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Instagram no Mercado da Moda Modesta: Análise pela Ótica das Estruturas Sociotécnicas

RESUMO

Objetivo:

objetivou-se compreender o papel sociotécnico do Instagram no mercado da moda modesta no Brasil, propondo um modelo teórico-empírico para análise dessa mídia social enquanto infraestrutura pensante de mercado.

Marco teórico:

a pesquisa baseia-se nos estudos das infraestruturas pensantes de mercado, incorporadas recentemente ao campo de marketing.

Método:

utilizaram-se duas técnicas para coleta de dados: (a) entrevistas semiestruturadas e em profundidade com 27 agentes do mercado da moda modesta e (b) observação não participante no Instagram.

Resultados:

o Instagram oferece uma infraestrutura que medeia e padroniza as interações entre os atores do mercado, permitindo a construção e a popularização do mercado da moda modesta, outrora estigmatizado. A infraestrutura do Instagram estabelece regras que ditarão o sucesso (ou poder exercido) das usuárias (agentes de mercado) na rede e, consequentemente, no mercado. Embora não seja possível efetuar as transações monetárias no Brasil pelo Instagram, ele oferece variados dispositivos materiais que incentivam a realização das trocas econômicas.

Conclusões:

este estudo contribui com a literatura de infraestruturas pensantes de mercado, na medida em que apresenta como a padronização arquitetada para ‘neutralizar o poder de agência da rede’ nas ações dos usuários pode ter efeito contrário, (re)afirmando os elementos políticos e simbólicos que a cercam. O Instagram pode ser considerado um espaço democrático, desde que seus usuários entendam e apliquem suas regras neoliberais.

Palavras-chave:
infraestruturas pensantes de mercado; dispositivos de mercado; construção de mercado; mídias sociais

ABSTRACT

Objective:

we aim to understand Instagram's sociotechnical role in the modest fashion market in Brazil, proposing a theoretical-empirical model to analyze this social media as a market-thinking infrastructure.

Theoretical framework:

the research is based on market-thinking infrastructure studies recently incorporated into the marketing area.

Method:

in this research, two techniques were used for data collection: (a) semi-structured and in-depth interviews with 27 agents of the modest fashion market and (b) non-participant observation on Instagram.

Results:

the results demonstrate that Instagram offers an infrastructure that mediates and standardizes interactions between market actors, allowing the construction of the modest fashion market, once seen as stigmatized. Instagram's infrastructure establishes rules that will dictate users' (market actors) success (or exercised power) in the network and, consequently, in the market. Although it is impossible to carry out monetary transactions through Instagram in Brazil, it offers various material devices that encourage economic exchanges.

Conclusions:

this study contributes to the market-thinking infrastructures literature by showing how the standardization designed to "neutralize the network's power of agency" in users' actions ends up having the opposite effect, (re)affirming its political and symbolic elements. Instagram can be considered a democratic space if its users understand and apply its neoliberals rules.

Keywords:
market-thinking infrastructures; market devices; market construction; social media

INTRODUÇÃO

As mídias sociais como Instagram, Facebook e Pinterest têm dominado o contexto social ao redor do mundo. Hoje, em vez de trocar números de telefone, muitos indivíduos preferem se conectar por meio de seus perfis em mídias sociais. Tão logo este meio de interação se popularizou, empresas também passaram a compô-lo, visando a uma aproximação de seus clientes, entender a demanda e comunicar o valor de seus produtos. Tratando especificamente do marketing digital, as mídias sociais são dominantes, moldando tendências e estratégias de marketing (Strategic Direction, 2020). As empresas utilizam as mídias sociais como meios de engajar os usuários (consumidores) em diálogos, relacionamento e cocriação (Dix, 2012Dix, S. (2012). Introduction to the special issue on social media and mobile marketing. Journal of Research in Interactive Marketing, 6(3). https://doi.org/10.1108/jrim.2012.32506caa.001
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). Isso é esperado, uma vez que as conexões criadas com os consumidores nas mídias sociais podem impactar positivamente as intenções de compra e a avaliação da marca (Naylor et al., 2012Naylor, R. W., Lamberton, C. P., & West, P. M. (2012). Beyond the “like” button: The impact of mere virtual presence on brand evaluations and purchase intentions in social media settings. Journal of Marketing, 76(6), 105-120. https://doi.org/10.1509/jm.11.0105
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), bem como é visível a capacidade dos influenciadores de moldar comportamentos e atitudes de seus seguidores (Magno & Cassia, 2018Magno, F., & Cassia, F. (2018). The impact of social media influencers in tourism. Anatolia, 29(2), 288-290. https://doi.org/10.1080/13032917.2018.1476981
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).

