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Gestão compartilhada de P&D: o caso da Petrobras e a UFRN

Shared management of R & D: the case of Petrobras and UFRN

Resumos

O artigo analisa o modelo de Gestão Compartilhada de P&D entre a Petrobras e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) à luz das teorias da Dependência de Recursos e de Redes Interorganizacionais. Este sistema é uma parceria tecnológica alinhada ao modelo da hélice tripla, onde o conhecimento está sendo construído através da interação empresa & universidade & governo. A parceria, incentivada pela Lei do Petróleo, é coordenada pelo Centro de Pesquisas da Petrobras e serviu de modelo para a criação de redes temáticas da Petrobras. As redes desenvolvem as pesquisas que, por alguma razão, não podem ser realizadas pela estrutura própria da companhia e atuam de forma complementar a seus processos internos de P&D. Apresenta-se o histórico do relacionamento entre a organização empresarial de base tecnológica e a organização acadêmica. Fazem-se considerações teóricas sobre o modelo ao mesmo tempo que são propostos alguns pontos para melhoria.

gestão; tecnologia; inovação; petróleo; organizações


The article analyzes the model of Shared Management of R & D between Petrobras and the Federal University of Rio Grande do Norte according to the theories of Resource Dependence and Interorganizational Networks. This system is a technological partnership aligned to the triple helix model, where knowledge is being built through the interaction of firm & university & government. The partnership encouraged by the Petroleum Law, is coordinated by the Research Center of Petrobras and served as a model for the creation of thematic networks of Petrobras. Those networks develop the researches that for some reason cannot be performed by the company's own structure and acts in a complementary way to its internal processes of R & D. The article also presents the history of the relationship between a business-technology based firm with an academic organization. Also are presented some theoretical considerations on the model meanwhile are suggested some points for improvement.

management; technology; innovation; oil; organizations


ARTIGOS

Gestão compartilhada de P&D: o caso da Petrobras e a UFRN* * Os autores agradecem a Djalma Ribeiro e Tereza Neuma, respectivamente coordenadores do Núcleo de Estudos em Petróleo e Gás Natural e do Núcleo de Processamento e Reúso de Águas e Resíduos da UFRN, à Fundação Norte Riograndense de Pesquisa e Cultura, aos coordenadores de projetos de pesquisa pelos dados, à Petrobras pela oportunidade de realização deste estudo e a Vera Lucia pela edição das figuras.

Shared management of R & D: the case of Petrobras and UFRN

Carlos alberto polettoI; Maria arlete duarte de araújoII; Wilson da MataIII

IGraduação em geologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Mestrado em geoengenharia de reservatórios pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). MBA em gestão empresarial pela Universidade de São Paulo (USP). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Petróleo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Consultor de Negócios da Petrobras. Endereço: Travessa Antonio Basílio, 2172 — Lagoa Nova — CEP 59056-385, Natal, RN, Brasil. E-mail: poletto@petrobras.com.br

IIGraduação em administração pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestrado em administração pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutorado em administração de empresas (SP) pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). Pós-doutorado na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona (Espanha). Diretora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFRN por oito anos, de julho de 1999 a julho de 2007. Tem experiência na área de administração, com ênfase em organizações públicas, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas públicas, inovações gerenciais, reforma do Estado, responsabilização. Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRN. Endereço: av. Rodrigues Alves, 410, ap. 1100 — Petrópolis — CEP 59020-200, Natal, RN, Brasil. E-mail: arletearaujo@natal.digi.com.br

IIIGraduação em engenharia elétrica pela UFRN. Mestrado em engenharia de processos pelo Institut National Polytechnique de Toulouse/Ecole Nationale Superieure d'Ingenieurs de Genie Chimique (INPT/ENSIGC), França. Doutorado em eletrônica pelo Ecole Nationale Superieure d'Electrotechnique, d'Eletronique, d'Informatique et d'Hydraulique de Toulouse (INPT/ENSEEIHT), França. Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Petróleo da UFRN. Professor dos cursos de engenharia de petróleo e de engenharia elétrica. Exerceu a função de engenheiro de petróleo na Petrobras de 1981 a 2000. Endereço: rua Mirabeau da Cunha Melo, 1925 — Candelária — CEP 59064-490, Natal, RN, Brasil. E-mail: wilson@ct.ufrn.br

RESUMO

O artigo analisa o modelo de Gestão Compartilhada de P&D entre a Petrobras e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) à luz das teorias da Dependência de Recursos e de Redes Interorganizacionais. Este sistema é uma parceria tecnológica alinhada ao modelo da hélice tripla, onde o conhecimento está sendo construído através da interação empresa & universidade & governo. A parceria, incentivada pela Lei do Petróleo, é coordenada pelo Centro de Pesquisas da Petrobras e serviu de modelo para a criação de redes temáticas da Petrobras. As redes desenvolvem as pesquisas que, por alguma razão, não podem ser realizadas pela estrutura própria da companhia e atuam de forma complementar a seus processos internos de P&D. Apresenta-se o histórico do relacionamento entre a organização empresarial de base tecnológica e a organização acadêmica. Fazem-se considerações teóricas sobre o modelo ao mesmo tempo que são propostos alguns pontos para melhoria.

Palavras-chave: gestão; tecnologia; inovação; petróleo; organizações.

