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Mediatização da religião e esfera pública nas eleições paulistanas de 2012

Mediatization of Religion and the Public Sphere in Sao Paulo 2012 Elections

Resumos

A disputa eleitoral de 2012 em São Paulo foi marcada pela presença ostensiva de atores do espaço religioso, sugerindo a perspectiva de variadas tensões entre mídia, política e religião no cenário democrático. Este trabalho analisou 27 notícias publicadas pelos portais G1, R7, Folha on-line e Estadão on-line de 15 de setembro a 15 de outubro, correspondendo ao último mês de campanha, buscando-se observar em que medida os processos de mediatização constituem um fator de relevância para as articulações de discursos religiosos na esfera pública, tomando como estudo de caso as eleições municipais. Os resultados sugerem que a mediatização aumenta a visibilidade pública das denominações religiosas, facilitando sua participação como atores políticos e alterando o balanço de poder na esfera pública.

mediatização; religião; esfera pública; estratégia empresarial; eleições


Religious actors had a major presence in Sao Paulo’s 2012 mayoral elections, implying several tensions between media, politics and religion within the democratic scene. This paper examined 27 articles published by news websites G1, R7, Folha on line and Estadão on line) during the campaign’s last 30 days. It seeks to outline to which extent mediatization processes are revelant to articulate religious discourses in public sphere, taking as a case study the municipal elections. Results suggest that mediatization increases public visibility of religious denominations, making their participation as political actors easier and changing the power balance in public sphere.

mediatization; religion; public sphere; management strategy; elections


Seria talvez um truísmo iniciar este texto afirmando que a religião, mesmo em sociedades democráticas e seculares, constitui um fator de considerável importância na tomada de decisões políticas. 1 1 Uma versão preliminar deste texto foi apresentado no Grupo de Trabalho “Comunicação e Sociedade Civil”, do V Encontro da Associação Brasileira dos Pesquisadores em Comunicação e Política (V Compolítica). O autor agradece as críticas e sugestões dos participantes do GT, em especial de seu coordenador, prof. dr. Ricardo Fabrino de Mendonça A separação entre religião e Estado, iniciada pela constituição norte-americana de 1776, seguida pela Revolução Francesa e adotada em parte considerável das democracias ocidentais, não eliminou do debate político os argumentos religiosos, assim como não alijou as instituições religiosas da tomada de decisões sobre a coisa pública. Se as democracias ocidentais caracterizam-se, entre outras coisas, pela pluralidade de vozes presentes nos debates sobre questões relevantes, o discurso religioso parece se destacar, às vezes de modo estridente, dessa polifonia.

No entanto, a partir do início do século XX, as vozes presentes na esfera política, bem como aquelas da sociedade civil – nas quais se poderiam incluir as instituições religiosas – encontraram um espaço de ressonância nos meios de comunicação de massa (Martino, 2003)MARTINO, Luís Mauro Sá (2003). Mídia e poder simbólico. São Paulo: Paulus. e, posteriormente, nos espaços virtuais (Miklos, 2012)MARSDEN, Lee (2008). For God’s sake: the Christian right and US foreign policy. Londres: Zed Press., assumindo configurações diferentes e transformando seu alcance em termos de participação na democracia (Martino, 2012)________ (2012). “Mediação e mediatização da religião em suas articulações teóricas e práticas”, em MATTOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jeder & JACKS, Nilda (orgs.). Mediação e midiatização. Salvador: Edufba..

As relações entre política e religião parecem ganhar novos contornos quando pensadas em sua intersecção com a presença ubíqua dos meios de comunicação na sociedade contemporânea. As fronteiras entre essas três esferas nem sempre são visíveis, ao mesmo tempo em que suas articulações assumem uma miríade de formas e condições. A visibilidade contemporânea da religião no espaço público, bem como sua possibilidade de se tornar um interlocutor reconhecido como legítimo nas discussões políticas, parece estar vinculada de alguma maneira ao uso dos meios de comunicação por parte das instituições religiosas. O processo de mediatização da religião parece estar cada vez mais se articulando com a participação de igrejas e religiosos nos assuntos públicos, com particular presença nos processos eleitorais e nos espaços legislativos.

Se, como recorta Meyer (2002)MEYER, Thomas (2002). Media democracy. Cambridge: Polity., cada uma dessas áreas mantém considerável autonomia na tomada de decisões internas, por outro lado, em certos momentos, os vínculos políticos, religiosos e midiáticos articulam-se de maneira mais fluida, com limites talvez menos definidos – embora não desprovidos de tensões e contradições. Essa tripla intersecção ganha em complexidade, desafiando interpretações redutoras ou deterministas, atribuindo a um dos atores a prerrogativa de definição dos outros dois.

Este texto toma como ponto de partida um momento no qual é possível observar de modo mais destacado a construção de relações entre mídia, política e religião em torno de um acontecimento específico. O objetivo deste texto é delinear alguns aspectos da representação midiática das relações entre lideranças religiosas e os candidatos à Prefeitura de São Paulo nas eleições de 2012.

Mais do que as anteriores, essa disputa eleitoral foi marcada pela presença ostensiva de atores do espaço religioso, fosse no lançamento de candidaturas vinculadas à igrejas, fosse no apoio direto de igrejas a algum candidato ou mesmo na construção da agenda temática das campanhas. Além disso, em certos momentos as questões políticas transbordaram para disputas de espaço entre denominações religiosas que apoiavam candidatos diferentes, sugerindo a perspectiva de variadas tensões entre mídia, política e religião no cenário democrático.

