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Representação de interesses na Câmara dos Deputados: estratégias, atores e agenda política1 1 Este artigo deriva do Trabalho de Conclusão de Curso do autor, apresentado como requisito para a obtenção do título de graduado em Gestão Pública pela UFMG. O autor agradece aos professores Manoel Santos e Silvio Salej pelas contribuições realizadas ao longo do desenvolvimento do trabalho. Agradece também aos pareceristas anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política (RBCP) pelas valiosas modificações sugeridas.

Representation of interests in the Brazilian House of Representatives: strategies, actors and political agenda

Resumo

Alguns autores já demonstraram que, no âmbito do Legislativo, a comissão é o locus para o qual se dirige grande parte do trabalho de grupos de interesse. Assim, este artigo objetiva realizar um estudo descritivo acerca da dinâmica da representação de interesses em audiências públicas da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, entre 2007 e 2012. Procura-se identificar que grupos atuaram politicamente por meio desse mecanismo e quais os contornos da agenda política tratada nesse órgão colegiado. A análise descritiva mostra que, na comissão estudada, interesses da sociedade e do governo são fortemente representados, indicando um ambiente legislativo marcado, cada vez mais, por um amplo conjunto de inputs gerados pela participação social e com escrutínio, cada vez mais forte, de múltiplos setores do governo.

Palavras-chave:
audiências públicas; CCTCI-CD; grupos de interesse; redes de influência

Abstract

Some authors have already shown that, in the Legislature context, the committee is the locus for which is directed a great part of the work of the interest groups. Thus, the aim of this article is to carry out a descriptive study about the dynamics of interest representation at public hearings of the Committee of Science and Technology, Communication and Information Technology of the Brazilian House of Representatives, between 2007 and 2012. This way, it aims to identify which groups acted politically through this mechanism and which the parts of the political agenda dealt with in this organ of the Legislature. The descriptive analysis shows that in this committee interests of society and government are strongly represented, leading to a legislative environment marked by an increasingly wide range of inputs generated by social participation and scrutiny, growing stronger, from multiple sectors of government.

Keywords:
public hearings; CCTCI-CD; interest groups; networks of influence

Introdução

Em que pese a intensa produção de explicações acerca do Poder Legislativo no sistema político brasileiro, a atuação de grupos de pressão em seu âmbito ainda não recebeu a atenção merecida. Destacadas algumas exceções, “sabe-se quase nada sobre que grupos atuam, que estratégias utilizam, qual seu nível de influência no processo decisório, quais as clivagens mais relevantes no contexto da disputa” (Santos, 2014aSANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Brasília: Ipea, 2014a. (Texto para Discussão, n. 1975)., p. 5). Além disso, no Brasil, grande parte dos trabalhos que têm como objeto a representação de interesses direciona sua atenção para segmentos empresariais (Mancuso, 2007MANCUSO, Wagner. O Lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas, 2007.; Santos, 2011SANTOS, Manoel. O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.) ou questões específicas (Taglialegna e Carvalho, 2006TAGLIALEGNA, Gustavo; CARVALHO, Paulo Afonso. Atuação de grupos de pressão na tramitação do projeto de lei de biossegurança. Revista de Informação Legislativa, v. 43, n. 169, p. 161-188, 2006.; Baird, 2016BAIRD, Marcello. O lobby na regulação da publicidade de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, p. 67-91, 2016.).

Diante desse quadro, é grande o desconhecimento acerca do tema e, especialmente, de um dado básico, qual seja os grupos de interesse que atuam nas arenas decisórias. Conhecer esses atores é de fundamental importância porque, entre os muitos fatores que estão em interação e dos quais resultam decisões políticas em sociedades democráticas, a participação de variados atores no processo decisório deve ser destacada, não podendo desconsiderar aqueles que representam interesses organizados (Santos, 2011SANTOS, Manoel. O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.). Como a literatura tem mostrado (Santos, 2014aSANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Brasília: Ipea, 2014a. (Texto para Discussão, n. 1975).; Cesário, 2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.), a atuação de grupos de interesse se volta, em grande monta, para o Poder Legislativo, no qual as comissões constituem-se em um espaço fundamental para a sociedade organizada, uma vez que “é possível fomentar e aprofundar a deliberação, bem como aumentar a multiplicidade de pontos de vista sobre questões […] em pauta” (Modesto, 2009MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, n. 2, p. 39-46, 2009., p. 39). No âmbito das comissões, conforme prevê o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, são realizadas audiências públicas, as quais contam com a participação de diversos atores interessados nas temáticas presentes na agenda.

Modesto (2009MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, n. 2, p. 39-46, 2009.) direcionou seu olhar para esse instrumento analisando a participação ocorrida em audiências públicas da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados, no período de 2000 a 2007. Entre os resultados encontrados pelo autor, destacaram-se a elevada participação de organizações governamentais, a existência de audiências públicas de caráter local e um cenário que dificulta a ocorrência de deliberação entre distintos pontos de vista. Cesário (2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.), por sua vez, procurou mapear as relações que se estabelecem nas redes de grupos de interesse no Congresso Nacional, analisadas por meio da participação em audiências públicas e seminários. Sua análise não se limitou a uma arena específica do Legislativo, retratando, entretanto, um período de apenas dois anos (2011-2012), além de optar pela retirada de grupos de interesse estatais. Seus resultados apontaram para a existência de uma população de grupos de interesse altamente diversificada, embora tenha sido observado um subconjunto de atores com relações mais intensas entre si e com os demais, o que é identificado como maior influência.

Cesário (2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016., p. 123) observou, ainda, “a formação de clusters muito bem definidos ao redor de políticas públicas específicas, com muitas organizações especializadas em poucas políticas públicas”. Trata-se, segundo o autor, de uma rede altamente especializada. Esse achado, associado à existência de dinâmicas de funcionamento distintas entre comissões2 2 Um dos aspectos relacionados às diferentes dinâmicas entre comissões pode ser observado pela distinta evolução do número de audiências públicas realizadas por cada comissão permanente ao longo das legislaturas. (Modesto, 2009MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, n. 2, p. 39-46, 2009.), corrobora a escolha de direcionar o olhar para as policy arenas ou policy networks que se formam em torno de determinadas políticas, que são objeto da atividade das comissões permanentes da Câmara dos Deputados.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo analisar a dinâmica da participação política dos interesses organizados por meio de audiências públicas realizadas em uma arena específica, qual seja a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI-CD). Assim, o foco é avaliar a intensidade da participação dos grupos de interesse, o que passa por responder duas questões centrais: 1) quais grupos atuaram politicamente por meio das audiências públicas realizadas por essa comissão; e 2) quais os contornos da agenda política tratada nesse órgão colegiado do Poder Legislativo. A partir das citadas indagações, torna-se possível conhecer um pouco mais acerca dos grupos de interesse que atuam no Legislativo e verificar em que medida a dinâmica no âmbito da CCTCI-CD se diferencia de alguns resultados apresentados por Modesto (2009MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, n. 2, p. 39-46, 2009.) para um caso específico e por Cesário (2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.) para o Congresso Nacional como um todo.3 3 Diferentemente da estratégia utilizada por Cesário (2016), a análise empreendida neste trabalho inclui todos os atores que tiveram presenças registradas nas audiências públicas da CCTCI-CD, inclusive os atores governamentais, cuja relevância é discutida adiante. O universo temporal aqui estudado refere-se à 53ª legislatura e à metade da 54ª legislatura, o que vai de 2007 a 2012, e os dados utilizados estão disponíveis na página eletrônica da Câmara dos Deputados.4 4 As comissões permanentes publicam relatórios anuais de atividades, por meio dos quais é divulgado o que ocorreu em seu âmbito na referida sessão legislativa. Entre as informações divulgadas, encontra-se a relação de audiências públicas promovidas, destacando-se a data e o horário de suas realizações, a temática das reuniões, assim como os nomes, os cargos e as organizações dos participantes.

Vale assinalar que a escolha da referida comissão se deu em função de se tratar de uma arena específica, no âmbito da Câmara dos Deputados, para o debate de temáticas concernentes a um campo que é afeito a mudanças extremamente rápidas. Além disso, cumprindo os objetivos propostos, torna-se possível uma aproximação com o ambiente da CCTCI-CD nos anos que antecederam a discussão e a aprovação do Marco Civil da Internet (Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014), atendo-se à atividade prévia da comissão. Também é necessário asseverar que a opção por se analisar a participação dos interesses organizados pela via das audiências públicas decorre do fato de que nessas há o registro da presença dos atores, o que não se dá nas reuniões das comissões. Ademais, um survey aplicado a alguns representantes de grupos de interesse e a assessores parlamentares do governo cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados apontou que a participação em audiências públicas é considerada como uma atividade frequentemente desenvolvida por grupos de pressão no Congresso Nacional. Esse e outros resultados do referido survey são discutidos neste trabalho, apresentando informações sobre estratégias e arenas acionadas pelos grupos de interesse, o que possui potencial para agregar conhecimento à área, sobretudo no que se refere às estratégias que têm, na perspectiva dos respondentes, maior capacidade de influenciar decisões políticas (Santos et al., 2016SANTOS, Manoel et al. O lobby na Câmara dos Deputados do Brasil: profissionalização, estratégias e influência. In: CONFERENCIA DEL GRUPO DE ESTUDIOS LEGISLATIVOS DE ALACIP, 3., 2016, Santiago. Anais… Santiago: Alacip, 2016.).