Embora haja um número expressivo de artigos e pesquisas relacionadas às mídias sociais, quando se trata das questões sociotécnicas há um campo de pesquisa significativo em aberto na área de marketing, especificamente nas construções e dinâmicas de mercado (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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). Sob a ótica das estruturas sociotécnicas, o Instagram é entendido como uma infraestrutura pensante de mercado na medida em que organiza o conhecimento, classifica coisas, configura preferências e governa os mercados - mediando espaços sociais e materiais (Bowker et al., 2019). Essa abordagem é pertinente, na medida em que grande parte dos estudos se concentra em olhar o consumidor e sua agência, ignorando o papel social dos objetos nas práticas de consumo (Mello et al., 2021Mello, R. R., Almeida, S. O., & Dalmoro, M. (2021). The emperor’s new cosplay: The agency of an absent material on the consumption experience. Consumption Markets & Culture, 24(3), 241-261. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1756268
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) e de mercado (Nøjgaard & Bajde, 2021Nøjgaard, M. Ø., & Bajde, D. (2021). Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, 24(2), 125-146. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1713112
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).

Dentre os diversos mercados contemplados pelas mídias sociais, o mercado da moda é um dos que mais abrigam influenciadores, os quais são capazes de exercer poder significativo sobre as tendências deste mercado (Strategic Direction, 2020). Algumas pesquisas como a de Lewis e Tarlo (2011Lewis, R., & Tarlo, E. (2011). Modest dressing: Faith-based fashion and internet retail. [Project Report]. University of the Arts London, London, UK. https://ualresearchonline.arts.ac.uk/id/eprint/4911/1/LCF_MODEST_FASHION_ONLINE.pdf
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) e de Kavakci e Kraeplin (2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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) demonstram a construção e a popularização do mercado da moda modesta através das mídias sociais - mercado outrora pouco explorado por lojas de departamentos convencionais. Conforme apontado por Albuquerque et al. (2017Albuquerque, H. C., Duque-Arrazola, L. S., & Rocha, M. A. V. (2017). “Santas e estilosas”: O consumo de moda gospel por mulheres pentecostais. Oikos: Família e Sociedade em Debate, 28(2), 316-331. https://periodicos.ufv.br/oikos/article/view/3757
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), muitas mulheres buscam dicas de como se vestir de forma modesta/religiosa nas mídias sociais. No entanto, pesquisas que envolvem mídias sociais e moda modesta tendem a enfatizar a construção da identidade do consumidor e/ou influenciador disseminada neste ambiente (Albuquerque et al., 2017; Kavakci & Kraeplin, 2017). Mesmo o trabalho de Lewis e Tarlo (2011), o qual destaca a utilização da internet como um recurso importante para a popularização do mercado da moda modesta, pouco enfatiza como as infraestruturas pensantes são arquitetadas e de que forma os dispositivos exercem poder de agência no mercado.

Tendo em vista a lacuna referente ao entendimento das mídias sociais como estruturas sociotécnicas e observada a popularização da moda modesta por meio das mídias sociais, objetivou-se compreender o papel sociotécnico do Instagram no mercado da moda modesta no Brasil, propondo um modelo empírico para análise dessa mídia social enquanto infraestrutura pensante de mercado. A fim de atingir o presente objetivo, a coleta de dados deu-se a partir de duas técnicas: (a) realização de 27 entrevistas semiestruturadas e em profundidade com agentes do mercado da moda modesta, que também eram usuárias do Instagram - definidas em quatro grupos de atores distintos: consumidoras, influenciadoras digitais, proprietárias de lojas e cantoras cristãs; e (b) observação não participante nos perfis das entrevistadas no Instagram. Os resultados contribuem com a literatura de infraestruturas pensantes de mercado, principalmente no que diz respeito à aparente neutralidade das mídias sociais, visto que a rede favorece o crescimento daqueles que seguem os padrões definidos por ela, ou seja, é recompensado um modo de agir.

Além dessa introdução, o artigo subdivide-se em seis outras seções. No referencial teórico, discutem-se as infraestruturas pensantes de mercado e o mercado da moda modesta. Na seção metodológica, descrevem-se as etapas conduzidas durante a coleta e análise dos dados. Na seção de análises dos resultados, descrevem-se os principais resultados e, em seguida, discutem-se os resultados enfatizando o papel do Instagram na construção do mercado da moda modesta. Posteriormente, propõe-se um modelo empírico para análise do Instagram enquanto uma infraestrutura de mercado. Ao final, estão dispostas as considerações finais e as referências.

