheceu o papel central de Rae nessa descoberta: “O ponto importante é o seguinte: a magnitude dos distritos afeta a proporcionalidade de sistemas proporcionais mais do que as diferentes fórmulas eleitorais... Isso foi reconhecido somente com o trabalho de Rae e mesmo assim continua sendo subestimado até hoje”. Lijphart (1985LIJPHART, A. (1985). “The field of electoral systems research: A critical survey”. Electoral Studies, v. 4, n. 1, p. 3-14, 1 abr. , p. 9) destaca o papel de Rae, atribuindo ao autor a invenção do conceito adequado para descrever o fenômeno: “Rae introduziu o excelente conceito ‘magnitude do distrito’ para designar o número de representantes eleitos por distrito”.

Após Rae, multiplicou o número de trabalhos dedicados à análise do impacto da magnitude dos distritos sobre a competição entre partidos.12 12 Ao mesmo tempo, surgem outros trabalhos importantes, analisando o impacto da magnitude sobre o voto pessoal (Carey, Shugart 1995), sobre a representatividade (Eggers et al. 2014), sobre a participação eleitoral (Muruoka 2017), ou sobre a distribuição espacial dos votos (Silva 2017). Estes outros impactos da magnitude não serão tratados aqui. Taagepera e Shugart (1989TAAGEPERA, R.; SHUGART, M. S. (1989). Seats and Votes: The Effects and Determinants of Electoral Systems. New Haven: Yale University Press. ) tratam a magnitude dos distritos em um capítulo separado, em seu Seats and Votes, identificando-a, no título, como “o fator decisivo”. Na terceira edição do trabalho de Lijphart (2012LIJPHART, A. (2012). Patterns of Democracy. Yale University Press. ), Patterns of Democracy, a magnitude figura entre as três características mais importantes dos sistemas eleitorais, influenciando a desproporcionalidade da alocação das cadeiras. Lijphart amplia o argumento da magnitude para os sistemas majoritários, destacando um efeito de interação interessante. Enquanto em sistemas proporcionais distritos maiores levam à representação mais proporcional entre votos e cadeiras, em sistemas majoritários o efeito é inverso. Com o aumento da magnitude, a desproporcionalidade aumenta. No entanto, grande parte da literatura continua explorando a magnitude dos distritos apenas nos sistemas proporcionais (Eggers e Fouirnaies, 2014EGGERS, A. C.; FOUIRNAIES, A. (2014). “Representation and District Magnitude in Plurality Systems”. Electoral Studies. v. 33, p. 267-277.).13 13 Uma das causas é o grande número de países que adotou este sistema e que, dentro dele, apresenta grande variedade de magnitude de distritos. Uma novidade, nos trabalhos mais recentes com foco na magnitude dos distritos, é que em complemento à comparação entre países, na qual a magnitude mediana por país é usada como indicador (BLAIS; CARTY, 1991BLAIS, A.; CARTY, R. K. (1991). “The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger’s Elusive Factor”. British Journal of Political Science, v. 21, n. 1, p. 79-93.; CAREY; SHUGART, 1995CAREY, J. M.; SHUGART, M. S. (1995). “Incentives to cultivate a personal vote: A rank ordering of electoral formulas”. Electoral Studies, v. 14, n. 4, p. 417-439, dez. ; LIJPHART, 1990LIJPHART, A. (1990). “The Political Consequences of Electoral Laws, 1945-85”. The American Political Science Review, v. 84, n. 2, p. 481-496.; ORDESHOOK; SHVETSOVA, 1994ORDESHOOK, P. C.; SHVETSOVA, O. V. (1994). “Ethnic Heterogeneity, District Magnitude, and the Number of Parties”. American Journal of Political Science, v. 38, n. 1, p. 100-123.; TAAGEPERA; LAAKSO, 1980TAAGEPERA, R.; LAAKSO, M. (1980). “Proportionality Profiles of West European Electoral Systems”. European Journal of Political Research, v. 8, n. 4, p. 423-446. ) surgem trabalhos explorando a variação interna da magnitude dentro de um país (AMORIM NETO; CORTEZ; PESSOA, 2011AMORIM NETO, O.; CORTEZ, B. F.; PESSOA, S. DE A. (2011). “Redesenhando o Mapa Eleitoral do Brasil: uma proposta de reforma política incremental”. Opinião Pública, v. 17, n. 1, p. 45-75, jun. ; BENOIT, 2001BENOIT, K. (2001). “District magnitude, electoral formula, and the number of parties”. European Journal of Political Research, v. 39, n. 2, p. 203-224, 1 mar. ; GEYS, 2006GEYS, B. (2006). “District magnitude, social heterogeneity and local party system fragmentation”. Party Politics, v. 12, n. 2, p. 281-297. ; JESSE, 1999JESSE, N. G. (1999). “Candidate success in multi-member districts: an investigation of Duverger and Cox”. Electoral Studies, v. 18, n. 3, p. 323-340, set. ; LACHAT; BLAIS; LAGO, 2015LACHAT, R.; BLAIS, A.; LAGO, I. (2015). “Assessing the Mechanical and Psychological Effects of District Magnitude”. Journal of Elections, Public Opinion and Parties, v. 25, n. 3, p. 284-299, 3 jul. ; LAGO PENAS, 2004LAGO PENAS, I. (2004). “Cleavages and thresholds: the political consequences of electoral laws in the Spanish Autonomous Communities, 1980-2000”. Electoral Studies, v. 23, n. 1, p. 23-43, 1 mar. ; LEWIS, 2018LEWIS, B. D. (2018). “Endogenous district magnitude and political party fragmentation in subnational Indonesia: A research note”. Electoral Studies, v. 55, p. 136-145, 1 out. ; MURAOKA; BARCELÓ, 2017MURAOKA, T.; BARCELÓ, J. (2017). “The effect of district magnitude on turnout: Quasi-experimental evidence from nonpartisan elections under SNTV”. Party Politics, p. 1-8, 15 nov. ; SINGER, 2015SINGER, M. M. (2015). “Does increasing district magnitude increase the number of parties? Evidence from Spain, 1982-2011”. Electoral Studies, v. 38, p. 118-126, jun. ; VATTER, 2003VATTER, A. (2003). “Legislative Party Fragmentation in Swiss Cantons: A Function of Cleavage Structures or Electoral Institutions?”. Party Politics, v. 9, n. 4, p. 445-461, 1 jul.). Outro traço dos trabalhos mais recentes sobre a magnitude é a tentativa de identificar, separadamente, os três mecanismos causais - já mencionados por Duverger -, que ligam o sistema eleitoral ao sistema partidário. São estes: o efeito mecânico, na tradução de votos em cadeiras; o efeito psicológico, quando os eleitores adaptam seu voto estrategicamente a este efeito; e o efeito psicológico sobre os partidos, os quais, por sua vez, desenvolvem estratégias, antecipando as suas decisões aos dois efeitos anteriores (BENOIT, 2001BENOIT, K. (2001). “District magnitude, electoral formula, and the number of parties”. European Journal of Political Research, v. 39, n. 2, p. 203-224, 1 mar. ; BLAIS et al., 2011BLAIS, A. et al. (2011). “The Mechanical and Psychological Effects of Electoral Systems: A Quasi-Experimental Study”. Comparative Political Studies, v. 44, n. 12, p. 1599-1621, dez.; CAREY; HIX, 2011CAREY, J. M.; HIX, S. (2011). “The Electoral Sweet Spot: Low-Magnitude Proportional Electoral Systems”. American Journal of Political Science, v. 55, n. 2, p. 383-397. ; LACHAT; BLAIS; LAGO, 2015LACHAT, R.; BLAIS, A.; LAGO, I. (2015). “Assessing the Mechanical and Psychological Effects of District Magnitude”. Journal of Elections, Public Opinion and Parties, v. 25, n. 3, p. 284-299, 3 jul. ; SINGER, 2015SINGER, M. M. (2015). “Does increasing district magnitude increase the number of parties? Evidence from Spain, 1982-2011”. Electoral Studies, v. 38, p. 118-126, jun. ).