Dessa forma, com vistas a se avançar no estudo descritivo acerca da representação de interesses na CCTCI-CD, dados qualitativos e quantitativos são utilizados. É preciso destacar o emprego do método de análise de redes5 5 Esse método “parte da observação das interdependências e da ausência das mesmas entre os membros de um ator coletivo ou de um meio social organizado” (Lazega e Higgins, 2014, p. 5). e, também, da apresentação e discussão de algumas representações de rede, construídas a partir do software UCINET 6. Acerca da utilização desse método, é importante registrar sua aplicação para além dos já citados trabalhos de Modesto (2009MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, n. 2, p. 39-46, 2009.) e Cesário (2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.). Realizando um amplo levantamento concernente aos avanços na literatura sobre lobby, De Figueiredo e Richter (2014DE FIGUEIREDO, John; RICHTER, Brian. Advancing the Empirical Research on Lobbying. Annual Review of PoliticalScience, v. 17, p. 163-185, 2014.) ressaltaram o uso de registros de lobistas em diversas pesquisas, destacando a construção de mapas que permitem identificar redes de lobby, com ênfase em medidas de conectividade, proximidade e centralidade de lobistas e grupos de interesse. Um dos trabalhos citados pelos autores é de LaPira, Thomas III e Baumgartner (2014LAPIRA, Timothy; THOMAS III, Herschel; BAUMGARTNER, Frank. The two worlds of lobbying: Washington lobbyists in the core and on the periphery. Interest Groups & Advocacy, v. 3, p. 219-245, 2014.),6 6 A versão deste trabalho citada por De Figueiredo e Richter (2014) é a de working paper, com data de 2012. no qual, diante de um amplo conjunto de dados gerados a partir de relatórios do Lobbying Disclosure Act (LDA), o sistema de grupos de interesse atuando em Washington é concebido como uma complexa rede de lobistas. Entre os principais resultados, os autores observaram a existência de dois distintos mundos: “the first world, where most lobbying attention is directed, is one in which we see a great deal of interconnectedness and interest diversity. The second world, home to an overwhelming majority of policy domains, cultivates niche lobbying and policy balkanization” (LaPira, Thomas III e Baumgartner, 2014LAPIRA, Timothy; THOMAS III, Herschel; BAUMGARTNER, Frank. The two worlds of lobbying: Washington lobbyists in the core and on the periphery. Interest Groups & Advocacy, v. 3, p. 219-245, 2014., p. 236). Certamente, a abordagem da análise de rede sociais tem muito a contribuir com a compreensão da participação de interesses organizados nas instituições democráticas (Modesto, 2008), desafio que aqui se coloca.

Além desta introdução e das considerações finais, o trabalho está dividido em quatro seções. Procura-se, a priori, apresentar a percepção dos próprios representantes de grupos de interesse acerca das estratégias e atividades realizadas com vistas a influenciar o processo decisório de produção de políticas. Na sequência, o foco é descrever brevemente a CCTCI-CD bem como realçar alguns de seus atributos. As duas seções seguintes enfrentam mais diretamente as questões que norteiam este trabalho. A primeira delas indaga quais foram os interesses organizados que participaram das audiências públicas e a segunda apresenta a agenda temática que se fez presente, entre 2007 e 2012, na comissão, ressaltando a forma como atores e temas se articulam na rede de influência.

Representação de interesses e processo decisório: percepções dos grupos de pressão sobre arenas e estratégias de atuação

“A política pública pode ser o produto do longo e intrincado caminho de um processo de decisão política” (Piosevan, 2002PIOSEVAN, Márcia. A construção política da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, São Paulo, 2002., p. 13). Por sua vez, “as decisões políticas em sistemas democráticos resultam de processos nos quais muitos fatores relevantes interagem de maneira complexa” (Santos, 2011SANTOS, Manoel. O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011., p. 17). Entre esses, a participação de variados atores no processo decisório deve ser destacada considerando-se também aqueles que representam interesses organizados. Desse modo, uma análise que leve em conta a participação de grupos de pressão possibilita uma visão mais ampliada acerca da representação de interesses em arenas decisórias e dos resultados dela decorrentes.

Assim, faz-se mister identificar atores e arenas que perpassaram o processo decisório. No que se refere aos atores, é notório que grande parte da literatura, mesmo que considere a existência de grupos de interesse atuando nos espaços decisórios, ainda não concedeu a essa variável a importância merecida. É preciso debruçar-se sobre a ação política desses grupos, indagando sua capacidade de influenciar os rumos das mais diversas políticas públicas. Frente a esse debate, Baird (2016BAIRD, Marcello. O lobby na regulação da publicidade de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, p. 67-91, 2016., p. 71) destacou que, dos pontos de vista teórico e empírico, houve uma desatenção no que concerne a influência dos grupos de interesse na construção de políticas públicas, afirmando que,

[…] embora os interesses sociais sejam representados, de uma forma ou de outra, pelos atores políticos que interagem no âmbito das instituições, como o Congresso Nacional e o Executivo com sua burocracia e agências, é fundamental que se traga a lume quais grupos são esses e se explicite como atuam politicamente acionando essas instituições em defesa de seus interesses.

Diante dessa perspectiva, é importante destacar, nas palavras de Mancuso (2005MANCUSO, Wagner. Lobby e democracia no Brasil. [S.l.]: [s.n.], 2005. Disponível em: <https://goo.gl/3pZ76r>. Acesso em: 8 dez. 2016., p. 1), que

[…] a atividade dos atores sociais é regida por uma miríade de decisões tomadas por indivíduos que ocupam posições de autoridade nos poderes executivo, legislativo e judiciário em âmbito local, estadual e federal. A percepção de que as decisões tomadas nestas instâncias são relevantes para o desempenho de suas atividades é o motivo que leva os atores sociais a desenvolverem ações políticas durante os processos decisórios, com a intenção de promover os seus interesses. A palavra lobby, de origem inglesa, foi incorporada ao nosso vocabulário justamente para designar todas essas ações políticas de defesa de interesses.

Assim, o fenômeno político do lobby pode ser, resumidamente, “entendido como a apresentação de demandas aos tomadores de decisões políticas” (Mancuso e Gozetto, 2011MANCUSO, Wagner; GOZETTO, Andréa. Lobby: discussão introdutória sobre algumas questões-chave. Revista Eletrônica Portas, v. 4, n. 4, p. 10-21, 2011., p. 10). Vale destacar que se adotam, neste trabalho, as expressões grupo de interesse e grupo de pressão como sinônimas, tal como se faz em parte da literatura (Browne, 1998BROWNE, William. Interests and U.S. Public Policy. Washington: Gergetown University Press, 1998.; Thomas, 2004THOMAS, Clive. Research Guide to U.S. and International Interest Groups. Westpost: Praeger Publishers, 2004.).7 7 Este não é um ponto consensual. Aragão (1994), por exemplo, afirma que o grupo de interesse consiste em um estágio embrionário ou original do grupo de pressão. Essa distinção, entretanto, não será utilizada neste trabalho. A definição com a qual se trabalha considera esses grupos como uma associação de indivíduos ou de organizações ou uma instituição pública ou privada que busca influenciar a política pública na direção de suas preocupações ou interesses compartilhados (Thomas, 2004THOMAS, Clive. Research Guide to U.S. and International Interest Groups. Westpost: Praeger Publishers, 2004.). Grupos de pressão, segundo Thomas (2004THOMAS, Clive. Research Guide to U.S. and International Interest Groups. Westpost: Praeger Publishers, 2004.), diferentemente dos movimentos sociais e dos partidos políticos, são organizados em torno de uma ou de um conjunto de issues, visando interesses particulares ou para a sociedade como um todo, não possuindo, entretanto, interesse em chegar ao poder a ponto de assumir o controle do governo.

Na sequência, lança-se luz sobre questões relativas às estratégias utilizadas e às arenas acionadas por representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares do governo cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados, respondentes de um survey.8 8 Do total de 179 representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares do governo cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados, no biênio 2011-2012, 65 responderam ao questionário online (36,3%). A coleta de dados foi realizada entre 2012 e 2013, sendo parte de pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (CEL/UFMG), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O lobby no Poder Legislativo

O foco aqui se direciona para a representação de interesses no âmbito do Poder Legislativo, em que a atuação dos grupos de pressão consiste na defesa dos interesses de seus representados e em levar a cabo ações de influência (Zampieri, 2013ZAMPIERI, Enio. Ação dos grupos de pressão no processo decisório das comissões permanentes do Congresso Nacional. E-Legis, n. 12, p. 122-136, 2013.). Nesse sentido, ao analisar a evolução do cadastro de órgãos do Estado e de entidades da sociedade civil na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados, Santos (2014aSANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Brasília: Ipea, 2014a. (Texto para Discussão, n. 1975)., p. 18) observou que

[…] o parlamento tem sido espaço de decisão e atuação política cada vez mais disputado. Considerando que o lobby e a representação sistemática de interesses têm custos elevados e exigem a mobilização de recursos por parte dos grupos de pressão, a mobilização cada vez maior desses grupos visando atuar no parlamento parece um indicador relevante para confirmar […] as duas proposições que a literatura vem sugerindo. A primeira é que o Legislativo foi revalorizado como espaço decisório, convertendo-se em uma arena política relevante no período pós-1988. A segunda é que o pluralismo vem aumentando, acompanhado por uma observação cada vez mais criteriosa do Estado.