ANÁLISE DE MERCADO PELA ÓTICA DAS ESTRUTURAS SOCIOTÉCNICAS

Na lente teórica da sociologia econômica, os mercados são entendidos como arranjos ou agenciamentos sociotécnicos que apresentam três características básicas (Çalışkan & Callon, 2010Çalışkan, K., & Callon, M. (2010). Economization, part 2: A research programme for the study of markets. Economy and Society, 39(1), 1-32. https://doi.org/10.1080/03085140903424519
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). Primeiro, os arranjos organizam a concepção, a produção e a circulação de bens (Çalışkan & Callon, 2010). Segundo, os arranjos são componentes heterogêneos que se desdobram em regras, dispositivos, sistemas, infraestruturas, textos, narrativas, conhecimentos e habilidades (Çalışkan & Callon, 2010). E, terceiro, os arranjos são espaço de confrontação e disputas de poder (Çalışkan & Callon, 2010). Assim, entende-se que o mercado é construído e não posto (Nøjgaard & Bajde, 2021Nøjgaard, M. Ø., & Bajde, D. (2021). Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, 24(2), 125-146. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1713112
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), ou seja, é construído baseado em um processo de simetria (interdependência) entre os atores humanos e não humanos (Callon, 1998; Dalmoro & Fell, 2020Dalmoro, M., & Fell, G. (2020). Dimensões artesanal e massificada na construção do mercado cervejeiro. Revista de Administração de Empresas, 60(1), 47-58. https://doi.org/10.1590/S0034-759020200106
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).

Dentre os atores não humanos, destacam-se os ‘dispositivos de mercado’. Para Muniesa et al. (2007Muniesa, F., Millo, Y., & Callon, M. (2007). An introduction to market devices. The Sociological Review, 55(2_suppl), 1-12. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.2007.00727.x
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), o ‘dispositivo de mercado’ é uma forma simplificada de se referir aos agenciamentos materiais e discursivos que intervêm na construção dos mercados. Os dispositivos de mercado podem ser: material técnico (supermercados, algoritmos de matchmaking, sites, shoppings, lojas, etc.), textual e audiovisual (mensagens e vídeos de publicidade) e humano (vendedores, serviço de pós-venda, etc.) (Callon, 2016Callon, M. (2016). Revisiting marketization: From interface-markets to market-agencements. Consumption Markets & Culture, 19(1), 17-37. https://doi.org/10.1080/10253866.2015.1067002
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). Estes podem ser considerados objetos com agência, uma vez que eles são capazes de influenciar ou impulsionar, articulando ações; isto é, agem ou fazem os outros agirem (Muniesa et al., 2007).

Em relação aos dispositivos e suas transições no mercado, os autores Araujo et al. (2010Araujo, L., Finch, J., & Kjellberg, H.. (2010). Reconnecting marketing to markets. Oxford University Press.) demonstram que cada ator defende suas próprias práticas e dispositivos, bem como uma representação de mercado preferencial. Assim, o marketing é, em grande parte, uma questão de comunicar representações de mercado e as estruturas em torno de dispositivos de mercado existentes ou novos, de modo que as ofertas reunidas façam sentido para os compradores. Nesse sentido, o marketing é, indiretamente, uma questão de fomentar a confiança em determinados dispositivos. O estudo de Dalmoro e Fell (2020Dalmoro, M., & Fell, G. (2020). Dimensões artesanal e massificada na construção do mercado cervejeiro. Revista de Administração de Empresas, 60(1), 47-58. https://doi.org/10.1590/S0034-759020200106
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), por exemplo, destaca que, no mercado cervejeiro brasileiro, a coexistência dos mercados de massa e artesanal é possível através da materialidade associada aos produtos, como: gosto, barulho (‘estouro’) e rótulo.

Embora pesquisas envolvendo os dispositivos de mercado tenham contribuído com a lente teórica da sociologia econômica, principalmente no que diz respeito às implicações dos dispositivos na construção do mercado (Cochoy, 2008Cochoy, F. (2008). Calculation, qualculation, calqulation: Shopping cart arithmetic, equipped cognition and the clustered consumer. Marketing Theory, 8(1), 15-44. https://doi.org/10.1177/1470593107086483
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; Hagberg, 2016Hagberg, J. (2016). Agencing practices: A historical exploration of shopping bags. Consumption Markets & Culture, 19(1), 111-132. https://doi.org/10.1080/10253866.2015.1067200
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), há uma lacuna referente ao ‘zoom’ dado sobre o fenômeno do mercado. Ou seja, estudos envolvendo os dispositivos de mercado, muitas vezes, têm uma análise limitada sobre o fenômeno (Kjellberg et al., 2019Kjellberg, H., Hagberg, J., & Cochoy, F. (2019). Thinking Market Infrastructure: Barcode Scanning in the US Grocery Retail Sector, 1967-2010. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J. R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 207-232). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062013
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). Neste sentido, a noção de infraestruturas de mercado pode fortalecer ainda mais a conceituação de processos de mercado e seus diversos resultados (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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). Isso porque as infraestruturas de mercado podem oferecem um olhar mais macro (geral e de longo prazo) do funcionamento dos mercados se comparadas aos estudos que envolvem os dispositivos (Kjellberg et al., 2019).