Como assinala Marsden (2008)MARSDEN, Lee (2008). For God’s sake: the Christian right and US foreign policy. Londres: Zed Press., as relações entre política e religião se pautam e se definem, em alguma medida, pela visibilidade midiática das instituições religiosas. De maneira ainda mais específica, pela atuação de lideranças religiosas nos espaços midiáticos que, se não se confundem com o espaço público, não deixam de estar presentes em sua constituição, sobretudo a partir do enquadramento de significados, no sentido definido por Hoover (1997)HOOVER, Stuart M. (1997). “Media and the construction of the religious public sphere”, em HOOVER, Stewart & LUNDBY, Knut (eds.). Rethinking media, religion, and culture. London: Sage., Martelli e Capello (2005)MARTELLI, Stefano & CAPELLO, Giana (2005). “Religion in the television-mediated Public Sphere”. International Review of Sociology, v. 15, n. 2, p. 243-257. ou, em outra perspectiva, Habermas (2006)HABERMAS, Jürgen (2006). “Religion in the public sphere”. European Journal of Philosophy, v. 14, n. 1. Cambridge: Polity..

A perspectiva metodológica presente na elaboração deste trabalho passou por algumas modificações ao longo de sua realização, sobretudo no que diz respeito à delimitação do corpus de notícias analisado. Em um primeiro momento, buscaram-se nas quatro principais revistas semanais de informação os textos a respeito das relações entre política e religião em uma intersecção com o processo de mediatização dessas duas áreas. No entanto, verificou-se que apenas a revista Veja destacou o tema, o que modificaria consideravelmente o aporte metodológico – uma única reportagem de seis páginas. Assim, ampliou-se o corpus para as notícias a respeito das relações entre política e religião publicadas em quatro dos principais sites de notícias, a saber, G1, das organizações Globo, R7, do grupo Record, Folha de S. Paulo on-line, do grupo Folha da Manhã, e o portal on-line do jornal O Estado de S. Paulo. De toda a cobertura disponível sobre eleições nesses portais, foram destacadas aquelas que mencionavam, de maneira direta ou tangencial, o item “religião”.

Foram lidas as reportagens a respeito das relações entre política e religião disponíveis nos sites mencionados, tomando como recorte os textos nos quais figuravam o nome dos quatro principais candidatos do primeiro turno, Fernando Haddad (PT), José Serra (PSDB), Celso Russomanno (PRB) e Gabriel Chalita (PMDB). A partir dessa primeira leitura, foram selecionadas as 27 reportagens que formaram o corpus de análise deste trabalho, procurando ressaltar as divisões temáticas e de cobertura.

A partir dessa divisão temática, procurou-se estabelecer quais eram as linhas principais de organização da informação jornalística, privilegiando a observação da presença da religião, em seu processo de mediatização, como fator de relevância.

Dentre as diversas perguntas que poderiam ser endereçadas a esse objeto, destacou-se aqui uma específica: até que ponto, se tal ocorre, a mediatização da religião permite um aumento na participação e engajamento de atores religiosos nas disputas políticas? Para isso, privilegiou-se na análise a observação de atores oriundos do espaço religioso que encontraram na mediatização da religião um tipo específico de visibilidade pública e da “política”, tomada em sentido amplo, não apenas como a ação de partidos e governos no âmbito do Estado mas também como a dinâmica de propostas, identidades e valores presentes na polis, como recorda Street (2001)STREET, John (2001). Mass media, politics and democracy. Londres: Palgrave. .

Vale destacar que o processo de mediatização da religião aqui destacado como foco do texto não acontece fora do contexto da mediatização da sociedade e da política; ao contrário, se aqui se privilegia uma dessas esferas, trata-se muito mais das demandas de um recorte metodológico do que de uma real separação.

A exposição dos argumentos e dos dados da pesquisa aqui acompanha a seguinte ordem: (1) delineiam-se algumas das ligações entre religião e política, no sentido apenas de indicar um pano de fundo histórico e não um recenseamento; (2) observam-se as relações entre a religião midiatizada e os espaços da política; (3) focalizam-se, como estudo de caso desse processo, as eleições municipais de São Paulo.

A presença religiosa no espaço democrático

A secularização dos Estados ocidentais, em um longo processo histórico que pode encontrar pontos de partida tão diversos quanto forem os critérios historiográficos empregados para situá-los, não parece ter significado de maneira alguma a eliminação dos fatores religiosos dos debates políticos. Ao contrário, o longo debate sobre as questões relacionadas à secularização da sociedade, de maneira geral, e da política, em termos específicos, não deixam de levar em conta algumas tensões entre a secularização das instituições democráticas e as problemáticas referentes à presença de atores religiosos dentro dessa esfera.

Como recorda Habermas (2006)HABERMAS, Jürgen (2006). “Religion in the public sphere”. European Journal of Philosophy, v. 14, n. 1. Cambridge: Polity., a participação de argumentos religiosos na esfera pública implica sua “tradução” em discursos que encontrem a justificativa para sua pretensão de validade em proposições racionalizáveis que não impliquem a necessidade anterior de qualquer tipo de crença ou sistema metafísico dos quais seja necessário participar. Sem a pretensão de esgotar o tema, vale a pena explorar brevemente esses pontos na medida em que podem contribuir para alguma compreensão do objeto.

O espaço da modernidade obriga o discurso religioso, na esfera pública, a encontrar pretensões de validade compatíveis com uma sociedade pluralista. Nesse aspecto pode ser compreendida, ao menos parcialmente, a necessidade de “tradução”, em valores laicos e acessíveis a todos os envolvidos, dos valores e propostas religiosas quando colocados em discussão na esfera pública.

O caso brasileiro da relação entre política e religião passa por diversos momentos, em uma trajetória que dificilmente poderia ser considerada retilínea. Em especial, para manter apenas o foco em eventos recentes, pode-se mencionar a ação política de setores da Igreja Católica durante o período militar, sobretudo no sentido de se opor ao regime vigente, em uma adesão aos postulados da Teologia da Libertação. A crítica ao poder e a “opção pelos pobres” marca uma presença ativa da instituição na história do período, como registram, por exemplo, os trabalhos de Bolan (1978)BOLAN, Valmor (1978). Sociologia da secularização. Petrópolis: Vozes. ou Maduro (1981)MADURO, Otto (1981). Religião e luta de classes. Petrópolis: Vozes. .