A segunda proposição citada será objeto de análise mais detida adiante, quando forem discutidos os atores que se fazem presentes nas audiências públicas da comissão estudada. Nesse momento, é fundamental trazer ao debate a percepção dos próprios representantes dos grupos de interesse. Acerca da relevância estratégica de cada uma das arenas políticas listadas, os respondentes posicionaram-se conforme a tabela 1.

Tabela 1
Relevância estratégica de cada arena política (%)

A análise dos dados elencados anteriormente possibilita a afirmação de que, na opinião dos próprios representantes de interesses, é grande a relevância do Poder Legislativo. Somando as respostas relevante e muito relevante, a Câmara dos Deputados e o Senado aparecem como as arenas mais relevantes do ponto de vista estratégico, ambas com 93,9%. No entanto, a Câmara possui um maior percentual de respostas à opção muito relevante. Na sequência, aparece o Poder Executivo, que também registra um elevado percentual (87,7%). Por fim, aparecem o Judiciário (47,7%) e as Agências Reguladoras (46,2%).

Os dados indicam, como já salientado por Santos (2014aSANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Brasília: Ipea, 2014a. (Texto para Discussão, n. 1975).), a revalorização do Poder Legislativo enquanto arena decisória, um espaço que já esteve esvaziado, pois

[…] com o golpe militar de 1964, a atuação dos grupos de pressão no Congresso Nacional perdeu impulso frente ao deslocamento do eixo das decisões políticas para o Executivo controlado pelos militares. […] O retorno dos grupos de pressão ao Congresso Nacional, a partir do final dos anos 70, foi obviamente facilitado pela “abertura política” e pela real perspectiva de que as oposições poderiam assumir o poder

(Aragão, 1994ARAGÃO, Murillo. Grupos de pressão no Congresso Nacional: como a sociedade pode defender licitamente seus direitos no Poder Legislativo. São Paulo: Maltese, 1994., p. 21-22).

Ademais, os respondentes do survey indicaram que é na Câmara onde se encontra a maior factibilidade de conseguir resultados positivos para o seu grupo, ou seja, é na Câmara que o lobby se apresenta mais produtivo. Segundo os representantes dos grupos de pressão, o Judiciário é a arena onde o lobby é menos produtivo. A soma das respostas produtivo e muito produtivo indica o percentual de 18,4% para esse poder. Fazendo-se o mesmo para as demais arenas, chega-se aos seguintes números: 27,7% para as Agências reguladoras; 47,7% para o Poder Executivo; 67,7% para o Senado; e, por fim, 80% para a Câmara dos Deputados.

As respostas apresentadas deixam clara a centralidade do Poder Legislativo para as atividades de pressão. Analisando o lobby ocorrido na regulação da publicidade de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Baird (2016BAIRD, Marcello. O lobby na regulação da publicidade de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, p. 67-91, 2016.) destacou a importância de se angariar apoio parlamentar, aumentando-se a pressão do lado opositor à norma da Anvisa e criando-se um aliado que, embora não tenha poderes para interromper o processo desencadeado pela agência, pode buscar freá-lo mais adiante, caso a norma seja publicada. Mesmo se tratando da análise de um caso específico, o autor conseguiu demonstrar o peso que o parlamentar possui antes mesmo que a norma chegue para a discussão no Legislativo. Apontou também, olhando para os futuros andamentos da norma, a grande relevância desses atores.

Esses dados vão ao encontro de achados que apontaram o revigoramento do Legislativo. Nesse sentido, Almeida (2015ALMEIDA, Acir. Processo legislativo: mudanças recentes e desafios. Boletim de Análise Político-Institucional, n. 7, p. 45-50, 2015.), por meio da revisão de indicadores utilizados na literatura, registrou o declínio do poder de agenda e do controle do Executivo sobre o processo legislativo. Segundo o autor,

[…] nos últimos dez anos ocorreram importantes mudanças no processo legislativo federal, especialmente no que diz respeito às iniciativas de lei do Executivo. Diminuíram-se a edição de medidas provisórias e o uso do regime de urgência na tramitação de projetos de lei, permitindo, assim, que o sistema de comissões permanentes do Congresso passasse a exercer papel mais ativo. Ademais, a agenda legislativa, antes dominada por iniciativas do Executivo, passou a incluir quantidade muito maior de proposições de origem parlamentar

(Almeida, 2015ALMEIDA, Acir. Processo legislativo: mudanças recentes e desafios. Boletim de Análise Político-Institucional, n. 7, p. 45-50, 2015., p. 45).

Entre os aspectos por ele ressaltados, vale assinalar o achado de que o timing de um número crescente de decisões legislativas passou a ser definido no escopo das comissões. Nessa perspectiva, Freitas (2016FREITAS, Andréa. O presidencialismo da coalizão. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2016.) ressaltou que a participação legislativa na modificação do status quo não é pequena nem desprezível, apontando a reduzida relevância que a literatura especializada atribuiu a essa atuação. Dessa forma, a autora destacou a importância do Poder Legislativo no processo de formatação das leis, deliberando sobre as propostas e alterando-as.

Diante desse cenário, faz-se necessário apresentar as arenas existentes no interior do Congresso Nacional e indagar a qual delas é atribuída maior relevância estratégica. A tabela 2 apresenta a posição dos respondentes do survey.

Tabela 2
Relevância estratégica de cada arena política do Congresso Nacional (%)

Valendo-se da mesma estratégia de soma (das respostas relevante e muito relevante) utilizada nas análises precedentes, chega-se aos seguintes percentuais de relevância: 35,4% para a primeira secretaria; 46,1% para a mesa diretora; 58,4% para a consultoria legislativa; 63,1% para o plenário; 81,5% para a presidência; e, finalmente, 92,3% para as comissões. Os dados mostram que as comissões são consideradas, pelos representantes de organizações e instituições que atuam no Congresso Nacional, arenas políticas de elevado grau de relevância estratégica. Nessa direção, estudos recentes apontaram que as comissões permanentes desempenham funções importantes no Legislativo, seja cumprindo um papel informacional (Santos e Almeida, 2011SANTOS, Fabiano; ALMEIDA, Acir. Fundamentos informacionais do presidencialismo de coalizão. São Paulo: Appris, 2011.), seja como trincheira dos grupos de pressão usada parra barrar proposições que contrariam seus interesses (Mancuso, 2007MANCUSO, Wagner. O Lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas, 2007.; Santos, 2011SANTOS, Manoel. O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.). Ademais, o trabalho de Almeida (2015ALMEIDA, Acir. Processo legislativo: mudanças recentes e desafios. Boletim de Análise Político-Institucional, n. 7, p. 45-50, 2015.) matizou fortemente uma visão de que o sistema de comissões seria governado por agentes do Executivo, tendo como função principal a contribuição para com a aprovação da agenda legislativa do presidente. Freitas (2016FREITAS, Andréa. O presidencialismo da coalizão. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2016., p. 83), por sua vez, afirmou que a deliberação acerca dos projetos se dá nas comissões e que é “nelas que o conteúdo dos projetos é definido, e o relator é um ator central no processo de tramitação das matérias. Desconsiderar sua importância ou classificá-las como fracas sem observar o seu trabalho cotidiano impossibilita uma visão completa do sistema político brasileiro”.

Desconsiderar a importância dessa arena tem também implicações para a análise das atividades de grupos de interesse, as quais se voltam, em grande monta, para o Poder Legislativo, espaço de atuação política cada vez mais disputado (Santos, 2014aSANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Brasília: Ipea, 2014a. (Texto para Discussão, n. 1975).; Aragão, 1994ARAGÃO, Murillo. Grupos de pressão no Congresso Nacional: como a sociedade pode defender licitamente seus direitos no Poder Legislativo. São Paulo: Maltese, 1994.). Alguns autores já demonstraram que as comissões são loci para os quais se dirige grande parte do trabalho desses grupos - isso porque apenas um pequeno número de decisões relativas às proposições legislativas é tomado no plenário (Santos, 2014bSANTOS, Manoel. Representação de interesses na Câmara dos Deputados: o lobby e o sucesso da agenda legislativa da indústria. Revista Ibero-Americana de Estudos Legislativos, v. 3, n. 1, p. 52-70, 2014b.). Nesse sentido, vale lembrar que

[…] a Câmara dos Deputados e o Senado Federal realizam boa parte de sua função institucional sob uma estrutura baseada em comissões permanentes. Atuando diretamente nos trabalhos desempenhados por esses colegiados, são encontrados os mais variados tipos de grupos de pressão exercendo ações de influência e defesa de interesses dos seus associados

(Zampieri, 2013ZAMPIERI, Enio. Ação dos grupos de pressão no processo decisório das comissões permanentes do Congresso Nacional. E-Legis, n. 12, p. 122-136, 2013., p. 122).

“De acordo com os teóricos do neoinstitucionalismo, a eficiência dos grupos de pressão aumenta quando estes conhecem bem o arcabouço institucional que regula o processo legislativo” (Taglialegna e Carvalho, 2006TAGLIALEGNA, Gustavo; CARVALHO, Paulo Afonso. Atuação de grupos de pressão na tramitação do projeto de lei de biossegurança. Revista de Informação Legislativa, v. 43, n. 169, p. 161-188, 2006., p. 185). Nesse sentido,

[…] a atuação dos grupos de pressão […] [ocorre] tanto por meio do uso de instituições formais quanto por meio de informais. As instituições formais permitem, por exemplo, a participação direta dos grupos de pressão em audiências públicas promovidas pelas Comissões do Congresso. As instituições informais, por sua vez, envolvem relações pessoais dos grupos de pressão com os parlamentares, que lhes permitem participar diretamente do processo legislativo

(Taglialegna e Carvalho, 2006TAGLIALEGNA, Gustavo; CARVALHO, Paulo Afonso. Atuação de grupos de pressão na tramitação do projeto de lei de biossegurança. Revista de Informação Legislativa, v. 43, n. 169, p. 161-188, 2006., p. 185).