ABSTRACT

The article analyzes the model of Shared Management of R & D between Petrobras and the Federal University of Rio Grande do Norte according to the theories of Resource Dependence and Interorganizational Networks. This system is a technological partnership aligned to the triple helix model, where knowledge is being built through the interaction of firm & university & government. The partnership encouraged by the Petroleum Law, is coordinated by the Research Center of Petrobras and served as a model for the creation of thematic networks of Petrobras. Those networks develop the researches that for some reason cannot be performed by the company's own structure and acts in a complementary way to its internal processes of R & D. The article also presents the history of the relationship between a business-technology based firm with an academic organization. Also are presented some theoretical considerations on the model meanwhile are suggested some points for improvement.

Key words: management; technology; innovation; oil; organizations.

1. Introdução

A Lei nº9.478, de 6 de agosto de 1997, denominada "Lei do Petróleo", e os regulamentos complementares, a Resolução ANP nº33 e o Regulamento Técnico ANP nº5, ambos de 24 de novembro de 2005, forneceram as bases para que fosse destinado grande volume de recursos financeiros para as Instituições de Ciência e Tecnologia — ICTs brasileiras. Em consequência, a estrutura física e humana de algumas universidades, principalmente as federais situadas próximas a áreas produtoras de petróleo, foi significativamente melhorada pelos investimentos do setor petróleo. Os principais agentes da hélice tripla são: a Petrobras, no papel da estrutura produtiva, a Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis (ANP), no papel de governo, órgão regulador e arrecadador. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) como instrumento operacional do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), financiando os projetos de Ciência e Tecnologia (C&T) no setor. Por último, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), exercendo o papel da Infraestrutura de Ciência e Tecnologia.

Em 1999 foi criado o Plano Nacional de Ciências e Tecnologia do Setor Petróleo (CTPETRO) para operacionalizar a aplicação de parcela dos royalties do petróleo destinados ao MCT. Segundo Freitas (2002), o primeiro edital do CTPETRO: "[...] propôs a articulação induzida entre empresas do setor petróleo e gás natural (P&GN) com a comunidade científica". Os editais seguintes do CTPETRO, conforme Freitas (2002), seguiram estas quatro orientações:

[...] i) ampliação da capacitação técnica das universidades e centros de P&D do N/NE; ii) reforço à formação de recursos humanos no setor petróleo e gás natural; iii) direcionamento e ampliação da atuação das empresas na definição da agenda de P&D para esse setor; e iv) fomento a incubadoras de empresas no setor.

Segundo Dagino (2003:294), o plano teria como "[...] recomendação estreitar os laços entre a universidade e a empresa privada". Este aporte financeiro revigorou as universidades federais carentes de recursos para P&D. Posteriormente, fatores contingenciais de governo levaram à escassez dos editais do CTPETRO. Em 2006, a Petrobras articulou as Redes Temáticas e Núcleos Regionais nas ICTs brasileiras, uma forma sistemática de contratação direta de P&D nas ICTs; este modelo criou uma estrutura organizacional para coordenar investimentos de aproximadamente R$ 300 milhões anuais.

As redes temáticas e os núcleos regionais da Petrobras foram concebidos para dar sustentabilidade a fatores tecnológicos prioritários da empresa, em substituição a laboratórios ou outros sistemas contratados no exterior por falta de infraestrutura no Brasil. Foram priorizados 38 temas em áreas de Exploração (geofísica, geoquímica, sedimentologia, estratigrafia, geotectônica); Produção (visualização, água produzida, engenharia naval, materiais, campos maduros, dutos, óleos pesados, reservatórios, oceanografia, estruturas submarinas); Refino (excelência em asfalto, fluidodinâmica, refratários, instrumentação, automação, otimização de processos, suprimento, combustíveis limpos, processos e materiais para o refino, catálise, desenvolvimento veicular); Gás, Energia e Desenvolvimento Sustentável (nanotecnologia, hidrogênio, bioprodutos, tecnologias do gás natural, mudanças climáticas, monitoramento ambiental marinho, recuperação de ecossistemas); Gestão (metodologias, fornecedores de alto conteúdo tecnológico, gestão da inovação). E mais sete núcleos regionais localizados na Universidade Federal da Bahia (UFBA), na UFRN, na Universidade Federal de Sergipe (UFS), na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), na Universidade Estadual Norte-Fluminense (Uenf), na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e no Centro Tecnológico do Exército (CTEx). O modelo de redes e núcleos previu inicialmente um investimento maior em infraestrutura e posteriormente em P&D, no total de aproximadamente R$ 800 milhões de 2006 a 2008. A UFRN tem participação em 15 redes temáticas e um núcleo regional. Esta parceria formada pela empresa e órgãos federais tem produzido soluções de problemas, inovado produtos e aperfeiçoado processos. Por inovação tecnológica adota-se o conceito do Manual de Oslo (OCDE, 1997:55), que diz: "[...] inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método". No Rio Grande do Norte o modelo de gestão destas parcerias é conduzido através do que se denominou neste trabalho de Gestão Compartilhada de P&D entre a Petrobras e a UFRN (GC). A GC é reconhecida como uma parceria de sucesso, que já tem 10 anos de existência, e serviu de modelo para a implantação das Redes Temáticas da Petrobras.

O objetivo deste artigo é analisar — segundo os pressupostos da Teoria Organizacional da Dependência de Recursos e das Redes Interorganizacionais — o modelo da parceria de uma década da Petrobras com a UFRN, apresentar a base legal do processo e sua influência na criação do modelo de redes temáticas e núcleos regionais da Petrobras, a implantação e mecanismos de gestão, os resultados já obtidos e sugestões para melhoria.

