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A (Im)produtividade do Trabalho Reprodutivo e a Exaustão das Mulheres na Contemporaneidade

RESUMO

Objetivo:

debater a (im)produtividade do trabalho reprodutivo, potencialidades e limites da expansão do capital sobre esse trabalho para alterar a opressão que se manifesta nas condições de exaustão das mulheres na contemporaneidade.

Marco teórico:

partimos de uma perspectiva marxiana, consideramos que os debates acerca da produtividade do trabalho reprodutivo devam superar as análises baseadas na imediaticidade deste trabalho e apreender as determinantes que envolvem a absorção pelo capital de um trabalho enquanto trabalho produtivo, reprodutivo ou improdutivo.

Métodos:

coletamos dados estatísticos secundários disponibilizados pelo IBGE, pelo Sebrae e pelo British Cleaning Council, a análise foi realizada com base no materialismo histórico.

Resultados:

demonstramos que o capital tem se apropriado produtivamente do trabalho reprodutivo, no entanto, tal apropriação não tem significado alteração das condições de divisão sexual do trabalho e exaustão das mulheres.

Conclusão:

concluímos que ao invés de a transmutação de trabalho reprodutivo a produtivo ser um avanço para a emancipação das mulheres, tem sido fonte de maior exploração de sua força de trabalho e de exaustão, uma vez que tal apropriação não supera a exploração que engendra a universalidade de opressões sob o capitalismo, conforme as necessidades de valorização do valor.

Palavras-chave:
trabalho produtivo e improdutivo; trabalho reprodutivo; divisão sexual do trabalho; teoria da reprodução social; mulheres

ABSTRACT

Objective:

we aim to discuss the (im)productivity of reproductive work, potentialities and limits of capital expansion on this work to change the oppression that manifests itself in the conditions of exhaustion of women in contemporary times.

Theoretical approach:

starting from a Marxian perspective, we believe that debates about the productivity of reproductive work should overcome analyzes based on the immediacy of this work and apprehend the determinants that involve the absorption of work by capital as productive, reproductive or unproductive work.

Methods:

we collected secondary statistical data provided by IBGE, Sebrae and the British Cleaning Council, the analysis was based on historical materialism. Results: we demonstrate that capital has productively appropriated reproductive work, however, such appropriation has not meant changing the conditions of sexual division of labor and women's exhaustion.

Conclusion:

we conclude that instead of the transmutation of reproductive to productive work being an advance towards the emancipation of women, it has been a source of greater exploitation of their workforce and of exhaustion, since such appropriation does not overcome the exploitation that engenders the universality of oppression under capitalism, according to the needs of valuing value.

Keywords:
productive and unproductive work; reproductive work; sexual division of labor; social reproduction theory; women

INTRODUÇÃO

Na sociabilidade capitalista, a divisão sexual do trabalho assume formas específicas em decorrência das necessidades postas pelo processo de valorização do valor. O advento do capitalismo rompe com a unidade entre produção e reprodução verificada nas sociedades pré-capitalistas e engendra contornos distintos às relações sociais (Kergoat, 2009Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico do feminismo (pp. 67-75). Editora UNESP.; Montenegro, 1981Montenegro, A. (1981). Ser ou não ser feminista. Cadernos Guararapes.; Saffioti, 2001Saffioti, H. I. B. (2001). O poder do macho. Moderna.). As atividades relacionadas à produção de produtos para a troca aparecem transferidas à esfera pública, produzidas como responsabilidade e vocação natural do ser homem, enquanto as atividades relacionadas à reprodução da vida individual e da força de trabalho aparecem mantidas na esfera privada e produzidas enquanto responsabilidade e vocação natural do ser mulher. Assim, a divisão sexual do trabalho nas particularidades do capitalismo está relacionada à divisão segundo a qual devem atuar os homens e as mulheres, e também a uma hierarquização dos trabalhos (Hirata & Kergoat, 2007Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
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), uma vez que o trabalho de reprodução é tido como um trabalho que não produz mais-valor - fim último do capital.

Considerando que a relação de exaustão das mulheres está associada à questão da divisão sexual do trabalho e responsabilização das mulheres pelas atividades de cuidado (Federici, 2017Federici, S. (2017). Calibã e a bruxa: Mulheres, o corpo e a acumulação primitiva. Elefante Editora., 2019), a (im)produtividade do trabalho reprodutivo é um debate constante no campo do feminismo (Benston, 1969Benston, M. (1969). The political economy of womans’s liberation. Monthly Review, 21(4), 13-27. https://doi.org/10.14452/MR-021-04-1969-08_2
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; Dalla Costa & James, 1972Dalla Costa, M., & James, S. (1972). The power of woman and the subversion of the community. The Falling Wal Press.; Federici, 2017, 2019; Kergoat, 2009Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico do feminismo (pp. 67-75). Editora UNESP.; Maruani, 2019Maruani, M. (2019). Trabalho, logo existo: Perspectivas feministas. FGV Editora.; Saffioti, 1976Saffioti, H. I. B. (1976). A mulher na sociedade de classes: Mito e realidade (3. ed). Vozes.; Toledo, 2005Toledo, C. (2005). Mulheres: O gênero nos une, a classe nos divide. Instituto José Luís e Rosa Sundermann.), e tem ganhado visibilidade nos debates econômicos e sociais (Coffey et al., 2020Coffey, C., Espinoza Revollo, P., Harvey, R., Lawson, M., Parvez Butt, A., Piaget, K., Sarosi, D., & Thekkudan, J. (2020). Time to Care: Unpaid and underpaid care work and the global inequality crisis. Oxfam. http://doi.org/10.21201/2020.5419
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). Questiona-se a (im)produtividade deste trabalho nas relações capitalistas de produção e advoga-se pela necessidade de socialização, assalariamento ou transferência destas atividades à esfera produtiva como condição essencial à alteração nas relações de opressão vivenciadas pelas mulheres.

Buscaremos discutir neste trabalho como, no sistema capitalista de produção, as atividades relacionadas à reprodução da força de trabalho estão historicamente relacionadas a um quantum de trabalho realizado fora da esfera da produção e realização do valor, ainda que seja necessário a este. Veremos que não é a natureza do trabalho que determina se ele é produtivo ou improdutivo, mas a forma como este é apropriado no processo de produção capitalista (Marx, 2013Marx, K. (2013). O capital: Crítica da economia política. O processo de produção do capital (R. Enderle, trans.). Boitempo.). Assim, a fim de expandir os limites postos à exploração, o capital se expande, modificando não apenas as bases técnicas produtivas, mas também as relações de produção e de trabalho delas imanentes. Demonstraremos o movimento de expansão do capital sobre o trabalho reprodutivo com o surgimento e crescimento, nas últimas décadas, de instituições privadas. São empresas que terceirizam serviços domésticos: serviços de limpeza, lavanderias, cuidado de crianças e idosos, etc., que visam a auferir lucro ao realizar as funções necessárias à reprodução da força de trabalho, antes realizadas pelas mulheres dentro da unidade produtora da mercadoria força de trabalho, a família, sem o intuito de autovalorização do capital.

Nesse contexto de expansão do capital sobre as atividades produtoras de valores de uso efetivadas na unidade familiar, entendemos que o trabalho reprodutivo é realizado não apenas como a finalidade de reprodutor da força de trabalho, mas sobretudo como produtor de mais-valor. Verifica-se, portanto, um processo de industrialização das funções reprodutivas. Neste ínterim, o presente trabalho tem como objetivo debater a (im)produtividade do trabalho reprodutivo e potencialidades e limites do processo de expansão do capitalismo sobre esse trabalho para alterar as condições concretas de opressão que se manifestam nas condições de exaustão das mulheres na contemporaneidade.

Para tanto, no primeiro momento realizaremos o debate teórico discutindo acerca das categorias trabalho, trabalho produtivo, improdutivo e reprodutivo e a (im)produtividade do trabalho reprodutivo para o capital. No segundo momento é relatado o percurso metodológico, do qual destacamos a realização da coleta de dados secundários disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Cadastro Central de Empresas e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae, 2014), pela Federação Nacional das Empresas de Serviços e Limpeza Ambiental (Febrac, 2012), pela startup Franchise Help (2018), e também pelo British Cleaning Council (BCC, 2019). Em um terceiro momento, realizamos a análise de dados buscando discutir a expansão capitalista sobre o trabalho reprodutivo, bem como as potencialidades e limites de tal expansão para uma alteração na relação de opressão vivida pelas mulheres. Por fim, apresentamos as conclusões.

Trabalho produtivo, improdutivo e reprodutivo nas particularidades do capitalismo

O caráter produtivo do trabalho em geral

O trabalho consiste em um processo no qual o ser humano, de forma consciente, coloca em movimento as forças naturais que dizem respeito à sua própria corporeidade, que, por sua vez, já é resultado de um desenvolvimento da sociabilidade, para realizar alterações na natureza com o intuito de suprir suas próprias necessidades. Nesse processo, o ser humano não só modifica a natureza, como modifica a si próprio (Marx, 2013Marx, K. (2013). O capital: Crítica da economia política. O processo de produção do capital (R. Enderle, trans.). Boitempo.). É pelo trabalho que se produz a riqueza material e espiritual da humanidade (observação: riquezas, não necessariamente riqueza capitalista, capital). É pelo trabalho que a humanidade se autorreproduz. Nesse processo de autorreprodução, despende energia físico-psíquica que constitui sua corporeidade e que necessita ser reposta.

O processo de trabalho abstraído de sua forma histórica determinada se apresenta como a atividade orientada a um fim, os objetos de trabalho e os meios de trabalho. Do ponto de vista de seu resultado, os meios e os objetos de trabalho aparecem como meios de produção, e o próprio trabalho aparece como trabalho produtivo, posto que é atividade humana com fins de produção de valores de uso que satisfazem necessidades - sejam elas do estômago ou da fantasia - humanas.

No entanto, essa definição de trabalho produtivo não basta ao considerá-lo em suas particularidades históricas, nas determinações postas pelo processo de produção capitalista. “Aqui, os valores de uso só são produzidos porque e na medida em que são o substrato material, os suportes do valor de troca” (Marx, 2013Marx, K. (2013). O capital: Crítica da economia política. O processo de produção do capital (R. Enderle, trans.). Boitempo., p. 263).

O processo de produção capitalista não anula a característica do processo geral de trabalho: ser produtor de valores de uso; porém, determina que nem todo trabalho é para ele produtivo. O trabalho produtivo para o capitalista é aquele que necessariamente produz mercadorias nas quais se objetivam valor de uso, valor e mais-valor. Assim, considerando o processo de produção capitalista, temos que só é produtivo o trabalhador cuja força de trabalho seja consumida no processo de produção da mercadoria com o objetivo de valorização do capital, da mesma forma que só é produtiva aquela trabalhadora1 1 . Este texto tem em sua autoria mulheres, o trabalho reprodutivo é uma atividade realizada majoritariamente por mulheres, por isso, optamos por escrever o texto no feminino, salvo em casos de citação direta. Homens, por favor, sintam-se representados pela flexão de gênero feminina. Afinal, nós mulheres também produzimos conhecimento científico. cuja força de trabalho esteja utilizada em um processo de trabalho no qual exista a produção de uma mercadoria prenhe de mais-valor.