No caso das instituições informais, os autores citaram o contato direto com os parlamentares, a sugestão de emendas e o trabalho de lobby exercido junto aos relatores. Essa contribuição neoinstitucionalista é fundamental para se observar as estratégias utilizadas pelos representantes dos grupos de interesse e a quais atores elas se dirigem. O estudo de caso que empreender-se-á a partir da seção seguinte tem como objeto a análise do lobby em uma instituição formal, a lembrar as audiências públicas de uma comissão permanente da Câmara dos Deputados.

Zampieri (2013ZAMPIERI, Enio. Ação dos grupos de pressão no processo decisório das comissões permanentes do Congresso Nacional. E-Legis, n. 12, p. 122-136, 2013.), ao discutir a ação dos grupos de pressão no âmbito das comissões permanentes, lançou mão de três modelos tradicionalmente utilizados para a realização de estudos sobre o comportamento dos atores do Legislativo: distributivista, informacional e partidário.9 9 Segundo Limongi, (1994, p. 10), “o modelo distributivista tem por ponto de partida a motivação dos parlamentares. Parlamentares, basicamente, querem se reeleger. As ações dos congressistas devem ser compreendidas tendo por referência este desejo”. Por sua vez, “para a perspectiva informacional o problema passa a ser o de garantir que as decisões sejam tomadas com base na utilização da maior quantidade possível de informação” (Limongi, 1994, p. 35-36). Por fim, autores associados ao modelo partidário, “ao invés de ver as comissões como uma forma de organização legislativa que independe dos partidos, […] propõem que elas sejam entendidas como uma forma de governo partidário” (Limongi, 1994, p. 44). O autor afirmou que “é possível concluir que o momento ideal para o exercício das ações de influência e defesa de interesses no processo decisório das comissões permanentes é quando o modelo teórico informacional for o predominante” (Zampieri, 2013ZAMPIERI, Enio. Ação dos grupos de pressão no processo decisório das comissões permanentes do Congresso Nacional. E-Legis, n. 12, p. 122-136, 2013., p. 134).10 10 Zampieri (2013, p. 135) chegou a essa conclusão porque considera como “função básica dos grupos de pressão instruir os membros das comissões permanentes por meio de documentos técnicos”. Dessa forma, reduzir-se-iam as incertezas de parlamentares acerca das políticas em debate nas comissões permanentes da Câmara dos Deputados, sendo esse o momento no qual o sistema político mais se abre às informações externas. Aqui, vale também assinalar a aplicação da teoria informacional para o caso brasileiro empreendida por Santos e Almeida (2011SANTOS, Manoel. O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.). Os autores sugeriram que, em grande medida, o trabalho das comissões consiste na produção e disseminação de informação, a qual é vista como insumo indispensável ao processo de tomada de decisão, de modo que grupos de interesse, dada sua expertise em áreas específicas, poderiam ser considerados como importantes agentes informacionais.

Diante dessa perspectiva, traz-se à baila um importante instrumento capaz de levar à arena legislativa novas informações, o que possibilita a redução de incertezas no processo decisório. Tal instrumento consiste nas audiências públicas realizadas pelas comissões permanentes.

Audiência pública: uma arena relevante para a representação de interesses

Como destaca Silva (2012SILVA, Mariana. Mecanismos de participação e atuação de grupos de interesse no processo regulatório brasileiro: o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Revista de Administração Pública, v. 46, n. 4, p. 969-992, 2012.), as audiências públicas podem assumir papéis e desempenhar funções diferentes, caracterizando-se por distintos procedimentos. Como a mesma nomenclatura pode se referir a mecanismos diversos, é importante deixar claro qual o objeto a ser trabalhado. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 (CF/88BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/WyS8nb >. Acesso em: 18 nov. 2016.
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), no inciso II do parágrafo 2º do Art. 58, elenca, entre as competências das comissões do Congresso Nacional, a realização de audiências públicas. Como o foco aqui se direciona para as audiências públicas realizadas pela CCTCI-CD, buscou-se também no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Brasil, 2016aBRASIL. Regimento Interno da Câmara dos Deputados atualizado até a Resolução no 17, de 2016 . Brasília: Câmara dos Deputados, 2016a. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/GqsnTN >. Acesso em: 18 nov. 2016.
https://goo.gl/GqsnTN...
) a previsão para a adoção de tal mecanismo participativo.

Art. 255. Cada Comissão poderá realizar reunião de audiência pública com entidade da sociedade civil para instruir matéria legislativa em trâmite, bem como para tratar de assuntos de interesse público relevante, atinentes à sua área de atuação, mediante proposta de qualquer membro ou a pedido de entidade interessada.

Art. 256. Aprovada a reunião de audiência pública, a Comissão selecionará, para serem ouvidas, as autoridades, as pessoas interessadas e os especialistas ligados às entidades participantes, cabendo ao Presidente da Comissão expedir os convites

(Brasil, 2016a).

Encarada, então, como um instrumento de participação popular, as audiências públicas podem ser definidas como

[…] um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimidade da ação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação consensual

(Moreira Neto, 1992MOREIRA NETO, Diogo. Direito de participação política: legislativa, administrativa, judicial (fundamentos e técnicas constitucionais de legitimidade). Rio de Janeiro: Renovar, 1992., p. 129).

Ademais, esse instrumento à disposição do Poder Legislativo consiste em uma ferramenta capaz de levar aos parlamentares novas informações, o que pode alterar o curso do processo decisório (Zampieri, 2013ZAMPIERI, Enio. Ação dos grupos de pressão no processo decisório das comissões permanentes do Congresso Nacional. E-Legis, n. 12, p. 122-136, 2013.). Assim, ao considerar a discussão anteriormente empreendida, fica claro que “é importante estudar não apenas o Plenário, mas o processo legislativo que o antecede, pois é nele que parte substantiva das proposições tem seu destino definido” (Santos, 2014bSANTOS, Manoel. Representação de interesses na Câmara dos Deputados: o lobby e o sucesso da agenda legislativa da indústria. Revista Ibero-Americana de Estudos Legislativos, v. 3, n. 1, p. 52-70, 2014b., p. 69), tendo em vista que muitas decisões acabam se restringindo às comissões. Nesse locus,

[…] frequentemente a defesa dos interesses […] acontece em eventos tais como audiências públicas, seminários e reuniões de trabalho, convocados para proporcionar aos representantes do setor a oportunidade de ficar face a face com os tomadores de decisão, debater a proposição legislativa em análise e manifestar, diante deles, as suas demandas

(Mancuso, 2007MANCUSO, Wagner. O Lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas, 2007., p. 93).

Destacando novamente os resultados do survey, pode-se acrescer a percepção dos próprios agentes da representação de interesses acerca da frequência com a qual determinadas atividades são desenvolvidas.

Tabela 3
Frequência de atividades desenvolvidas pelos grupos de interesse e assessores parlamentares (%)

Vinte e nove vírgula dois por cento, 35,4% e 23,1% dos respondentes afirmaram, respectivamente, que sempre, com muita frequência e com moderada frequência participam das audiências públicas enquanto exercem seu trabalho de representação de grupos de pressão. Comparando essa atividade com as demais listadas, apenas o contato direto com os parlamentares e o acompanhamento de reuniões das comissões são utilizados com maior frequência do que a participação em audiências públicas.

Esses números evidenciam a importância dessa atividade na atuação dos grupos de interesse e assessores parlamentares do governo em seu trabalho de pressão no Congresso Nacional. Ademais, deve-se considerar que a participação em audiências públicas está condicionada a um convite por parte da comissão, diferentemente de outras atividades, que, por sua vez, dependem da iniciativa11BROWNE, William. Interests and U.S. Public Policy. Washington: Gergetown University Press, 1998. dos grupos de interesse. Esse fato reforça o resultado aqui discutido.

Tomando, portanto, a relevância das comissões no processo legislativo e lançando luz sobre seu papel informacional, as audiências públicas, eventos nos quais ocorre o registro de presença dos participantes e das organizações/instituições por eles representadas (o que não se dá nas reuniões das comissões), passam a se configurar como um importante objeto para o estudo do lobby.12CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.Os resultados apresentados reforçam que as audiências públicas no âmbito das comissões são arenas altamente relevantes nas quais interagem e se articulam os mais variados interesses da sociedade e do governo (Cesário, 2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.), o que também pode ser constatado diante da repetida presença de determinadas instituições, sobressaindo-se a presença do Poder Executivo Federal, como será demonstrado nas seções seguintes.

A CCTCI-CD

A CCTCI-CD é uma das 25 comissões permanentes que atualmente existem na Câmara dos Deputados. Essas

[…] são órgãos técnicos criados pelo Regimento Interno da Casa e constituídos de deputados (as), com a finalidade de discutir e votar as propostas de leis que são apresentadas à Câmara. Com relação a determinadas proposições ou projetos, essas Comissões se manifestam emitindo opinião técnica sobre o assunto, por meio de pareceres, antes de o assunto ser levado ao Plenário; com relação a outras proposições elas decidem, aprovando-as ou rejeitando-as, sem a necessidade de passarem elas pelo Plenário da Casa. A composição parlamentar desses órgãos técnicos é renovada a cada ano ou sessão legislativa. Na ação fiscalizadora, as Comissões atuam como mecanismos de controle dos programas e projetos executados ou em execução, a cargo do Poder Executivo

(Brasil, 2016bBRASIL. O Papel das Comissões Permanentes. Brasília: Câmara dos Deputados, 2016b. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/XRMy2X >. Acesso em: 18 nov. 2016.
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).