2. A lei do petróleo: influência na criação do modelo de redes para a gestão de P&D

No ambiente pré-Lei do Petróleo a participação das universidades no processo de P&D para petróleo e gás era mais voltada para a prestação de serviços à Petrobras e alguns poucos convênios em cursos de pós-graduação em temas específicos, tais como: estratigrafia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, geofísica nas Universidades Federal do Pará e Federal da Bahia, engenharia mecânica e geoengenharia de reservatórios na Universidade Estadual de Campinas.

A partir de 1997, a Lei do Petróleo, entre outras medidas, forneceu as bases de suporte às pesquisas em petróleo e gás natural e definiu as participações governamentais nos contratos de concessão de produção que são: bônus de assinatura; royalties; participação especial; pagamento pela ocupação ou retenção de área. Os royalties são pagos mensalmente a partir da data de início da produção comercial de cada campo, em montante correspondente de 5% a 10% da produção de petróleo ou gás natural. A parcela do valor do royalty que exceder a 5% da produção tem a seguinte distribuição: 25% ao MCT, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis. A Lei determina que, do total de recursos destinados ao MCT, serão aplicados no mínimo 40% em programas de fomento à capacitação e ao desenvolvimento científico e tecnológico nas regiões Norte e Nordeste. Nos casos de concessões com grande volume de produção ou grande rentabilidade, há o pagamento de uma Participação Especial (PE), que será aplicada sobre a receita bruta da produção, deduzidos os royalties, os investimentos na exploração, os custos operacionais, a depreciação e os tributos previstos na legislação em vigor. Os recursos oriundos da PE são assim distribuídos: 40% ao Ministério de Minas e Energia (MME), 10% para o Ministério do Meio Ambiente (MMA), 40% para o estado e 10% para o município onde ocorrer a produção. Da parcela destinada ao MME, 70% irão para o financiamento de estudos e serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção de combustíveis fósseis, a se-rem promovidos pela ANP e pelo MME, 15% para o custeio dos estudos de planejamento da expansão do sistema energético e 15% para o financiamento de estudos, pesquisas, projetos, atividades e serviços de levantamentos geológicos básicos. A ANP instituiu, desde o ano de 1998, nos Contratos de Concessão para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e/ou Gás Natural, a cláusula denominada — Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento.

A Resolução ANP nº33 estabelece as diretrizes de aplicação da PE e credencia as ICTs passíveis de investimento em P&D. Os concessionários de campos petrolíferos que pagam a PE deverão investir 1% da receita bruta da produção em P&D no setor P&GN, e até 50% do valor-base poderá ser nas instalações do próprio concessionário. O restante do valor-base deverá ser contratado junto às ICTs nacionais credenciadas na ANP. O Regulamento Técnico ANP nº5 define os requisitos técnicos a serem atendidos pelos concessionários para realização destes investimentos.

O objetivo desta política pública é desenvolver o país, aumentar a capacidade de inovação tecnológica em petróleo, da mesma forma como fizeram outros países e em diversos setores industriais ao entenderem que a ciência, a tecnologia e a inovação estão na base do desenvolvimento das nações. Nos Estados Unidos, de acordo com Reich (2008:226), "O governo federal deve subsidiar as atividades básicas de P&D de qualquer empresa que atue nos EUA, não importa a localização da sua sede, desenvolvendo as qualificações dos engenheiros e dos cientistas que trabalham no país".

Sob o marco regulatório da Lei do Petróleo no período compreendido de 1999 a 2009, o setor contratou R$ 123 milhões na UFRN, abrangendo atividades de pesquisa, criação de infraestrutura (física e humana) e prestação de serviços tecnológicos, conforme a figura 1. As temáticas da Petrobras demandantes de pesquisas são vinculadas às atividades de perfuração, energias renováveis, estudos geológicos & geofísicos, estudos de simulação do comportamento de reservatórios, estudos de otimização operacional, estudos de métodos de recuperação suplementar, biotecnologias e automação de poços.


Vários efeitos podem ser observados na figura 1. Pelo fato de a UFRN não ter tradição em pesquisas no setor PGN, a primeira leva de projetos praticamente saturou o sistema de P&D das áreas "duras" da universidade e passou algum tempo para que os outros setores "acordassem". Ocorreu também o contingenciamento dos recursos do CTPETRO no segundo governo FHC. Estes dois fatores aliados levaram à tendência declinante de volume dos investimentos até o ano de 2002, embora a quantidade de contratos tenha até aumentado (figura 3). Em seguida, outros setores da universidade se engajam no processo e os editais voltam no primeiro governo Lula. O efeito da criação da PE duplica o recurso de 2005 para 2006. Em 2009 (até o mês de julho, época em que este artigo foi escrito) há o recuo causado pela crise financeira mundial do final de 2008, quando o preço do barril de petróleo despencou de US$ 140 para US$ 40, reduzindo-se a obrigação legal de investimentos em P&D dos concessionários. Este também foi um momento de arrumação do sistema, saturado por um milhar de contratos de pesquisa em nível nacional.



3. Gestão compartilhada de P&D da Petrobras e UFRN

Neste trabalho entende-se por Gestão Compartilhada de P&D (GC) o processo de gerenciamento mútuo dos projetos vinculados a P&GN da Petrobras com a UFRN. A governança deste processo é híbrida, através de dois gestores, um em cada lado da parceria. O processo é baseado em contratos, convênios e termos de cooperação. A medição do progresso da pesquisa regula as contrapartidas financeiras da empresa. Com a GC obteve-se uma parceria de sucesso, reconhecida como um polo de conhecimento e fornecedor de candidatos aos concursos admissionais da Petrobras (ver seção 5 — Resultados). A GC Petrobras — UFRN serviu de modelo para a instalação das redes temáticas e núcleos da Petrobras em nível nacional, concebidas em 2005 e implantadas em 2006.