Infraestruturas pensantes de mercado

Na antropologia, infraestruturas são entendidas como redes construídas para facilitar o fluxo de pessoas, bens ou ideias (Larkin, 2013Larkin, B. (2013). The politics and poetics of infrastructure. Annual Review of Anthropology, 42, 327-343. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155522
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), estando sua existência sujeita a um conjunto de práticas (Star & Ruhleder, 1996Star, S. L. & Ruhleder, K. (1996). Steps toward an ecology of infrastructure: Design and access for large information spaces. Information Systems Research, 7(1), 111-134. https://doi.org/10.1287/isre.7.1.111
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). Assim, as infraestruturas precisam ser entendidas como deslocadoras (Larkin, 2013), estando em constante interdependência com esse conjunto de práticas e outras infraestruturas (Araujo & Mason, 2021Araujo, L., & Mason, K. (2021). Markets, infrastructures and infrastructuring markets. AMS Review, 11, 240-251. https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212-0
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; Fuentes & Fuentes, 2022Fuentes, C., & Fuentes, M. (2022). Infrastructuring alternative markets: Enabling local food exchange through patchworking. Journal of Rural Studies, 94, 13-22. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2022.05.022
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). Um vasto conjunto de matérias físicas e abstratas pode ser entendido como infraestruturas (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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). No século XIX, por exemplo, os investimentos foram destinados às infraestruturas de circulação física, como estradas e ferrovias, enquanto, no século XXI, os investimentos foram destinados às ‘infraestruturas pensantes’, como plataformas que estruturam a atenção e moldam a tomada de decisão (Bowker et al., 2019). Essa ligação entre infraestruturas e diferentes sociedades indica que, além de questões técnicas e funcionais, a infraestrutura pode estar associada a significados simbólicos ou sentimentais usados no discurso político (Larkin, 2013).

Nos estudos de mercado, infraestruturas são entendidas como “um arranjo materialmente heterogêneo que silenciosamente suporta e estrutura a consumação das trocas de mercado” (Kjellberg et al., 2019Kjellberg, H., Hagberg, J., & Cochoy, F. (2019). Thinking Market Infrastructure: Barcode Scanning in the US Grocery Retail Sector, 1967-2010. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J. R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 207-232). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062013
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, p. 209, tradução nossa). Segundo Kjellberg et al. (2019), infraestruturas de mercado possuem oito propriedades: relacional, acessível para uso, modular, ativamente mantida, interdependente, comercial, emergente e política. De acordo Mellet e Beauvisage (2020Mellet, K., & Beauvisage, T. (2020). Cookie monsters. Anatomy of a digital market infrastructure. Consumption Markets & Culture, 23(2), 110-129. https://doi.org/10.1080/10253866.2019.1661246
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), as infraestruturas de mercado suportam três operações - produção de conhecimento, capitalização e coordenação - as quais são capazes de combinar infraestruturas de mercado com dispositivos de mercado. Tendo isso em vista, considera-se que o desenvolvimento geral e de longo prazo do mercado seja mais bem entendido por meio da infraestrutura de mercado, quando comparado com os estudos de dispositivos de mercado (Kjellberg et al., 2019).

Infraestruturas pensantes de mercado podem ser entendidas como infraestruturas materiais e sociais que configuram entidades, organizam o conhecimento, classificam coisas, configuram preferências e governam os mercados (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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). As infraestruturas pensantes de mercado participam na distribuição de responsabilidade entre objetos e sujeitos, ou seja, exercem agência (Pujadas & Curto-Millet, 2019Pujadas, R., & Curto-Millet, D. (2019). From matchmaking to boundary making: Thinking infrastructures and decentring digital platforms in the sharing economy. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 273-286). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062017
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). A Uber, por exemplo, é uma infraestrutura que busca pensar e definir papéis para as partes envolvidas; logo, os motoristas são empreendedores, e os passageiros, clientes/avaliadores (Pujadas & Curto-Millet, 2019). Outro exemplo são as mídias sociais, nas quais a participação das pessoas difere dos encontros sociais habituais, uma vez que a forma de interação de seus usuários está padronizada ao ambiente tecnológico, como curtir, marcar e seguir (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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).