O caráter produtivo e improdutivo do trabalho para o capital

No processo da sociabilidade capitalista, um trabalho realizado apenas enquanto produtor de valores de uso para o consumo e não como substrato de valor de troca em um processo de valorização de capital - ainda que represente dispêndio de forças físico-psíquicas - não é trabalho produtivo para o capital. O que deve ser salientado neste ponto é que tal diferenciação não está relacionada à natureza ou conteúdo do trabalho, mas à forma como o trabalho é consumido no modo de produção capitalista, se produtiva ou improdutivamente. “Um trabalho de idêntico conteúdo pode ser, portanto, produtivo ou improdutivo” (Marx, 1978Marx, K. (1978). O capital: Crítica da economia política. Editora Ciências Humanas., p. 75).

“O mesmo trabalho, por exemplo, jardinagem, alfaiataria, etc., pode ser realizado pelo mesmo trabalhador a serviço de um capitalista industrial ou de um consumidor direto. Em ambos os casos, estamos ante um assalariado ou diarista, mas, num caso trata-se de trabalhador produtivo, e noutro, de improdutivo, porque no primeiro caso esse trabalhador produz capital e no outro não, porque num caso seu trabalho constitui um momento do processo de autovalorização do capital, e no outro não” (Marx, 1978Marx, K. (1978). O capital: Crítica da economia política. Editora Ciências Humanas., p. 76).

Outro ponto que deve ser discutido ao abordar as formas determinadas do trabalho sob o capitalismo é seu caráter de improdutividade. Trabalho produtivo e improdutivo andam lado a lado no processo e valorização de valor, mas diferente do primeiro, o segundo não produz mais-valor, pois não está diretamente vinculado aos processos de trabalho produtores das mercadorias. Neste caso, trata-se de trabalhos responsáveis pelas metamorfoses do valor na esfera da circulação. Esses trabalhos satisfazem uma necessidade do processo de valorização, porém não incorporam valor às mercadorias, sendo assim um custo de produção, logo, improdutivos para o capital (Maciel et al., 2021Maciel, J., Ferraz, D. L., Biondini, B., & Franco, D. (2021). O setor bancário brasileiro: Centralização de capitais e alterações na composição orgânica do capital. Novos Estudos CEBRAP, 40(1), 127-151. https://doi.org/10.25091/s01013300202100010006
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).

O trabalho não é improdutivo para o capital somente quando comporta-se como um custo de produção; mas também quando não constitui o próprio processo de valorização, como é o caso exposto por Marx na passagem anterior. Um indivíduo pode levar ao mercado o resultado de seu trabalho (alfaiate, por exemplo), pode gastar sua energia físico-psíquica com fins de produzir algo para a troca, mas se esta troca não é uma etapa de um processo de valorização de capital, este trabalho é improdutivo para o capital. Um indivíduo pode levar ao mercado sua força de trabalho para ser consumida em um processo de trabalho (jardineiro, por exemplo) e ao final do dia receber pelos serviços prestados, mas se quem lhe paga não visa a trocar o jardim no mercado com fins de valorizar seu capital, mas contemplá-lo, esse trabalho é improdutivo para o capital.

Aqui é necessária uma observação: o caráter produtivo de um trabalho não guarda relação com a materialidade ou a imaterialidade do resultado do trabalho. Alguns teóricos, como Lessa (2007Lessa, S. (2007). Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. Ed. Cortez.), relacionam a produção de capital apenas à produção material de mercadorias. No entanto, Marx (2014Marx, K. (2014). O capital: Crítica da economia política. O processo de circulação do capital (R. Enderle, trans.). Boitempo.) demonstra a possibilidade de produção de mais-valor ainda que não se produza um produto material separado de seu processo. O fato de que a mercadoria não seja separável do ato de produção, e que consequentemente o efeito útil produzido no processo de produção seja consumido concomitantemente ao próprio processo de produção, não altera em nada o fato de que possa existir a produção de mais-valor. Assim, se o efeito útil de um trabalho se manifesta materialmente em um produto ou imaterialmente em um serviço, ele se configura como trabalho produtivo na produção capitalista na medida em que produz mais-valor ou serve à autovalorização do capital, e como trabalho improdutivo na medida em que não produz mais-valor, ainda que esteja vinculado com o processo de produção capitalista em sua totalidade.

Ser trabalho produtivo ou improdutivo para o capital não altera o fato de ser gasto de energia físico-psíquica sob a perspectiva de quem trabalha. Tanto em um quanto no outro, há o desgaste da força de trabalho (Ferraz & Maxta, 2022Ferraz, D. L., & Maxta, B. S. B. (2022). Trabalho e saúde no setor bancário: Resgate do pensamento crítico marxista da medicina social latino-americana. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 28(3), 662-696. https://doi.org/10.1590/1413-2311.363.120473
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). Como dito anteriormente, a energia precisa ser reposta, porém, tal reposição não ocorre na mesma esfera em que se trabalha para o capital. É nesse sentido que a classe trabalhadora necessita de um trabalho que lhe oportunize as condições de reposição da energia de trabalho, da força de trabalho enquanto mercadoria. Trata-se aqui do trabalho reprodutivo.

Trabalho reprodutivo: Uma face da autorreprodução humana como trabalho (re)produtor da mercadoria força de trabalho

Como vimos, na produção capitalista, o fim último não é a produção de valores de uso, mas de mais-valor. A produção de mais-valor somente é possível se o detentor de dinheiro encontrar no mercado de mercadorias uma mercadoria especial, uma mercadoria cujo próprio valor de uso seja fonte criadora de valor. Essa mercadoria é a força de trabalho. A mercadoria força de trabalho, portanto, é essencial ao processo de produção capitalista. É somente ela que possui a capacidade de ser fonte criadora de valor, e é apenas por meio de sua exploração que o capitalista consegue se apropriar de um mais-valor (produzido pela força de trabalho) e acumular capital (Cisne, 2015Cisne, M. (2015). Feminismo e consciência de classe no Brasil. Cortez Editora.).

A força de trabalho se refere ao complexo de capacidades físicas e mentais existentes na corporeidade dos seres humanos e que estes colocam em movimento no processo de produção de valores de uso de qualquer tipo (Marx, 2013Marx, K. (2013). O capital: Crítica da economia política. O processo de produção do capital (R. Enderle, trans.). Boitempo.). Assim, a re(produção) dessa mercadoria envolve o trabalho socialmente necessário para reprodução do próprio indivíduo enquanto portador de uma força de trabalho útil e concreta.2 2 . Não confundir o trabalho necessário para a (re)produção da força de trabalho com o trabalho necessário para produzir as mercadorias necessárias à reprodução da força de trabalho, esta é a que determina o valor da força de trabalho; o primeiro caso não. Por um lado, enquanto um ser vivo portador da força de trabalho, o indivíduo possui necessidades vitais, as quais devem ser supridas para que seja possível a reprodução da sua força de trabalho, dentre elas alimentação, saúde, habitação, higiene, vestuário, por exemplo; por outro, envolve o trabalho relacionado ao desenvolvimento das habilidades necessárias requeridas por um trabalho determinado, ou seja, formação e/ou treinamentos específicos.

O possuidor da força de trabalho é um ser mortal, um ser passível de adoecimento e o desgaste decorrente da intensidade do uso da força de trabalho é um dos elementos determinantes desse adoecimento (Ferraz & Maxta, 2022Ferraz, D. L., & Maxta, B. S. B. (2022). Trabalho e saúde no setor bancário: Resgate do pensamento crítico marxista da medicina social latino-americana. REAd. Revista Eletrônica de Administração, 28(3), 662-696. https://doi.org/10.1590/1413-2311.363.120473
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; Moraes et al., 2018Moraes, A. F. G., da Silva Ferraz, D. L., & Areosa, J. (2018). Relações de trabalho na dinâmica do capitalismo contemporâneo: Uma antecâmara para o suicídio?. Revista TMQ - Techniques, Methodologies and Quality, (especial), 12-28. https://novaresearch.unl.pt/en/publications/relações-de-trabalho-na-dinâmica-do-capitalismo-contemporâneo-uma
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), sobretudo quando níveis de intensidade do trabalho nos conduzem à exaustão. Assim, para que seja possível a mercadoria força de trabalho ser constantemente encontrada no mercado, é necessário que ela se perpetue, ou seja, é necessário que os seres humanos (proprietários da força de trabalho) procriem.

O processo de (re)produção da força de trabalho, portanto, está relacionado a dois aspectos: à reprodução da vida das forças de trabalho já existentes e à produção de novas forças de trabalho. Em ambos os casos, tal produção envolve, por um lado, a aquisição de mercadorias que satisfaçam necessidades de alimentação, habitação, vestuário, educação, formação profissional (sendo o valor dessas o elemento determinante do valor da força de trabalho), e por outro, de um trabalho que crie as condições necessárias ao consumo dos valores de uso dessas mercadorias compradas no mercado.

Sobre as mercadorias advindas do mercado, cabe uma pequena digressão: essas mercadorias são aquelas necessárias para que as trabalhadoras se reproduzam enquanto força de trabalho, e não enquanto seres humanos. Assim, podemos pensar em duas mulheres trabalhadoras de uma empresa. Uma trabalha como gestora, a outra é uma trabalhadora terceirizada que trabalha realizando a limpeza do prédio. Abstraindo as necessidades que possuem enquanto seres humanos e pensando nas necessidades que possuem enquanto força de trabalho (são essas que interessam ao capital), essas duas mulheres demandam meios de subsistência muito distintos, desde necessidades de aprendizagem, formação, treinamento até necessidades como vestimenta. A mulher gestora necessita de um curso de graduação, provavelmente de especialização e diversos outros cursos e treinamentos para exercer sua função. Necessita se ‘vestir adequadamente’ com roupas consideradas apropriadas para a posição que ocupa, precisa seguir um determinado padrão de beleza, imposto por uma indústria da beleza. Por sua vez, a trabalhadora terceirizada que trabalha realizando a limpeza do prédio não necessita possuir uma graduação, ou cursos de especialização para exercer sua função. As roupas consideradas ‘adequadas’ para o seu trabalho, sem dúvidas, são bem distintas das consideradas adequadas para a mulher gestora. Assim, para atender às necessidades do capital, a mulher gestora e a mulher trabalhadora da limpeza necessitam, enquanto força de trabalho, de meios de subsistência distintos. A quantidade de trabalho socialmente necessária para a produção dessas mercadorias que permitem que tais mulheres se reproduzam enquanto força de trabalho é distinta e, consequentemente, o valor da força de trabalho dessas trabalhadoras também o é.

A respeito do trabalho que cria as condições do consumo do valor de uso das mercadorias necessárias à (re)produção da força de trabalho, é preciso registrar que se trata de um trabalho essencial à reprodução da força de trabalho que opera no âmbito da unidade familiar. A produção de mercadorias alimentícias, dos artigos de higiene, das vestimentas, da habitação não basta por si só, tem de haver o trabalho de preparação dos alimentos para que as trabalhadoras e trabalhadores possam comer, o trabalho de limpeza da habitação, de conservação das vestimentas limpas para que seus valores de uso sejam utilizados conforme as necessidades de uma época. Seguindo a mesma lógica, o mesmo acontece ao pensarmos na produção de novas forças de trabalho. A procriação não basta por si só, tampouco a produção de mercadorias necessárias para a sobrevivência desses indivíduos. Existe a necessidade de um trabalho relacionado à educação, à alimentação, à higiene, em geral ao cuidado demandado por esses seres humanos portadores da futura força de trabalho a qual demanda o capital (Souza, 2020Souza, M. D. (2020). “Ser trabalhadora produtiva é antes um azar”: A expansão da exploração capitalista sobre o trabalho reprodutivo [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais]. http://hdl.handle.net/1843/33344
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).