A criação de conhecimento e inovações tecnológicas exerce papel relevante para o desempenho superior das organizações, principalmente quando este conhecimento é associado às inovações tecnológicas necessárias para se obter uma vantagem sustentável em relação aos competidores. Na indústria do petróleo não é diferente, ela caracteriza-se por grandes investimentos em todos os processos, inclusive em inovação tecnológica. Segundo os conceitos da perspectiva modernista de James Thompson (1967), também citado por Hatch (2006:149), "a indústria do petróleo é tecnologicamente intensiva, onde o input é não standard e o output é customizado", ou seja, fora da rotina. Dependendo do contexto, tecnologia pode ter vários significados. Para Tigre (2006:72) "[...] tecnologia pode ser definida como conhecimento sobre técnicas". Assim, a tecnologia é o conjunto de conhecimento técnico e científico, ferramentas, processos e materiais criados ou utilizados a partir de tal conhecimento. No senso comum a tecnologia resolve problemas, melhora processos e cria novos produtos para facilitar a vida no dia a dia. E quando processos ou produtos são melhorados ou criados, tem-se a inovação tecnológica. A busca por solução de problemas e inovações é o significado que mais se encaixa nos objetivos atuais da GC objeto deste artigo.

No modelo de GC participam os três atores, o governo, a Estrutura Produtiva e a Infraestrutura de C&T, aqui denominados hélices, segundo o conceito da hélice tripla de leydesdorff e Etzkowitz (1998). A hélice pressupõe movimento, o que transmite a ideia de dinamismo do sistema. Ao governo cabe estabelecer as políticas de regulação e de ciência e tecnologia setorial. Desta forma são criadas as condições para desenvolver o potencial científico das ICTs brasileiras no setor através de um conjunto de atos normativos.

A hélice da Estrutura Produtiva é formada pela Petrobras (além dela, poucas empresas do setor petróleo utilizam a infraestrutura criada pela GC na UFRN). A Petrobras foi criada através do Decreto-lei nº2.004, de 3 de outubro de 1953, após uma intensa campanha popular denominada "O petróleo é nosso". O movimento popular baseava-se nas descobertas do Recôncavo Bahiano, de Lobato em 1939 e do Campo de Candeias em 1941, feitas ainda sob a jurisdição do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e queria salvaguardar as riquezas nacionais dos interesses estrangeiros. Na época de sua criação a Petrobras recebeu todo o acervo de conhecimento do DNPM. Segundo o Boletim Técnico da Petrobras nº50 (Perissé, Paredes e Farah, 2007:15), em 1953 existiam seis refinarias particulares no Brasil, a Refinaria Sul Rio-Grandense, criada em 1932; as Refinaria Matarazzo e Refinaria Ipiranga, criadas em 1936; a Refinaria de Manguinhos, criada em 1945; a Refinaria de Mataripe, criada em 1950; e a Refinaria de Manaus, criada em 1952. Posteriormente, essas refinarias foram adquiridas pela Petrobras, com exceção da Rio-Grandense e da Matarazzo, desativadas por causa da obsolescência das instalações. Atualmente a Petrobras possui 11 refinarias próprias no Brasil e três em parceria no exterior (EUA, Japão, Argentina). Em 2009, sua capacidade diária de refino no país alcança 1,8 milhão de barris, enquanto a produção diária total de petróleo e gás no Brasil e exterior chega a 2,5 milhões de barris diários.

Durante a vigência do Decreto-lei nº2004, coube à Petrobras exercer o monopólio estatal da União com as seguintes atribuições:

▼ Pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros existentes no território nacional;

▼ Refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

▼ Transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no país;

▼ Transporte, por meio de dutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de qualquer origem.

A flexibilização deste monopólio através da Lei do Petróleo em 1997 representou, em tese, um aumento da "oferta" de investidores institucionais em P&D, uma vez que a partir de então outras empresas poderiam exercer todas as atividades antes listadas.

A Petrobras tem grande capacidade tecnológica, reconhecida especialmente na exploração e produção de petróleo em águas profundas, onde suas recentes descobertas e a reconhecida capacidade tecnológica elevaram-na ao patamar de global player. Em seu planejamento estratégico até 2020 consta a visão de que ela será "uma das 5 maiores empresas integradas de energia do mundo". Sua autonomia financeira é inquestionavelmente ilustrada pelos lucros que obtém ano após ano. O acionista controlador é o governo federal. Entretanto, pelo fato de ter a parcela majoritária de suas ações negociadas em bolsas de valores, neste estudo a Petrobras é considerada empresa privada, formando uma estrutura produtiva desvinculada da hélice governo.

Em termos de estrutura organizacional, caracteriza-se a Petrobras como uma organização multidivisional, conforme Barney e Hesterly (2004:139). Há certa diversidade entre as divisões regionais ou unidades de negócio (UN). As UNs são organizadas por macroprocessos com fortes influências geológicas e geográficas. Ao alto escalão da sede da empresa cabem as decisões estratégicas. As operações de implementação da estratégia corporativa cabem aos executivos das UNs. Esta forma de organização da grande corporação espalhada por vários continentes reduz o problema da racionalidade limitada do alto escalão e facilita o estabelecimento das metas de desempenho nos níveis mais baixos da organização. Conforme a figura 2.