Vale destacar que a Resolução no 5 de 1989 realizou modificações no Regimento Interno da Câmara dos Deputados de 1972, concebendo, assim, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Essa comissão teve um grande incremento de seus trabalhos diante da determinação da CF/88 de que caberia ao Congresso Nacional a apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. O Art. 32 do Regimento Interno (Brasil, 2016aBRASIL. Regimento Interno da Câmara dos Deputados atualizado até a Resolução no 17, de 2016 . Brasília: Câmara dos Deputados, 2016a. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/GqsnTN >. Acesso em: 18 nov. 2016.
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) estabelece como campos temáticos ou áreas de atividade da CCTCI-CD:

  • a) desenvolvimento científico e tecnológico; política nacional de ciência e tecnologia e organização institucional do setor; acordos de cooperação com outros países e organismos internacionais;

  • b) sistema estatístico, cartográfico e demográfico nacional;

  • c) os meios de comunicação social e a liberdade de imprensa;

  • d) a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão;

  • e) assuntos relativos a comunicações, telecomunicações, informática, telemática e robótica em geral;

  • f) indústrias de computação e seus aspectos estratégicos;

  • g) serviços postais, telegráficos, telefônicos, de telex, de radiodifusão e de transmissão de dados;

  • h) outorga e renovação da exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

  • i) política nacional de informática e automação e de telecomunicações;

  • j) regime jurídico das telecomunicações e informática (Brasil, 2016a).

A realização de audiências públicas

A realização de audiências públicas é uma das atividades realizadas no âmbito das comissões da Câmara dos Deputados. A figura 1, elaborada a partir do software NVivo,13 13 NVivo é um software que suporta métodos de pesquisa qualitativos e mistos. apresenta uma nuvem com as palavras mais frequentes nos textos de apresentação dos relatórios de atividades das seis sessões legislativas estudadas.

Figura 1
Palavras mais frequentes nos textos de apresentação dos relatórios anuais de atividades da CCTCI-CD (2007-2012)

Ela sinaliza o quanto os textos analisados recorreram a palavras intimamente associadas a temáticas com maior interface junto a sociedade, a citar tecnologia e internet. Nesse recorte, que se limitou às palavras mais frequentes, o substantivo audiência ou audiências não aparece. Por sua vez, o adjetivo “públicas”, facilmente associado a outros termos, faz-se presente na figura, na qual aparecem também as palavras debate e debates. Em tese, isso ocorreu por, pelo menos, 116 vezes na CCTCI-CD, entre 2007 e 2012, uma vez que foi esse o número de audiências públicas realizadas. Essas se distribuíram anualmente como apresenta o gráfico 1.

Gráfico 1
Número de audiências públicas realizadas pela CCTCI-CD (2007-2012)

No período analisado, a média anual de audiências é igual a 19,33, sendo, entretanto, o desvio-padrão igual a 8,768, número explicado pela menor atividade nos anos eleitorais (2008, 2010 e 2012). Em 2010, quando ocorreram eleições nacionais e estaduais, o número de audiências públicas foi ainda menor (dez), uma vez que, nesses pleitos, grande parte dos parlamentares busca a reeleição. Por outro lado, as duas sessões legislativas que apresentaram a maior quantidade de audiências públicas foram as de 2007 (36) e de 2011 (25). A explicação para esses números pode residir no fato de que 2007 e 2011 foram anos iniciais de legislatura. Nesse sentido,

[…] o crescimento de produtividade que ocorre logo após as campanhas possivelmente resulta de incentivos distintos para políticos veteranos e calouros: os primeiros buscam compensar a baixa produtividade dos anos eleitorais, enquanto os segundos procuram mostrar trabalho, apresentando, o quanto antes, propostas que agradem seus eleitores. Essa impaciência é prudente, pois assim o parlamentar terá mais tempo para acompanhar a tramitação de seus projetos e maiores chances de vê-los aprovados antes do fim do mandato

(Araújo, 2009ARAÚJO, Paulo. O bicameralismo no Brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho Legislativo do Senado Federal (1989-2004). Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009., p. 121).

A próxima seção busca apresentar quais atores têm se apropriado das audiências públicas realizadas no âmbito da CCTCI-CD.

Que interesses organizados participaram das audiências públicas?

Entre 2007 e 2012, as participações de organizações/instituições em audiências públicas da CCTCI-CD somaram 557.

Tabela 4
Organizações e instituições presentes nas audiências públicas da CCTCI-CD (2007-2012)

Com base nas informações dos relatórios anuais, apenas oito participantes das audiências não estavam representando uma organização/instituição específica ou, simplesmente, isso não foi citado. Tomando apenas o número de participações com organizações/instituições constantes (557), verifica-se que o número médio de presenças em uma audiência pública é igual a 4,8. No entanto, vale dizer que, entre as reuniões estudadas, algumas contaram com a participação de quinze organizações/instituições, ao passo que outras registraram a participação de uma única organização/instituição.

A tabela 4 apresenta a classificação das organizações e instituições participantes.14 14 Utilizam-se, aqui, as mesmas categorias que Santos e Cunha (2015) empregaram para classificar as organizações e instituições cadastradas na primeira secretaria da Câmara dos Deputados. Os dados mostram que 50,8% (percentual do total de 565 observações, nas quais se incluem os oito casos em que não costa a organização/instituição representada) das participações nas audiências públicas da CCTCI-CD, entre 2007 e 2012, estão relacionadas a órgãos do Estado. Grande parte dessas participações refere-se ao Poder Executivo Federal, que se mostra extremamente atuante na arena legislativa na defesa dos interesses do governo. A figura 2, também elaborada a partir do software NVivo, apresenta uma nuvem de palavras com as organizações/instituições que mais se fizeram presentes nas audiências públicas.

Figura 2
Organizações e instituições mais atuantes nas audiências públicas da CCTCI-CD (2007-2012)

A partir da figura 2 é possível visualizar que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi a instituição com maior participação, somando 34 presenças nas audiências públicas. Ainda no âmbito estatal, sobressai-se a atuação do Ministério das Comunicações (MC), que se fez presente, no período analisado neste trabalho, em 28 audiências públicas realizadas pela CCTCI-CD. O segundo Ministério mais atuante, como pode se esperar, é o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o qual contabilizou dezenove presenças.

A forte presença de representantes dos ministérios, órgãos diretamente ligados ao Poder Executivo e subordinados à Presidência da República, sugere um processo legislativo fortemente escrutinado pelo Executivo, o que, em princípio, não diferencia a CCTCI-CD das demais comissões da Câmara dos Deputados. Modesto (2009MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, n. 2, p. 39-46, 2009.), analisando a participação ocorrida em audiências públicas da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da mesma Casa, entre 2000 e 2007, também visualizou uma elevada presença de organizações governamentais.

É possível, assim, verificar um achado semelhante ao que chegou Santos (2014aSANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Brasília: Ipea, 2014a. (Texto para Discussão, n. 1975).):

a presença de assessores parlamentares dos ministérios e dos órgãos de controle são os números preponderantes e sugerem um ambiente político no qual os interesses organizados da sociedade atuam sob forte escrutínio e acompanhamento de diferentes setores do governo. É difícil, portanto, desconsiderar os impactos da presença da burocracia estatal na competição por influência entre interesses, assim como nos resultados políticos que emergem do Legislativo

(Santos, 2014aSANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Brasília: Ipea, 2014a. (Texto para Discussão, n. 1975)., p. 27).

Dessa forma, diante da clara posição dos representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares do governo cadastrados na primeira secretaria da Câmara dos Deputados que responderam ao survey apresentado na primeira seção, pode-se perceber que a comissão é a porta de entrada, no Poder Legislativo, para os interesses. Sendo assim, a forte presença de agentes estatais está associada ao objetivo de manter os interesses do governo na competição por influência entre interesses.

Os dados mostram, ainda, que a participação da sociedade civil organizada15 15 A categoria denominada sociedade civil inclui grupos de interesse e entidades de representação sindical (patronal e trabalhista), associações livres (extracorporativistas) e órgãos de representação profissional. Na categorização proposta por Santos e Cunha (2015), ONGs e centrais sindicais também foram incluídas, entretanto, nenhuma organização/instituição aqui analisada foi classificada de tal modo. nas audiências públicas da CCTCI-CD corresponde a 35,8%, com grande atuação das associações livres, as quais representam interesses de setores específicos, não estando ligadas, entretanto, ao sistema corporativista de representação de interesses. Entre essas, a que mais atuou foi a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), somando 22 presenças. No âmbito da sociedade civil, também merece menção a considerável presença do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social (doze presenças). Nesse sentido, mesmo que o Estado predomine na arena estudada, os dados indicam que “atores organizados da sociedade civil, ou melhor, associações e organizações civis têm exercido função de representação mesmo no lócus da representação política tradicional” (Coelho, 2015COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativas e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015., p. 221).

Quanto à presença de empresas privadas, essas representaram o percentual de 7,8%. Outro dado extremamente significativo é a presença de instituições de ensino, por meio da participação de especialistas no tema em debate. Somando as de caráter público com as de caráter privado e uma instituição estrangeira, chega-se ao percentual de 7,43% referente à presença de instituições de ensino. A Universidade de Brasília (UnB) é a mais presente (treze). A tabela 5 apresenta quais foram as organizações e instituições mais atuantes.

