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Lesões por queimaduras com evolução para neoplasia: úlceras de Marjolin

▪ RESUMO

Introdução:

A Úlcera de Marjolin é definida como a malignização de cicatrizes, geralmente, crônicas, decorrentes de diversos tipos de lesão, sendo mais comum lesões por queimaduras.

Métodos:

Foi realizado levantamento bibliográfico nas plataformas BVS, PubMed, SciELO e Cochrane, tendo como critério de inclusão estudos publicados nos últimos 5 anos, que envolvem a espécie humana, disponíveis na web nos idiomas inglês ou português.

Resultados:

Analisados um total de 31, dos quais apenas 6 compuseram a amostra final.

Discussão:

As úlceras de Marjolin são encontradas em cicatrizes antigas de queimaduras, podem ocorrer em qualquer local, sendo mais comuns em membros superiores e inferiores. O diagnóstico inicia-se com a suspeita clínica baseada em características das lesões: lesões ulcerativas crônicas que não cicatrizam, com bordas elevadas e endurecidas e odor desagradável, podendo apresentar descarga purulenta. Esse só pode ser efetivado, entretanto, por meio do histopatológico da lesão. O período de latência entre a injúria da lesão e a sua malignização é, em média, de 30 a 35 anos. O tratamento deve ser individualizado, uma vez que depende de diversos fatores. Contudo, considera-se o padrão ouro a excisão cirúrgica.

Conclusão:

O conhecimento dos profissionais de saúde acerca dessa condição faz-se imprescindível para o melhor prognóstico do paciente. De modo que possíveis casos de malignização não tenham o seu diagnóstico subestimado, permita a terapêutica adequada à minimização das recidivas, e medidas profiláticas sejam efetivadas, no que tange à prevenção da queimadura e à minoração de fatores de risco para a malignização.

Descritores:
Queimaduras; Úlcera cutânea; Carcinoma; Cicatrização; Cirurgia plástica

▪ ABSTRACT

Introduction:

Marjolin’s ulcer is defined as a malignancy within scars that is usually chronic and results from several lesion types, with burn injuries being the most common.

Methods:

A bibliographic survey was conducted of the Virtual Health Library, PubMed, Scientific Electronic Library Online, and Cochrane databases using the inclusion criteria of studies published in the last 5 years, human studies, and published in English or Portuguese.

Results:

A total of 31 studies were analyzed, of which only 6 were included in the final sample.

Discussion:

Marjolin’s ulcer is found in old burn scars and can occur anywhere, but it is more common in the upper and lower limbs. The diagnosis begins with the clinical suspicion based on lesion characteristics: chronic unhealed ulcerative lesions with high and hardened edges, an unpleasant odor, and purulent discharge. However, the diagnosis can only be made histopathologically. The latency period between injury and malignancy is 30–35 years. Although treatment should be individualized since it depends on several factors, surgical excision is considered the gold standard.

Conclusion:

Knowledge about this condition is essential to better patient prognosis and prevent underestimation of possible cases of malignancy, allowing for appropriate therapy to minimize recurrence and enabling prophylactic measures to prevent burn injury and reduce risk factors for malignancy.

Keywords:
Burns; Skin ulcer; Carcinoma; Healing; Plastic surgery

INTRODUÇÃO

Mundialmente, cerca de 6 milhões de pessoas necessitam de atendimento médico por causa de queimaduras e, no Brasil, esse número é de aproximadamente 1 milhão de vítimas por anoú Essas lesões podem ser causadas por agentes térmicos, químicos, elétricos, biológicos ou radioativos, sendo divididas em três graus, de acordo com a sua complexidade.

Além dos danos físicos que causa, muitas das vítimas sofrem com problemas psíquicos e econômicos, devido ao tempo de recuperação prolongado33 Soares LR, Barbosa FS, Santos LA, Mattos VCR, De-Paula CA, Leal PML, et al. Estudo epidemiológico de vítimas de queimaduras internadas em um hospital de urgência da Bahia. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(3):148-52.,44 Moraes LP, Echevarría-Guanilo ME, Martins CL, Longaray TM, et al. Apoio social e qualidade de vida na perspectiva de pessoas que sofreram queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(3):142-7.. Por necessitar de um tratamento longo e doloroso essa patologia pode, em alguns casos, ser negligenciada e evoluir para um processo de malignização da lesão.