A Petrobras dedica grande parcela de recursos financeiros e humanos em P&D no Centro de Pesquisas próprio localizado no Rio de Janeiro. O Cenpes, como é chamado, é uma referência de centro de pesquisas entre as petrolíferas do mundo. Em 1992 e 2007 a Petrobras recebeu da Organização Internacional Offshore Technology Conference, em Houston, Estados Unidos, o OTC Distinguished Achievement Award, o mais importante prêmio da indústria mundial do petróleo, como a empresa que mais contribuiu para o desenvolvimento tecnológico da indústria offshore e pelo domínio tecnológico em exploração e produção de petróleo em águas profundas. O Cenpes executa a política tecnológica da empresa definida pela alta gerência e recebe também as prospecções de tendências do setor petróleo, levantadas por especialistas próprios. Desta forma são traçadas as estratégias tecnológicas de curto, médio e longo prazo. As pesquisas específicas para a solução de problemas ou melhorias de processos são coordenadas por comitês tecnológicos setoriais. Aos comitês cabe priorizar as propostas de pesquisas, de acordo com a visão estratégica da cúpula da empresa, portanto, fechando o ciclo.

As ICTs no papel da Infraestrutura Científica e Tecnológica compõem a terceira hélice do esquema proposto por Leydesdorff & Etzkowitz (1998). Neste caso particular, é representada pela UFRN, através da Fundação Norterio-grandense de Pesquisa e Cultura (Funpec), e gera toda a movimentação financeira e burocrática do sistema. Através dos incentivos legais anteriormente citados, a UFRN teve oportunidade de ingressar na indústria do petróleo aportando ciência, gerando conhecimento e inovações tecnológicas. E recebeu em troca uma grande infraestrutura composta por obras e equipamentos multiusuários. O suporte financeiro que fornece a dinâmica de movimento da hélice tripla está garantido na política pública. No setor petróleo dos países onde isto já ocorreu (a exemplo: EUA, Canadá, Noruega), tal sistema cooperativo levou ao surgimento de empresas fornecedoras de serviços e de tecnologia para a indústria petrolífera mundial. Entretanto, a parceria objeto deste estudo, após 10 anos de existência, originou somente duas empresas de base tecnológica, embora tenham sido firmados 264 instrumentos contratuais (contratos, convênios, termos de cooperação), conforme a figura 3. Na mesma figura observa-se que, quando outros grupos "acordaram" para o processo P&D em petróleo, houve uma pulverização de contratos, com valores menores, pois o investimento total era declinante, conforme a figura 1. Da mesma forma como já foi comentado anteriormente, observa-se em 2009 o recuo na quantidade de contratos, causado pela crise financeira mundial.

As condições satisfatórias para a realização de pesquisas na UFRN têm atraído um número significativo de pesquisadores e melhorado a qualidade do trabalho desenvolvido por estes profissionais. A presença de pesquisadores de outras instituições tem feito com que os novos saberes produzidos sejam compartilhados dentro de um tempo razoável, contribuindo assim para o desenvolvimento regional, o que reforça o conceito das redes interorganizacionais. Esta comunidade científica, que já chegou a ter cerca de 500 envolvidos, produziu 11 patentes de 2000 a 2009 e ganhou quatro prêmios Petrobras de Tecnologia. Os cursos ganhadores do prêmio e as temáticas vencedoras na empresa foram: Química (tecnologia de perfuração e de produção), Física (tecnologia de exploração), Ciências da Computação (tecnologia de segurança e de desempenho operacional) e Geologia (tecnologia de exploração). Este conjunto de laboratórios e pesquisadores é considerado pela empresa uma extensão de seu próprio centro de pesquisas.

É importante ressaltar que a melhoria da infraestrutura de pesquisa e ensino da UFRN repercutiu nos centros ou departamentos da UFRN não diretamente relacionados com o setor petróleo. Tal efeito é denominado neste trabalho de "irradiação positiva" para toda a universidade. A exemplo, citamse as diversas pesquisas publicadas sobre materiais de prótese dentária, desenvolvidos pela Faculdade de Odontologia, utilizando-se dos laboratórios do Núcleo de Estudos em Petróleo e Gás Natural (NEPGN).

O modelo de redes temáticas e de núcleos regionais da Petrobras tem o sentido de desenvolver as comunidades tecnológicas locais, próximas das suas UNs, para complementar os recursos próprios insuficientes em realizar todas as pesquisas e serviços de que necessita, deixando para o Cenpes as tarefas mais especializadas, complexas ou sigilosas. Além disso, na visão da Petrobras, o modelo é importante porque cria condições para absorver de maneira sustentável e responsável os recursos financeiros dos royalties e da PE. Para realizar isso de forma organizada foi criado este modelo de Gestão Compartilhada de P&D no Rio Grande do Norte através de um coordenador técnico da Petrobras e um coordenador pesquisador da UFRN em cada projeto de pesquisa. Para o conjunto total de projetos existem também dois gestores institucionais, um de cada instituição.

Os objetivos da UFRN ao participar neste processo são fortalecer a infraestrutura institucional e, especificamente, aquela a ser compartilhada pelos grupos e projetos de pesquisas aplicados ao desenvolvimento científico e tecnológico nas diferentes áreas do conhecimento. Esses objetivos constam do plano estratégico da UFRN, que tem como uma das metas tornar esta instituição um polo de excelência na pesquisa fundamental e aplicada. Ela pretende atingir este objetivo por meio da aquisição, up-grade e manutenção dos seguintes equipamentos multiusuários: microscopia eletrônica de varredura, difratômetros de raios X, fluorescência de raios X, realidade virtual, forno de sinterização, ressonância magnética nuclear, de maneira a atender as demandas de caracterização dos materiais metálicos e não metálicos, atender as demandas de caracterização estrutural dos diversos departamentos, atender as demandas de caracterização estrutural dos diversos departamentos, atender as demandas de visualização 3D dos diversos departamentos, atender as demandas analíticas dos diversos departamentos.