Tabela 5
Organizações e instituições mais atuantes nas audiências públicas da CCTCI-CD (2007-2012)

A seção seguinte introduz uma discussão relativa à rede de atores que se constitui no interior da CCTCI-CD.

Grupos de interesse em rede

O pressuposto do qual se parte é que “a abordagem de redes facilita a compreensão do fenômeno complexo de participação de interesses organizados nas instituições democráticas que se convencionou denominar ‘lobby’” (Modesto, 2008MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo pela abordagem de redes. Monografia (Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo) - Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados, Brasília, 2008., p. 14, grifo nosso). Ressalta-se que “o estudo das redes sociais proporciona […] um importante entendimento e acompanhamento do conhecimento compartilhado através da interação entre os indivíduos interligados às redes” (Azevedo e Rodriguez, 2010AZEVEDO, Tatiana; RODRIGUEZ, Martius. Softwares para análise de redes sociais (ARS). In: CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO, 6., 2010, Rio de Janeiro. Anais… Niterói: Inovarse, 2010., p. 2). Ademais, debruçar-se sobre redes políticas é assumir que uma decisão pública não resulta da mera intenção de alguns poucos atores centrais.

É preciso salientar que as redes apresentadas neste trabalho foram construídas a partir do software UCINET 6.16 16 “Software de análise de redes sociais desenvolvidos por Steve Borgatti, Everett e Martin Freeman Lin. O programa é distribuído pela Analytic Technologies” (Azevedo e Rodriguez, 2010, p. 13-14). Nesse sentido, alguns importantes conceitos da análise de redes precisam ser assinalados. O primeiro deles é o de ator, que se refere aos indivíduos, setores ou departamentos interligados à rede. As ligações, por sua vez, são representadas graficamente pelas linhas que conectam os atores.

Empreende-se, aqui, uma primeira abordagem acerca da rede de influência da CCTCI-CD. Deve-se ressaltar a construção de uma rede com a configuração, inicialmente, two-mode, sendo formada por dois tipos de entidades, quais sejam atores e eventos (audiências públicas).17 17 A discussão empreendida na seção subsequente toma como objeto essa rede (figura 4). Na seção dedicada à relação entre atores e temáticas, a representação de rede também possui configuração two-mode: organizações/instituições e categorias temáticas (figura 6). Com vistas a identificar atores centrais, essa rede foi transformada em uma rede one-mode, constituída por um único conjunto de entidades, ou seja, grupos de pressão.18 18 Para transformar a referida rede two-mode em uma rede one-mode, constrói-se uma matriz na qual é assinalada a existência de ligação entre duas organizações/instituições quando essas estiveram presentes em uma mesma audiência pública. O pressuposto é que a presença em uma mesma audiência pública implica a existência de relação entre os atores, significando para os grupos de interesse uma oportunidade de trocar recursos e informações e de constituir acordos coletivos e coalizões. Dessa forma, “como parte do mesmo ambiente político, grupos de interesse possuem relações de cooperação ou competição entre si. Formam, assim, uma ampla rede” (Cesário, 2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016., p. 109). A figura 3 apresenta a configuração da rede formada pelas interações existentes entre todas as organizações e instituições que registraram presença nas audiências públicas da CCTCI-CD.

Figura 3
Organizações e instituições presentes em audiências públicas da CCTCI-CD (2007-2012)

Vale destacar que, a partir da metodologia de análise de redes, uma literatura crescente (Pappi e Henning, 1998PAPPI, Franz; HENNING, Christian. Policy networks: more than a metaphor? Journal of Theoretical Politics, v. 10, n. 4, p. 553-575, 1998.) tem associado padrões de inserção na rede de relacionamentos a influência de agentes sociais. Diversos autores partem da tese de que a centralidade de um ator em determinada rede está relacionada com o poder/influência desse ator, ou seja, a influência política pode ser mensurada a partir do posicionamento do grupo de interesse na rede (Cesário, 2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.). Há, ainda, trabalhos que utilizam a estrutura e a posição dos nós de uma rede como sinalizadores de desempenho (Borgatti et al., 2009BORGATTI, Stephen et al. Network analysis in the social sciences. Science, v. 323, n. 5916, p. 892-895, 2009.). Outra perspectiva relacionada ao estudo de redes é apresentada por Heaney (2014HEANEY, Michael. Multiplex networks and interest group influence reputation: an exponential random graph model. Social Networks, v. 36, p. 66-81, 2014.), que ressalta a relação entre a reputação de influência do grupo e sua posição estrutural na rede de interesses organizados.

Para se discutir propriedades relacionadas aos grupos de interesse presentes na rede, utiliza-se, neste trabalho, a noção de centralidade, segundo a qual “um ator é muito central quando se encontra engajado em muitas relações” (Lazega e Higgins, 2014LAZEGA, Emmanuel; HIGGINS, Sílvio. Redes sociais e estruturas relacionais. Belo Horizonte: Fino Traço, 2014., p. 43). Duas medidas de centralidade são empregadas: 1) centralidade de grau (degree), que é medida pelo número de laços, ou seja, pelo tamanho da rede de determinado ator; 2) centralidade de intermediação (betweeness), que se baseia na ideia do controle que um ator exerce sobre as interações entre dois outros atores (Lazega e Higgins, 2014).

Possuem os maiores escores de centralidade de grau: Anatel, Abert, MC, MCTI e UnB. Por sua vez, os maiores escores de centralidade de intermediação são registrados pelas seguintes organizações/instituições: Abert, MCTI, Anatel, MC e UnB. Vale observar que as cinco organizações/instituições com o maior número de participações, destacadas na figura 3, aparecem em ambos os cálculos, ordenando-se, entretanto, de forma distinta, o que aponta para as diferentes propriedades adjacentes a cada ator. A Anatel, por exemplo, é a organização que apresenta o maior número de laços, sendo, entretanto, a terceira organização no que se refere à centralidade de intermediação.

Atores e audiências públicas: como se relacionam?

Pretende-se, agora, descrever, de modo sintético, a rede de relacionamentos que se forma devido à participação política na CCTCI-CD. A abordagem inicial dar-se-á em torno das audiências públicas e das organizações e instituições nelas presentes. Objetiva-se identificar como se configura, internamente, a rede da CCTCI-CD, o que passa por responder as seguintes questões: 1) atores agrupam-se em uma rede central?; 2) existem temas que trazem para a comissão atores que não se conectam com a rede central? Diante dessas indagações, foi construída a representação que segue, cuja configuração é two-mode.

Figura 4
Organizações e instituições presentes em cada audiência pública da CCTCI-CD (2007-2012)

Por meio do software UCINET 6 realizou-se a análise da rede anterior, cuja representação permite observar que as 557 participações registradas se referem a 253 organizações/instituições diferentes (mais o elemento referente às participações em que não estava registrada a organização/instituição). Dos valores gerados, dois merecem ser discutidos nesta primeira abordagem. A densidade da rede obteve o valor de 0,018, o qual pode ser considerado baixo. Vale lembrar que a densidade corresponde ao “quociente entre o número de ligações existentes pelo número de ligações possíveis em uma determinada rede […], ou seja, quanto maior a densidade mais intensa é a troca de informações na referida rede e vice-versa” (Azevedo e Rodriguez, 2010AZEVEDO, Tatiana; RODRIGUEZ, Martius. Softwares para análise de redes sociais (ARS). In: CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO, 6., 2010, Rio de Janeiro. Anais… Niterói: Inovarse, 2010., p. 4-5). O baixo valor é explicado pelo fato de que cada audiência pública é tomada como um ator e a ela se conecta um número limitado de organizações, também tomadas como atores. Outro dado refere-se à fragmentação da rede, cujo valor correspondente é 0,135. Esse número pode ser explicado pela existência de seis audiências públicas que contaram com a participação de alguns atores que não se conectam com o restante da rede. Sobre essas reuniões, o quadro 1 é elucidativo.

Quadro 1
Audiências públicas cujos atores não se conectam com a rede central

Como apresentado no quadro 1, as temáticas em pauta nessas seis audiências públicas destoam das áreas de atividade da CCTCI-CD, o que explica a fragmentação da rede nesses casos.19 19 É preciso assinalar, então, as razões que levaram a CCTCI-CD a pautar tais temas em audiências públicas. A audiência pública correspondente ao número um foi realizada conjuntamente com a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP). Por sua vez, a audiência pública dois aconteceu em conjunto com Comissão de Minas e Energia (CME). A audiência quatro contou com a participação da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN). Por fim, a audiência seis foi promovida em conjunto com a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR). Sobre as audiências três e cinco, não foram encontradas informações que justificassem a presença de temáticas tão diversas na agenda da comissão.

Qual foi a agenda?

A quase totalidade dos temas das audiências públicas apresentados nos relatórios anuais de atividades da CCTCI-CD iniciam-se com os termos “debate”, “discussão” e “discutir”. A figura 5, elaborada a partir do software NVivo, apresenta uma nuvem com as palavras mais frequentes nas sentenças designadoras dos temas das audiências públicas.20 20 Deve-se registrar que essa figura se diferencia da figura 1, a qual apresenta uma nuvem com as palavras mais frequentes nos textos de apresentação dos relatórios de atividades das seis sessões legislativas estudadas.