Ao mesmo tempo, na redemocratização, nota-se a formação e o fortalecimento da chamada “bancada evangélica” na Câmara dos Deputados, na qual as demandas de caráter religioso têm, ou teriam, proeminência sobre eventuais discordâncias partidárias (cf. Freston, 1992FRESTON, Paul (1992). “Evangélicos na política brasileira”. Religião e Sociedade, v. 6, p. 2, p. 26 – 32., ou Fonseca, 1998FONSECA, Alexandre (1998). “Lideranças evangélicas na mídia: trajetórias na política e na sociedade civil”. Religião e Sociedade, v. 9, n. 1, p. 59-84. ). O estabelecimento de uma agenda política nas, ou das, instituições religiosas manifestou-se sobretudo no âmbito das eleições proporcionais, garantindo a presença de argumentos religiosos no debate sobre assuntos políticos, em especial na elaboração e aprovação de leis.

Em tempos recentes, a presença de fatores religiosos vem se imiscuindo também em eleições majoritárias. Embora seja difícil apontar de imediato um candidato a cargos majoritários que tenha sido eleito a partir de sustentação exclusivamente religiosa, a conquista de apoios políticos, bem como a costura de alianças com denominações religiosas não escapa da agenda política de candidatos em pleitos recentes, ilustrada não apenas pela visita protocolar a templos ou sede de denominações mas também pela busca de apoios dentre os fiéis de determinada igreja – vejam-se, por exemplo, os trabalhos de Mariano (1997)MARIANO, Ricardo (1997). Neopentecostais. São Paulo: Loyola. e Miranda (1999)MIRANDA, Júlia (1999). Carisma, sociedade e política. Rio de Janeiro: Relume-Dumará..

É possível notar que esse movimento, observável ao menos desde os anos 1990, não parece se dever apenas a mudanças no espaço político decorrentes das demandas de representatividade trazidas pelo regime democrático, mas também a alterações no espaço religioso e, em particular, em uma certa mudança na perspectiva de atuação política pelos evangélicos, atores de alta relevância no processo.

Se o cenário das relações entre religião e política durante o período militar guarda poucas referências à atuação de grupos evangélicos, como mostravam estudos pioneiros de Souza (1969)SOUZA, Beatriz Muniz de (1969). A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo. São Paulo: Duas Cidades. e Camargo (1973)CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de (1973). Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis: Vozes., ou mesmo o aporte histórico de Mendonça (1987)MENDONÇA, Antonio Gouvêia de (1987). O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Paulinas., reservando uma maior quantidade de material historiográfico à atividade de setores da Igreja Católica, a partir da democratização, em 1984, a intersecção entre política e religião deve, cada vez mais, levar em conta a presença dos evangélicos na política, atuando, demonstram Pierucci e Prandi (1996)PIERUCCI, Antonio Flávio & PRANDI, Reginaldo (1996). A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec. ou Machado (1999)MACHADO, Ziel (1999). Sim a Deus, sim à vida: igrejas evangélicas descobrindo a cidadania. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo., em vários espaços do espectro ideológico.

Um elemento novo que começa a chamar a atenção a partir dos anos 2000, embora sua utilização date de décadas anteriores, é a presença dos meios de comunicação como um terceiro laço na intersecção entre política e religião. Se as relações entre mídia e religião já vinham sendo objeto de estudos – um trabalho pioneiro é o de Assmann (1985)ASSMANN, Hugo (1985) A igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes. – a tripla intersecção ganha particular destaque a partir da primeira década do século 21.

Mediatização e visibilidade: religião como ator na esfera pública

Os estudos sobre mediatização da religião vêm ganhando considerável espaço no Brasil e no exterior. Partindo de uma observação de Livingstone (2009)LIVINGSTONE, Sonia (2009). “Coming to terms with ‘mediatization’”, em LUNDBY, Knut (ed.). Mediatization. Nova York: Nova York., nota-se tanto a perspectiva de “mídia e religião”, como nos estudos de Martino (2003)MARTINO, Luís Mauro Sá (2003). Mídia e poder simbólico. São Paulo: Paulus. , Klein (2005)KLEIN, Alberto (2005). Imagens de culto e imagens da mídia. Porto Alegre: Sulina. e Borelli (2009)BORELLI, Viviane (org.) (2009). Mídia e religião. Rio de Janeiro: E-papers. , quanto a reflexão em termos de “mediatização da religião”, termo empregado, entre outros, por Gutierrez (2008)GUTIÉRREZ, Luís Ignácio Sierra (2008). “La Tele-Fe: religión mediatizada”. Diálogos de la Comunicación, n. 77. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2694427. Acessado em 10 mar. 2014.
http://dialnet.unirioja.es/servlet/artic...
, Gomes (2010)GOMES, Pedro Gilberto (2010). Da igreja eletrônica à sociedade em mediatização. São Paulo: Paulinas., Gasparetto (2011)GASPARETTO, Paulo Roque (2011). Mediatização da religião. São Paulo: Paulinas. e Martino (2013)________ (2013). The mediatization of religion. Londres: Ashgate. .

O conceito de mediatização em si vem sendo objeto de amplos debates nos meios especializados, nos quais se busca compreender de que maneira é possível entender processos sociais em uma realidade permeada pela ubiquidade dos meios de comunicação. Se não é o objetivo aqui fazer um recenseamento de uma quantidade considerável de estudos, é possível examinar algumas características do conceito – e do fenômeno – que permitam uma aproximação inicial com o recorte de realidade definido por ele.