No tocante as lesões de pele malignas, no Brasil e no mundo, essa é a forma mais frequente de câncer, subdividida em melanoma e não-melanoma, sendo este o mais comum, representando 95% dos tumores, a exposição ao sol e a sua radiação são fatores predisponentes para a carcinogênese dos carcinomas espinocelular e basocelular55 Souza RAL, Matos RRL, Ventura LM, Pinho L, Santos AAA, Marques MS. Câncer de pele: estratégias de fotoproteção e fotoexposição solar em agentes comunitários de saúde. Unimontes Científica. 2018;70-81.,66 Pires CAA, Fayal AP, Cavalcante RH, Fayal SP, Lopes NS, Fayal FP, et al. Câncer de pele: caracterização do perfil e avaliação da proteção solar dos pacientes atendidos em serviço universitário. J Health Biol Sci. 2018;6(1):54-59. DOI: https://doi.org/10.12662/2317-3076jhbs.v6i1.1433.p54-59.2018
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Relacionando as queimaduras que não receberam o tratamento devido e a sua malignificação, foi descrita a Úlcera de Marjolin, em 1828, pelo cirurgião francês Jean Nicolas Marjolin77 Bazalinski D, Przybek-Mita J, Baranska B, Wiench P. Marjolin’s ulcer in chronic wounds - review of available literature. Contemp Oncol (Pozn). 2017;21(3):197-202.. Contudo, o

termo Úlcera de Marjolin só foi reconhecido em 1903, em uma descrição de um processo de malignização decorrente de uma queimadura por Da Costa88 Copcu E. Marjolin’s ulcer: a preventable complication of burns?. Plast Reconstr Surg. 2009 Jul;124(1):156e-64e. PMID: 19568055 DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181a8082e
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Atualmente, o termo é utilizado de modo mais geral, como qualquer malignização crônica em cicatrizes, embora as queimaduras permaneçam como a principal lesão precursora, sendo a incidência das cicatrizes por queimaduras que evoluem para o carcinoma de 0,77-2%88 Copcu E. Marjolin’s ulcer: a preventable complication of burns?. Plast Reconstr Surg. 2009 Jul;124(1):156e-64e. PMID: 19568055 DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181a8082e
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Essa doença, referindo -se à amostra histopatológica do tumor, é considerada, principalmente, do tipo espinocelular, todavia é possível identificar outras neoplasias malignas, como sarcoma, melanoma e carcinoma basocelular99 Iqbal FM, Sinha Y, Jaffe W. Marjolin’s ulcer: a rare entity with a call for early diagnosis. BMJ Case Rep. 2015 Jul;bcr2014208176. PMID: 26177995 DOI: https://doi.org/10.1136/bcr-2014-208176
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. De modo que 76% dos pacientes com histórico de cicatriz por queimadura evoluem para o carcinoma espinocelular1010 Tacani PM, Tacani RE, Machado AFP, Montezello D, Góes JCGS, Marx AG, et al. High-frequency generator in wound healing of Marjolin’s Ulcer after carcinoma resection. Adv Wound Care (New Rochelle). 2018 May;7(5):165-170. DOI: https://doi.org/10.1089/wound.2017.0757
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Além disso, essa patologia é classificada em: aguda e crônica. A primeira se refere a lesões que sofreram a malignização no período de 12 meses e a segunda após o período77 Bazalinski D, Przybek-Mita J, Baranska B, Wiench P. Marjolin’s ulcer in chronic wounds - review of available literature. Contemp Oncol (Pozn). 2017;21(3):197-202..

Este estudo proporciona um conhecimento sobre a problemática supracitada, bem como uma atuação eficaz no diagnóstico, tratamento e prognóstico. Desse modo, faz-se necessária a utilização de ferramentas terapêuticas no campo máximo da medicina, com auxílio do conhecimento médico para a melhor conduta diante dos vitimados, com o fito de permitir a

prevenção desse agravo em pacientes queimados, além de despertar o interesse da equipe sobre a identificação precoce dessa úlcera.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão na literatura hodierna acerca da Úlcera de Marjolin decorrente de lesões por queimaduras.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa acerca da evolução da cicatriz da queimadura para o carcinoma, classicamente conhecida como Úlcera de Marjolin. Foram utilizadas as plataformas de busca da BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), PubMed (Publisher Medicine), SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Cochrane. Utilizando os descritores controlados: “Queimadura/Burn” e “Úlceras de Marjolin/Marjolin’s Ulcers”. Estabeleceu-se como critérios de inclusão

estudos publicados nos últimos 5 anos, que envolvem a espécie humana, além de estarem disponíveis integralmente na web nos idiomas inglês ou português.