O presente trabalho se insere nessa linha de investigações que exploram a variedade da magnitude dos distritos, analisando separadamente os efeitos mecânicos e psicológicos nos eleitores e partidos, sobre as diferentes etapas da eleição legislativa. Em relação às variáveis dependentes, a literatura trabalha com três linhas de investigação. Inicialmente, a pergunta-chave era, se a magnitude influenciava a desproporcionalidade da representação (GALLAGHER, 1991GALLAGHER, M. (1991). “Proportionality, disproportionality and electoral systems”. Electoral Studies, v. 10, n. 1, p. 33-51, 1 mar.; BENOIT, 2000BENOIT, K. (2000). “Which Electoral Formula Is the Most Proportional? A New Look with New Evidence”. Political Analysis, v. 8, n. 04, p. 381-388, jul. ; CAREY; HIX, 2011CAREY, J. M.; HIX, S. (2011). “The Electoral Sweet Spot: Low-Magnitude Proportional Electoral Systems”. American Journal of Political Science, v. 55, n. 2, p. 383-397. ). Nesta linha de investigação, a questão é o quanto a fração de votos difere da fração de cadeiras conquistadas no legislativo. A segunda linha de investigação se refere ao impacto da magnitude sobre o sistema partidário. O indicador avaliado é a fragmentação do sistema partidário, tipicamente medido através do número de partidos, ou do número efetivo de partidos. Tal linha foi iniciada com Rae (1967RAE, D. W. (1967). The Political Consequences of Electoral Laws. Yale University Press. ) e continua forte até hoje (CAREY; HIX, 2011CAREY, J. M.; HIX, S. (2011). “The Electoral Sweet Spot: Low-Magnitude Proportional Electoral Systems”. American Journal of Political Science, v. 55, n. 2, p. 383-397. ). Por último, nos trabalhos mais recentes, os autores enfocam no impacto da magnitude sobre grupos específicos de partidos. A pergunta é se a magnitude do distrito promove a sobre-representação do maior ou dos maiores partidos (BENOIT, 2000BENOIT, K. (2000). “Which Electoral Formula Is the Most Proportional? A New Look with New Evidence”. Political Analysis, v. 8, n. 04, p. 381-388, jul. ; BLAIS; CARTY, 1991BLAIS, A.; CARTY, R. K. (1991). “The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger’s Elusive Factor”. British Journal of Political Science, v. 21, n. 1, p. 79-93.); ou, alternativamente, se ela penaliza os menores partidos (BLAIS; CARTY, 1991BLAIS, A.; CARTY, R. K. (1991). “The Psychological Impact of Electoral Laws: Measuring Duverger’s Elusive Factor”. British Journal of Political Science, v. 21, n. 1, p. 79-93.; LACHAT; BLAIS; LAGO, 2015LACHAT, R.; BLAIS, A.; LAGO, I. (2015). “Assessing the Mechanical and Psychological Effects of District Magnitude”. Journal of Elections, Public Opinion and Parties, v. 25, n. 3, p. 284-299, 3 jul. ; SINGER, 2015SINGER, M. M. (2015). “Does increasing district magnitude increase the number of parties? Evidence from Spain, 1982-2011”. Electoral Studies, v. 38, p. 118-126, jun. ; ZIEGFELD, 2013ZIEGFELD, A. (2013). “Are higher-magnitude electoral districts always better for small parties?”. Electoral Studies, v. 32, n. 1, p. 63-77, mar.).

Nas análises quantitativas seguintes, usamos uma base de dados com os resultados das eleições para a Assembleia Nacional, nas cinco eleições, de 1995 a 2016, em Cabo Verde, agregando os dados por distrito eleitoral (os círculos eleitorais).14 14 Uma vez que a análise foca no desempenho dos terceiros partidos, excluímos a eleição de 1991 do nosso banco de dados. Como explicado mais acima, na referida eleição, somente os dois partidos PAICV e MpD estavam habilitados a participar. Usamos regressão linear multivariada em todas as análises. A variável independente em todas as regressões é a magnitude dos distritos.15 15 Usamos a variável sem nenhuma transformação logarítmica ou quadrática, aplicada em alguns trabalhos. Testando os resultados com estas transformações, e não tendo encontrado diferenças significativas, resolvemos usar a variável bruta, representando o número de deputados eleitos por distrito. Informações sobre as características socioeconômicas dos distritos, que poderiam ser usadas como variáveis de controle, não estão praticamente disponíveis nas estatísticas oficiais de Cabo Verde. Desta forma, as regressões contam somente com uma variável independente de interesse: a magnitude. As variáveis dependentes estão sempre vinculadas aos pequenos partidos.