A noção de mediatização, no que se pode depreender como um elemento comum haurido de diversos pesquisadores mencionados, dentre os quais Mazzoleni e Schutz (1999)MAZZOLENI, Gianpietro & SCHUTZ, Winfried (1999). “‘Mediatization’ of politics: A challenge for democracy?”. Political Communication, n. 16, p. 247-261. , Sodré (2004)SODRÉ, Muniz (2004). Antropológica do espelho. Petrópolis: Vozes. , Cottle (2006)COTTLE, Simon (2006). “Mediatized rituals: Beyond manufacturing consent”. Media Culture Society, n. 28, p. 411-432., Couldry (2008)COULDRY, Nick (2008). “Mediatization or mediation? Alternative understandings of the emergence of digital storytelling”. New Media and Society, v. 10, n. 3, p. 373–379. e Livingstone (2009)LIVINGSTONE, Sonia (2009). “Coming to terms with ‘mediatization’”, em LUNDBY, Knut (ed.). Mediatization. Nova York: Nova York., pode ser compreendida como o movimento de articulação das mídias nos processos sociais, com a consequente alteração de práticas e significados uma vez “mediados”, isto é, ocorrendo, em boa medida, com o auxílio dos dispositivos eletrônicos e digitais de comunicação. O destaque, neste sentido, deve recair sobre a noção de “alterações” nos processos sociais decorrentes de sua articulação com as mídias. Isso requer, imediatamente, duas ressalvas.

Primeiro, o uso de meios de comunicação não implica, necessariamente, a mediatização de um processo social, mas de sua “mediação”, isto é, de sua efetivação com o uso de uma mídia. Nesse sentido, o uso de meios de comunicação por uma instituição religiosa ou por um partido político não implica sua “mediatização”, mas sua mediação; a mediatização tem início no momento em que as mídias – no plural – tornam-se presentes nas práticas individuais e institucionais – por exemplo, nas análises históricas de Finneman (2011)FINNEMAN, Niels Ole (2011). “Mediatization theory and digital media”. European Journal of Communication Research, n. 1, p. 34-49.. Quando processos sociais assumem novas configurações, ganhando novas formas e contornos, é possível pensar em termos de uma mediatização.

Em segundo lugar, quando se mencionam “alterações” nas práticas sociais é necessário afastar a perspectiva de que a mídia tenha “efeitos” nessas práticas; ao contrário, entende-se que no processo de mediatização a mídia e seus significados são igualmente constituídos como processos sociais e, portanto, não há uma dissociação entre “mídia” e “sociedade” (ou alguma instituição específica) que permita falar de “efeitos” de uma sobre a outra.

A partir disso, pode-se inferir que a noção de mediatização tende a desconsiderar uma dicotomia amplamente cultivada nas pesquisas em comunicação, que parecia colocar a “mídia”, entendida tanto como um aglomerado de corporações quanto os produtos simbólicos lá produzidos, como um espaço autônomo em relação ao todo maior que seria a “sociedade”.

Nessa perspectiva, pode-se sugerir que o processo de mediatização da religião não ocorre como fenômeno isolado, mas insere-se em um contexto social caracterizado pelos fluxos ininterruptos dos conteúdos midiáticos, gerados tanto por grandes corporações quanto por agentes individuais.

Dessa maneira, a mediatização da religião pode ser entendida como a articulação de características dos meios de comunicação – sua linguagem, seus códigos, seus limites e possibilidades de construção de mensagens – nas práticas, formações e instituições religiosas. A mediatização implica não apenas uma relação passageira ou superficial mas a dupla articulação do modus operandi da mídia e da religião em torno de um denominador comum que encontra sua objetivação nas práticas cotidianas.

Talvez seja precipitado resumir o processo de mediatização da religião, como de resto o processo de mediatização da sociedade, a uma única modalidade de relações entre os meios de comunicação e uma determinada área ou instituição. Ao contrário, como lembra Strömbäck (2008)STRÖMBÄCK, Jesper (2008). “Four phases of mediatization: an analysis of the mediatization of politics”. International Journal of Press/Politics, v. 13, n. 3, p. 228-246., trata-se de um processo complexo, que envolve elementos díspares e não poderia ser enfeixado em uma única prática.

O uso da mídia por uma denominação religiosa, por exemplo, não parece ser um fator suficiente em si para definir um processo de mediatização, embora tenha relevância relativa no conjunto de outros elementos. Do mesmo modo, a representação midiática das práticas de um grupo religioso – como, digamos, a cobertura jornalística da atuação de um parlamentar vinculado a determinada igreja – por si só não parece implicar necessariamente sua mediatização.

A articulação dos meios de comunicação, em particular dos meios digitais, sejam pensados em suas dimensão como dispositivo e/ou como organização, nas práticas cotidianas parece ser um indício da mediatização. Como recordam Boase e Wellman (2006)BOASE, Jeffrey & WELLMAN, Barry (2006). “Personal relationships: on and off the internet”, em PERLMAN, Daniel & VANGELISTI, Anita (eds.). Handbook of personal relations. Cambridge: Cambridge University Press., não há dicotomia ou ruptura entre as práticas cotidianas e as tecnologias de comunicação; as alterações provocadas pela ubiquidade das mídias no cotidiano atingem um ponto máximo, paradoxalmente, quando a presença desses meios não é mais percebida por conta de sua integração no contexto mais amplo das práticas sociais.

A título de exemplo, a transmissão de um culto religioso pela televisão, sem nenhum tipo de alteração nas práticas litúrgicas, parece remeter à noção de uma “mediação”, enquanto o processo de midiatização parece se referir a algo mais amplo.

Esse processo de mediatização refere-se, à primeira vista, ao modo como certas lideranças, de várias denominações, adotam práticas típicas de seus correlatos laicos na mídia, seja no modo de vestir, seja na maneira de lidar com a mídia, seja em sua preparação específica para conduzir celebrações e cultos em um estilo apropriadamente apto à transmissão pelos meios de comunicação.