Além disso, revisões integrativas, revisões de literatura, revisões sistemáticas e cartas ao editor não foram considerados para compor a amostra desse estudo, caracterizando-se como critério de exclusão.

RESULTADOS

À luz dos critérios de inclusão, foram encontrados, nas plataformas de pesquisa, o total de 31 estudos, dos quais, após a leitura analítica, apenas seis atenderam, de fato, aos critérios de inclusão e compuseram a amostra final deste estudo (Quadro 1 e Quadro 2).

No tocante à BVS, do total de 11 trabalhos, foram excluídas duas cartas ao editor, dois estudos que não estavam efetivamente disponíveis na web, além de dois artigos que não tratavam de queimaduras. Assim, cinco estudos dessa plataforma de busca compuseram a amostra.

Quadro 1
Distribuição dos resultados de artigos relacionados ao desenvolvimento da Úlcera de Marjolin em cicatrizes de queimaduras, de acordo com título do artigo, tipo de estudo, ano, idioma e procedência. Fortaleza - CE, 2019.
Quadro 2
Características epidemiológicas e tratamento abordados nos resultados de relatos de casos. Fortaleza - CE, 2019.

No que tange ao PubMed, 18 estudos foram encontrados, dos quais oito já haviam sido analisados na plataforma supracitada, três não estavam de fato disponíveis, seis trabalhos foram excluídos por não tratarem de queimaduras, dos quais um abordava a lesão relacionado ao trauma, em geral. Desse modo, permitindo a seleção de apenas um estudo por meio dessa plataforma.

Na SciELO, foram encontrados dois estudos, utilizando-se desses descritores determinados previamente, contudo nenhum deles se tratava de queimaduras. Enquanto na Cochrane, não foi encontrado nenhum estudo durante a busca.

Convém salientar que o último trabalho selecionado, embora em seu título apresente o termo “Revisão de Literatura”, tipo de estudo que foi considerado como critério de exclusão, o artigo “Úlcera de Marjolin: Revisão de literatura e relato de caso” trata-se de fato de um Relato de Caso.

DISCUSSÃO

A partir dos resultados, estabeleceu-se como conveniente para a facilitação da discussão, a divisão nos seguintes tópicos:

Fatores de Risco e Topografia

As úlceras de Marjolin são mais comuns em cicatrizes antigas de queimaduras, cerca de 76%, embora haja relatos em lesões crônicas por pressão, representando 2,6% e úlceras por estase venosa 6,3%1111 Kerr-Valentic MA, Samimi K, Rohlen BH, Agarwal JP, Rockwell WB. Marjolin’s Ulcer: modern analysis of an ancient problem. Plast Reconstr Surg. 2009 Jan;123(1):184-191. DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181904d86
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No tocante às queimaduras, em um dos estudos selecionados com 140 pacientes, foi observado que, em média 80% das transformações malignas das cicatrizes de queimaduras foram causadas por chamas, devido, principalmente, à capacidade desse agente etiológico de aprofundar a lesão, causando maior rigidez e consequente rachadura da cicatriz da lesão1212 Das KK, Chakaraborty A, Rahman A, Khandkar S. Incidences of malignancy in chronic burn scar ulcers: experience from Bangladesh. Burns. 2015 Sep;41(6):1315-21. PMID: 25716761 DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2015.02.008
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Acrescenta-se, ainda sobre esse estudo, que embora as úlceras de Marjolin possam ocorrer em qualquer localização, os membros superiores e inferiores foram as topografias mais afetadas, fato justificado pela alta incidência de queimaduras e úlceras por estase venosa nesses locais, além de serem sítios mais propícios a danos repetidos, principalmente nas articulações1212 Das KK, Chakaraborty A, Rahman A, Khandkar S. Incidences of malignancy in chronic burn scar ulcers: experience from Bangladesh. Burns. 2015 Sep;41(6):1315-21. PMID: 25716761 DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2015.02.008
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Além das cicatrizes de queimaduras com um longo período de cicatrização, existem outros importantes fatores de riscos presentes na literatura, tais como, cicatrizes de segunda intenção, cicatrizes traumatizadas com facilidades, ratificando a relevância da topografia para a malignização da lesão1313 Zuo KJ, Tredget EE. Multiple Marjolin’s ulcers arising from irradiated post-burn hypertrophic scars: a case report. Burns. 2014 Jun;40(4):e21-e25. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2013.10.008
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. Todavia, como fator protetor à malignização da lesão, cita- se a enxertia de pele em queimaduras mais profundas1414 Ochenduszkiewicz U, Matkowski R, Szynglarewicz B, Kornafel J. Marjolin’s ulcer: malignant neoplasm arising in scars. Rep Pract Oncol Radiother, 2006 Jan;11(3):135-138. DOI: https://doi.org/10.1016/S1507-1367(06)71058-6
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Um exemplo da influência das cicatrizes traumatizadas mais facilmente como fator de risco para o desenvolvimento das úlceras de Marjolin foi demonstrado em um estudo realizado na China, no qual seis dos 17 pacientes com úlceras de Marjolin (35%) relataram ulcerações repetidas na lesão1515 Yu N, Long X, Lujan-Hernandez JR, Hassan KZ, Bai M, Wang Y, et al. Marjolin’s ulcer: a preventable malignancy arising from scars. World J Surg Oncol. 2013;11(1):313. DOI: https://doi.org/10.1186/1477-7819-11-313
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Etiologia