Para identificar, separadamente, os três efeitos da magnitude dos distritos (o efeito psicológico sobre os partidos (EPP), bem como sobre os eleitores (EPE), e o efeito mecânico (MEC)), precisamos especificar claramente as variáveis dependentes e o recorte da base de dados. O modelo básico é sempre a regressão do impacto linear da magnitude (variável independente) sobre um indicador contínuo para o desempenho dos pequenos partidos (variável dependente). Para captar os efeitos isolados de EPP, EPE e MEC, recorremos a duas especificações: a operacionalização da variável dependente e a base de dados explorada. O quadro 5 resume a nossa análise a respeito dessas especificações, adaptando as regressões ao objetivo de estimar cada efeito isoladamente. O quadro identifica todas as combinações; mas, na análise, usamos somente o impacto total (opção 1), e os três efeitos isolados (opções 3, 5 e 6) da magnitude sobre o desempenho dos terceiros partidos.

O impacto total (modelo 1) de EPP, EPE e MEC é avaliado a partir da regressão da magnitude sobre a proporção de cadeiras conquistadas pelos terceiros partidos. Cabe assinalar que, para incluir, na análise, o efeito psicológico sobre os partidos (EPP), é necessário incluir todos os distritos na regressão, mesmo aqueles nos quais não houve lançamento de candidatos. Para avaliar somente o efeito EPP (modelo 3), quer dizer, a decisão dos partidos de lançar candidatos, usamos como variável dependente o número de terceiros partidos disputando candidaturas nos distritos. A base analisada inclui novamente todos os distritos. O segundo efeito EPE se manifesta no momento dos eleitores decidirem se votam em terceiros partidos, ou não. A variável dependente é a porcentagem de votos depositados em terceiros partidos (modelo 5). Para excluir o efeito EPP, limitamos a base de dados aos distritos onde terceiros partidos lançaram candidatos, pois, do contrário, os eleitores não podem votá-los. O terceiro efeito MEC (modelo 6) avalia como o sistema eleitoral transforma os votos dos terceiros partidos em cadeiras. Os pequenos partidos recebem proporcionalmente menos cadeiras do que votos? Para excluir da análise os efeitos EPP e EPE, excluímos novamente os distritos sem candidaturas de terceiros partidos. O indicador usado é a diferença entre a porcentagem de votos e a porcentagem de cadeiras para os terceiros partidos.16 16 Para um procedimento similar à finalidade de identificar o efeito mecânico isolado, ver Carey e Hix (2011, n. 8). Números negativos informam que os terceiros partidos saíram perdendo com o impacto da magnitude.

Quadro 5:
A identificação dos efeitos da magnitude sobre EPP, EPE e MEC

Os gráficos seguintes informam sobre o resultado das quatro regressões realizadas. As informações detalhadas sobre os resultados das regressões estão no Anexo Anexo Quadro: Regressões referente aos gráficos 1 a 4 (1) (2) (3) (4) Variável dependente Cadeiras no distrito (n) Partidos no distrito (n) Votos no distrito (%) Diferença cadeiras-votos(%) Magnitude 0.004*** 0.093*** 0.002 0.002* (0.001) (0.025) (0.002) (0.001) Constante -0.009 1.369*** 0.056*** -0.064*** (0.006) (0.149) (0.009) (0.008) Base Todos os distritos Todos os distritos Distritos com candidatos Distritos com candidatos Obs. 85 85 75 75 R-squared 0.186 0.141 0.026 0.047 Standard errors are in parenthesis *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1Resumo . O gráfico 1 mostra o impacto total da magnitude sobre a representação dos terceiros partidos. Identificamos uma relação positiva e estatisticamente significativa (p<0,001) da magnitude sobre a porcentagem de cadeiras conquistadas pelos terceiros partidos, nos distritos eleitorais. Um acréscimo de uma unidade na magnitude (uma cadeira a mais) resulta em 0,44% de acréscimo nas cadeiras conquistadas pelos terceiros partidos, no distrito. A maior magnitude resulta em maior porcentagem de deputados eleitos por terceiros partidos, nestes distritos.

Gráfico 1:
Impacto acumulado da magnitude sobre os terceiros partidos: porcentagem de cadeiras

Gráfico 2:
Efeito psicológico da magnitude sobre terceiros partidos: lançamento de candidatos

Gráfico 3:
Efeito psicológico da magnitude sobre eleitores: votando em terceiros partidos

Gráfico 4:
Efeito mecânico da magnitude: diferença entre cadeiras e votos

Quando analisamos os três efeitos separadamente, o gráfico 2, que identifica o efeito psicológico sobre partidos (EPP), mostra que a magnitude dos distritos influencia o número de candidatos lançados por terceiros partidos. O impacto é positivo e estatisticamente significativo (p<0,001). Um aumento de uma unidade na magnitude do distrito resulta em 0,093 candidaturas a mais de terceiros partidos, neste distrito. Os terceiros partidos lançam mais candidatos nos distritos de maior magnitude.

Na análise separada do efeito psicológico sobre os eleitores (EPE), no gráfico 3, o impacto da magnitude sobre a porcentagem de votos para terceiros partidos é positivo, mas não é significativo (p<0,169). Não podemos afirmar que os eleitores penalizem os pequenos partidos em distritos de menor magnitude.

Finalmente, a análise separada do efeito mecânico (MEC), no gráfico 4, mostra que ele é positivo, mas estatisticamente não é significativo (p<0,062). Não podemos afirmar que o sistema eleitoral de Cabo Verde, com seus distritos de magnitude variada, prejudique os terceiros partidos nos distritos menores, ao traduzir a fração de votos em cadeiras.

Os resultados dessa análise separada dos efeitos da magnitude sobre terceiros partidos são informativos e surpreendentes. Por um lado, todos os impactos se deram na direção esperada. Terceiros partidos lançam mais candidatos, eleitores votam mais nestes partidos e o sistema eleitoral traz menos perdas para os terceiros partidos, em distritos eleitorais de maior magnitude. Por outro lado, somente o primeiro efeito sobre os partidos é estatisticamente significativo. Isto significa que o impacto total da magnitude dos distritos sobre a representação dos terceiros partidos alimenta-se, em primeiro lugar, da ação estratégica destes partidos. A reação antecipada do eleitor ou da barreira mecânica de entrada em função da magnitude tem, no máximo, papel secundário.