A mediatização da religião tende a conduzir certa facilitação do processo na medida em que a “tradução”, no sentido de Habermas (2006)HABERMAS, Jürgen (2006). “Religion in the public sphere”. European Journal of Philosophy, v. 14, n. 1. Cambridge: Polity., das proposições para a linguagem da mídia generalista parece implicar, ao menos parcialmente, sua mudança tendencial para um vocabulário próximo do público geral, não apenas dos fiéis.

Desenvolvendo uma perspectiva proposta por um comentário de Mendonça (2013)MENDONÇA, Ricardo Fabrino de (2013). Comentário oral à exposição de texto no V Compolítica, Curitiba, 8 a 10 de maio. a versão prévia deste texto, vale notar que a necessidade de “tradução” dos argumentos religiosos, no sentido proposto por Habermas (2006)HABERMAS, Jürgen (2006). “Religion in the public sphere”. European Journal of Philosophy, v. 14, n. 1. Cambridge: Polity., parece ser mais visível ou necessária quando se trata de uma discussão com vistas a algum tipo de proposta ou resultado, como no caso estudado neste texto, eleições majoritárias.

Na medida em que os candidatos precisam do maior número de eleitores, eventuais valores religiosos orientadores de programas de governo demandam tradução em valores laicos compreensíveis e aceitáveis tanto por eleitores de outras denominações quanto por eleitores não religiosos, porquanto divisões referentes à vinculação direta a alguma denominação religiosa poderiam implicar, em certas circunstâncias, a perda de votos. Note-se que o mesmo parece não acontecer nas mesmas condições no caso de votações proporcionais, como no caso dos Legislativos, quando a ênfase no discurso religioso pode ser um fator gregário (cf., por exemplo, Figueiredo Filho, 2005FIGUEIREDO FILHO, Valdemar (2005). Entre o púlpito e o palanque. São Paulo: Annablume., ou Baptista, 2009BAPTISTA, Saulo (2009). Pentecostais e neopentecostais na política brasileira. São Paulo: Annablume.).

Religião midiatizada no espaço político

À primeira vista, a sucessão de manchetes extraídas dos sites de notícias analisados destaca-se pela atividade política dos atores reliosos, e um analista pouco informado poderia questionar algo sobre a laicidade das disputas eleitorais:

Pastor Silas Malafaia declara apoio a Serra e critica candidato do PT (G1, 1/10/2012)

Pastores da Universal chefiam a campanha do líder Russomanno (Folha de S. Paulo on-line, 6/9/2012)

Chalita, do PMDB, herda apoio de católicos (Estadao.com, 3/10/2012)

Russomano e D’Urso são multados por propaganda em templo (Folha de S. Paulo on-line, 16/10/2012)

Serra e Chalita se encontram em missa do padre Marcelo (R7, 4/10/2012)

Bispo Edir Macedo publica texto contra Haddad em blog (G1, 3/10/2012)

Briga de siglas por igrejas é palmo a palmo (Estadao.com, 10/09/2012)

Russomanno diz que não irá fazer “Guerra Santa” em eleição (R7, 15/09/2012)

A análise do corpus evidenciou, em linhas gerais, a contínua reelaboração de uma das dimensões principais da mediatização da religião como fator de ancoragem de posições e ideias no campo político. A presença de figuras religiosas midiatizadas parece ter sido um elemento de destaque.

Foi possível observar a polarização em torno de três eixos principais. Em primeiro lugar, tanto em número de reportagens quanto em espaço, foram objeto de destaque as relações entre o candidato Celso Russomanno e algumas denominações evangélicas, notadamente a Igreja Universal do Reino de Deus, e a reação da Igreja Católica a essa aproximação. Essa relação leva ao segundo item temático mais explorado, a relação entre política e religião. Nesse particular, destaca-se o apoio dado por denominações religiosas aos candidatos Serra e Haddad. Finalmente, um terceiro tema foi o encontro involuntário entre Serra e Chalita em uma missa celebrada pelo padre Marcelo Rossi.

O substrato comum a essas temáticas é a percepção de uma relação contínua entre política e religião, tornada elemento de discussão pública a partir de sua intensa mediatização no período de campanha eleitoral. Os atores do espaço religioso presentes nas reportagens são aqueles que, de alguma maneira, já têm destaque nos meios de comunicação e demonstram familiaridade com as especificidades do discurso – ou linguagem – da mídia. Em termos do referencial teórico aqui adotado, seria possível pensar essa familiaridade como parte do processo de midiatização da religião mencionado. O sucesso do aporte no espaço político parece ser mais franqueado aos que apresentam maior articulação com espeficidades e demandas dos meios, seja em termos de linguagem, seja em termos das processualidades institucionais (cf. Meyer, 2002MEYER, Thomas (2002). Media democracy. Cambridge: Polity.).

Vale talvez notar, de imediato, que o sucesso mencionado refere-se à visibilidade pública, de maneira que seria precipitado atribuir um aumento significativo do número de eleitores apenas à vinculação religiosa, ao menos nas eleições majoritárias.

Em linhas gerais, seria possível atribuir, ao menos parcialmente, o processo tematização das relações entre política e religião na campanha eleitoral analisada ao destaque dado ao tema, inicialmente, pelo próprio candidato do PRB, Celso Russomanno. Em sabatina realizada por veículos do grupo Folha (Valor Econômico, UOL e Folha de S.Paulo) em agosto de 2012, Russomanno teria proposto a abertura de “uma igreja em cada esquina” como uma possível saída para os problemas da cidade. Conquanto não faça parte do corpus de análise, é talvez importante destacar essa reportagem, espécie de ponto inicial da agenda midiática.