A classe trabalhadora, para conservar sua capacidade de trabalho e produzir novas forças de trabalho, demanda um trabalho a ser realizado em uma esfera privada de consumo (Marx, 1978Marx, K. (1978). O capital: Crítica da economia política. Editora Ciências Humanas.). As mercadorias necessárias para a reprodução da força de trabalho se encontram no mercado, mas seu consumo ocorre fora dele e, em geral, a efetivação desse consumo demanda um trabalho social que é produtivo em sua concepção universal, mas não é produtivo para o capital. Trata-se de um trabalho que consome o valor de uso das mercadorias adquiridas no mercado, mas esse uso não está subsumido a outro processo de valorização (ainda que possa sê-lo, como veremos adiante). O trabalho envolvido no consumo dessas mercadorias é para satisfazer de forma imediata as necessidades humanas, que no caso da determinação histórica capitalista, se traduz para a classe trabalhadora em (re)produção da força de trabalho. É no consumo não produtivo - ainda que possa ser, como veremos -, sob a perspectiva do valor, que se reproduz a mercadoria cuja característica essencial é valorizar o capital.

Os modos de efetivação desse consumo não produtivo das mercadorias se constituem segundo o mesmo interesse que constituem os modos de efetivação do consumo produtivo: reproduzir a classe trabalhadora enquanto classe a ser explorada pelo capital. É nesse movimento que se tem a produção de múltiplas formas de opressão da mulher, pois historicamente fez-se dela a ‘responsável natural’ (Federici, 2019Federici, S. (2019). O ponto zero da revolução. Editora Elefante.; Kergoat, 2009Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico do feminismo (pp. 67-75). Editora UNESP.) por essa parte do trabalho social geral, a despeito de ser ela também trabalhadora produtiva ou improdutiva quando inserida em atividades exploradas capitalisticamente. Assim, temos que o trabalho reprodutivo é produzido na sociabilidade capitalista, por meio da divisão sexual do trabalho, enquanto um ‘dever’ da mulher, mesmo quando esta desempenha um trabalho fora do lar (Cisne, 2015Cisne, M. (2015). Feminismo e consciência de classe no Brasil. Cortez Editora.; Saffioti, 2001Saffioti, H. I. B. (2001). O poder do macho. Moderna.). Tal realidade se expressa nos dados que serão analisados.

Mesmo que o debate acerca da importância das atividades reprodutivas para o sistema capitalista tenha sido intensificado, essas atividades seguem, segundo Kergoat (2009Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico do feminismo (pp. 67-75). Editora UNESP.), Hirata e Kergoat (2007Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
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, 2008), Hirata e Guimarães (2012), Maruani (2019Maruani, M. (2019). Trabalho, logo existo: Perspectivas feministas. FGV Editora.) e Federici (2019Federici, S. (2019). O ponto zero da revolução. Editora Elefante.), invisibilizadas e consideradas de menor importância. Ainda, segundo Federici (2019), tais atividades foram colocadas à margem do debate inclusive por Marx. Segundo a autora, Marx (2013Marx, K. (2013). O capital: Crítica da economia política. O processo de produção do capital (R. Enderle, trans.). Boitempo.) teria analisado o modo de produção capitalista considerando que as atividades que sustentam a reprodução da força de trabalho como de pouca importância para os capitalistas. No entanto, conforme demonstram Ferraz et al. (2023), tal análise não encontra fundamento nos escritos do autor. Trazendo uma recuperação das críticas realizadas por Federici (2019) a partir da análise do próprio Marx com relação ao processo de acumulação capitalista, as autoras demonstram que o autor tratou não só das atividades relacionadas à reprodução da força de trabalho, mas também do modo de reprodução da vida. Karl Marx mostrou como o modo capitalista de produção cindiu o processo de reprodução da vida humana, transformando determinados processos de trabalho em meios de acumulação de capital, e outros em meios de reprodução de força de trabalho. Ambos, embora cindidos, são momentos de um mesmo movimento: a autorreprodução humana. Nossa tarefa é libertar os primeiros da submissão ao capital, para que todo o processo de trabalho - inclusive o chamado trabalho reprodutivo - seja transmutado em processo de produção da humanização da humanidade. Desse modo, corroboramos as autoras sobre a necessidade de retornar a Marx (2013), pois em seus escritos encontramos a teoria que melhor expõe o movimento do capital.

Sustentamos que o processo de opressão à mulher deve ser apreendido em seu engendramento com o processo de reprodução da vida, e que, assim, toma contornos particulares no capitalismo. Tal apreensão é necessária para realizar o debate sobre a impossibilidade de superação concreta da realidade de opressão às mulheres sem alterar qualitativamente o modo de produção e reprodução da vida pautado no processo de exploração. Deste modo, ainda que reconheçamos os esforços intelectuais desenvolvidos por Federici (2019Federici, S. (2019). O ponto zero da revolução. Editora Elefante.) e Goldman (2016Goldman, W. (2016). Mulher, estado e revolução. Boitempo.), avançaremos na investigação sobre o tema para iluminar os limites das soluções apresentadas por elas no que tange à defesa do assalariamento do trabalho reprodutivo ou da inserção das atividades reprodutivas na esfera produtiva como via de superação da realidade de opressão das mulheres.

Trabalho doméstico: Discussões acerca da produtividade ou improdutividade do trabalho reprodutivo

A divisão sexual do trabalho expressa que sobre a mulher recai a tarefa de repor uma grande parte da força de trabalho que move a economia capitalista, transformando matérias-primas em valores de uso para o seu consumo direto: a alimentação, o vestuário, a manutenção da casa, assim como a educação dos filhos (Montenegro, 1981Montenegro, A. (1981). Ser ou não ser feminista. Cadernos Guararapes.). O trabalho reprodutivo realizado pelas mulheres se faz fundamental para o capital (Cisne, 2015Cisne, M. (2015). Feminismo e consciência de classe no Brasil. Cortez Editora.). O capital se beneficia não apenas do trabalho diretamente explorado por ele, mas também de um trabalho situado à margem dele e que se faz imprescindível para a reprodução da força de trabalho que se coloca disponível à exploração capitalista por estar apartada dos meios de produção.

Que esse trabalho é fundamental ao capital, por ser essencial para a produção e reprodução da mercadoria força de trabalho, não restam dúvidas. Mas a questão que tem sido alvo de diversas discussões é: afinal, o trabalho reprodutivo é ou não produtivo? Algumas teóricas defendem o trabalho doméstico enquanto produtivo, como Dalla Costa e James (1972Dalla Costa, M., & James, S. (1972). The power of woman and the subversion of the community. The Falling Wal Press.). As autoras discutem que o trabalho realizado pelas mulheres no lar, ao garantir a condição de produção e reprodução da força de trabalho, ao ajudar a disciplinar as atuais e futuras forças de trabalho, está atuando de forma produtiva ao capital. No entanto, toda a discussão realizada pelas autoras para defender o trabalho doméstico enquanto trabalho produtivo revela uma confusão entre a reprodução da força de trabalho e a produção de mais-valor. Como já demonstramos, todo trabalho é produtivo enquanto produtor de valores de uso, porém, para o processo de valorização do valor somente é produtivo aquele trabalho que aos valores de uso - enquanto substrato - engendram mais-valor.

Existem também teóricas que defendem que o trabalho doméstico na economia capitalista seja indiretamente produtivo, como podemos observar nas colocações de Larguia e Dumoulin (1972 como citado em Saffioti, 1976Saffioti, H. I. B. (1976). A mulher na sociedade de classes: Mito e realidade (3. ed). Vozes.), Toledo (2005Toledo, C. (2005). Mulheres: O gênero nos une, a classe nos divide. Instituto José Luís e Rosa Sundermann.), Teixeira (2008Teixeira, M. O. (2008). Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma abordagem de economistas feministas. Revista Gênero, 9(1), 31-45. https://doi.org/10.22409/rg.v9i1.94
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) e Figueiredo (2011Figueiredo, A. (2011). Condições e contradições do trabalho doméstico em Salvador. In N. Mori (Org.). Tensões e experiências: Um retrato das trabalhadoras domésticas de Brasília e Salvador (pp. 89-132). CFEMEA: MDG3 Fund.). Para elas, é somente por meio destas horas de trabalho realizadas na esfera da vida doméstica que o operário pode produzir mais-valor, assim o trabalho doméstico é transferido para a criação de mais-valor na esfera da produção por meio do trabalho assalariado inserido na esfera produtiva. Apesar de o trabalho reprodutivo não produzir diretamente mais-valor, segundo estas autoras, produz indiretamente ao manter e liberar a força de trabalho para que possa produzir. No entanto, assim como em Dalla Costa e James (1972Dalla Costa, M., & James, S. (1972). The power of woman and the subversion of the community. The Falling Wal Press.), as discussões realizadas por essas autoras demonstram uma confusão entre a relação de reprodução da força de trabalho e a produção de mais-valor, sobretudo por uma imprecisão na compreensão do que é o salário.

Segundo a teórica Margaret Benston (1969Benston, M. (1969). The political economy of womans’s liberation. Monthly Review, 21(4), 13-27. https://doi.org/10.14452/MR-021-04-1969-08_2
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), o trabalho reprodutivo não produz mercadorias, produz apenas valor de uso para o consumo dentro da própria esfera doméstica privada, necessário à reprodução e produção da força de trabalho. Ao contrário, as mercadorias, que possuem valor de uso e valor de troca, são produzidas na esfera da economia predominada pelos homens. Benston (1969), portanto, não defende o trabalho reprodutivo enquanto produtivo, uma vez que está relacionado à produção de valores de uso que não são substratos de valores de troca. No entanto, Benston (1969) não chega a discutir o trabalho reprodutivo enquanto um trabalho improdutivo, como faz Seacombe (1973 como citado em Saffioti, 1976Saffioti, H. I. B. (1976). A mulher na sociedade de classes: Mito e realidade (3. ed). Vozes.). Para Seacombe, uma vez que a distinção entre a esfera privada (doméstica) e a esfera da produção elimina as chances de uma relação direta entre o trabalho doméstico e a produção de mais-valor, o trabalho doméstico é um trabalho improdutivo.

Para Saffioti (1976Saffioti, H. I. B. (1976). A mulher na sociedade de classes: Mito e realidade (3. ed). Vozes.), o trabalho doméstico não constitui um trabalho produtivo, nem indiretamente produtivo. É inegável, pois, a importância das atividades relacionadas à reprodução da força de trabalho na economia capitalista, uma vez que é responsável pela reprodução da mercadoria fundamental do capital, a força de trabalho; mas, ainda assim, não se constitui enquanto um trabalho produtivo, segundo a autora, nem se for realizado de forma gratuita, nem se assalariado. Segundo esta autora, ainda que assalariada, a força de trabalho da trabalhadora doméstica atua de forma não capitalista, em uma instituição não capitalista: a família. Assim, a força de trabalho ocupada nas atividades ditas domésticas é imprescindível ao capital por ser um trabalho necessário à autorreprodução da classe trabalhadora, mas, sejam elas desempenhadas de forma gratuita ou assalariada, não são atividades laborais operando nos moldes do processo de valorização do valor.