A etiologia das úlceras de Marjolin parece ser composta por um conjunto de fatores, os quais são influenciados pelo trauma que ocorre na região, embora esse evento em si não seja carcinogênico.

Esse trauma auxilia na malignização da lesão, pois intensifica alguns fatores carcinogênicos, como os raios UV, devido à maior sensibilidade da pele traumatizada1313 Zuo KJ, Tredget EE. Multiple Marjolin’s ulcers arising from irradiated post-burn hypertrophic scars: a case report. Burns. 2014 Jun;40(4):e21-e25. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2013.10.008
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. Além da proliferação celular prolongada, decorrente de uma cicatrização ineficiente, o que pode causar mutações no DNA dessas células1616 Chang JB, Kung TA, Cederna PS. Acute Marjolin’s Ulcers a nebulous diagnosis. Ann Plast Surg. 2014 May;72(5):515-20. PMID: 24691319 DOI: https://doi.org/10.1097/SAP.0000000000000134
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Outro fator que pode contribuir para a carcinogênese dessas lesões é a redução da vascularização na região onde ocorreu o processo de cicatrização, tornando a resposta imunológica a essas células com o DNA mutado menos eficiente1616 Chang JB, Kung TA, Cederna PS. Acute Marjolin’s Ulcers a nebulous diagnosis. Ann Plast Surg. 2014 May;72(5):515-20. PMID: 24691319 DOI: https://doi.org/10.1097/SAP.0000000000000134
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. Incluindo também a obliteração linfática devido à cicatrização, dificultando a apresentação do antígeno e a ativação de células de defesa1717 Chalya P, Mabula J, Rambau P, Mchembe M, Kahima K, Chandika A, et al. Marjolin’s ulcers at a university teaching hospital in Northwestern Tanzania: a retrospective review of 56 cases. World J Surg Oncol. 2012;10(1):38. DOI: https://doi.org/10.1186/1477-7819-10-38
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A nível molecular, alguns estudos têm atribuído o processo de malignização das úlceras de Marjolin às mutações no p53 e ao gene FAS1717 Chalya P, Mabula J, Rambau P, Mchembe M, Kahima K, Chandika A, et al. Marjolin’s ulcers at a university teaching hospital in Northwestern Tanzania: a retrospective review of 56 cases. World J Surg Oncol. 2012;10(1):38. DOI: https://doi.org/10.1186/1477-7819-10-38
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Diagnóstico e Latência

A abordagem diagnóstica inicia-se com a suspeita clínica através das características das lesões, ou seja, lesões ulcerativas crônicas que não cicatrizam, com bordas elevadas e endurecidas, odor desagradável, aspecto vegetante, podendo apresentar descarga purulenta1818 Dinato SLM, Sigueta ML, Almeida JRP, Romiti N. Úlcera de Marjolin: relato de caso. Diagn Tratamento. 2015 Mar;20(1):4-7..

Além disso, convém atentar-se para a anamnese, uma vez que muitos relatos demonstram que a transformação para o carcinoma estava relacionada a queimaduras com cicatrização indevida durante a infância1919 Vieira RRBT, et al. Úlcera de Marjolin: Revisão de literatura e relato de caso. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(3):179-84..