Aparentemente, os partidos desenvolvem estratégias privilegiando candidaturas em distritos de maior magnitude, independentemente do efeito mecânico real do sistema eleitoral. Podemos tirar duas conclusões. Uma seria a de que os partidos superestimam um efeito que, na realidade, não existe. A outra seria a de que eles reagem a outros estímulos vinculados à magnitude dos distritos. De qualquer forma, uma boa pista para entender melhor a relação entre magnitude e terceiros partidos é analisar a lógica de atuação das elites partidárias destes terceiros partidos.

A seguir, vamos conhecer um pouco melhor os redutos eleitorais destes partidos e as características da sua fundação.

A magnitude e a distribuição geográfica dos votos

Sartori (1986SARTORI, G. (1986). “The influence of electoral systems: Faulty laws or faulty methods?”. in Grofman, B.; Lijphart, A. (Eds.). Electoral Laws and Their Political Consequences. 2ª. ed. Algora Publishing, p. 43-68. ) já havia mencionado a relevância da questão da distribuição regional dos votos de pequenos partidos, como fator interveniente para o impacto do sistema eleitoral sobre o sistema partidário. Os efeitos negativos de distritos de pequena magnitude sobre os partidos menores podem ser neutralizados, quando estes concentram seu eleitorado em determinada região. Neste caso, podem eleger representantes, com base na hegemonia local, mesmo que seu eleitorado represente apenas uma fração pequena dos votos nacionais. O mesmo partido, concorrendo em distritos de maior magnitude, teria suas chances de sucesso diluídas nesse eleitorado maior. Ziegfeld (2013ZIEGFELD, A. (2013). “Are higher-magnitude electoral districts always better for small parties?”. Electoral Studies, v. 32, n. 1, p. 63-77, mar.) aprofundou a questão, focando-a especificamente na magnitude dos distritos e seu impacto sobre os partidos pequenos. O exemplo teórico é simples, mas ilustrativo. Em um país fictício, com três partidos de 50%, 40% e 10% dos votos, podemos simular dois cenários de distribuição dos votos: perfeitamente proporcional, em todas as regiões, ou com concentração absoluta dos votos dos partidos nos respectivos distritos. No primeiro cenário, de dispersão geográfica dos votos, um sistema eleitoral de um único distrito, de magnitude 100, leva a uma distribuição aproximadamente proporcional das cadeiras: 50, 40 e 10. Por outro lado, um sistema eleitoral de 100 distritos de magnitude 1 resultaria na vitória total do primeiro partido, que levaria todas as 100 cadeiras. Até aqui, temos a ilustração do argumento clássico sobre o impacto negativo da magnitude pequena sobre a presença dos partidos menores. No segundo cenário, de concentração geográfica dos votos, o sistema eleitoral com um distrito de magnitude 100 leva novamente a uma distribuição proporcional dos votos: 50, 40 e 10. Isto apenas ilustra o ponto de que a distribuição geográfica não importa, quando o distrito eleitoral é grande, abrangendo o país todo. Porém, a mesma concentração de votos e um sistema com 100 distritos de magnitude 1 levam cada partido à vitória nos seus redutos eleitorais. Neste caso, de concentração regional dos votos, a distribuição de cadeiras é novamente de 50, 40 e 10. Este último cenário ilustra o fato de que a concentração geográfica do voto pode neutralizar o efeito limitador exercido por distritos de pequena magnitude sobre os pequenos partidos.

Quadro 6:
Interação entre magnitude e dispersão geográfica de votos em sistemas proporcionais

Essas pesquisas nos levam a questionar se, no caso de Cabo Verde, situações similares de concentração regional dos votos influenciam a viabilidade dos pequenos partidos. Cabe uma análise dos redutos eleitorais dos partidos, para avaliar o seu eventual impacto, neutralizando os efeitos da magnitude dos distritos, como sugerido pela literatura.

A análise da distribuição regional da votação de partidos tem uma longa tradição na Ciência Política. No contexto da análise da nacionalização dos sistemas partidários, foram propostos vários indicadores para aferir a distribuição regional da votação. Usaremos aqui o índice proposto por Urwin (1983URWIN, D. W. (1983). “Harbinger, Fossil or Fleabite? ‘Regionalism’ and the West European Party Mosaic”. in Daalder, H.; Mair, P. (Eds.). Western European party systems: continuity & change. Beverly Hills; London: SAGE Publications. ) e utilizado por Nicolau (2004NICOLAU, J. (2004). Partidos na República de 1946: Velhas Teses, Novos Dados. p. 85-129.), para avaliar a homogeneidade da distribuição dos votos, em várias subunidades nacionais. O índice de desigualdade regional cumulativa de Urwin é calculado em quatro passos. Primeiro, calcula-se a porcentagem de votos que cada região representa no eleitorado nacional. No segundo passo, são calculados os mesmos valores para os eleitores de cada partido. No terceiro passo, calcula-se a diferença absoluta entre as porcentagens do eleitorado nacional e os eleitores de determinado partido. No quarto passo, calcula-se a soma destas diferenças, dividida por dois, obtendo-se assim o índice de desigualdade regional. Este índice se aproxima de zero, quando o partido tem a mesma força eleitoral em cada região; e alcança o valor máximo de 100, quando um partido tem todos os seus eleitores em uma região que representa apenas uma pequena fração do eleitorado nacional.

O resultado desta avaliação do caráter regional dos partidos, em Cabo Verde, encontra-se reproduzido no quadro 6.17 17 Calculamos o índice para a menor unidade geográfica para a qual temos dados referentes a todo o período analisado. Isto resultou em um cálculo baseado nas ilhas, com duas exceções: a ilha de Santiago ficou dividida em duas sub-regiões, que correspondem aos dois círculos eleitorais de 2016, e o voto estrangeiro ficou separado em três subgrupos, que correspondem igualmente aos respectivos círculos eleitorais. Devemos lembrar que este índice independe do peso absoluto do partido no eleitorado nacional, conforme retratado no quadro 3. Isto significa que um partido pequeno pode alcançar os valores mínimos e máximos do índice de regionalização, da mesma forma que um partido grande.