No que tange às atividades relacionadas à reprodução da força de trabalho realizadas pelas mulheres em suas próprias casas e sem remuneração direta, apesar de necessárias à (re)produção da mercadoria força de trabalho, elas não estão inseridas na produção de mais-valor e, portanto, não podem ser consideradas trabalho produtivo. Ao transformar os alimentos comprados no supermercado, por exemplo, existe a realização de um trabalho vinculado à transformação de determinadas mercadorias para a realização do consumo do seu valor de uso, assim, esse trabalho realizado não pode ser considerado produtivo, uma vez que não está vinculado à produção de mais-valor na esfera produtiva. O trabalho reprodutivo assim realizado é um trabalho gratuito para a classe trabalhadora que reproduz sua servidão à classe capitalista. Portanto, tal como Saffioti (1976Saffioti, H. I. B. (1976). A mulher na sociedade de classes: Mito e realidade (3. ed). Vozes.), afirmamos que o trabalho reprodutivo foi, historicamente, absorvido de forma não produtiva para o capital, mas salientamos que pode vir a ser.

E as atividades envolvidas na (re)produção da mercadoria força de trabalho realizadas de forma assalariada, em lares de terceiros? Como exposto por Saffioti (2001Saffioti, H. I. B. (2001). O poder do macho. Moderna.), a mulher, mesmo quando desempenha uma atividade remunerada na esfera produtiva, continua sendo responsabilizada pelas atividades realizadas na esfera do consumo privado. Algumas acabam por acumular as duas funções (fenômeno que hoje conhecemos como dupla jornada), outras contratam, mediante pagamento de salário, outras mulheres para desempenhar, em seu lar, algumas das atividades envolvidas na (re)produção da mercadoria força de trabalho, o que inclui a própria força da contratante que ainda segue responsável pelo trabalho de gestão da contratada.

Aqui, tal como o jardineiro da citação de Marx, o resultado das mulheres contratadas serve ao consumo da família contratante e não a processo de valorização de algum capital. O simples fato de as atividades reprodutivas serem remuneradas não altera o caráter do trabalho, ele segue sendo não produtivo para o capital. A única diferença colocada pelo assalariamento é que, agora, o resultado do trabalho desenvolvido por esta trabalhadora assalariada entra no custo da reprodução das forças de trabalho que compõem o grupo familiar.

Assim, o trabalho reprodutivo, da forma como historicamente tem se concretizado na reprodução da sociabilidade capitalista, a despeito de ser realizado de forma não assalariada, ou ainda assalariado diretamente por outra trabalhadora por meio da renda, é um trabalho que não se faz produtivo ao capital, uma vez que não produz diretamente mais-valor.

O trabalho reprodutivo é parte de um quantum de trabalho social geral necessário à reprodução societal, no qual o que prepondera é a produção de valores de uso para a satisfação das necessidades dos portadores presentes e futuros da força de trabalho - e, portanto, trabalho reprodutivo na e para a classe trabalhadora. Em resumo: trata-se de um trabalho social necessário à produção e reprodução da força de trabalho no ato do consumo, um trabalho cujo efeito útil compõe o processo de produção e reprodução da força de trabalho. Porém, como qualquer trabalho produtor de valores de uso, ele está passível de ser submetido a um processo de valorização.

A fim de expandir os limites postos à exploração, o capital modifica não apenas as bases produtivas, mas também as relações de produção e de trabalho delas imanentes. E, nesse sentido, podemos verificar nas últimas décadas um movimento de expansão do capital sobre o trabalho reprodutivo, uma mercantilização deste trabalho. Nesse caso, são capitalistas que contratam trabalhadoras para que possam trabalhar em lares de outras famílias, e a compra dessa força de trabalho almeja que a trabalhadora crie um efeito útil no qual esteja incorporado mais valor do que o valor da força de trabalho por ele adquirida. Nesse caso, o trabalho relacionado às atividades envolvidas na (re)produção da mercadoria força de trabalho é explorado diretamente pelo capital, fonte de mais-valor para o capitalista e, por conseguinte, um trabalho produtivo ao capital. O capital vem transformando o trabalho reprodutivo em mais do que um produtor e reprodutor da força de trabalho, isto é, em um trabalho produtor de valor. Após a apresentação do percurso metodológico traçado para apreender os dados necessários à apreensão do real, explicitaremos as implicações desse avanço para a classe trabalhadora e, em especial, para as mulheres desta classe.

Percurso metodológico

Retomamos o objetivo do presente trabalho, qual seja: debater a (im)produtividade do trabalho reprodutivo e potencialidades e limites do processo de expansão do capitalismo sobre esse trabalho para alterar as condições concretas de opressão que se manifestam nas condições de exaustão das mulheres na contemporaneidade.

Para realizar o debate proposto, foram coletados dados secundários que revelam aspectos relacionados à divisão sexual do trabalho no Brasil. Tais dados foram coletados por meio de relatórios disponibilizados pelo IBGE, sendo estes relatórios a PNAD Contínua. Os dados analisados pelo IBGE no relatório da PNAD Contínua, no entanto, revelam dados relativos a trabalhadoras de uma forma geral, e não nos permitem distinguir trabalhadoras assalariadas que prestam serviços no lar diretamente de trabalhadoras que são contratadas por empresas que oferecem esses serviços. Para analisar a expansão do setor econômico de limpeza, portanto, recorremos a outros documentos e relatórios. Buscamos no Cadastro Central de Empresas dados referentes a ‘atividades de limpeza’ conforme a classificação CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas). No Cadastro Central de Empresas, encontramos também a classificação ‘serviços domésticos’, porém todos os dados encontravam-se zerados. Ao entrar em contato com o IBGE, nos foi informado que os dados referentes às empresas de ‘serviços domésticos’ coletados até 2017 - última pesquisa disponível - se encontram compilados no CNAE ‘atividades de limpeza’. Ainda com relação aos dados disponibilizados pelo IBGE, coletamos informações disponíveis na Pesquisa Anual de Serviços acerca do resultado econômico do setor referente aos ‘serviços de limpeza em prédios e domicílios’. Além dos dados disponibilizados pelo IBGE, extraímos dados disponibilizados pela startup Econodata para analisar a quantidade de empresas cadastradas no CNAE ‘atividades de limpeza’ no ano de 2019.

A expansão do setor econômico de limpeza no Brasil é um fenômeno relativamente novo (Sebrae, 2014), e por isso nos deparamos com algumas dificuldades para encontrar relatórios econômicos consolidados acerca deste setor no país. Por isso, além da análise - ainda que limitada - do setor no Brasil, realizada por meio dos dados que foram coletados, buscamos realizar uma análise da expansão deste setor no Reino Unido, onde este setor já se encontra consolidado e em constante expansão (BCC, 2019). Tal análise foi possibilitada pelo relatório The Cleaning and Support Services Industry - Research Report (BCC, 2019), disponibilizado pelo conselho responsável por coordenar análises referentes a assuntos de interesse da indústria da limpeza no Reino Unido, o BCC, através do contato realizado com o BCC via e-mail.

Os dados coletados foram organizados em planilhas Excel e analisados por meio de estatística descritiva, a qual busca organizar, resumir e descrever um conjunto de dados de forma a facilitar sua compreensão. Assim, buscamos descrever e resumir os dados relativos às atividades domésticas e de cuidado realizadas de forma não assalariada ou assalariada por renda no Brasil, a expansão do setor econômico de limpeza, bem como particularidades relacionadas à força de trabalho envolvida no setor nos países em tela. Foi realizada uma análise a partir do materialismo histórico, portanto, buscamos investigar os trabalhos e as trabalhadoras não em sua imediatez singular, mas apreender as contradições que envolvem a absorção do trabalho reprodutivo de forma produtiva ao capital. Reconhecemos a existência de particularidades entre ambas as realidades, porém não descartamos a possibilidade de um movimento do capital mais desenvolvido indicar a tendência de sua expansão em outros locais do globo.

Discussão dos dados: Expansão da exploração capitalista sobre o trabalho reprodutivo: alteração da divisão sexual do trabalho e condições de exaustão das mulheres?

Buscaremos debater neste tópico a expansão capitalista sobre o trabalho reprodutivo, e analisar se a condição de assalariamento e/ou inserção dessas atividades na esfera produtiva têm gerado alterações concretas nas relações de opressão. Para tanto, buscamos dados relacionados à realidade do trabalho reprodutivo realizado de forma não assalariada ou assalariada por renda no Brasil, e também subsumido na produção capitalista.

As atividades reprodutivas realizadas de forma não assalariada ou assalariada por renda no Brasil

O IBGE implantou em 2012 uma pesquisa denominada PNAD Contínua visando a analisar dados referentes à força de trabalho no Brasil que não eram abordados pelas pesquisas realizadas até então. Segundo o IBGE, a pesquisa foi pensada para produzir trimestralmente indicadores sobre a força de trabalho e indicadores anuais sobre temas suplementares permanentes, como ‘outras formas de trabalho’. No entanto, somente a partir de 2016 é que dados relativos ao tempo despendido com cuidados de pessoas e afazeres domésticos passaram a ser compilados.

Os dados na PNAD Contínua de 2019 - última pesquisa publicada - permitem observar que as mulheres são as que realizam em maior parte os ‘afazeres domésticos’, em suas casas ou em casa de parentes, e também as atividades relacionadas ao cuidado de pessoas. Os ‘afazeres domésticos’ incluem as atividades de preparar ou servir os alimentos, arrumar a mesa ou lavar a louça; cuidar da limpeza ou manutenção de roupas e sapatos; fazer pequenos reparos na manutenção do domicílio, do automóvel e dos eletrodomésticos; limpar ou arrumar o domicílio, a garagem, o quintal ou o jardim. Segundo a pesquisa, em 2018, um percentual de 92,2% das mulheres realizava essas atividades; já entre os homens, esse percentual era de 78,2%, uma diferença de 14 pontos percentuais (p.p.). A diferença em relação aos anos anteriores diminuiu entre mulheres e homens que realizam afazeres, sendo que em 2016, a diferença foi de 17,9 p.p. e, em 2017, de 15,3 p.p. Analisando apenas o percentual de mulheres e homens, a diferença não parece ser assim tão destoante, e os dados apontam para uma tendência de redução nesta diferença. No entanto, ao analisarmos as horas que são gastas nessas atividades, os dados revelam que as mulheres despendem em média o dobro de tempo em relação aos homens nessas atividades, a despeito de estarem ou não inseridas em trabalhos remunerados fora do lar. As mulheres que não possuem trabalho remunerado fora do lar despendem em média 23,8 horas semanais em ‘afazeres domésticos’, enquanto os ‘homens não ocupados’ despendem em média 12 horas semanais. Entre as mulheres e homens que possuem trabalho remunerado fora do lar, a diferença se mantém alta, sendo que as mulheres despendem em média 18,5 horas semanais e os homens 10,3 horas semanais.