Embora o diagnóstico possa ser direcionado por meio das características das lesões e da anamnese, ele só é efetivado através do histopatológico da lesão1818 Dinato SLM, Sigueta ML, Almeida JRP, Romiti N. Úlcera de Marjolin: relato de caso. Diagn Tratamento. 2015 Mar;20(1):4-7.. Devendo as úlceras persistentes por mais de três meses serem sujeitas à biopsia2020 Metwally IH, Roshdy A, Saleh SS, Ezzat M. Epidemiology and predictors of recurrence of Marjolin’s ulcer: experience from Mansoura Universityxs. Ann R Coll Surg Engl. 2017 Mar;99(3):245-249. DOI: https://doi.org/10.1308/rcsann.2016.0309
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Um problema comum encontrado nos serviços de saúde é a demora do paciente na procura pelo profissional de saúde, o que dificulta a realização de um diagnóstico precoce, o qual seria essencial para um prognóstico favorável. Outro problema eventualmente relatado é a subestimação do quadro do paciente, postergando a conduta terapêutica, podendo ser comumente confundida com uma ulceração infectada1818 Dinato SLM, Sigueta ML, Almeida JRP, Romiti N. Úlcera de Marjolin: relato de caso. Diagn Tratamento. 2015 Mar;20(1):4-7.,1414 Ochenduszkiewicz U, Matkowski R, Szynglarewicz B, Kornafel J. Marjolin’s ulcer: malignant neoplasm arising in scars. Rep Pract Oncol Radiother, 2006 Jan;11(3):135-138. DOI: https://doi.org/10.1016/S1507-1367(06)71058-6
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O período de latência entre a injúria da lesão e a sua malignização varia de 11 a 75 anos, sendo a média de 30 a 35 anos. Ademais, a idade do paciente

quando ocorrida a lesão inicial, como a queimadura, é inversamente proporcional ao período de latência, ou seja, indivíduos que sofreram esse tipo de lesão mais jovens apresentam um período de latência maior2121 Pekarek B, Buck S, Osher L. A comprehensive review on Marjolin’s Ulcers: diagnosis and treatment. J Am Col Certif Wound Spec. 2011 Sep;3(3):60-64. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jcws.2012.04.001
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Tratamento e Recidiva

O tratamento deve ser individualizado, uma vez que depende de diversos fatores, como idade e comorbidade e características da tumoração, contudo considera-se o padrão ouro a excisão cirúrgica, com pelo menos 2cm de margem1818 Dinato SLM, Sigueta ML, Almeida JRP, Romiti N. Úlcera de Marjolin: relato de caso. Diagn Tratamento. 2015 Mar;20(1):4-7.,2222 Elkins-Williams ST, Marston WA, Hultman CS. Management of the chronic burn wound. Clin Plast Surg. 2017 Jul;44(3):679-87. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cps.2017.02.024
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. Embora também possa-se utilizar a amputação de membros e radioterapia ou quimioterapia.