Quadro 7:
Índice de desigualdade regional cumulativa

O PAICV apresentou moderados índices de concentração dos seus votos, durante as primeiras eleições. Estes valores caem para um patamar abaixo de 10%, a partir da terceira eleição. Isto significa que a realocação de 10% dos eleitores do partido resultaria em uma distribuição perfeitamente homogênea do seu eleitorado, entre as várias regiões. No caso do MpD, o índice ficou abaixo de 10%, em todo o período. Podemos concluir que os dois partidos grandes apresentam uma distribuição relativamente equilibrada do seu eleitorado, nas várias regiões do país.

Quando analisamos os dados eleitorais dos terceiros partidos, o quadro muda bastante, encontrando-se elevados índices de desigualdade regional.18 18 O índice de desigualdade é calculado sobre todas as regiões, inclusive aquelas nas quais os partidos não apresentaram candidatos e onde consequentemente não tiveram votação. O maior índice foi calculado para a UCID, na eleição de 2006. Como vimos mais acima, nessa eleição o partido apresentou candidatos exclusivamente na Ilha de São Vicente, concentrando, consequentemente, 100% dos seus votos no local. Contudo, há vários outros partidos que, em determinadas eleições, apresentaram índices de desigualdade acima de 50%. Valores acima desta marca podem ser considerados altos, uma vez que teríamos que deslocar metade do eleitorado do partido, para chegar a uma distribuição homogênea da sua presença regional.

No entanto, o desequilíbrio regional dos terceiros partidos não se traduz automaticamente em uma presença mais acentuada dessas iniciativas nas mesmas regiões, ao longo do tempo. Ao olhar para os dados de cada um dos partidos pequenos, nas diferentes ilhas, o PSD aparece, em alguns anos, desproporcionalmente forte na Ilha de Santiago; porém, o efeito oscila bastante, sendo que, em 2016, o partido nem apresentou candidatos neste seu suposto reduto eleitoral. O que estaria por trás dessas oscilações? Seriam os candidatos apresentados pelos partidos os responsáveis pelo sucesso ou fracasso dos partidos? Ou devemos buscar explicações na secessão dos grandes partidos, ou na fusão de pequenos grupos?

Outro caso interessante é o da UCID que, levando em conta a coligação da ADM em 2001, configura-se como o único partido com uma acentuada sobre-representação do seu eleitorado, em São Vicente, e com perfil regional claro. Mas, para fins da nossa análise, buscamos por partidos que concentram seus votos em distritos de pequena magnitude, e que conseguem escapar do aperto pelo sistema eleitoral, em função da concentração regional do voto. A ilha de São Vicente não se enquadra nessa categoria, porque ela representa, ao lado da Ilha de Santiago, o caso de distritos de magnitude elevada. Desde 1991, ela elegeu inicialmente 12 e, depois, 11 deputados, em uma circunscrição. A análise confirma o caráter fortemente regional da UCID, mas não se trata de um exemplo, que se encaixa no cenário discutido na literatura, de como minorias contornam as dificuldades postas pela magnitude dos distritos, por meio da base concentrada do eleitorado.

Quando buscamos na direção inversa, identificando primeiro os distritos de pequena magnitude, para depois verificar se neles encontramos partidos pequenos com redutos eleitorais concentrados, o resultado é novamente negativo. Nenhum dos distritos eleitorais que manteve magnitude abaixo de 3 - como Boa Vista, Sal, São Nicolau, Brava ou Maio -, teve uma presença acentuada de um dos pequenos partidos, durante o período de observação. A explicação de Ziegfeld, sobre a possível sobrevivência de pequenos partidos em função de redutos eleitorais concentrados, parece não se aplicar ao caso de Cabo Verde.

A magnitude e a demanda por novos partidos

A terceira explicação para a presença ou ausência de terceiros partidos está vinculada a uma questão mais fundamental, a respeito da interpretação de Duverger. Segundo Geys (2006GEYS, B. (2006). “District magnitude, social heterogeneity and local party system fragmentation”. Party Politics, v. 12, n. 2, p. 281-297. ), o autor clássico foi capturado pelas interpretações da linha institucionalista. Para os autores dessa linha, a demanda pela diversificação e fragmentação da representação surge naturalmente, desde que o sistema eleitoral abra espaço para a criação de novos partidos. Um sistema eleitoral com poucas restrições para a representação de pequenos partidos produz, automaticamente, maior fragmentação partidária. Para Geys e outros, a tese de Duverger é mais complexa. O sistema eleitoral permissivo é apenas uma condição necessária, mas não suficiente, para a proliferação de mais partidos. A segunda condição tem suas raízes fora das instituições eleitorais. Algumas sociedades demandam por mais variedade na representação política, enquanto outras são estruturadas de forma mais simples. Para avaliar esta base sociológica da demanda por mais partidos, vários autores recorrem a indicadores para aferir a heterogeneidade da sociedade. O número de clivagens sociais, econômicas, culturais, religiosas, linguísticas ou culturais de uma sociedade é usado como indicador desta heterogeneidade. Vários trabalhos sobre o efeito da magnitude distrital tentam explorar esta ideia da interação entre heterogeneidade social e sistema institucional (CLARK; GOLDER, 2006CLARK, W. R.; GOLDER, M. (2006). “Rehabilitating Duverger’s Theory: Testing the Mechanical and Strategic Modifying Effects of Electoral Laws”. Comparative Political Studies, v. 39, n. 6, p. 679-708, ago. ; LAGO PENAS, 2004LAGO PENAS, I. (2004). “Cleavages and thresholds: the political consequences of electoral laws in the Spanish Autonomous Communities, 1980-2000”. Electoral Studies, v. 23, n. 1, p. 23-43, 1 mar. ; NETO; COX, 1997NETO, O. A.; COX, G. W. (1997). “Electoral Institutions, Cleavage Structures, and the Number of Parties”. American Journal of Political Science, v. 41, n. 1, p. 149, jan. ; ORDESHOOK; SHVETSOVA, 1994ORDESHOOK, P. C.; SHVETSOVA, O. V. (1994). “Ethnic Heterogeneity, District Magnitude, and the Number of Parties”. American Journal of Political Science, v. 38, n. 1, p. 100-123.; POWELL, 1982POWELL, G. B. (1982). Contemporary Democracies. Harvard University Press. ).