Com esta visão a UFRN pretende capacitar-se para poder apoiar tecnicamente pequenas e médias empresas do Rio Grande do Norte e da região; aumentar a produção intelectual; formar recursos humanos; possibilitar que apoie vigorosamente o Programa Nacional de Recursos Humanos da ANP; dar condições para que execute, com êxito, projetos de pesquisa científica da graduação e pós-graduação, para atender às necessidades da indústria petrolífera e disponibilizar recursos humanos qualificados para outras universidades e empresas da região.

Observa-se que até agora o poder municipal e estadual não participam do sistema da hélice tripla, embora o estado do Rio Grande do Norte e o município de Natal recebam sua parcela dos royalties do petróleo, conforme preceitua o marco legal do setor. O sistema não é apoiado por um parque tecnológico ou uma incubadora de empresas.

4. Implantando a gestão compartilhada de P&D

A Gestão Compartilhada de P&D na UFRN foi se desenvolvendo a partir do primeiro edital do CTPETRO. Inicialmente a equipe tinha 10 professores e alguns alunos compondo o grupo de pesquisadores. A gestão foi sendo melhorada aos poucos com a definição de dois pontos de contato institucionais, um pela Petrobras e outro pela UFRN. O fator primordial de aglutinação foi o contrato inicial com 10 projetos de grande porte com investimento de 19,9 milhões de reais, oriundos da Finep e da Petrobras, e que estabelecia as reuniões trimestrais de medição. Isto se constituiu em motivo para as reuniões técnicas e compartilhamento de conhecimentos. A continuidade das pessoas à frente do processo foi outro fator de sucesso. Na etapa inicial a Petrobras levou as demandas de P&D para a universidade. À época, as demandas se relacionavam com caracterização geológica de reservatórios em formações de calcários candidatos a drenagem através de poços especiais, criação de cimentos especiais para poços submetidos à injeção de vapor, estudos de métodos de recuperação avançada, novos domínios matemáticos no processamento sísmico, rotinas computacionais para otimização de rotas de sondas de produção, estudos de biotecnologias para recuperação de petróleo e energias alternativas para produção de petróleo.

Na fase inicial deste relacionamento, a UFRN não tinha grande tradição acadêmica em petróleo, tampouco dispunha de infraestrutura laboratorial para desenvolver pesquisas nesta área. Para superar as dificuldades de comunicação entre técnicos da Petrobras e acadêmicos foram realizados diversos seminários de integração. Durante esta etapa de aproximação houve muitos questionamentos de docentes quanto aos reais propósitos da empresa dentro da universidade e os possíveis prejuízos que as pesquisas aplicadas poderiam trazer para a academia. Dificuldades também apareceram pelo lado da empresa, pois na perspectiva de alguns acostumados ao ambiente monopolista pré-lei do petróleo, era difícil ceder os dados, algo novo em sua rotina. O relacionamento institucional foi se fortalecendo à medida que se alcançavam alguns resultados e estabeleceu-se realmente quando a UFRN, estimulada pela Petrobras, criou o Núcleo de Estudos em Petróleo e Gás Natural (NEPGN). O núcleo é uma organização transversal dentro da universidade, que está ligado à Pró-Reitoria de Pesquisas, possui um coordenador e aglutina pesquisadores de diversos centros. Um dos seus objetivos é ser o portal de entrada do petróleo na UFRN. O núcleo executa a política do relacionamento acordado entre as instituições, recebe demandas das empresas e as encaminha para os pesquisadores.

O estabelecimento da rotina de avaliação dos projetos através da cláusula de medição e acompanhamento do progresso da pesquisa, onde a contrapartida financeira da empresa era liberada proporcionalmente à realização das etapas do cronograma, foi fundamental para o fortalecimento da relação formal entre as organizações. Com isso, o relacionamento ganhou caráter empresarial em busca de resultados e entrega de produtos. Na medição o pesquisador apresenta um relatório simplificado, conforme o quadro 1.


Nesse documento, emitido trimestralmente, tem-se uma visão objetiva do que foi planejado, quais os resultados que foram alcançados, quais foram os pontos problemáticos encontrados e as ações corretivas aplicadas no rumo de alcançar os objetivos do projeto.

5. Resultados

Durante este mútuo aprendizado, também foi vencido o mito de que a pesquisa aplicada prejudicaria de alguma forma a academia. A produção científica geral e outros efeitos associados evidenciam o contrário. Os investimentos realizados na parceria estimulam também a qualificação profissional dos discentes, pois os pesquisadores fazem pesquisa aplicada. Segundo o levantamento feito no universo de 27 projetos de P&D e PRH-14 (Engenharia de Processos em Plantas de Petróleo e Gás Natural), 20% dos alunos da UFRN ingressaram na Petrobras e 25% em outras companhias do setor petróleo. Considere-se aí também o ganho intangível que é ter o profissional já familiarizado com algumas temáticas da indústria, conforme o quadro 2.