Embora se defenda a neutralidade da infraestrutura pensante, percebe-se que ela afeta as relações sociais entre os atores e até mesmo a prática social; uma vez que são estabelecidos limites de atuação dos atores dentro da infraestrutura, ocorre um ato categorizador e político (Pujadas & Curto-Millet, 2019Pujadas, R., & Curto-Millet, D. (2019). From matchmaking to boundary making: Thinking infrastructures and decentring digital platforms in the sharing economy. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 273-286). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062017
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). Como Dourish e Bell (2007Dourish, P., & Bell, G. (2007). The infrastructure of experience and the experience of infrastructure: Meaning and structure in everyday encounters with space. Environment and Planning B: Planning and Design, 34(3), 414-430. https://doi.org/10.1068/b32035t
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) afirmam, as infraestruturas incorporam concentrações históricas de poder. Neste sentido, a função técnica pode ter menor importância se comparada às dimensões estética e poética (Larkin, 2013Larkin, B. (2013). The politics and poetics of infrastructure. Annual Review of Anthropology, 42, 327-343. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155522
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). Enquanto a estética representa as experiências corpóreas causadas pela infraestrutura, como a sensação de modernidade experimentada pelo corpo e pela mente, a poética concentra-se na exaltação do símbolo (infraestrutura) frente à sua função (Larkin, 2013). Assim, percebe-se que “os padrões e a classificação são de importância crucial e incorporam arranjos e compromissos sociais e políticos” (Mellet & Beauvisage, 2020Mellet, K., & Beauvisage, T. (2020). Cookie monsters. Anatomy of a digital market infrastructure. Consumption Markets & Culture, 23(2), 110-129. https://doi.org/10.1080/10253866.2019.1661246
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, p. 113, tradução nossa). Defendemos, portanto, que as infraestruturas podem reforçar padrões sociais e formas políticas de governar de forma invisível, uma vez que o caráter físico (símbolo) pode sobressair pelo caráter de evolução e modernidade que apresenta e não apenas pelas suas funções técnicas. Logo, as mídias sociais mostram-se como infraestruturas pertinentes de serem estudadas, haja vista a influência exercida nas práticas de mercado e de consumo, bem como pelas contradições que a cercam.

Mídias sociais como infraestruturas pensantes de mercado

Os dados coletados, armazenados e utilizados pelas infraestruturas pensantes têm sido considerados uma classe específica de ativos para as organizações, uma vez que são utilizados para fazer negócios ou melhorar operações internas (Mellet & Beauvisage, 2020Mellet, K., & Beauvisage, T. (2020). Cookie monsters. Anatomy of a digital market infrastructure. Consumption Markets & Culture, 23(2), 110-129. https://doi.org/10.1080/10253866.2019.1661246
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). Uma classe massiva e heterogênea de dados é coletada por meio das mídias sociais (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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), podendo cooperar para a manutenção e/ou ascensão de diversos mercados, inclusive aqueles estigmatizados, como a moda modesta (Ajala, 2017Ajala, I. (2017). From Islamic dress and Islamic fashion to cool Islam: An exploration of Muslim youth hybrid identities in the West. The International Journal of Interdisciplinary Cultural Studies, 12(3), 1-11. https://doi.org/10.18848/2327-008X/CGP/v12i03/1-11
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; Kavakci & Kraeplin, 2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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). Embora seja indiscutível o valor dos dados obtidos nas mídias sociais, estas são uma complexa infraestrutura, que contém dispositivos, regras, técnicas matemáticas e estatísticas computacionais que, conjuntamente, arquitetam e produzem informações e uma gama de produtos de dados na economia digital (Alaimo & Kallinikos, 2019).

As mídias sociais são uma infraestrutura pensante arquitetada para apoiar e direcionar as atividades dos usuários, de forma a angariar os dados que suportam suas operações de negócios (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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). Mesmo que possam ocorrer as trocas econômicas nas mídias sociais, elas estendem a sua infraestrutura para além deste momento específico, estruturando formas organizadas de sociabilidade ‘digital’, ou seja, curtir e seguir (Alaimo & Kallinikos, 2019). Além dos dados, os usuários com milhares de seguidores (personalidades de mídia/influenciadores digitais) exercem significativa influência nos mercados (Kavakci & Kraeplin, 2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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).