No caso de Cabo Verde, são escassos os dados sobre a estrutura socioeconômica, sobre a divisão religiosa, ou outros indicadores a respeito da heterogeneidade. Referências a uma clivagem étnica entre sampadjudo e badiu19 19 Sampadjudo pode ser traduzido para português como “sempre ajudo”. Esse termo faz referências aos habitantes das ilhas de barlavento (São Vicente, Sal, São Nicolau, Santo Antão e Boa Vista). O termo foi criado ainda durante a colonização para diferenciá-los das pessoas da ilha de Santiago que foram chamados de badiu, ou vadios, em português. Segundo Ramos (2009: 81), os sampadjudo são “tidos como assimilados da cultura lusa e, o badiu o mais africanizado, logo, carregando todos os estigmas inerentes a estas conotações”. existem em alguns autores (ARENAS, 2011ARENAS, F. (2011). Lusophone Africa: Beyond Independence. University of Minnesota Press. ; CHALLINOR, 2011CHALLINOR, E. P. (2011). “Identidade e pertença: para além das dimensões materiais do sofrimento social”. Etnográfica, v. 15 (3), p. 479-500, 1 out. ), mas outros insistem na ideia da homogeneidade da composição da população (FURTADO, 2012FURTADO, C. A. (2012). “Raça, classe e etnia nos estudos sobre e em Cabo Verde: as marcas do silêncio”. Afro-Ásia, n. 45, p. 143-171. ). Na escassez de dados sobre esse motor sociológico, que poderia impulsar a demanda hipotética por mais partidos, podemos recorrer a uma descrição mais detalhada a respeito das forças que estão por trás dos terceiros partidos. Mais acima, descrevemos brevemente a origem do PAICV - partido que representa a tradição política da luta pela independência e governou o país na condição de partido único até 1991 -, como também a do MpD, que surge como cisão do PAICV, no momento da transição para o regime pluripartidário. Cabe, agora, contextualizar brevemente o surgimento dos outros partidos, para entender a dinâmica de lançamento de candidaturas de novos competidores.

A UCID é o terceiro partido com assento parlamentar em Cabo Verde. Foi criada no dia 13 de Maio de 1978, por um conjunto de indivíduos pertencentes à comunidade cabo-verdiana, na emigração para a Holanda. Foi registrada oficialmente como um partido político em junho de 1991, ano das primeiras eleições pluripartidárias. No entanto, o partido não conseguiu reunir todas as condições exigidas para participar das eleições de 1991 (Ramos, 2012RAMOS, A. M. (2012). Partidos Políticos na Democracia Cabo-verdiana: um estudo de caso (1991-2011). Dissertação de Mestrado. Praia: Universidade de Cabo Verde.). Ele se carateriza como um partido de orientação cristã (Ramos, 2012). Em 1995, ele participou, pela primeira vez, das eleições legislativas, mas não conseguiu eleger nenhum candidato. Em 2001, a UCID fez uma aliança com outros dois pequenos partidos, o Partido de Convergência Democrática (PCD) e o Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS), sob a sigla Aliança Democrática para a Mudança (ADM), elegendo um deputado. A aliança eleitoral não teve continuidade e a UCID voltou a se candidatar nas eleições de 2006, 2011 e 2016, elegendo dois, e depois dois e três deputados, respectivamente. Todos os sucessos eleitorais, incluindo o da coligação na ADM, foram alcançados no distrito de São Vicente.

O Partido Social Democrata (PSD) surge como resultado de uma cisão interna da UCID em 1992, após as eleições legislativas de 1991. Segundo Costa (2003COSTA, D. H. (2003). “Sistema eleitoral e sistema partidário cabo-verdiano (1991-2001) com um olhar sobre o mundo”. Revista Direito e Cidadania, v. 16/17, p. 253-300.), conflitos de liderança interna estavam na origem desta cisão, liderada por João Além. Esse partido nunca conseguiu eleger um deputado, apesar de ter disputado cinco das seis eleições realizadas desde 1991 até hoje.

O Partido de Convergência Democrática (PCD) surgiu como consequência de uma das crises políticas internas do MpD, nos anos 1993/1994. Segundo Ramos (2012RAMOS, A. M. (2012). Partidos Políticos na Democracia Cabo-verdiana: um estudo de caso (1991-2011). Dissertação de Mestrado. Praia: Universidade de Cabo Verde.), essa crise foi resultado de um escândalo de corrupção na embaixada de Cabo Verde em Lisboa, conhecido como “caso Embaixador Estrela”, que explodiu entre a opinião pública de Cabo Verde, no segundo semestre de 1993. Outra causa foram os conflitos internos, relacionados a questões ideológicas e de organização. A contestação, tanto da liderança de Carlos Veiga no governo, como do líder do partido Eurico Monteiro, levou à cisão do MpD e à criação do PCD, em 1994. O partido recém-criado concorreu nas eleições legislativas de 1995, lançando candidatos em todos os distritos eleitorais. Em 2001, ele participou da coligação ADM, conforme mencionado. Nas eleições de 2006, o PCD foi extinto. Seus fundadores e alguns outros dirigentes, inclusive Eurico Monteiro, voltaram para o partido de origem e foram escalados na lista do MpD nas eleições seguintes (Ramos, 2012RAMOS, A. M. (2012). Partidos Políticos na Democracia Cabo-verdiana: um estudo de caso (1991-2011). Dissertação de Mestrado. Praia: Universidade de Cabo Verde.).

A Aliança Democrática para a Mudança (ADM), como mencionado, foi uma coligação entre o PCD, a UCID e o PTS. A aliança surgiu nos finais do ano 2000, com a finalidade de otimizar o uso dos recursos dos três partidos integrantes, por meio de uma ação coordenada. O resultado foi modesto, com a eleição de um candidato, e a experiência não teve continuidade nas eleições seguintes.

O Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) foi fundado em 2000, na cidade de Mindelo, em São Vicente, e era presidido por Onésimo Silveira, então Presidente da Câmara Municipal de São Vicente. Silveira era considerado um dos principais candidatos contra o MpD, que governava o país desde 1991 (Costa 2003COSTA, D. H. (2003). “Sistema eleitoral e sistema partidário cabo-verdiano (1991-2001) com um olhar sobre o mundo”. Revista Direito e Cidadania, v. 16/17, p. 253-300.). O PTS foi fundado com a intenção de criar uma terceira força política nacional, mas não conseguiu conquistar nenhum assento parlamentar de forma individual. Participou como membro da aliança ADM, na eleição de 2001. Em 2006, não apresentou candidatura. Voltou a disputar eleições nacionais, em 2011 e 2016, mas sem sucesso.