Dentre as atividades, a única em que o percentual de mulheres que realizam (30,6%) é menor do que o de homens (59,2%) foi a atividade de ‘fazer pequenos reparos ou manutenção do domicílio, automóvel e de eletrodomésticos’. No caso das atividades de preparar ou servir os alimentos, arrumar a mesa ou lavar a louça (mulheres: 97,5%, homens: 69,4%), cuidar da limpeza ou manutenção de roupas e sapatos (mulheres: 93,4%) e limpar ou arrumar o domicílio, a garagem, o quintal ou o jardim (mulheres: 85%, homens: 73,4%), todas possuem um maior percentual de mulheres que realizam do que de homens. Isso demonstra a divisão sexual do trabalho sendo produzida e reproduzida dentro das unidades domésticas. Vale ressaltar que o primeiro espaço de sociabilidade da criança é o doméstico. São os exemplos dos adultos ao seu redor que constituirão o conteúdo-base de suas subjetividades sobre o qual será erigido todo um sistema de sentido comum sobre o mundo.

Além das atividades relacionadas aos ‘afazeres domésticos’, o IBGE traz dados no relatório da PNAD Contínua em relação ao cuidado de crianças, idosos e pessoas enfermas realizado de forma não assalariada. Segundo a pesquisa, em 2018, o percentual de mulheres que realizavam atividades de cuidado de pessoas era de 37%, enquanto o de homens era 26,1%. Outro dado relevante trazido pela pesquisa da PNAD Contínua de 2019 se refere à diferença existente na realização das atividades analisadas entre os homens solteiros que moram sozinhos e aqueles que são casados. Em 2018, atividades como preparar/servir alimentos, limpar louça e arrumar mesa foram realizadas por 92,7% dos homens que moravam sozinhos, mas apenas por 57,1% daqueles que moram com um cônjuge. Atividades relacionadas à limpeza e manutenção de roupas e sapatos foram realizadas por 88,6% dos homens que moram sozinhos e por apenas 49,5% dos homens casados; e, por fim, as atividades relacionadas à limpeza do domicílio foram realizadas em 2018 por 85,7% dos homens solteiros e por 66,8% dos homens casados. Se a realidade do casamento traz uma diminuição de homens que despendem horas nos ‘afazeres domésticos’, em contrapartida, o percentual de mulheres as quais realizam as mesmas atividades é maior dentre as mulheres casadas em comparação às mulheres solteiras, em todas as atividades analisadas. É interessante observar o quanto a instituição casamento pode escamotear uma forma de contratar uma serviçal.

Os dados aqui apresentados já indicam uma discrepância em relação à realização das atividades reprodutivas realizadas por mulheres e homens. No entanto, Jesus et al. (2023Jesus, J. C. D., Turra, C. M., & Wajnman, S. (2023). An empirical method for adjusting time use data in Brazil. Dados, 66(4), e20210093. https://doi.org/10.1590/dados.2023.66.4.289
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) sugerem que tal discrepância é ainda maior. Em uma pesquisa intitulada An empirical method for adjusting time use data in Brazil, as autoras propõem um método para ajustar os dados de uso do tempo da PNAD, com base na relação entre as horas de atendimento direto e indireto de uma população de referência. Colocam que os dados fornecidos pelo relatório são imprecisos, uma vez que a metodologia utilizada para a coleta demanda que as/os respondentes passem por um ‘processo cognitivo’, o que pode gerar interpretações variadas das perguntas feitas. Além disso, os entrevistados precisam estimar o tempo dedicado às tarefas domésticas durante a semana de referência. Nesse ponto, discutem que a estimativa de tempo é sensível ao nível de escolaridade dos entrevistados, e ainda os homens, ao responder, tendem a informar mais horas de trabalho doméstico para si, enquanto as mulheres, ao contrário, podem subestimar e informar até menos tempo do que o efetivamente despendido nas atividades domésticas. Com a aplicação da metodologia sugerida de ajuste dos dados, as autoras demonstram que verificaram aumento do número médio de horas diárias despendidas em serviços domésticos não remunerados, tanto para homens (0,1 hora) como para mulheres (0,5 hora) com 15 anos ou mais, o que sugere que as mulheres despendem ainda mais tempo nas atividades reprodutivas do que os dados apresentados já nos colocavam.

Mesmo com as limitações apresentadas por Jesus et al. (2023Jesus, J. C. D., Turra, C. M., & Wajnman, S. (2023). An empirical method for adjusting time use data in Brazil. Dados, 66(4), e20210093. https://doi.org/10.1590/dados.2023.66.4.289
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), os dados referentes às atividades relacionadas aos ‘afazeres domésticos’ e ‘cuidado de pessoas’ de forma não assalariada no Brasil, atividades estas que estão relacionadas ao trabalho reprodutivo, nos permitem discutir dois aspectos: (1) a maneira com que reforçam as discussões acerca da divisão sexual do trabalho e a diferenciação das atividades as quais ‘devem’ ser realizadas por mulheres e homens no capitalismo, realizadas por diversas autoras feministas, como Saffioti (2001Saffioti, H. I. B. (2001). O poder do macho. Moderna.), Montenegro (1981Montenegro, A. (1981). Ser ou não ser feminista. Cadernos Guararapes.), Hirata e Kergoat (2007Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005
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) e Kergoat (2009); e (2) a responsabilização das mulheres em realizar atividades de reprodução da força de trabalho mesmo quando inseridas na esfera de produção e/ou realização do valor, conforme problematizado por Saffioti (2001), uma vez que vimos que as horas despendidas nestas atividades são maiores dentre as mulheres em comparação aos homens. Nesse sentido, vemos como a responsabilização pelas atividades reprodutivas impostas à mulher no capitalismo, relacionada à particularidade assumida pelo processo de opressão engendrado a um processo de exploração (Souza et al., 2021Souza, M. D., Ferraz, D. L. S., & Ferraz, J. M. (2021). As mulheres conforme a administração: Uma ciência para a manutenção da opressão e da exploração?. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 20(3), 509-534. https://doi.org/10.21529/RECADM.2021018
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), incorre em criar as condições concretas para desencadear o processo de exaustão das mulheres. Se trabalhar é despender energia que necessita ser reposta, no capitalismo, este gasto é expresso como desgaste da força de trabalho que, por sua vez, é reproduzida na esfera do consumo individual. Tal (re)produção, como vimos, também demanda de um trabalho, demanda assim dispêndio de mais energia. Assim, em geral às mulheres é imposto um dispêndio de energia significantemente maior, uma vez que o trabalho reprodutivo é produzido enquanto responsabilidade delas, a despeito de essas mulheres e homens realizarem um trabalho remunerado fora do lar.

O relatório da PNAD Contínua também nos permite analisar dados relacionados às atividades domésticas concernentes à reprodução da força de trabalho de forma assalariada por renda. Segundo o relatório divulgado pelo IBGE em janeiro de 2019, a população ocupada no ‘emprego doméstico’ em 2012 era de cerca de 6,1 milhões (9,8% da população ocupada total) e atingiu seu menor contingente em 2014, quando esse número decresceu para cerca de 5,97 milhões (9,3% da população ocupada total). Em 2018, esse contingente atingiu 6,2 milhões de trabalhadoras, 10,1% da população ocupada total.

Ao que se refere às particularidades de gênero e raça, segundo os dados do PNAD em 2018, a população total empregada no trabalho doméstico era de cerca de 6,2 milhões, sendo que 92% eram mulheres e 63% mulheres negras. Da população total, 6,6% eram empregadas no trabalho doméstico, sendo que, se for considerada a população masculina, 1% era empregada no trabalho doméstico; já na população feminina, o percentual de mulheres empregadas no trabalho doméstico era de 14,6%. Dentre os homens, 0,9% dos brancos e 1% dos homens negros eram empregados no trabalho doméstico. Já entre as mulheres, o percentual de brancas era de 10% e o de negras era 18,6%. A força de trabalho empregada no trabalho doméstico no Brasil é, majoritariamente, feminina e negra.

Em relação à remuneração, os dados do IBGE revelam que em 2018 a remuneração média no trabalho doméstico era de R$ 888, sendo que a média entre as trabalhadoras com carteira assinada era de R$ 1.245, enquanto a média entre as trabalhadoras sem carteira assinada era de R$ 740. Em um primeiro momento, analisando os dados relativos ao período de 2012 a 2018, considerando-se todas as trabalhadoras domésticas, a remuneração média teve um aumento de 10%, passando de R$ 804 em 2012 para R$ 840 em 2018; considerando-se as trabalhadoras com carteira assinada, o aumento foi de 13%, passando de R$ 1.099 para R$ 1.245; e entre as trabalhadoras sem carteira assinada, o aumento foi de 11%, passando de R$ 669 para R$ 740. No entanto, ao realizar a deflação por meio do INPC para analisar os ganhos reais de remuneração no período analisado, percebemos que, considerando todas as trabalhadoras domésticas e as trabalhadoras sem carteira assinada, a remuneração média sofreu uma perda de 21%; para as trabalhadoras com carteira assinada, a perda foi de 19%. Ainda, segundo os dados fornecidos pela PNAD Contínua, a remuneração média verificada no trabalho doméstico é a mais baixa dentre todos os grupos de atividades analisados pelo IBGE, tanto no setor privado quanto no público. A remuneração média no trabalho doméstico foi, em 2018, 54% abaixo da média de remuneração dos trabalhos no setor privado e 75% abaixo da média de remuneração dos trabalhadores do setor público. Os preços baixos desta força de trabalho estão relacionados ao próprio baixo valor da força de trabalho envolvida nas atividades de reprodução da força de trabalho, uma vez que, por um lado, é uma força de trabalho a qual não demanda muito tempo de trabalho envolvido em formação e especialização e, por outro lado, os aspectos históricos de opressão vivenciados no processo de consolidação do capitalismo, ao se imporem às relações de produção escravocratas, permitem um rebaixamento ainda maior do valor dessa força de trabalho que, em geral - não por habilidades naturais, mas por uma produção histórica e social -, é empregada no setor - mulheres e negras.

Assim, essas atividades que garantem a reprodução da força de trabalho de um estrato da classe trabalhadora, quando remunerada, ainda repõem o lugar da mulher negra engendrado em outra forma de produção, mas de que o capital soube se apropriar segundo suas necessidades. É evidente que não se trata de repor o trabalho escravo, mas de jogar na condição de trabalhadoras assalariadas um grupo étnico cujas condições precárias de vida das gerações passadas marcam as gerações futuras engendrando um limite moral mínimo de necessidades de autorreprodução deste mesmo grupo. Isso atua no rebaixamento geral dos salários, sendo um mecanismo que atua como alavanca para o processo de valorização do valor, ainda que tais trabalhadoras não atuem como trabalhadoras produtivas para o capital.

No entanto, como discutimos, além desses aspectos apresentados até o momento, o capital vem transformando o trabalho reprodutivo em mais do que um produtor e reprodutor da força de trabalho, isto é, em um trabalho produtor de valor. O que nos cabe discutir aqui é: essa apropriação produtiva cria condições concretas de alteração na realidade de opressão às mulheres - e dentre suas distintas manifestações, a divisão sexual do trabalho - que produz as condições de exaustão das mulheres na contemporaneidade?

A indústria da limpeza no Brasil e no mundo

Segundo o Sebrae (2014), o segmento de prestação de serviços de limpeza e conservação é relativamente novo no Brasil, iniciado há cerca de 30 anos. No entanto, em outros lugares do mundo, verifica-se a consolidação desse segmento há mais tempo, por exemplo, nos Estados Unidos (Franchise Help, 2018) e nos países do Reino Unido (BCC, 2019). Ainda, no Brasil e no mundo, o setor de serviços de limpeza é considerado uma das atividades com maior potencial de crescimento (BCC, 2019; Sebrae, 2014).