Algumas pesquisas resultaram em inovações tecnológicas patenteadas, conforme o quadro 3. Outras pesquisas, apesar de não resultarem em patentes, trouxeram melhorias aos processos de produção e algumas foram incorporadas na rotina da Petrobras. A exemplo citam-se: softwares para otimização de rotas de sondas de produção terrestre e de unidades de pistoneio, softwares para automação de poços de petróleo, simuladores de bombeio mecânico, sistemas para elaboração de projetos de elevação de petróleo, sistema de detecção de vazamentos em dutos e metodologias de tratamento de água produzida. A não incorporação de alguns resultados deveu-se a problemas de inviabilidade econômica, escala do processo ou gestão da mudança necessária à implementação da tecnologia.


Pelo lado da UFRN foram obtidos diversos resultados, entre os quais ci-tam-se: melhoria das instalações físicas, aumento da produção intelectual em periódicos indexados, redução considerável no tempo de formação dos doutores e mestres nos programas de pós-graduação, notadamente no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Materiais (PPGEM) e no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ), devido à facilidade na coleta e análises dos materiais, melhoria dos conceitos dos programas de PPGQ e PPGEM (Conceito 5,0 pela Capes), facilitou a implantação dos cursos de Graduação em Química do Petróleo, Graduação em Geofísica e da Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Petróleo (PPGCEP). Este último atualmente tem 120 alunos, sendo 19 funcionários da Petrobras.

A produção científica da UFRN ocasionada pela "irradiação positiva", anteriormente citada, abrange também áreas da universidade fora das ciências exatas (ou áreas "duras" no jargão universitário), conforme o Relatório Técnico Final do NEPGN (Ref. nº2.536/03, Convênio nº01.04.0027.00), referente ao período de 3/3/2004 a 3/3/2007. As publicações informadas no quadro 1 são produtos da pesquisa realizada na graduação e pós-graduação em: materiais poliméricos para próteses em odontologia, propriedades de materiais para a indústria cerâmica, síntese, física e biofísica de novos materiais e catalisadores para a indústria química, farmacêutica e metalúrgica. As publicações vinculadas especificamente ao petróleo são relacionadas aos novos materiais para cimentação de poços (síntese, catalisadores e pastas), ao processamento geofísico de dados exploratórios, a métodos de estimativa de fatores de recuperação de hidrocarbonetos através da física estatística, à química e petroquímica com estudos de remoção dos contaminantes e metais pesados da água produzida em poços de petróleo, à engenharia química dos componentes de polímeros e surfactantes para melhoria da recuperação final de hidrocarbonetos.

6. Análise organizacional da gestão compartilhada de P&D Petrobras & UFRN

Entre a multiplicidade de correntes teóricas em Teoria Organizacional, a que mais se adapta a esta parceria é a perspectiva da Dependência de Recursos. A abordagem baseada em recursos teve a sua evolução sumarizada por Acedo, Barroso e Galan (2006), que identificaram três tendências complementares: (1) a visão baseada em recursos (RBV), cujo foco é econômico; (2) a visão baseada em conhecimento (KBV), cujo foco é o conhecimento das pessoas considerado um ativo estratégico, (3) e a visão relacional (VR), que são as alianças institucionais baseadas na confiança e nas relações de uma firma com componentes do ambiente no qual ela está inserida. Entende-se aqui que tais tendências aplicam-se a este estudo de caso da GC de P&D da Petrobras com a UFRN, pois esta relação institucional é baseada na confiança e tem como resultado a produção de conhecimento pela universidade com ganhos econômicos para a empresa.

Sabe-se que as organizações modernas não são independentes no desempenho de suas atividades. Por mais que o sejam, sempre necessitarão de recursos externos. Através desta dependência, elas são influenciadas e influenciam seu entorno (meio ambiente). Aldrich e Pfeffer (1976) estudaram estes aspectos no modelo da ecologia populacional, que enfatiza a capacidade adaptativa das organizações através das interações ambientais. Sabe-se que:

[...] o modelo da dependência de recursos inicia com o pressuposto de que nenhuma organização é capaz de gerar todos os diversos recursos de que necessita. De modo similar, nem toda a atividade possível pode ser desempenhada dentro de uma organização a fim de torná-la independente. Ambas as condições significam que as organizações precisam depender do ambiente para obter recursos. [...] os recursos necessários podem ser na forma de matérias-primas, fundos, pessoal ou operações de serviços e de produção que a organização não pode produzir ou não o faz isoladamente. Recursos incluiriam inovações tecnológicas (Hall, 2004:250-251).

Os aspectos principais que levam a este enquadramento estão ligados à grande necessidade tecnológica de uma corporação com o tamanho e a diversidade de atuação da Petrobras e os incentivos de fomento do marco legal do setor petróleo. Estes são os principais motivos que levaram a Petrobras a firmar as parcerias em P&D, inicialmente com algumas ICTs brasileiras tradicionais, obtendo assim as complementaridades necessárias para a solução de problemas e obtenção de inovações tecnológicas. O processo cresceu em âmbito nacional através da criação das redes temáticas e núcleos regionais da Petrobras que abrangem cerca de 80 ICTs brasileiras. Entende-se aqui o desenvolvimento das redes como o relacionamento entre organizações dentro da população das ICTs brasileiras. Neste processo, a UFRN participa de 15 redes temáticas em geologia, geofísica, automação, computação, meio ambiente, re-fino, energias renováveis e bioprodutos.

Analisando-se o processo segundo Aldrich e Pfeffer (1976), conclui-se que a Petrobras inicialmente fez a busca por recursos e encontrou um ponto de colaboração como a UFRN. Posteriormente, fatores de contingenciamento ambiental, como o aumento da produção e do preço do barril — que conduzem a maiores obrigações legais de investimentos em P&D no país —, levaram o processo a evoluir para organizações sistemáticas em rede de pesquisa de âmbito nacional, envolvendo dezenas de ICTs. Esta evolução é explicada teoricamente pela perspectiva organizacional contemporânea das Redes Interorganizacionais, onde a vivência da dependência de recursos fez as organizações mudarem o comportamento de adversários para parceiros em busca de complementaridades.