O candidato do PRB à Prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, defendeu nesta quarta-feira, em sabatina realizada pelo jornal “Folha de S.Paulo” e portal “Uol”, a melhora no Programa de Saúde da Família e a criação de uma rede pública de internet sem fio em toda a cidade. Na liderança da pesquisa Datafolha, com 31% de intenção de voto, o candidato afirmou ainda que gostaria de ver uma igreja em cada esquina “pregando paz e amor” (Di Cunto, 2012DI CUNTO, Raphael (2012). “Em sabatina tensa, Russomanno diz que quer uma igreja em cada esquina”. Valor, 22 ago. Disponível em: http://www.valor.com.br/eleicoes2012/2799642/em-sabatina-tensa-russomanno-diz-que-quer-uma-igreja-em-cada-esquina#ixzz2QIrdu8nb. Acessado em 10 mar. 2014.
http://www.valor.com.br/eleicoes2012/279...
).

Vale observar, enquanto elemento de mediatização da religião, o destaque dado pelo site às declarações sobre religião feitas pelo candidato, deixando em segundo plano outras temáticas possíveis. A constituição jornalística do fato, nesse caso, pauta-se por trazer à discussão a presença de instituições religiosas como atores relevantes no espaço político a partir do momento em que são localizadas na fala, igualmente pública, do candidato. Dessa maneira, o espaço de visibilidade aberto pela mediatização da religião torna-se largamente explorado em suas várias dimensões.

Nesse sentido, a presença de figuras religioso-midiáticas, como o padre Marcelo Rossi ou o pastor Silas Malafaia parece ressaltar o aspecto especificamente mediatizado da prática religiosa em sua articulação com a política. Os dois líderes, por exemplo, são recorrentes nos meios de comunicação e, de alguma maneira, dominam as linguagens específicas da mídia, o que parece facilitar sua presença.

Notou-se a presença dessas personagens religioso-midiáticas entre as fontes principais de construção das notícias. O padre Marcelo Rossi, da Igreja Católica, e o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, ganharam destaque imediato por conta de acontecimentos específicos ligados às suas àreas de atuação – Rossi foi anfitrião de um encontro involuntário entre Serra e Chalita, Macedo publicou um texto em seu blog contra Haddad e a favor de Russomanno.

A presença e a atuação midiática de Marcelo Rossi foram objeto de inúmeros estudos desde a segunda metade dos anos 1990, quando começou a ter progressivo destaque nos meios de comunicação, em particular na Rede Globo e no SBT, então respectivamente líder e vice-líder de audiência na TV aberta. Não por acaso, a tentativa de associação com sua imagem tem atraído várias lideranças políticas desde então.

Nas eleições de 2012 em São Paulo, um dos pontos altos dessa atuação foi o encontro entre os candidatos José Serra e Gabriel Chalita em uma missa realizada no dia 4 de outubro em sua paróquia em Santo Amaro. O encontro foi tematizado pelos sites G1 e R7. A abordagem de ambos mostrou alguma discrepância, com o texto do R7 sugerindo uma vantagem de Chalita em relação a Serra no que diz respeito aos aplausos do público. Além disso, em texto complementar, oferece a Chalita espaço para uma consideração sobre o então candidato do PSDB. A perspectiva indica uma falta de familiaridade de Serra com as celebrações católicas, fato explorado pelo portal do grupo Record a partir de declarações de Chalita:

Um dia depois de encontrá-lo em missa, candidato diz que tucano “não sabe nada de cristianismo” (…)— O Serra é estranho, né? Ele foi à missa e não queria que eu fosse. Você já viu isso? Que cristianismo é esse, alguém que vai à missa e exija que o outro candidato não vá? Ele não entende nada de cristianismo, que é o contrário disso (Chalita, 2012CHALITA: “O Serra é estranho” (2012). R7, 5 out.)

A atuação de Marcelo Rossi foi destacada pelos dois portais como sendo moderada, sem favorecimento explícito de nenhum dos candidatos. Seria possível sugerir que, em linhas gerais, a tematização do encontro, além de sua visibilidade e importância política, não deixou de ser revestido de certo caráter anedótico, sobretudo no que diz respeito aos comentários de Chalita sobre Serra.

No entanto, o fator de maior destaque no que tange às relações entre política e religião no espaço midiático foi protagonizado, indiretamente a princípio, por Celso Russomanno, então líder nas pesquisas de intenção de voto.

“Guerra Santa”

Dois outros atores religiosos assumiram posições políticas a partir do processo de mediatização. Marcos Pereira, presidente do PRB, partido de Russomanno, e pastor licenciado da Igreja Universal, ganhou destaque quando um texto publicado em seu blog em 2011, no qual associava a Igreja Católica à distribuição do kit anti-homofobia, começou a ser distribuído nas redes sociais – a fonte originária dessa divulgação não foi localizada, mas a repercussão foi imediata. Isso levou o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, a emitir notas e comunicados à imprensa repudiando o texto e, mais ainda, fazendo críticas ao ostensivo apoio religioso à candidatura de Russomanno.

Sem entrar nos pormenores, vale destacar alguns momentos do acontecimento. Dia 13 de setembro, uma quinta-feira, a Arquidiocese de São Paulo publicou uma nota condenando o texto escrito por Marcos Pereira em maio de 2011. No domingo, dia 16, outro texto da Arquidiocese foi divulgado. Com o título “Política, com ofensas à Igreja, não!”, o comunicado foi lido nas 300 paróquias de São Paulo e na Catedral da Sé. O episódio fez com que Celso Russomanno, mencionado de maneira ostensiva nos textos, buscasse uma audiência com o cardeal Scherer. O religioso a princípio alegou “agenda cheia” e se negou a receber o candidato, revendo sua postura dias depois.