O setor de limpeza e de serviços domésticos tem realmente crescido no Brasil, o que pode ser observado pela abertura de diversas empresas e franquias em todo o país como a Doutor Resolve Serviços de Diaristas, rede de franquias criada pelo empresário David Pinto e lançada em maio de 2013. O serviço é solicitado pela contratante à franquia, a qual é 100% responsável pela contratação da trabalhadora ou do trabalhador (Sebrae, 2014).

Um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Franchising (ABF) em 2014, que analisou os negócios que exigem um investimento inicial de até R$ 80 mil, apontou que entre aqueles que mais abriram franquias no país, dois eram empresas do segmento de limpeza, que ficaram entre as cinco primeiras, a rede Mr. Limp (2º lugar), com 187 novas unidades, e a House Shine, com 161 unidades (5º lugar) (Sebrae, 2014).

Dados divulgados pelo IBGE confirmam os indicativos de crescimento do setor de limpeza no Brasil e nos permitem observar aspectos da expansão do capital sobre o trabalho de limpeza. Conforme Figura 1, no que se refere à quantidade de empresas, segundo o Cadastro Nacional de Empresas (IBGE, 2017a), em 2017 a quantidade de empresas relacionadas a ‘atividades de limpeza’3 3 . Compreende atividades de limpeza em prédios e domicílios e também outras atividades de limpeza específicas de maquinaria como incineradores, caldeiras, dutos de ventilação, de refrigeração de ar e interior de tanques marítimos, além de serviços de imunização e de controle de pragas urbanas. era de 15.991, sendo que destas, 9.486 eram especificamente relacionadas à ‘limpeza em prédios e domicílios’.4 4 . Compreende as atividades de limpeza em geral realizadas em prédios de qualquer tipo (residencial e comercial) e em residências. Conforme os dados, é possível perceber uma tendência de crescimento, sendo que entre 2007 e 2017 houve um aumento de 69% de empresas relacionadas a ‘atividades de limpeza’ e de 54% de empresas relacionadas especificamente à ‘limpeza em prédios e domicílios’.

Figura 1
Quantidade de empresas de limpeza no Brasil.

Segundo dados da startup Econodata (2019), no ano de 2019, a quantidade de empresas de ‘atividades de limpeza’ passa a atingir 45.334, sendo 23.830 destas relacionadas à ‘limpeza em prédios e domicílios’. Ou seja, entre os anos de 2017 e 2019, houve um crescimento de 183% na quantidade de empresas relacionadas a atividades de limpeza e de 151% na quantidade de empresas de limpeza especificamente em prédios e domicílios. A concentração de empresas é expressivamente maior na Região Sudeste (50%), sendo São Paulo o estado que conta com a maior quantidade de empresas de ‘limpeza em prédios e domicílios’ (6.583). Ao analisar o PIB pelos dados fornecidos pelo IBGE, em 2017, vemos que a região Sudeste representa 53% do total do PIB do Brasil e que, considerada a Região Sudeste, a cidade de São Paulo representa 61% do PIB da região.

Os dados do Cadastro Central de Empresas (IBGE, 2017a) também nos informam acerca das pessoas empregadas pelo setor de serviços de limpeza no Brasil. Temos que em 2017 a quantidade de pessoas assalariadas pelo setor era de cerca de 805.301, sendo que 87% eram empregadas pelo setor específico de ‘limpeza em prédios e domicílios’. Houve um crescimento entre 2007 e 2017 de 16% no setor de limpeza em geral e um crescimento de 5% em relação ao setor específico de limpeza em prédios e domicílios. É interessante observar que o pessoal ocupado assalariado total enfrentou uma queda de 9% entre os anos de 2014 e 2017, apesar de o número de empresas ter crescido 7%, fator que pode estar relacionado a diversos aspectos como o aumento da produtividade do trabalho ou até mesmo o crescimento da informalidade no trabalho doméstico, uma vez que os dados expressam o pessoal ocupado assalariado registrado pelas empresas.

Em relação ao resultado financeiro, foi possível analisar dados relativos à receita bruta relacionada aos ‘serviços de limpeza de prédios e domicílios’, os quais se encontram disponíveis na Pesquisa Anual de Serviços realizada pelo IBGE (2017b). O faturamento (receita bruta) do setor apresentou um crescimento nominal de 206% entre os anos da pesquisa (2007 a 2017), sendo o faturamento nominal de 2017 cerca de R$ 31,7 bilhões. Analisando os dados deflacionados, vemos que mesmo o faturamento real - descontada a inflação - apresentou um crescimento significativo (70%) entre os anos de pesquisa, sendo que o setor de serviços em geral apresentou um crescimento de 77% no mesmo período.

É interessante observar que, conforme Figura 2, no ano de 2014, ano seguinte à instituição da PEC das domésticas, houve um pico de aumento no faturamento nominal (18%) e no faturamento real (11%) em relação ao ano anterior, seguindo as tendências propostas pelo Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Rio de Janeiro (SEAC-RJ) divulgadas pelo Sebrae (2014). O crescimento do faturamento no ano de 2014 em relação ao ano de 2013 foi acima da média do setor de serviços, o qual apresentou um aumento nominal de 13% e real de 11% e, ainda, maior do que o crescimento do PIB de serviços (crescimento de 5%) e do PIB total (crescimento de 4%).

Tabela 1
Pessoas ocupadas no setor de limpeza no Brasil (2006-2017).

Figura 2
Receita de serviços de limpeza em prédios e domicílios.

O aumento da busca pelos serviços domésticos prestados por empresas é relacionado à PEC das domésticas, uma vez que esta institui direitos às trabalhadoras, como a redução de jornada de trabalho, pagamento de hora extra, adicional noturno e recolhimento de FGTS obrigatório. Segundo o Sebrae, ao contratar o serviço por meio de uma empresa, o empregador fica dispensado de pagar os encargos sociais e trabalhistas na realização do serviço. Além disso, o diretor de gestão da Febrac, José Carlos Barbosa Lopes, além de ‘se livrar do risco’ de arcar com um custo de aviso prévio, rescisão contratual e outros direitos - básicos de qualquer trabalhadora -, a contratação de trabalhadoras domésticas intermediada por uma empresa livra a contratante de um possível ‘constrangimento’ ocasionado por uma vontade de substituição dessa força de trabalho, caso não se adapte à pessoa indicada pelo trabalho.

Como vimos, o número de empresas do setor de ‘limpeza em prédios e domicílios’ aumentou em 54% no período de pesquisa e o contingente de trabalhadoras aumentou apenas 5%, enquanto o faturamento apresentou um crescimento nominal de 206% e real de 70%, o que sugere que o crescimento no faturamento entre os anos de 2007 e 2017 se deu não apenas por um crescimento do setor, mas por uma intensificação na produtividade do trabalho. Ao analisar a relação entre o faturamento real e a quantidade de trabalhadoras, podemos ver que a taxa de produtividade no setor cresceu 161% entre 2007 e 2017. Observamos ainda o quão alta se revela a produtividade no setor, sendo que, em 2017, esta taxa era de cerca de 2502%, considerando o faturamento já com o desconto da inflação.

No Brasil, os trabalhos relacionados à limpeza e cuidado têm sido apropriados de forma produtiva ao capital recentemente. Tal exploração tardia encontra raízes em duas singularidades do capitalismo brasileiro decorrentes do modelo escravocrata que o antecedeu: (a) a inserção da mulher negra no trabalho assalariado via permanência em atividades domésticas devido aos obstáculos colocados ao povo negro para a inserção no mercado de trabalho capitalista (Fernandes, 2021Fernandes, F. (2021). A integração do negro na sociedade de classes. Editora Contracorrente.); e (b) o baixo valor da força de trabalho ocupada em atividades reprodutivas domésticas - decorrente de seu desenvolvimento ter ocorrido na continuidade da relação social escravocrata, ainda que sobre a ruptura da relação econômica produtiva escravagista - salvaguardava os empregadores de maiores investimentos individuais, de modo que o custo social dessa atividade não demanda de sua concentração sob exploração capitalista - o que muda com a aprovação da PEC das domésticas, que, como mencionado, ao instituir direitos que desencadeiam o aumento desses custos, incentiva a contratação desses trabalhos intermediados pelas empresas.

No entanto, a expansão capitalista para esse setor da limpeza se mostra mais consolidada em outros países que não são marcados por tais idiossincrasias do capitalismo brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, o setor de limpeza já contava com aproximadamente 850.000 empresas, as quais empregavam aproximadamente 3,5 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, segundo pesquisa realizada pelo site Franchise Help em 2018. Segundo a Allied Market Research, a América do Norte possui o maior mercado de serviços de limpeza do mundo, sendo os EUA o país que indicou uma maior penetração dos serviços de limpeza na região. A previsão é a de que a indústria de serviços de limpeza na região continue crescendo nos próximos anos.

Nos países do Reino Unido, a indústria da limpeza já é um setor consolidado e em constante expansão, contando, desde 1982, com um conselho responsável por coordenar análises referentes a assuntos de interesse da indústria da limpeza, o British Cleaning Council. Por meio de um relatório fornecido pelo próprio BCC, realizado em 2019, foi possível analisar a indústria da limpeza e seu desenvolvimento nos países do Reino Unido.

A indústria da limpeza5 5 . Utilizamos, no decorrer da análise, os termos “indústria da limpeza” e “subindústria” para manter os termos utilizados no relatório do BCC (2019). analisada pelo BCC é composta por quatro subindústrias, quais sejam: atividades de limpeza, gestão de instalação, atividades de serviços paisagísticos e indústria de gerenciamento de resíduos e recursos. Segundo o BCC (2019), considerando-se toda a indústria da limpeza, esta contribuiu com cerca de £49,9 bilhões para a economia do Reino Unido em 2016. Em termos de quantidades de empreendimentos, a indústria da limpeza vem crescendo todos os anos, passando de uma quantidade de 45.970 em 2010 para 63.490 em 2018, ou seja, um aumento de 39%. Existem diferenças significativas entre os países e regiões. Na Inglaterra, a quantidade de empreendimentos aumentou em 42%, sendo em Londres o aumento de 73% entre 2010 e 2018. Na Escócia, o aumento foi de 28% e, em Wales, foi de 10%; já na Irlanda do Norte, a quantidade de empreendimentos diminuiu em 3% entre 2010 e 2018.

A subindústria de ‘atividades de limpeza’, a qual engloba as atividades de limpeza em residências e serviços domésticos, conta com um terço (33%) da quantidade total de empreendimentos da indústria da limpeza, ou seja, 21.120 negócios em 2018. Entre 2010 e 2018, o aumento na quantidade de empreendimentos foi de 50%, passando de 14.070 negócios em 2010 para 21.120 em 2018. Em 2016, a subindústria contribuiu com cerca de £7,8 bilhões para a economia do Reino Unido e 2.770 negócios foram abertos no mesmo ano.

As previsões apresentadas pelo BCC (2019) são de que a indústria da limpeza continue crescendo nos próximos anos. Até o ano de 2024, a expectativa é que sejam abertos 529.000 postos de trabalho, sendo 93.000 em função de um crescimento esperado para o setor e 436.000 para substituir trabalhadoras as quais deixaram o mercado de trabalho, por motivos provisórios ou permanentes.