No tocante à amputação, essa terapêutica fazse conveniente quando a úlcera de Marjolin infiltra mais profundamente, acometendo ossos e grandes vasos, sendo os exames de imagens eventualmente úteis para conhecer o grau de comprometimento ósseo1414 Ochenduszkiewicz U, Matkowski R, Szynglarewicz B, Kornafel J. Marjolin’s ulcer: malignant neoplasm arising in scars. Rep Pract Oncol Radiother, 2006 Jan;11(3):135-138. DOI: https://doi.org/10.1016/S1507-1367(06)71058-6
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,22 Ehrl D, Heidekrueger P, Ninkovic M, Broer PN. Effect of primary admission to burn centers on the outcomes of severely burned patients. Burns. 2018 May;44(3):524-530. PMID: 29463463 DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2018.01.002
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°. Além de processos infecciosos, hemorragias significativas e quando a excisão da lesão puder gerar maior incapacidade funcional1717 Chalya P, Mabula J, Rambau P, Mchembe M, Kahima K, Chandika A, et al. Marjolin’s ulcers at a university teaching hospital in Northwestern Tanzania: a retrospective review of 56 cases. World J Surg Oncol. 2012;10(1):38. DOI: https://doi.org/10.1186/1477-7819-10-38
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Já a radioterapia pode ser indicada em casos de metástase inoperável, tumores maiores que 10cm e com nódulos linfáticos positivos após dissecção, e lesões de cabeça e pescoço também com linfonodos positivos após a dissecção2323 Saaiq M, Ashraf B. Marjolin’s ulcers in the post-burned lesions and scars. World J Clin Cases. 2014 Oct;2(10):507-514. DOI: https://doi.org/10.12998/wjcc.v2.i10.507
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Embora a quimioterapia não apresente indicações exatas de sua utilização ela pode ser conveniente em situações nas quais o paciente não consente com o tratamento cirúrgico, presença de metástase a distância e quando há recorrência da doença2323 Saaiq M, Ashraf B. Marjolin’s ulcers in the post-burned lesions and scars. World J Clin Cases. 2014 Oct;2(10):507-514. DOI: https://doi.org/10.12998/wjcc.v2.i10.507
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Em um estudo que analisou 412 casos presentes na literatura, a recidiva da úlcera de Marjolin após a excisão cirúrgica esteve presente em 16% dos relatos, podendo estar associada a alguns fatores, como: o sexo masculino, a queimadura por óleo de cozinha e a negligência do tratamento durante a primeira lesão e a recidiva1313 Zuo KJ, Tredget EE. Multiple Marjolin’s ulcers arising from irradiated post-burn hypertrophic scars: a case report. Burns. 2014 Jun;40(4):e21-e25. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2013.10.008
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,2424 Kowal-Vern A, Criswell BK. Burn scar neoplasms: a literature review and statistical analysis. Burns. 2005 Jun;31(4):403-413. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2005.02.015
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Já em um trabalho realizado no Egito, analisando 26 casos de úlceras de Marjolin, estabeleceu outros fatores como preditores de recidiva, como: a idade mais jovem no período do diagnóstico, malignidade nos grupos nodais da drenagem linfática e a utilização de retalho ou enxerto após a excisão ampla2020 Metwally IH, Roshdy A, Saleh SS, Ezzat M. Epidemiology and predictors of recurrence of Marjolin’s ulcer: experience from Mansoura Universityxs. Ann R Coll Surg Engl. 2017 Mar;99(3):245-249. DOI: https://doi.org/10.1308/rcsann.2016.0309
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CONCLUSÃO

Este estudo permite a análise da literatura acerca das úlceras de Marjolin desenvolvidas como um processo de malignização de cicatrizes de queimaduras, permitindo a discussão dos tópicos: Fatores de Risco e Topografia; Etiologia; Diagnóstico e Latência; e Tratamento e Recidiva.

A partir da discussão da presente revisão, foi possível concluir que as úlceras de Marjolin apresentamse como neoplasias malignas da pele que surgem preferencialmente após queimaduras térmicas e requerem um tratamento específico e individualizado, pois diversos fatores influenciam o plano terapêutico.

Apesar da necessidade do histopatológico para a confirmação do diagnóstico, a suspeita clínica junto à anamnese torna-se necessária para um diagnóstico precoce, que é essencial devido à alta agressividade, potencial de metástase e alto índice de recidivas da úlcera de Marjolin, a qual é tratada, na maioria dos casos com o procedimento cirúrgico, que em casos mais extremos de comprometimento ósseo, se torna necessária a amputação, a fim de evitar piores quadros.

Sendo assim, o conhecimento dos profissionais de saúde acerca das úlceras de Marjolin é imprescindível para o melhor prognóstico do paciente. De modo que possíveis casos de malignização não sejam subestimados, permita-se a terapêutica adequada, a minimização das recidivas e medidas profiláticas sejam efetivadas, no que tange à prevenção da queimadura e à minoração de fatores de risco para a malignização.

O presente estudo apresenta como limitação a baixa quantidade de artigos publicados no período estipulado, que tratam de uma análise epidemiológica com uma amostra mais considerável, além disso a escolha apenas dos idiomas português e inglês como critério para a coleta pode ter limitado a busca. Portanto, ratifica-se a importância da realização de estudos e ensaios clínicos para um conhecimento diligente das úlceras de Marjolin.

COLABORAÇÕES

TMV Coleta de Dados, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição MPFFA Redação - Preparação do original BMC Redação - Preparação do original SLC Redação - Preparação do original MCFA Redação - Preparação NGSO Redação - Revisão e Edição

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2019
  • Aceito
    08 Jul 2019
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