Um outro partido criado no ano 2000 foi o Partido da Renovação Democrática (PRD). Assim como o PCD, o PRD surge como cisão do MpD e nasce como consequência da segunda crise interna do MpD, ocorrida em 1999/2000. Na origem desta crise, estavam as denúncias de corrupção e de clientelismo e as disputas internas entre as lideranças. Jacinto Santos, então Presidente da Câmara Municipal da Praia (maior Câmara do país) e membro da Comissão política nacional do MpD, e Gualberto do Rosário, ex-vice Primeiro-Ministro do país, foram os protagonistas dela (Ramos, 2012RAMOS, A. M. (2012). Partidos Políticos na Democracia Cabo-verdiana: um estudo de caso (1991-2011). Dissertação de Mestrado. Praia: Universidade de Cabo Verde. e Costa, 2003COSTA, D. H. (2003). “Sistema eleitoral e sistema partidário cabo-verdiano (1991-2001) com um olhar sobre o mundo”. Revista Direito e Cidadania, v. 16/17, p. 253-300.). O partido concorreu em duas eleições legislativas (2001 e 2006), mas não conseguiu eleger nenhum candidato, e não concorreu nas duas últimas eleições.

Por fim, temos o Partido Popular de Cabo Verde (PP), criado em 2015, às vésperas das eleições de 2016, e presidido por Amândio Barbosa Vicente, que iniciou sua vida política neste mesmo ano. O partido apresentou candidaturas em três dos treze círculos eleitorais, nas eleições legislativas de 2016, mas não conseguiu eleger nenhum deputado.

Esta breve recapitulação (resumida no quadro 6) da origem dos terceiros partidos que apresentaram candidatos nas eleições legislativas nacionais teve a finalidade de entender a dinâmica do surgimento de novos partidos em Cabo Verde, e parece indicar que a maioria das novas iniciativas são resultado de cisões das organizações partidárias estabelecidas. Dos seis partidos que disputaram eleições nacionais desde 1995, competindo com os dois partidos estabelecidos, três são resultado de cisões de partidos estabelecidos. O PCD e PRD surgiram de cisões do MpD, e o PSD se separou da UCID. Houve dois movimentos no sentido contrário: a “fusão temporária” de três partidos na aliança eleitoral da ADM, e a “reintegração” do PCD no MpD. Somente três partidos tiveram origem autônoma, incluindo nesta contagem a UCID, o PTS e o PP.

Mesmo que essa primeira incursão para entender a lógica de atuação dos terceiros partidos ainda deixe muitas perguntas em aberto, verificamos que grande parte das movimentações nesta frente pode ser enquadrada como rearranjo na elite política existente, mais do que como manifestação de demandas não atendidas. Das iniciativas de criação de novos partidos que não resultaram de cisões de siglas anteriores, somente a UCID conseguiu se afirmar a longo prazo.

Figura 1:
Evolução dos partidos políticos disputando cadeiras para a Assembleia Nacional, entre 1991 e 2016

Conclusão

Nossa análise sobre o sistema partidário em Cabo Verde visou identificar em que medida a magnitude dos distritos eleitorais pode ser responsabilizada pela consolidação do bipartidarismo, nas disputas pela Assembleia Nacional. Inicialmente, descrevemos a competição política em torno dos dois partidos, PAICV e MpD, em três momentos: no lançamento de candidaturas para a Assembleia Nacional por terceiros partidos; no comportamento dos eleitores de Cabo Verde nas eleições legislativas; e na composição do legislativo nacional. Depois, analisamos o impacto da magnitude eleitoral sobre a competição, seguindo os caminhos da literatura mais recente, que visa separar os efeitos mecânicos na tradução de votos em cadeiras, dos efeitos psicológicos sobre o eleitorado e sobre as elites partidárias. Apresentamos uma proposta original, para identificar ambos os efeitos, separadamente, por meio da definição clara dos respectivos desenhos de pesquisa e da operacionalização das variáveis dependentes envolvidas. Concluímos que as elites partidárias tendem a lançar mais candidatos, em distritos de maior magnitude. Por outro lado, os eleitores não parecem agir estrategicamente, evitando votar em terceiros partidos nos distritos menores. Finalmente, estes mesmos partidos não são penalizados pelo chamado efeito mecânico do sistema eleitoral, no momento de traduzir votos em cadeiras.

Consideramos que, além desses achados específicos para o caso cabo-verdiano, nossa proposta de isolar os três efeitos do sistema eleitoral sobre a competição constitui uma contribuição original para a literatura atual sobre a questão da magnitude dos distritos, podendo ser replicada em outros países.

Seguindo, ainda, a discussão mais recente sobre o impacto da magnitude distrital, analisamos mais detalhadamente a distribuição regional do voto. Nesta investigação, verificamos que alguns terceiros partidos estão regionalmente concentrados. Porém, somente em um caso (UCID) tal concentração (no distrito eleitoral de São Vicente) permanece por várias eleições. Nos outros partidos, a concentração regional dos votos ou não existe, ou não tem permanência ao longo do tempo. A concentração do voto da UCID, em São Vicente, é um fenômeno relevante para o caso de Cabo Verde. Entretanto, por ser um distrito eleitoral de grande magnitude, o exemplo não corresponde à questão levantada pela literatura, que aponta para a possibilidade de sucesso de minorias regionalmente concentradas, apesar do contexto institucional desfavorável de pequenos distritos.

Por fim, tentamos explorar em que medida a falta de demanda externa por terceiros partidos pode ser responsabilizada pelo fracasso dos mesmos. Aqui, enfrentamos a dificuldade de acesso a dados sistematizados sobre as clivagens étnicas, religiosas ou socioeconômicas, que poderiam caracterizar Cabo Verde. Por outro lado, o mapeamento da origem dos terceiros partidos trouxe resultados interessantes, pois grande parte das novas siglas teve origem em cisões internas nos partidos existentes. Em alguns casos, estes novos partidos, quando malsucedidos, foram reabsorvidos pelas siglas anteriores. Das três iniciativas que tiveram origem externa em relação às siglas existentes (UCID, PTS e PP), somente a UCID persistiu e se afirmou ao longo do tempo.