Figura 5
Palavras mais constantes nas temáticas discutidas em audiências públicas da CCTCI-CD (2007-2012)

Observação necessária refere-se ao desmembramento das temáticas em palavras e não em sentenças. Essa opção se deve a um objetivo deste trabalho, que é o de apresentar uma visão mais ampliada e geral acerca do que fora discutido. Destarte, ainda nesta seção, são apresentadas as categorias em que foram classificados os temas de cada audiência pública.

O recorte utilizado mostra que, em grande medida, os temas presentes nas audiências públicas da CCTCI-CD relacionam-se com a área das comunicações, a citar radiodifusão, telecomunicações, televisão, internet, banda larga, concessão e renovação, todos perfeitamente associados à palavra mais constante, qual seja serviço. Obviamente, tais termos associam-se a outras áreas, como tecnologia, por exemplo. No entanto, sua ligação direta com o que podemos chamar de macro área das comunicações explica, substancialmente, os dados aludidos na seção precedente. A forte presença da agência reguladora e do ministério que têm como escopo as comunicações (Anatel e MC, respectivamente) se deveu, então, à constante discussão de temas de seus interesses, vinculados às suas áreas de atuação. Merece menção a expressiva presença da Abert, também totalmente relacionada com o que fora discutido.

Outra consideração fundamental refere-se ao processo de regulamentação pelo qual passam as novas tecnologias de comunicação e informação no país. Assim, termos como lei, projeto, outorga, normas, procedimentos, legislação e atos indicam que se debateu muito acerca das regras que regulariam o campo.

Essa análise é corroborada pela categorização de temáticas construída. Oito categorias foram utilizadas para a classificação do que foi discutido nas 116 audiências públicas que aconteceram no âmbito da CCTCI-CD, entre 2007 e 2012. O percentual de cada uma das categorias é apresentado no gráfico 2, o qual reforça o que as palavras-chave já sinalizavam: temáticas relacionadas às comunicações prevaleceram na agenda das audiências públicas da CCTCI-CD.

Gráfico 2
Percentual de temáticas discutidas nas audiências públicas da CCTCI-CD (2007-2012)

Nesse sentido, destacam-se os percentuais de 28,3% e de 13,3% referentes, respectivamente, à radiodifusão e à internet. Essas temáticas estão ligadas às áreas de competência do MC, quais sejam os serviços de radiodifusão, postais, de telecomunicações e de inclusão digital. Dessa forma, vale reforçar que a presença de atores nas audiências públicas está, intrinsicamente, relacionada às temáticas presentes na agenda da comissão.

Como se articulam atores e temáticas na rede de influência da CCTCI-CD?

Identificadas as principais temáticas debatidas nas audiências públicas da CCTCI-CD, passa-se a discutir a relação existente entre tais temáticas e os atores anteriormente apresentados. A tabela 6 destaca o número de atores que se associaram a cada uma das categorias temáticas nas seis sessões legislativas estudadas.

Tabela 6
Número de participações de atores associados às temáticas das audiências públicas da CCTCI-CD, em cada sessão legislativa

Os números permitem a constatação de que a radiodifusão, além de ter sido a temática de um maior número de audiências públicas, fez com que fosse registrada, na comissão, uma maior quantidade de participações de organizações e instituições. Aqui, dois dados merecem ser destacados: em 2007, quando as audiências públicas tiveram como tema a radiodifusão, registrou-se o expressivo número de 81 participações; em 2010, por outro lado, esta temática não esteve na agenda da comissão. Ciência e tecnologia é a categoria temática que registrou a segunda maior quantidade de participações, estando presente em todos os anos aqui estudados. Ao lado dessa categoria, estrutura da área e internet também foram temáticas discutidas em todas as sessões legislativas da 53a legislatura e da primeira metade da 54ª legislatura.

Diante desses dados, torna-se importante identificar a forma pela qual as organizações/instituições mais presentes nas audiências públicas da CCTCI-CD se relacionaram com as temáticas inseridas na agenda. Na figura 6, o tamanho das formas gráficas e a espessura das ligações indicam a maior conectividade entre os nós. É possível perceber que as três organizações mais presentes têm as suas participações associadas, cada qual, a cinco categorias temáticas. Nesse sentido, a Anatel não participou de audiências públicas cujos temas foram classificados como ciência e tecnologia, publicidade e saúde e riscos. A participação da agência reguladora foi mais intensa em temáticas concernentes à telefonia e à radiodifusão, contabilizando, respectivamente, doze e onze participações.

Figura 6
Organizações e instituições mais presentes associadas às temáticas debatidas nas audiências públicas da CCTCI-CD (2007-2012)

Por sua vez, o MC não está associado às categorias temáticas de ciência e tecnologia, outros e saúde e riscos. A sua participação mais intensa (treze participações) é registrada junto às temáticas relacionadas à radiodifusão. A Abert, por fim, não tem presença registrada em audiências públicas que debateram temas ligados às categorias ciência e tecnologia, saúde e riscos e telefonia. Sua atuação mais substancial também está atrelada à radiodifusão, verificando-se o número de quatorze participações, entre 2007 e 2012. Esses dados reforçam a constatação de que, nas audiências públicas da CCTCI-CD, a participação das organizações e instituições está relacionada às temáticas em pauta, ou seja, a organização/instituição participa quando o que está sendo discutido for de seu interesse. Assim, Anatel, MC e Abert, com áreas de atuação extremamente próximas da área de comunicações, não estiveram presentes em audiências públicas que debateram temas afeitos à área de ciência e tecnologia. Por outro lado, o ministério que possui essa área como seu escopo de atuação (MCTI) teve atuação substancialmente relacionada à categoria temática de ciência e tecnologia, contabilizando doze participações.

Considerações finais

Este trabalho procurou realizar um estudo descritivo acerca da representação de interesses nas audiências públicas da CCTCI-CD, entre 2007 e 2012. As indagações que nortearam todo o estudo referem-se à identificação dos grupos que atuaram politicamente por meio desse mecanismo e dos contornos da agenda política tratada nesse órgão colegiado do Poder Legislativo. De modo a avançar na descrição da participação ocorrida, buscou-se conhecer os atores que atuaram intensamente na rede de influência que permeia a citada comissão. Para tanto, o método utilizado consistiu na análise e na descrição de redes construídas a partir do software UCINET 6.

Diante do conteúdo exposto, verificou-se que a abordagem de redes permitiu uma melhor compreensão da participação de interesses organizados pela via do Legislativo, espaço de intensa atuação política de grupos de pressão. Esses, como mostra a literatura, direcionam inúmeras demandas aos tomadores de decisões, sendo as audiências públicas no âmbito das comissões parlamentares arenas altamente relevantes nas quais interagem e se articulam os mais variados interesses. Nesse sentido, os resultados do survey aplicado a representantes de grupos de interesse e a assessores parlamentares do governo cadastrados na primeira secretaria da Câmara dos Deputados apontaram para a importância atribuída à arena legislativa, particularmente à fase de comissões da tramitação dos projetos. Esses achados corroboram as teses sobre a atuação dos grupos de pressão nas comissões por meio de estratégias adjacentes ao modelo informacional de funcionamento do Legislativo.

Quando a atenção se voltou para as temáticas presentes nas audiências públicas, verificou-se que o debate, no período ora analisado (2007 a 2012), centrou-se na existência ou qualidade dos serviços, relativos, em grande monta, à comunicação, e também na regulamentação da área, sendo expressivo o número de proposições normativas discutidas. Vale lembrar a alta frequência com que constaram nas temáticas debatidas em audiências públicas da CCTCI-CD as palavras “lei” e “projeto”.

Os atores que se fizeram presentes estão, iminentemente, relacionados ao que se discutiu. Verificou-se que as organizações/instituições mais atuantes foram a Anatel, o MC, a Abert e o MCTI, as quais, por estarem presentes em um número expressivo de audiências públicas, possuem um papel central na rede estudada. Assim, a análise descritiva, com base em dados qualitativos e quantitativos, indicou reiterada presença de grupos de interesse audiências públicas. Os dados mostraram uma acentuada presença de organizações estatais nessa arena do Legislativo, destacando-se a participação de representantes do Poder Executivo, o qual está, portanto, presente e muito atuante no processo legislativo. A sociedade civil também apresenta uma considerável participação nas audiências públicas da CCTCI-CD. Isso deixa claro que o ambiente legislativo é marcado, cada vez mais, por um amplo conjunto de inputs gerados pela participação social e com escrutínio, cada vez mais forte, de múltiplos setores do governo.

A ampla participação de inúmeros interesses organizados faz com que se possa considerar a CTCCI-CD uma arena por meio da qual interesses da sociedade e do governo são fortemente representados. Nesse sentido, as audiências públicas das comissões legislativas têm se constituído em um locus fundamental na atuação de diversos grupos de interesse e em um importante instrumento de participação da sociedade civil no processo decisório.

Diante do exposto, ficou evidente que a abordagem de redes permite diversos avanços no estudo acerca do lobby, salientando que

[…] muito mais que uma mera regulamentação, é necessário aperfeiçoar a práxis política, conhecer melhor seus atores e fomentar o ambiente propício para que o desenvolvimento do lobby não seja fator de degeneração do desempenho do governo democrático, não se transforme em mera manipulação política pelo poder econômico nem corrobore uma ditadura de minorias sociais refratárias à maior parte dos interesses públicos

(Modesto, 2008MODESTO, Ricardo. O estudo do lobby no Legislativo pela abordagem de redes. Monografia (Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo) - Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados, Brasília, 2008., p. 6).