Alaimo e Kallinikos (2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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) argumentam que as mídias sociais redefinem as formas primárias do relacionamento humano, visto que há uma padronização da interação social. Segundo Alaimo e Kallinikos (2019), as mídias sociais são desenhadas para estabelecer relações por uma lógica estrita de eficiência funcional, exemplificada por métricas como reputação, engajamento, entre outras. Assim, as plataformas conseguem apenas mapear as interações sociais pela derivação quantitativa da participação do usuário na plataforma (Alaimo & Kallinikos, 2019). Contudo, Terra (2019Terra, C. F. (2019). Relações públicas digitais como alternativa aos algoritmos das plataformas de mídias sociais. Organicom, 16(30), 27-42. https://doi.org/10.11606/issn.2238-2593.organicom.2019.159884
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) afirma que existem estratégias que podem ser usadas para ‘driblar’ o algoritmo, seja por meio do conteúdo viral, seja pela utilização de influenciadores para a disseminação de conteúdo. É interessante destacar que a distinção obtida por um usuário na plataforma não advém do poder coercitivo, mas pela forma adequada de agir como um usuário dentro dela (Alaimo & Kallinikos, 2019). Neste sentido, alguns mercados vistos como estigmatizados e, logo, sem espaço midiático, foram (re)arranjados e (re)apresentados a partir da ‘democratização midiática’ proporcionada pelas redes sociais, a exemplo do mercado da moda modesta, como será discutido no próximo tópico.

Mercado da moda modesta na mídia, internet e mídia social

Nos últimos anos, a relação entre religião e economia tem despertado a atenção de estudiosos de variadas áreas, inclusive de marketing (Sandikci, 2018Sandikci, Ö. (2018). Religion and the marketplace: Constructing the ‘new’ Muslim consumer. Religion, 48(3), 453-473. https://doi.org/10.1080/0048721X.2018.1482612
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). Em termos econômicos, essa atenção é justificada pelo valor atual e pela expectativa de crescimento do mercado da moda modesta no âmbito mundial - contabilizando US$ 283 bilhões no ano de 2018 (The Economist, 2020). No entanto, o mercado da moda modesta por vezes foi estigmatizado. Isso porque algumas vestimentas como o hijab, a burca ou o niquab foram e (ainda) são vistas como símbolos opressores dos corpos das mulheres, sinal de extremismo islâmico, ou como algo retrógrado (Ajala, 2017Ajala, I. (2017). From Islamic dress and Islamic fashion to cool Islam: An exploration of Muslim youth hybrid identities in the West. The International Journal of Interdisciplinary Cultural Studies, 12(3), 1-11. https://doi.org/10.18848/2327-008X/CGP/v12i03/1-11
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). Da mesma forma, alguns cristãos evangélicos afirmam terem sido estereotipados e retratados de forma negativa (Kavakci & Kraeplin, 2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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). Neste sentido, por muito tempo os consumidores religiosos foram esquecidos não somente pelo mercado, mas também pelas pesquisas acadêmicas (Sandikci, 2018). Nestas, as razões para esse esquecimento perpassavam desde o baixo poder aquisitivo destes consumidores no final do século XX até suas imagens estereotipadas e expectativas de que a religião sucumbiria à modernidade (Sandikci, 2018). Mesmo com esse passado não promissor, hoje, a literatura mostra como mercado e religião estão imbricados (Mittelstaedt, 2002Mittelstaedt, J. D. (2002). A framework for understanding the relationships between religions and markets. Journal of Macromarketing, 22(1), 6-18. https://doi.org/10.1177/027467022001002
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) e podem ser lucrativos (The Economist, 2020).

Embora o rótulo ‘moda modesta’ pareça bem específico, na verdade, ele não o é. A criação deste termo mais genérico (sem especificar a religião) garantiu a inclusão de diferentes mulheres que procuravam se vestir modestamente (Lewis & Tarlo, 2011Lewis, R., & Tarlo, E. (2011). Modest dressing: Faith-based fashion and internet retail. [Project Report]. University of the Arts London, London, UK. https://ualresearchonline.arts.ac.uk/id/eprint/4911/1/LCF_MODEST_FASHION_ONLINE.pdf
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; The Economist, 2020). Embora cada grupo possua um conceito próprio de modéstia, geralmente há um consenso sobre a utilização de blusas com mangas e sem decotes, roupas que não se agarram ao corpo, utilização de coberturas na cabeça, e algumas restrições ao uso de calça comprida (Lewis & Tarlo, 2011). Assim, o mercado da moda modesta contempla as três principais vertentes religiosas abraâmicas - islamismo, judaísmo e cristianismo -, bem como as mulheres conscientes do seu próprio corpo e mulheres que precisam desempenhar algum papel profissional (The Economist, 2020). Embora essas mulheres tenham inúmeras diferenças, elas são unidas pelo desejo de vestir-se modestamente, porém acompanhando as tendências de moda global (Lewis & Tarlo, 2011).