No que se refere à quantidade de pessoas empregadas no setor, no ano de 2018 eram 914.000 trabalhadoras(es), sendo que Londres e o sudeste da Inglaterra contam com as maiores quantidades de trabalhadoras, 16% e 15%, respectivamente. Já Wales e Irlanda do Norte contam com a menor proporção de trabalhadoras, 3% e 1%, respectivamente. A quantidade de pessoas empregadas na subindústria de ‘atividades de limpeza’ é de 422.000 trabalhadoras, ou seja, 46% do total de pessoas empregadas da indústria. Destas 422.000 trabalhadoras, 62% estão ocupadas em atividades de limpeza operacional e são trabalhadoras domésticas.

Veremos algumas particularidades desta força de trabalho empregada no setor de limpeza no Brasil e no Reino Unido.

Algumas particularidades da força de trabalho empregada no setor de limpeza

O setor de limpeza no Brasil vem crescendo nos últimos anos e, em 2017, já empregava cerca de 805 mil trabalhadoras. Segundo dados do IBGE (2017a) - Figura 3 - entre 2009 e 2017 temos que o setor de limpeza emprega um percentual maior de mulheres, sendo que, em 2017, 58% dos trabalhadores eram mulheres e 42% eram homens. Ao analisar essa proporção nos demais setores, a relação se inverte, e, em todos os anos, o percentual de homens trabalhadores foi maior que o de mulheres, sendo que, em 2017, considerados todos os setores, 45% dos trabalhadores eram mulheres e 55% homens.

Figura 3
Mulheres e homens ocupadas(os) no setor de limpeza e demais setores.

O percentual de trabalhadoras que possuem nível superior no setor de limpeza é historicamente muito baixo, sendo que, em 2019, apenas 4% das trabalhadoras o possuíam contra um percentual de 23% se considerados todos os setores (Figura 4). Além disso, enquanto em todos os setores esse percentual teve um aumento de 7% entre 2009 e 2019, o setor de limpeza se manteve praticamente constante (aumento de 2%).

Figura 4
Nível de instrução de trabalhadoras e trabalhadores do setor de limpeza.

Conforme Figura 5, no que se refere à remuneração, segundo o IBGE (2017a), o salário médio mensal tanto de homens como de mulheres no setor de limpeza é inferior se comparado a todos os setores. Considerando os trabalhadores do sexo masculino, os trabalhadores do setor de limpeza receberam entre 2009 e 2017 em média 53% a menos que os trabalhadores dos setores em geral. As trabalhadoras do sexo feminino as quais trabalham no setor de limpeza receberam em média 54% a menos que as trabalhadoras dos demais setores. Esses dados confirmam a baixa remuneração da força de trabalho envolvida neste setor de ambos os sexos.

Figura 5
Salário médio mensal das trabalhadoras e trabalhadores do setor de limpeza e demais setores.

Analisando as diferenças salariais entre os diferentes níveis de escolaridade demonstradas na Figura 6, considerando-se todos os setores, temos que trabalhadoras e trabalhadores que não possuem nível superior historicamente recebem em média 68% a menos do que aquelas/aqueles que possuem tal grau de escolaridade; já no setor de limpeza, trabalhadoras e trabalhadores que não possuem nível superior recebem em média 62% a menos do aquelas/aqueles que o possuem. Se compararmos o salário médio mensal de trabalhadoras sem nível superior no setor de limpeza com o salário médio mensal de trabalhadoras com nível superior nos demais setores, temos que estas últimas recebem 80% a mais.

Figura 6
Salário médio mensal de trabalhadoras e trabalhadores da limpeza e demais setores por nível de escolaridade.

Levando em conta as trabalhadoras e trabalhadores que possuem nível superior, o salário médio mensal no setor de limpeza é historicamente 49% menor que nos setores em geral, já as trabalhadoras e trabalhadores sem nível superior no setor de limpeza recebem historicamente 39% a menos do que nos setores em geral. O comportamento histórico da média de remuneração no período analisado sofreu uma queda no geral, excetuando as trabalhadoras sem nível superior no setor de limpeza, cujo índice se manteve constante ao longo do tempo.

Se pensarmos que o salário pode variar por diversas causas, sendo uma delas a qualificação da força de trabalho, podemos pensar que as diferenças de salário encontradas entre o setor de limpeza e em todos os setores condizem com as diferenças de nível de escolaridade. No entanto, mesmo entre trabalhadoras que possuem mesmo nível de escolaridade, os salários no setor da limpeza se mostram bem abaixo daqueles encontrados em outros setores. O que poderia explicar esse fenômeno? O valor da força de trabalho é determinado pelo valor das mercadorias indispensáveis para que o ser humano possa reproduzir a sua capacidade de trabalho enquanto força de trabalho (Marx, 2013Marx, K. (2013). O capital: Crítica da economia política. O processo de produção do capital (R. Enderle, trans.). Boitempo.) e, em última instância, não enquanto ser humano; tais necessidades são históricas e sociais. Nesse sentido, para atender ao capital, as necessidades não apenas de treinamento, mas de alimentação, vestimenta e moradia não são as mesmas para trabalhadoras da limpeza e gestoras de um banco, por exemplo, assim como também não são idênticas entre gestoras de diferentes setores econômicos em decorrência das complexidades de planejamento, direção, comando e controle decorrentes das especificidades setoriais. Sendo a quantidade de trabalho socialmente necessária para a produção desses meios de subsistência distinta, consequentemente, o próprio valor da força de trabalho dessas trabalhadoras também o é. Ainda, o preço do trabalho (expresso no salário) é expressão do valor da força de trabalho e pode se elevar ou cair abaixo do valor, influenciado por questões morais, históricas e até mesmo por estratégias do capital (Marx, 1978).

Podemos ver que a força de trabalho empregada no setor de limpeza no Brasil possui em geral um baixo nível de escolaridade e uma remuneração abaixo dos demais setores, mesmo se consideradas as trabalhadoras que possuem o mesmo nível de formação. O que temos é uma força de trabalho, em sua maioria, de mulheres, intensamente exploradas pelo capital. Seria essa realidade uma particularidade do Brasil?

Analisaremos agora as particularidades no Reino Unido, onde a indústria da limpeza já empregava em 2018 cerca de 914 mil trabalhadoras, conforme visto.

Segundo o BCC (2019), a maior parte das pessoas empregadas na indústria da limpeza se encontrava ocupada em ocupações elementares, ou seja, em trabalhos operacionais os quais exigem pouca qualificação. Ao comparar a indústria da limpeza aos demais setores do Reino Unido, vemos que, enquanto na indústria da limpeza 44% da força de trabalho é empregada em atividades operacionais, nos demais setores esse percentual é de apenas 11%. As previsões realizadas para até o ano de 2024 são que esse cenário não tenha mudanças significativas. De todos os 529.000 postos de trabalho abertos esperados pela indústria, 50% são em ocupações elementares.

Ao analisar as 10 ocupações que mais absorvem força de trabalho na indústria, temos cleaners and domestics (limpadoras e domésticas) ocupando a primeira posição, sendo 260.000 pessoas empregadas, 31% de toda a força de trabalho absorvida pelo setor. Além disso, as categorias cleaning and housekeeping managers and supervisors (limpadores e gerentes e supervisores de limpeza) e window cleaners (limpadores de janelas) empregam 29.700 e 28.400, ocupando a terceira e quarta posição, respectivamente, o que nos possibilita discutir a grande quantidade de força de trabalho envolvida em atividades domésticas e de limpeza absorvida de forma produtiva ao capital no Reino Unido.

No que se refere à divisão por gênero, o relatório do BCC (2019) também nos traz dados interessantes. Ao se comparar a indústria de limpeza em geral aos demais setores da sociedade, a indústria da limpeza absorve menos força de trabalho de mulheres do que os demais setores, 45% e 47%, respectivamente. No entanto, ao analisar as subindústrias, a única que absorve uma maior parcela de força de trabalho feminina em relação à masculina é a subindústria ‘atividades de limpeza’, 64%.

A proporção de mulheres e homens empregados também varia bastante em relação ao tipo de trabalho. Ao analisarmos a proporção relativa às atividades operacionais, ou seja, atividades que exigem baixa qualificação, a proporção de mulheres é maior na indústria da limpeza (59%) se comparada aos demais setores (46%). É interessante também observar como se manifesta a divisão sexual do trabalho. As ocupações as quais apresentam uma proporção maior de mulheres são atividades vistas como tipicamente femininas, como atividades administrativas, secretariais e de relacionamento. Por outro lado, atividades de direção e gestão e operação de máquinas possuem uma proporção maior de homens. Além disso, segundo o BCC (2019), as proporções entre mulheres e homens possuem variações significativas de acordo as distintas ocupações específicas, sendo que entre as pessoas que trabalham com cleaning operatives and domestic workers (trabalhadoras da limpeza e trabalhadoras domésticas), 81% são mulheres.

Ao analisar o perfil das ocupações e a absorção de força de trabalho na indústria da limpeza, vimos que 44% são absorvidas por atividades operacionais, as quais em geral exigem pouca qualificação. Por meio da análise do nível de qualificação da força de trabalho do setor, podemos ver que este realmente é baixo se comparado com os demais setores do Reino Unido. Por um lado, enquanto na indústria da limpeza 14% da força de trabalho não possui nenhuma qualificação, nos demais setores esse percentual é de apenas 5%. Por outro lado, na indústria da limpeza, 22% das trabalhadoras possuem um nível alto de qualificação comparado a 44% das trabalhadoras dos demais setores. Na subindústria ‘atividades de limpeza’, o nível de qualificação é o mais baixo de toda a indústria da limpeza, sendo que 55% estão abaixo no nível 2, ou seja, possuem pouquíssima ou nenhuma qualificação e apenas 15% possuem um nível alto de qualificação.

O relatório disponibilizado pelo BCC (2019) também fornece dados em relação à proporção de imigrantes e nativos que trabalham no setor, uma vez que o Reino Unido, em especial a Inglaterra, recebe um alto número de pessoas em busca de oportunidades de melhores condições de vida e trabalho, inclusive brasileiras e brasileiros. Segundo o relatório, em toda a indústria da limpeza, o percentual de trabalhadoras imigrantes é de 19%, enquanto nos demais setores é de 17%. Esse percentual varia de acordo com as subindústrias. Na subindústria de ‘atividades de limpeza’, o percentual de trabalhadoras imigrantes é o maior de toda a indústria, chegando a 28%.

É interessante destacar que, segundo o relatório do BCC (2019), dentre os motivos pelos quais os imigrantes encontram mais espaço na indústria da limpeza do que nos demais setores, está o de que existem poucos requisitos e qualificações exigidos pelo setor, além de que as ‘qualificações domésticas’ ou as atividades domésticas não são valorizadas no Reino Unido, o que nos permite questionar o debate de intelectuais que defendem que a ‘desvalorização’ das atividades domésticas decorre de estas não serem atividades produtoras de valor.

A análise acerca da média salarial das trabalhadoras também nos permite discutir sobre a precarização do trabalho na indústria da limpeza, em especial na subindústria ‘atividades de limpeza’. Segundo dados levantados pelo BCC (2019), a média salarial (hora) na Indústria da Limpeza em 2018 era 23,6% menor que a média dos demais setores. A subindústria ‘atividades de limpeza’ conta com a menor média salarial de toda a indústria (17% menor que a média da indústria), sendo 36,7% menor que a média dos demais setores do Reino Unido.