Destarte, os dados utilizados neste trabalho fundamentaram uma abordagem descritiva do problema de pesquisa. Análises futuras devem ser realizadas com vistas a se alcançar uma dimensão explicativa das questões aqui apresentadas. As discussões empreendidas apontam para a necessidade de estudos mais aprofundados concernentes à temática da representação de interesses, buscando-se conhecer os atores envolvidos, suas estratégias de ação e os interesses representados. Deste trabalho, derivam, ainda, novas questões. Entre essas, deve-se destacar a importância de aprofundados estudos visando avaliar qual o grau de influência dos grupos de interesse nos resultados políticos que emergiram da CCTCI-CD e se eles estão relacionados à participação desses grupos. Também se faz mister verificar se, e como, os grupos formam coalizões de atuação política entre eles em busca dos seus objetivos. Ou, ainda, como se dá a dinâmica deliberativa no âmbito das audiências públicas e se elas realmente favorecem e facilitam a participação dos interesses organizados da sociedade civil no processo decisório, isto é, se realmente a participação implica deliberação e influência política efetivas.

Além disso, Lazer (2011LAZER, David. Networks in Political Science: Back to the Future. PS Political Science and Politics, v. 44, n. 1, p. 61-68, 2011. ), por exemplo, aponta que uma das áreas mais promissoras de redes em ciência política é o estudo sobre os efeitos de rede. Nesse sentido, as redes de grupos de interesse, por onde circulam informações e influência, podem ter efeitos políticos diversos se apresentarem estruturas distintas, ao passo que grupos podem ter capacidades diferenciadas conforme seu padrão de inserção na rede. Essas questões apontam, certamente, para uma agenda de pesquisa extremamente profícua.

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Notas

  • 1
    Este artigo deriva do Trabalho de Conclusão de Curso do autor, apresentado como requisito para a obtenção do título de graduado em Gestão Pública pela UFMG. O autor agradece aos professores Manoel Santos e Silvio Salej pelas contribuições realizadas ao longo do desenvolvimento do trabalho. Agradece também aos pareceristas anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política (RBCP) pelas valiosas modificações sugeridas.
  • 2
    Um dos aspectos relacionados às diferentes dinâmicas entre comissões pode ser observado pela distinta evolução do número de audiências públicas realizadas por cada comissão permanente ao longo das legislaturas.
  • 3
    Diferentemente da estratégia utilizada por Cesário (2016CESÁRIO, Pablo. Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p. 109-127, 2016.), a análise empreendida neste trabalho inclui todos os atores que tiveram presenças registradas nas audiências públicas da CCTCI-CD, inclusive os atores governamentais, cuja relevância é discutida adiante.
  • 4
    As comissões permanentes publicam relatórios anuais de atividades, por meio dos quais é divulgado o que ocorreu em seu âmbito na referida sessão legislativa. Entre as informações divulgadas, encontra-se a relação de audiências públicas promovidas, destacando-se a data e o horário de suas realizações, a temática das reuniões, assim como os nomes, os cargos e as organizações dos participantes.
  • 5
    Esse método “parte da observação das interdependências e da ausência das mesmas entre os membros de um ator coletivo ou de um meio social organizado” (Lazega e Higgins, 2014LAZEGA, Emmanuel; HIGGINS, Sílvio. Redes sociais e estruturas relacionais. Belo Horizonte: Fino Traço, 2014., p. 5).
  • 6
    A versão deste trabalho citada por De Figueiredo e Richter (2014DE FIGUEIREDO, John; RICHTER, Brian. Advancing the Empirical Research on Lobbying. Annual Review of PoliticalScience, v. 17, p. 163-185, 2014.) é a de working paper, com data de 2012.
  • 7
    Este não é um ponto consensual. Aragão (1994ARAGÃO, Murillo. Grupos de pressão no Congresso Nacional: como a sociedade pode defender licitamente seus direitos no Poder Legislativo. São Paulo: Maltese, 1994.), por exemplo, afirma que o grupo de interesse consiste em um estágio embrionário ou original do grupo de pressão. Essa distinção, entretanto, não será utilizada neste trabalho.
  • 8
    Do total de 179 representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares do governo cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados, no biênio 2011-2012, 65 responderam ao questionário online (36,3%). A coleta de dados foi realizada entre 2012 e 2013, sendo parte de pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (CEL/UFMG), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
  • 9
    Segundo Limongi, (1994LIMONGI, Fernando. O novo institucionalismo e os estudos legislativos: a literatura norte-americana recente. Boletim Informativo Bibliográfico, n. 37, p. 3-38, 1994., p. 10), “o modelo distributivista tem por ponto de partida a motivação dos parlamentares. Parlamentares, basicamente, querem se reeleger. As ações dos congressistas devem ser compreendidas tendo por referência este desejo”. Por sua vez, “para a perspectiva informacional o problema passa a ser o de garantir que as decisões sejam tomadas com base na utilização da maior quantidade possível de informação” (Limongi, 1994LIMONGI, Fernando. O novo institucionalismo e os estudos legislativos: a literatura norte-americana recente. Boletim Informativo Bibliográfico, n. 37, p. 3-38, 1994., p. 35-36). Por fim, autores associados ao modelo partidário, “ao invés de ver as comissões como uma forma de organização legislativa que independe dos partidos, […] propõem que elas sejam entendidas como uma forma de governo partidário” (Limongi, 1994LIMONGI, Fernando. O novo institucionalismo e os estudos legislativos: a literatura norte-americana recente. Boletim Informativo Bibliográfico, n. 37, p. 3-38, 1994., p. 44).
  • 10
    Zampieri (2013ZAMPIERI, Enio. Ação dos grupos de pressão no processo decisório das comissões permanentes do Congresso Nacional. E-Legis, n. 12, p. 122-136, 2013., p. 135) chegou a essa conclusão porque considera como “função básica dos grupos de pressão instruir os membros das comissões permanentes por meio de documentos técnicos”. Dessa forma, reduzir-se-iam as incertezas de parlamentares acerca das políticas em debate nas comissões permanentes da Câmara dos Deputados, sendo esse o momento no qual o sistema político mais se abre às informações externas.
  • 11
    Essa iniciativa também se encontra condicionada a outros fatores. Grupos têm recursos distintos e, por conseguinte, acesso diferenciado às arenas decisórias (Smith, 1984SMITH, Richard. Advocacy, Interpretation, and Influence in the U.S. Congress. American Political Science Review, v. 78, n. 1, p. 44-63, 1984.).
  • 12
    Silva (2012SILVA, Mariana. Mecanismos de participação e atuação de grupos de interesse no processo regulatório brasileiro: o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Revista de Administração Pública, v. 46, n. 4, p. 969-992, 2012.) realizou uma análise das audiências públicas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), consideradas como importante mecanismo de participação e atuação de grupos de interesse no processo regulatório brasileiro.
  • 13
    NVivo é um software que suporta métodos de pesquisa qualitativos e mistos.
  • 14
    Utilizam-se, aqui, as mesmas categorias que Santos e Cunha (2015SANTOS, Manoel; CUNHA, Lucas. Percepções sobre a regulamentação do lobby no Brasil: convergências e divergências. Brasília: Ipea, 2015. (Texto para Discussão, n. 2141).) empregaram para classificar as organizações e instituições cadastradas na primeira secretaria da Câmara dos Deputados.
  • 15
    A categoria denominada sociedade civil inclui grupos de interesse e entidades de representação sindical (patronal e trabalhista), associações livres (extracorporativistas) e órgãos de representação profissional. Na categorização proposta por Santos e Cunha (2015SANTOS, Manoel; CUNHA, Lucas. Percepções sobre a regulamentação do lobby no Brasil: convergências e divergências. Brasília: Ipea, 2015. (Texto para Discussão, n. 2141).), ONGs e centrais sindicais também foram incluídas, entretanto, nenhuma organização/instituição aqui analisada foi classificada de tal modo.
  • 16
    “Software de análise de redes sociais desenvolvidos por Steve Borgatti, Everett e Martin Freeman Lin. O programa é distribuído pela Analytic Technologies” (Azevedo e Rodriguez, 2010AZEVEDO, Tatiana; RODRIGUEZ, Martius. Softwares para análise de redes sociais (ARS). In: CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO, 6., 2010, Rio de Janeiro. Anais… Niterói: Inovarse, 2010., p. 13-14).
  • 17
    A discussão empreendida na seção subsequente toma como objeto essa rede (figura 4). Na seção dedicada à relação entre atores e temáticas, a representação de rede também possui configuração two-mode: organizações/instituições e categorias temáticas (figura 6).
  • 18
    Para transformar a referida rede two-mode em uma rede one-mode, constrói-se uma matriz na qual é assinalada a existência de ligação entre duas organizações/instituições quando essas estiveram presentes em uma mesma audiência pública.
  • 19
    É preciso assinalar, então, as razões que levaram a CCTCI-CD a pautar tais temas em audiências públicas. A audiência pública correspondente ao número um foi realizada conjuntamente com a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP). Por sua vez, a audiência pública dois aconteceu em conjunto com Comissão de Minas e Energia (CME). A audiência quatro contou com a participação da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN). Por fim, a audiência seis foi promovida em conjunto com a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR). Sobre as audiências três e cinco, não foram encontradas informações que justificassem a presença de temáticas tão diversas na agenda da comissão.
  • 20
    Deve-se registrar que essa figura se diferencia da figura 1, a qual apresenta uma nuvem com as palavras mais frequentes nos textos de apresentação dos relatórios de atividades das seis sessões legislativas estudadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2016
  • Aceito
    31 Mar 2017
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