Conforme Kiliçbay e Binark (2002Kılıçbay, B., & Binark, M. (2002). Consumer culture, Islam and the politics of lifestyle: Fashion for veiling in contemporary Turkey. European Journal of Communication, 17(4), 495-511. https://doi.org/10.1177/02673231020170040601
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), o surgimento da mídia favoreceu o aparecimento de novos padrões de consumo que envolvem, entre outras coisas, a oferta de moda para determinado grupo social. Na medida em que difunde os valores da burguesia, a mídia é considerada um vetor da revolução democrática individualista (Lipovetsky, 2009Lipovetsky, G. (2009). O império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. Editora Companhia das Letras.). Como Erden (2019Erden, Ö. O. (2019). The new religion-based work ethic and cultural consumption patterns of religiously conservative groups in Turkey. Religions, 10(10), 541. https://doi.org/10.3390/rel10100541
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) retrata na Turquia, o consumo cultural-religioso foi criado pela ascensão da classe burguesa, que propagava a cultura islâmica por diferentes meios midiáticos (televisão, jornais, revistas e rádio), dando-lhe visibilidade pública e legitimidade. De forma semelhante, no Brasil, a expansão do mercado cultural religioso atrelado aos evangélicos (indivíduos religiosos que mais consomem a moda modesta no país) deu-se por meio da mídia (Belloti, 2009; Cunha, 2014Cunha, M. N. (2014). Interseções e interações entre mídia, religião e mercado: Um objeto dinâmico e instigante. HORIZONTE-Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, 12(34), 284-289. https://doi.org/10.5752/P.2175-5841.2014v12n34p284
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). Assim, destacam-se três recursos midiáticos: o rádio que, no início, era utilizado para propagar o evangelho e, mais recentemente, contribuiu para a ascensão do gênero musical gospel; programas de TV com cultos evangélicos e a propagação do personagem Smilinguido em diversos itens; e, por último, as mídias sociais (Belloti, 2009; Cunha, 2014).

Mais recentemente, a internet tem sido considerada um dos principais meios para a popularização e o desenvolvimento do mercado da moda modesta. Segundo Lewis e Tarlo (2011Lewis, R., & Tarlo, E. (2011). Modest dressing: Faith-based fashion and internet retail. [Project Report]. University of the Arts London, London, UK. https://ualresearchonline.arts.ac.uk/id/eprint/4911/1/LCF_MODEST_FASHION_ONLINE.pdf
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), através do comércio eletrônico o alcance das marcas modestas cresceu e os riscos dos empreendedores foram minimizados por meio da ampliação dos clientes-alvo graças ao ambiente on-line e à diminuição dos custos no ponto de venda, como aluguel, infraestrutura física e funcionários. Ademais, pelas plataformas de interações, como sites, blogs e fóruns, também foram impulsionadas as discussões entre mulheres de diferentes opiniões e credos sobre a moda modesta - popularizando o termo, as práticas e produtos (Lewis & Tarlo, 2011). De modo mais individual, percebe-se ainda que a internet oferece inúmeras oportunidades para a construção de identidade, inclusive para indivíduos religiosos (Kavakci & Kraeplin, 2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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). Neste sentido, estudos tanto em países europeus como no Brasil começaram a retratar as mídias sociais como espaços de manifestação da identidade religiosa (Ajala, 2017Ajala, I. (2017). From Islamic dress and Islamic fashion to cool Islam: An exploration of Muslim youth hybrid identities in the West. The International Journal of Interdisciplinary Cultural Studies, 12(3), 1-11. https://doi.org/10.18848/2327-008X/CGP/v12i03/1-11
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; Albuquerque et al., 2017Albuquerque, H. C., Duque-Arrazola, L. S., & Rocha, M. A. V. (2017). “Santas e estilosas”: O consumo de moda gospel por mulheres pentecostais. Oikos: Família e Sociedade em Debate, 28(2), 316-331. https://periodicos.ufv.br/oikos/article/view/3757
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; Kavakci & Kraeplin, 2017).

Segundo Ajala (2017Ajala, I. (2017). From Islamic dress and Islamic fashion to cool Islam: An exploration of Muslim youth hybrid identities in the West. The International Journal of Interdisciplinary Cultural Studies, 12(3), 1-11. https://doi.org/10.18848/2327-008X/CGP/v12i03/1-11
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), a popularização da moda islâmica está atrelada ao crescimento das influenciadoras de moda modesta, as quais estão presentes no Facebook, Twitter ou Instagram. Embora tal espaço promova a popularização desse tipo de moda, estudos retratam um conflito identitário dos indivíduos religiosos que utilizam este meio, bem como a configuração de identidades não binarias (e.g., Ajala, 2017; Albuquerque et al., 2017Albuquerque, H. C., Duque-Arrazola, L. S., & Rocha, M. A. V. (2017). “Santas e estilosas”: O consumo de moda gospel por mulheres pentecostais. Oikos: Família e Sociedade em Debate, 28(2), 316-331. https://periodicos.ufv.br/oikos/article/view/3757
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). Kavakci e Kraeplin (2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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), por exemplo, afirmam que é tênue a linha entre modéstia e imodéstia em razão do processo de midiatização, ou seja, as influenciadoras digitais pesquisadas, por vezes, demonstravam uma identidade religiosa, outras, ocidental e, posteriormente, combinavam as duas. Albuquerque et al. (2017), ao estudarem mulheres evangélicas assembleianas, observaram que as práticas de consumo retomavam o modelo fast fashion - o que configura a inserção da mulher em espaços dicotômicos (religiosos e não religiosos). Ajala (2017), por outro lado, afirma que a mídia social tem procurado promover uma imagem de consumidores religiosos detentores de conhecimento digital, antenados sobre moda, que combinam perfeitamente fé e modernidade.