Um aspecto dessa ação merece destaque por seu carater mediatizado. Lembra Thompson (2005)FISKE, John (1989). Television culture. Londres: Routledge. , ao comentar a questão da visibilidade, que a capacidade de ação pode ser potencialmente aumentada na medida em que essa adaptação encontre sucesso: “estar na mídia” significa a possibilidade tendencial de atingir um público além das fronteiras institucionais e, com isso, divulgar ideias em um círculo mais amplo do que o de fiéis. Em particular, tornando ideias e proposições conhecidas e passíveis de debates nos diversos âmbitos da sociedade civil a partir de uma eventual participação em segmentos da esfera pública.

As alterações nas práticas religiosas, ou mesmo na estrutura de uma denominação, para comportar uma relação mais próxima com os códigos, estilos e linguagens da mídia, no sentido em que lembram Fiske (1989)FISKE, John (1989). Television culture. Londres: Routledge. , Souza (2005)SOUZA, André Ricardo (2005). Igreja in concert. São Paulo: Annablume., Meyer e Moors (2006)MEYER, Brigitte & MOORS, Anne (2006). Religion, media, and the public sphere. Bloomington: Indiana University Press. e Martino (2013)________ (2013). The mediatization of religion. Londres: Ashgate. , se direciona para o processo de mediatização. A escolha da Igreja Católica por se manifestar via comunicado distribuído à mídia, bem como o uso do púlpito para reforçar essa escolha, sugere esse tipo de alteração. A resposta de Russomanno também acontece via mídia.

Os textos publicados pela Igreja Católica levaram também a uma declaração de Russomanno a respeito de sua intenção de evitar uma “guerra santa”, expressão utilizada por ele. Essa fala foi a única tematizada pelo portal R7 indicando as relações entre política e religião no caso de Celso Russomanno: “Nós não vamos fazer de São Paulo uma Guerra Santa, não leva a nada. Aqui no Brasil todas as religiões convivem em paz e em harmonia” (Russomanno, 2012RUSSOMANNO diz que não irá fazer “Guerra Santa” em eleição (2012). R7, 15 set.).

O episódio foi tematizado nos portais, ganhando mais destaque no G1. O portal não apenas publicou os lances do episódio mas também buscou as opiniões de Serra, Chalita e Haddad sobre o tema, acrescentando com isso novas notícias referentes à condenação das relações entre política e religião pelos outros candidatos – o que não os impediu, de acordo com os dados de notícias publicadas especialmente pelo G1, Folha de S. Paulo on-line e Estado, de igualmente buscarem apoio em outras denominações.

Outra dimensão dessa intersecção foi a publicação, no blog de Edir Macedo, de um texto contra Haddad e a favor de Russomanno. De acordo com a cobertura do G1, único a noticiar o fato, o post, em forma de carta assinada por alguém identificado como “um amigo”, enaltecia o fato de os coordenadores de campanha de Russomanno serem “homens de Deus” e, ao mesmo tempo, dizia que Haddad, se eleito, levaria o kit anti-homofobia – denominado “kit-gay”, segundo a reportagem – para as escolas. O candidato do PT respondeu que enviaria uma carta de esclarecimento, mas o portal não indica as repercussões eventuais.

As ligações entre Celso Russomanno e igrejas evangélicas, em particular a Universal, foi de longe o assunto mais presente na mídia no que se refere à intersecção entre política e religião – 12 das 27 notícias tratam do assunto. Tematizou-se, sobretudo, uma mudança na perspectiva do próprio candidato, que, após ter sugerido a criação de “uma igreja em cada esquina”, parece ter procurado aos poucos se distanciar do tema – algo dificultado pela demanda da mídia por informações a esse respeito. Um exemplo é a reportagem publicada pelo G1. Russomanno estava saindo de um culto da Igreja Assembléia de Deus, no qual o pastor havia declarado seu apoio ao candidato: “Ao ser questionado sobre o pedido feito pelo pastor durante o culto, Russomanno evitou fazer qualquer comentário. ‘Nada a declarar. Só vou responder sobre São Paulo’, disse” (Mora, 2012)MORA, Marcelo (2012). “Celso Russomanno recebe apoio de igreja evangélica na Zona Sul de SP”. G1, Eleições, 8 set.. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2012/noticia/2012/09/celso-russomanno-recebe-apoio-de-igreja-evangelica-na-zona-sul-de-sp.html. Acessado em 10 mar. 2014.
http://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2...
.

Declarações semelhantes a respeito da separação entre política e religião vindas de Celso Russomanno foram igualmente tematizadas nos portais R7 e no Estadão on-line no dia 15 de setembro, já no âmbito da polêmica com o cardeal-arcebispo de São Paulo.

Em menor proporção, as ligações entre outros candidatos e denominações religiosas foram pautadas pelos portais. Novamente é possível observar, na maior parte dos casos, a presença de lideranças religiosas midiatizadas como protagonistas dos acontecimentos. O pastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, destaca-se como personalidade religiosa midiática e, na eleição, ganhou destaque por conta de seu apoio ao candidato José Serra, atitude divulgada pela rede social Twitter e pautada pelo G1:

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, anunciou em seu perfil no Twitter nesta segunda-feira (1º) o apoio dele ao candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, José Serra. “Atenção São Paulo. Gostaria de me omitir nesta eleição, mas não podemos deixar q Haddad, autor do kit gay, vá p/ o 2º turno. Vote em Serra!” (Pastor, 2012)PASTOR Silas Malafaia declara apoio a Serra e critica candidato do PT (2012). G1, Eleições, 1 out. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2012/noticia/2012/10/pastor-silas-malafaia-declara-apoio-serra-e-critica-candidato-do-pt.html. Acessado em 10 mar. 2014.
http://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2...
.