Ainda, dentro das próprias subindústrias, as médias salariais podem variar por diversos fatores, sendo um deles a atividade específica executada. De acordo com o relatório da BCC (2019), as atividades de limpeza operacional e serviços domésticos são as mais mal pagas de toda a indústria, uma média de £8,42 por hora, podendo variar entre £7,80 e £11,09, com uma média de jornada de trabalho de 37,5 horas semanais. Outro ponto interessante de se analisar é que, comparando os anos de 2017 e 2018, a indústria da limpeza apresentou um aumento - apesar de 26% abaixo dos demais setores - de 2% na média salarial. No entanto, a subindústria de ‘atividades de limpeza’ apresentou uma queda na média salarial de 4,8%, passando de £9,57 para £9,11.

Os dados demonstram que, se por um lado a indústria da limpeza em outros países do mundo se encontra mais consolidada, por outro lado a realidade da força de trabalho empregada possui diversos pontos em comum. Tanto no Brasil quanto nos países do Reino Unido, a maior parte da força de trabalho envolvida no setor de atividades de limpeza é composta por mulheres. Além disso, verifica-se um baixo nível de escolaridade e qualificação, e médias salariais bem abaixo das médias dos demais setores do mercado. Nos países do Reino Unido, também foi possível verificar uma quantidade maior de trabalhadoras imigrantes no setor; consideramos que a condição de vulnerabilidade da imigrante é que impõe a ela a submissão a trabalhos precários e mais mal pagos. Condição análoga à vulnerabilidade ainda vivenciada pela população negra no Brasil decorrente da particularidade de sua inserção no mundo do trabalho assalariado imposto pelo desenvolvimento capitalista brasileiro. Nos dados do Brasil não conseguimos informações de recorte racial exclusivamente da parcela da força de trabalho empregada no setor produtivo de limpeza, mas das pessoas empregadas no trabalho doméstico, 92% são mulheres e, destas, 65% são negras (IBGE, 2021). Podemos perceber que, mesmo quando absorvido de forma produtiva, o trabalho doméstico recai sobre os ombros das mulheres trabalhadoras - no Brasil, das mulheres negras; no Reino Unido, das mulheres imigrantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos neste texto debater a (im)produtividade do trabalho reprodutivo e potencialidades e limites do processo de expansão do capitalismo sobre esse trabalho para alterar as condições concretas de opressão que se manifestam nas condições de exaustão das mulheres na contemporaneidade.

Demonstramos que não é a natureza do trabalho que o define enquanto produtivo ou improdutivo, mas a forma como este é apropriado no processo de produção capitalista. No capitalismo, historicamente o trabalho envolvido na reprodução da força de trabalho tem sido realizado de forma não produtiva ao capital, no entanto, conforme o capital se expande, ele tem se apropriado produtivamente até mesmo das atividades consideradas mais elementares relacionadas à reprodução da força de trabalho, como as atividades de limpeza.

Vimos que tais atividades, quando efetivadas de forma gratuita, recaem, de forma mais intensa, sobre as costas das mulheres da classe trabalhadora. No caso desse trabalho, quando passa a ser remunerado - por renda ou por um capital -, segue-se empregando majoritariamente mulheres, e com baixa remuneração. Muitos são os fatores responsáveis pela determinação do valor da força de trabalho dessas mulheres. O determinante é a qualidade da força de trabalho que vendem - de baixa especialização - e a condição herdada conforme a própria expansão mundial do capital: descendentes de povos escravizados e imigrantes.

A condição de gratuidade do trabalho reprodutivo operado no âmbito familiar e garantido pelo casamento (formalizado ou não) e o baixo valor da força de trabalho empregada nesse setor, este oportunizado pelas condições concretas de reprodução dessa força de trabalho, constituem a materialidade da qual emerge o imaginário de ‘inferioridade’ do trabalho doméstico. Destarte, não é o julgamento moral de inferioridade do trabalho doméstico que coloca as mulheres (e negras e imigrantes) em uma situação de exploração-opressão, mas as demandas das qualidades das capacidades físico-psíquicas laborativas necessárias à efetivação desse trabalho que cria, no âmbito do trabalho reprodutivo da classe trabalhadora, o repor da opressão à mulher e, no âmbito da submissão desse trabalho ao processo de valorização, a exploração capitalista. Assim, a inserção do trabalho reprodutivo na esfera da produção capitalista não é suficiente para uma alteração do imaginário social do trabalho reprodutivo enquanto um trabalho menos importante. Isso porque, além das questões já discutidas em relação ao baixo valor da força de trabalho envolvida nas atividades relacionadas ao trabalho reprodutivo, o capital se utiliza da questão moral e das opressões postas para pagar ainda menos e explorar ainda mais esta força de trabalho. Afinal, a análise dos dados relativos ao setor de limpeza no Brasil e no Reino Unido nos permitiu discutir que se, na aparência, a expansão desse setor pode significar o desejado reconhecimento desse trabalho (em sua maioria realizado por mulheres) por se tornar produtivo para o capital, em essência revela uma força de trabalho explorada intensamente pelo capital.

Se trabalhar é despender energia que necessita ser reposta, no capitalismo, este gasto é expresso como desgaste da força de trabalho que, por sua vez, é reproduzida na esfera do consumo individual, então encontramos a base concreta sobre a qual se desenvolve o desgaste da mulher enquanto exaustão. O processo de exploração da força de trabalho da mulher efetivado produtiva ou improdutivamente para o capital impõe a ela um desgaste de energia físico-psíquica que não encontra condições concretas de reposição, posto que, pelas inúmeras mediações de opressão, a efetivação do trabalho reprodutivo impinge à mulher uma continuidade no gasto de energia decorrente da natureza do trabalho voltado à reprodução da força de trabalho da e na família.

Assim, demonstramos que, ao invés de ocorrer uma alteração da relação de divisão sexual do trabalho, tal como almejava Federici (2019Federici, S. (2019). O ponto zero da revolução. Editora Elefante.), ou uma valorização econômica e moral, tal como defende Hirata e Guimarães (2012Hirata, H., & Guimarães, N. A. (2012). Cuidado e cuidadoras: As várias faces do trabalho do care. Atlas.) e Hirata (2023), o capital vem se apropriando do trabalho reprodutivo para a sua autovalorização e expansão do sistema capitalista. Ou seja, ao invés de a transmutação do trabalho reprodutivo a trabalho produtivo ser um avanço para a emancipação das mulheres, tem sido fonte de ampliação das possibilidades de exploração de sua força de trabalho e de sua exaustão.

Nesse ínterim, colocamos enquanto agenda de pesquisa a necessidade de avançarmos na crítica radical à divisão sexual do trabalho subsumida ao processo de valorização do valor e a sociabilidade do capital para superar tanto a aparência de que a desigualdade entre mulheres e homens está determinada pela obrigação de as mulheres efetuarem o trabalho reprodutivo e pela desmoralização deste trabalho como para superar a insígnia de que a apropriação produtiva do trabalho reprodutivo pelo capital seria suficiente para a superação das condições concretas de opressão que engendram a exaustão das mulheres na contemporaneidade.

Por fim, ao concluirmos este texto, não podemos deixar de assinalar que também estamos exaustas, como todas as mulheres trabalhadoras - ainda que para cada estrato da classe a exaustão tome contornos específicos; tais contingências não invalidam a concretude da exaustão -, mas seguras de que estamos trabalhando para produzir um conhecimento que colabora com a luta pelo fim das opressões e da exploração, um conhecimento que demonstra a necessidade histórica da construção de um modo de produção onde possamos finalmente gastar nossas energias físico-psíquicas com atividades que sejam humanamente produtivas e produtivamente humanas.

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  • Toledo, C. (2005). Mulheres: O gênero nos une, a classe nos divide. Instituto José Luís e Rosa Sundermann.
  • Classificação JEL:

    J7.
  • Pareceristas:

    Aline Fábia Guerra de Moraes (Universidade Federal de Pernambuco, Brasil)
    Duas revisoras não autorizaram a divulgação de suas identidades.
  • Relatório de Revisão por Pares:

    O Relatório de Revisão por Pares está disponível neste link externo.
  • 1
    . Este texto tem em sua autoria mulheres, o trabalho reprodutivo é uma atividade realizada majoritariamente por mulheres, por isso, optamos por escrever o texto no feminino, salvo em casos de citação direta. Homens, por favor, sintam-se representados pela flexão de gênero feminina. Afinal, nós mulheres também produzimos conhecimento científico.
  • 2
    . Não confundir o trabalho necessário para a (re)produção da força de trabalho com o trabalho necessário para produzir as mercadorias necessárias à reprodução da força de trabalho, esta é a que determina o valor da força de trabalho; o primeiro caso não.
  • 3
    . Compreende atividades de limpeza em prédios e domicílios e também outras atividades de limpeza específicas de maquinaria como incineradores, caldeiras, dutos de ventilação, de refrigeração de ar e interior de tanques marítimos, além de serviços de imunização e de controle de pragas urbanas.
  • 4
    . Compreende as atividades de limpeza em geral realizadas em prédios de qualquer tipo (residencial e comercial) e em residências.
  • 5
    . Utilizamos, no decorrer da análise, os termos “indústria da limpeza” e “subindústria” para manter os termos utilizados no relatório do BCC (2019).

  • # de revisores convidados até a decisão:
  • Verificação de Plágio

    A RAC mantém a prática de submeter todos os documentos aprovados para publicação à verificação de plágio, mediante o emprego de ferramentas específicas, e.g.: iThenticate.
  • Financiamento

    As autoras agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Brasil (código de financiamento 001) pelo suporte financeiro para a realização deste trabalho.
  • Método de Revisão por Pares

    Este conteúdo foi avaliado utilizando o processo de revisão por pares duplo-cego (double-blind peer-review). A divulgação das informações dos pareceristas constantes na primeira página e do Relatório de Revisão por Pares (Peer Review Report) é feita somente após a conclusão do processo avaliativo, e com o consentimento voluntário dos respectivos pareceristas e autores.
  • Direitos Autorais

    As autoras detêm os direitos autorais relativos ao artigo e concederam à RAC o direito de primeira publicação, com a obra simultaneamente licenciada sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).
  • Disponibilidade dos Dados

    As autoras afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:
    Souza, Marília Duarte de; Ferraz, Deise Luiza, 2023, "Replication Data for: "The (un)productivity of reproductive work and the woman’s exhaustion in contemporary times" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea", Harvard Dataverse, V1.
    A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Editado por

Editor-chefe:

Marcelo de Souza Bispo (Universidade Federal da Paraíba, PPGA, Brasil)

Editoras Convidadas:

Ludmila de V. M. Guimarães (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Brasil)
Deidi Maca (Universidad Santiago de Cali, Colômbia)
Josiane Silva de Oliveira (Universidade Federal de Goiás, Brasil)
Janaynna de Moura Ferraz (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil)
Luiza Farnese Lana Sarayed-Din (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Andrea Poleto Oltramari (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil; Universidade de Lisboa, SOCIUS, Portugal)

Disponibilidade de dados

As autoras afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:

Souza, Marília Duarte de; Ferraz, Deise Luiza, 2023, "Replication Data for: "The (un)productivity of reproductive work and the woman’s exhaustion in contemporary times" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea", Harvard Dataverse, V1.

https://doi.org/10.7910/DVN/TO406Y

A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2022
  • Revisado
    25 Jul 2023
  • Aceito
    26 Jul 2023
  • Publicado
    25 Ago 2023
  • Publicado
    21 Set 2023
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