Para a Petrobras, uma das vantagens de criar parcerias tecnológicas é tê-las próximas às suas unidades operacionais espalhadas pelo país. A desvantagem do processo todo é que ele precisa ser construído, e isto leva tempo. A parceria objeto deste estudo tem 10 anos de idade e ainda carece de melhorias. As ICTs brasileiras com exceções, tais como Unicamp, USP, UFRJ, PUC-RJ e poucas mais, têm tradição em estudos ligados ao petróleo, mas, de maneira geral, no Brasil, a infraestrutura existente no ano 2000 não tinha condições de absorver a parcela de royalties e PE que deveriam ser canalizados para pesquisa. Portanto, foi (e ainda o é!) necessário criá-la. O modelo conceitual de investimentos nas ICTs concebido pela Petrobras em 2005 priorizava inicialmente investimento em infraestrutura e posteriormente em P&D, mas não eram excludentes, pois alguma infraestrutura já existia na época, conforme a figura 4.


Na prática, através das redes estabelece-se um canal para trocas mútuas de conhecimento. Para que isso aconteça é necessário um tempo de aprendizagem e amadurecimento. As organizações cedem um pouco em busca da convergência de propósitos sem, contudo, perderem suas identidades. O amadurecimento do relacionamento é atingido quando a rede funciona independentemente de hierarquia ou da centralidade organizacional. O poder é exercido sob a forma de comitês híbridos abertos ao pluralismo de ideias, rotatividade de participantes e diversidade cultural, muito comum nestes casos. A coordenação destes empreendimentos é um desafio de gestão e de aprendizado contínuo para conciliar os interesses envolvidos. Neste caso têm de conviver harmonicamente dois estilos: acadêmico, gerador de ciência e conhecimento, e o gerencial, que busca o cumprimento de prazos, atingimento de metas e resultados. Entretanto, o poder econômico da indústria petrolífera ainda é o maior fator de aglutinação e de atratividade da cooperação Petrobras & ICTs. O grau de novidade dos problemas desta indústria também exerce algum fascínio aos pesquisadores porque é fator gerador de publicações científicas e de oportunidade de participação em congressos científicos de âmbito mundial.

A gestão de uma rede temática da Petrobras é feita através de um comitê técnico-científico formado por representantes da empresa e de cinco ICTs participantes da referida rede. O trabalho operacional é realizado pelo coordenador executivo, conforme a figura 5.


O coordenador executivo é contratado no mercado. A ele compete fazer a intermediação entre o comitê, os coordenadores de projetos e a Fundação de apoio para garantir o controle dos pagamentos, a emissão dos relatórios técnicos, o cumprimento dos prazos dos contratos e organizar workshops da rede, ocasião em que há realmente o intercâmbio do conhecimento desenvolvido por equipes de diferentes projetos com os técnicos do Cenpes, servindo como um momento de avaliação anual.

7. Conclusões

O modelo GC, desenvolvido pela Petrobras e a UFRN, é um sistema de hélice tripla cuja relevância estratégica é a contribuição para o desenvolvimento de um polo regional de formação de recursos humanos que levou ao aumento da empregabilidade e das inovações tecnológicas. O sistema serviu de modelo para a implantação das redes temáticas da Petrobras em escala nacional. A GC fortaleceu o relacionamento institucional e criou condições para a UFRN destacar-se entre as ICTs brasileiras que fazem P&D no setor de petróleo, gás e biocombustíveis.

O formato das redes interorganizacionais é uma forma responsável e sustentável de equalizar o desenvolvimento científico regional e criar condições de absorção da grande quantidade de recursos prevista no marco legal do setor petróleo.

Ao tempo deste estudo foram observados alguns pontos para reflexão, que se constituem em oportunidades de melhorias do sistema, tais como: a ausência do poder público local no sistema; a dificuldade de articulação entre as fundações universitárias que gerenciam os recursos das redes temáticas nos diferentes estados; o NEPGN necessita exercer mais profundamente o papel de coordenação das atividades vinculadas à área de petróleo na UFRN conforme sua concepção original; as poucas iniciativas da UFRN no sentido de estimular o empreendedorismo, a inovação tecnológica e o registro de patentes; a necessidade de agilização pela Petrobras da aplicação, em escala piloto, das tecnologias desenvolvidas na área de poços; a superação dos aspectos de racionalidade limitada na gestão dos contratos que levaram ao trânsito excessivo de documentos de controle entre os setores envolvidos no sistema, dentro e fora da empresa.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE. Núcleo de Estudos em Petróleo e Gás Natural (NEPGN). Relatório técnico final. Finep. Ref. n. 2536/03. Convênio n. 01.04.0027.00 2007.

Artigo recebido em set. 2009 e aceito em out. 2010.

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    Os autores agradecem a Djalma Ribeiro e Tereza Neuma, respectivamente coordenadores do Núcleo de Estudos em Petróleo e Gás Natural e do Núcleo de Processamento e Reúso de Águas e Resíduos da UFRN, à Fundação Norte Riograndense de Pesquisa e Cultura, aos coordenadores de projetos de pesquisa pelos dados, à Petrobras pela oportunidade de realização deste estudo e a Vera Lucia pela edição das figuras.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      Set 2009
    • Aceito
      Out 2010
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