A análise realizada pode ser lida como confirmação da tese de que o efeito dos sistemas eleitorais sobre a competição política depende do tipo de demanda social por novos partidos. Enquanto os novos partidos, resultantes de cisões internas das elites existentes, são mais facilmente reabsorvidos pelos partidos tradicionais, somente partidos de origem externa podem sobreviver a momentos de crise, e têm mais chance de se auto-afirmar como alternativas políticas, desde que encontrem espaço no sistema eleitoral. Cabe, porém, investigar se tal impressão se confirma em uma análise qualitativa sobre as origens e motivações politicas que estão por trás do lançamento de candidatos por terceiros partidos.

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  • Constituição da República de Cabo Verde, versão 2010
  • Código eleitoral de 2010 - Lei nº 56/VII/2010: Altera o Código Eleitoral
  • Lei n.º 2/80 Aprova a Lei Eleitoral, BO n.º 36 de 9 de Setembro de 1980, Suplemento.
  • 3
    Agradecemos aos três pareceristas anônimos da revista pelas críticas que foram decisivas para melhorar o argumento do artigo. Uma primeira versão do texto foi apresentada no NECI do Departamento de Ciência Política. Aos integrantes deste núcleo igualmente os nossos agradecimentos.
  • 4
    Neste texto, usaremos a expressão “distritos eleitorais”, conceito comum na literatura da ciência política, para nos referirmos aos “círculos eleitorais”, expressão usada na legislação de Cabo Verde.
  • 5
    Para mais detalhes, consultar as leis eleitorais nº 2, 1980 e nº45 II, 1984.
  • 6
    Em Angola, o governo da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) sofreu combate armado pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola); e, em Moçambique, o governo da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) enfrentou a luta armada da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana).
  • 7
    O cargo de Presidente da República não pode ser exercido por mais de dois mandatos consecutivos (alínea e, artigo 371º) e é incompatível com qualquer outro cargo político ou outra função pública e funções privadas (artigo 129º da Constituição da República).
  • 8
    As formulações exatas da lei de Duverger variam, mesmo nos textos do autor, havendo amplo debate na literatura sobre a correta interpretação da teoria. A formulação algo imprecisa, utilizada aqui, é suficiente para sinalizar que, pela lei de Duverger, poderíamos esperar o surgimento e sucesso de terceiros partidos.
  • 9
    O cálculo do Número Efetivo de Partidos (NEP), segundo Laakso e Taagepera (1979), é conhecido na Ciência Política.
  • 10
    É importante lembrar que o NEP voto e o NEP cadeiras não dependem somente do desempenho dos terceiros partidos, mas também da relação entre os primeiros colocados. Esta é uma das razões pelas quais não usamos o NEP para aferir a questão da resiliência do bipartidarismo. O foco sobre a votação e as cadeiras para terceiros partidos é mais preciso para abordar a questão principal da nossa investigação, que diz respeito às dinâmicas fora do bipartidarismo.
  • 11
    Lijphart menciona Horwill (1925)HORWILL, G. (1925). Proportional Representation: Its Dangers and Defects. G. Allen & Unwin Limited. como precursor, chamando atenção para a atitude, e Sartori cita Hogan (1945)HOGAN, J. (1945). Election and Representation. Cork University Press. ; mas ambos reconhecem o papel de Rae.
  • 12
    Ao mesmo tempo, surgem outros trabalhos importantes, analisando o impacto da magnitude sobre o voto pessoal (Carey, Shugart 1995CAREY, J. M.; SHUGART, M. S. (1995). “Incentives to cultivate a personal vote: A rank ordering of electoral formulas”. Electoral Studies, v. 14, n. 4, p. 417-439, dez. ), sobre a representatividade (Eggers et al. 2014EGGERS, A. C.; FOUIRNAIES, A. (2014). “Representation and District Magnitude in Plurality Systems”. Electoral Studies. v. 33, p. 267-277.), sobre a participação eleitoral (Muruoka 2017), ou sobre a distribuição espacial dos votos (Silva 2017). Estes outros impactos da magnitude não serão tratados aqui.
  • 13
    Uma das causas é o grande número de países que adotou este sistema e que, dentro dele, apresenta grande variedade de magnitude de distritos.
  • 14
    Uma vez que a análise foca no desempenho dos terceiros partidos, excluímos a eleição de 1991 do nosso banco de dados. Como explicado mais acima, na referida eleição, somente os dois partidos PAICV e MpD estavam habilitados a participar.
  • 15
    Usamos a variável sem nenhuma transformação logarítmica ou quadrática, aplicada em alguns trabalhos. Testando os resultados com estas transformações, e não tendo encontrado diferenças significativas, resolvemos usar a variável bruta, representando o número de deputados eleitos por distrito.
  • 16
    Para um procedimento similar à finalidade de identificar o efeito mecânico isolado, ver Carey e Hix (2011CAREY, J. M.; HIX, S. (2011). “The Electoral Sweet Spot: Low-Magnitude Proportional Electoral Systems”. American Journal of Political Science, v. 55, n. 2, p. 383-397. , n. 8).
  • 17
    Calculamos o índice para a menor unidade geográfica para a qual temos dados referentes a todo o período analisado. Isto resultou em um cálculo baseado nas ilhas, com duas exceções: a ilha de Santiago ficou dividida em duas sub-regiões, que correspondem aos dois círculos eleitorais de 2016, e o voto estrangeiro ficou separado em três subgrupos, que correspondem igualmente aos respectivos círculos eleitorais.
  • 18
    O índice de desigualdade é calculado sobre todas as regiões, inclusive aquelas nas quais os partidos não apresentaram candidatos e onde consequentemente não tiveram votação.
  • 19
    Sampadjudo pode ser traduzido para português como “sempre ajudo”. Esse termo faz referências aos habitantes das ilhas de barlavento (São Vicente, Sal, São Nicolau, Santo Antão e Boa Vista). O termo foi criado ainda durante a colonização para diferenciá-los das pessoas da ilha de Santiago que foram chamados de badiu, ou vadios, em português. Segundo Ramos (2009: 81), os sampadjudo são “tidos como assimilados da cultura lusa e, o badiu o mais africanizado, logo, carregando todos os estigmas inerentes a estas conotações”.

Anexo

Quadro:
Regressões referente aos gráficos 1 a 4

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    092 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2017
  • Aceito
    26 Jun 2019
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