A dimensão de mediatização pode ser observada em dois elementos principais aqui. O uso do site de microblog Twitter pelo candidato pode ser pensado em termos de evidência da “mediação” de sua mensagem, caracterizando-se a mediatização no uso da linguagem do meio – por exemplo, o uso do “q” como abreviatura de “que”, típico da linguagem da internet – e da visibilidade pública alcançada pela repercussão da mensagem, algo que, de alguma maneira, deriva da popularidade do pastor igualmente fora do meio digital.

No mesmo sentido, o portal de O Estado de S. Paulo destacou a aproximação entre Chalita e os eleitores católicos. No entanto, apesar da manchete, o texto refere-se ao fato em poucas linhas:

(…) Chalita é integrante do movimento de Renovação Carismática, uma das alas da igreja. (…) O movimento de Chalita foi mais representativo, em termos proporcionais, porque ele saiu de um patamar mais baixo – tinha 7% e foi para 11% entre os eleitores católicos. Ou seja, nesse grupo, seu eleitorado subiu quase 60% em uma semana (Bramatti, 2012BRAMATTI, Daniel (2012). “Chalita, do PMDB, herda apoio de católicos”. Estadão, Política, 3 out. Disponível em : http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,chalita-do-pmdb-herda-apoio-de-catolicos-,939290,0.htm
http://www.estadao.com.br/noticias/impre...
).

Nesses exemplos pontuais, selecionados por conta do escopo e limites deste texto, a intersecção entre mídia, política e religião torna as fronteiras entre essas três áreas consideravelmente transparentes, na medida em que, via mediatização, figuras-chave de instituições religiosas articulam-se para o estabelecimento de posições no espaço público e, em certos casos, para publicizar determinada postura política associada a esta ou àquela crença religiosa.

Considerações finais

A visibilidade midiática da religião parece torná-la particularmente apta a ser um ator de relevância nas várias dimensões do espectro político, sobretudo na medida em que as possibilidades de angariar o voto dos fiéis se apresenta como um foco de interesse em nada desprezível pelos participantes e instituções da área política, em especial durante uma campanha eleitoral.

O que parece evidenciar o processo de mediatização nas reportagens analisadas, em uma articulação entre meios de comunicação e religião, é o fato de os atores religiosos, pessoais ou institucionais, adaptarem algumas de suas práticas às demandas empresariais, organizacionais e de linguagem próprias da mídia. Essa distinção, que não procura uma dicotomia mas observar aspectos diferentes da articulação trabalhada neste texto, busca evidenciar que nem toda cobertura jornalística implica um processo de “midiatização” da religião, mas o conceito parece se aplicar especialmente às reportagens construídas a partir da presença de atores sociais vinculados, ainda que parcialmente, às lógicas da mídia.

São, em outras palavras, personagens com amplo trânsito nos meios, como o padre Marcelo Rossi e o pastor Silas Malafaia, ou instituições que, para se fazerem ouvir, procuram obter sua visibilidade pública midiática a partir do vínculo de suas práticas com a mídia.

Nas reportagens analisadas a midiatização pode ser observada em um processo de mão dupla: não é a cobertura jornalística que define a mediatização nas reportagens apresentadas, mas a preparação individual/institucional para figurar na mídia.

Assim, nem todos os 27 textos publicados sobre a presença de atores religiosos em intersecção com o espaço político podem ser vistos como evidências da mediatização da religião, mas aqueles que sugerem a presença de arranjos e adaptações institucionais que facilitam o estabelecimento de intersecções com a mídia.

O processo de mediatização da religião apresenta-se como um fenômeno multidimensional, que comporta em si mesmo diversas modalidades e mesmo contradições. Qualquer definição inicial desse processo deve ser entendida como uma primeira tentativa de apreensão de um fenômeno que certamente lhe escapará nos detalhes – como, de resto, parece ser uma limitação de qualquer apreensão cognitiva.

Se, como discutido ao longo do texto, uma das dimensões específicas da mediatização é a preparação dos agentes de uma determinada área não apenas para lidar com os meios de comunicação mas sobretudo para se adaptar à sua “lógica”, nas palavras de Meyer (2002)MEYER, Thomas (2002). Media democracy. Cambridge: Polity. retomadas por Strömbäck (2008)STRÖMBÄCK, Jesper (2008). “Four phases of mediatization: an analysis of the mediatization of politics”. International Journal of Press/Politics, v. 13, n. 3, p. 228-246., de maneira a obterem uma visibilidade pública potencialmente maior, nesse caso então pode-se entender que o processo de mediatização foi um fator relevante, quase fundamental, para a presença de atores religiosos no espaço político nas eleições paulistanas de 2012.

Na medida em que a visibilidade pública pode implicar, em determinadas circunstâncias, a oportunidade de levar ideias, valores e práticas para os domínios do espaço público, as implicações políticas da mediatização começam a se delinear no horizonte conceitual. A mediatização institucional, pensada enquanto estratégia de visibilidade, aumenta potencialmente o alcance público das ideias de uma determinada instituição, de onde resulta, no índice de pessoas articuladas com a mensagem, a possibilidade não apenas de angariar novos fiéis mas, com isso, de aumentar sua participação enquanto ator no âmbito político – na medida em que, na democracia, o debate público e a perspectiva da conquista da opinião majoritária são fatores relevantes, a visibilidade pública de ideias e a expansão, para além dos limites institucionais, de práticas e valores podem assumir uma condição fundamental para a implementação de ações políticas.

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  • 1
    Uma versão preliminar deste texto foi apresentado no Grupo de Trabalho “Comunicação e Sociedade Civil”, do V Encontro da Associação Brasileira dos Pesquisadores em Comunicação e Política (V Compolítica). O autor agradece as críticas e sugestões dos participantes do GT, em especial de seu coordenador, prof. dr. Ricardo Fabrino de Mendonça

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2013
  • Aceito
    09 Set 2013
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