Muitas mulheres utilizam as mídias sociais em busca de dicas sobre o modo de se vestir respeitando os preceitos religiosos (Albuquerque et al., 2017Albuquerque, H. C., Duque-Arrazola, L. S., & Rocha, M. A. V. (2017). “Santas e estilosas”: O consumo de moda gospel por mulheres pentecostais. Oikos: Família e Sociedade em Debate, 28(2), 316-331. https://periodicos.ufv.br/oikos/article/view/3757
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), haja vista que tais roupas refletem a identidade de uma mulher religiosa para o mundo secular (Gonçalo, 2016Gonçalo, R. (2016). Moda Church - Performances e produções estéticas do vestir feminino em igrejas evangélicas cariocas. Mosaico, 7(11), 9-31. https://doi.org/10.12660/rm.v7n11.2016.64775
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). Tal comportamento pode ser reforçado, uma vez que “a principal discussão estética que se coloca para a mulher evangélica contemporânea é: como ser bonita sem deixar de ser identificada como uma ‘mulher de Deus’?” (Alves, 2016Alves, R. C. G. (2016). Qual é o dress code? Moral e juízo estético no vestir feminino evangélico [Master’s thesis, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro]. PUC Rio repository. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/27270/27270.PDF
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, p. 15). A partir desta ampliação de espaços para a discussão e exposição de preceitos religiosos, outras autoridades religiosas começam a surgir (e.g., pastores midiáticos, cantores cristãos - gospel, influenciadoras digitais) (Cunha, 2014Cunha, M. N. (2014). Interseções e interações entre mídia, religião e mercado: Um objeto dinâmico e instigante. HORIZONTE-Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, 12(34), 284-289. https://doi.org/10.5752/P.2175-5841.2014v12n34p284
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). Estes novos atores tornam-se referências para muitos, na medida em que estimulam práticas pedagógicas associadas ao comportamento religioso (Alves, 2016). Por esse motivo, estudos têm se referido aos desafios impostos pela mídia à religião (e.g., Kavakci & Kraeplin, 2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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).

Ademais, nos últimos anos, a ascensão do ‘capitalismo artista’ impõe mercados com experiências individuais e simbolismos que favorecem o consumismo (Lipovetsky, 2009Lipovetsky, G. (2009). O império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. Editora Companhia das Letras.) - não sendo exclusivos da moda modesta, mas englobando toda a cadeia de moda. Como destaca Lipovetsky (2009), a moda pode estar mais democrática por contemplar todas as classes sociais, porém leva ao consumo compulsivo. Para tanto, o ‘capitalismo artista’ não diz respeito à produção em massa, mas sim à atenção dada aos prazeres dos consumidores através de abordagens imateriais, qualitativas e simbólicas (Lipovetsky & Serroy, 2015), as quais podem ser difundidas através das mídias sociais. O ‘capitalismo artista’ segue, portanto, o sistema normativo neoliberal em que se busca a prosperidade pelo interesse individual através, unicamente, do mercado (Mason, 2017Mason, P. (2017). Pós-capitalismo: Um guia para o nosso futuro. Editora Companhia das Letras.).

Uma vez que o neoliberalismo impera na sociedade, surge o empreendedorismo como ideologia (Carmo et al., 2021Carmo, L. J. O., Assis, L. B. D., Gomes Júnior, A. B., & Teixeira, M. B. M. (2021). O empreendedorismo como uma ideologia neoliberal. Cadernos EBAPE. BR, 19(1), 18-31. https://doi.org/10.1590/1679-395120200043
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). Para Tavares (2018Tavares, M. A. (2018). O empreendedorismo à luz da tradição marxista. Em Pauta: Teoria Social e Realidade Contemporânea, 16(41), 107-121. https://doi.org/10.12957/rep.2018.36687
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), o termo ‘empreendedor’ é um rótulo apreciável para um trabalho precarizado e livre de direitos coletivos, embora não seja difundido dessa forma pela indústria de management, em que é aclamado como herói, um sujeito livre e criativo (Wood Jr. & Paula, 2001Wood, T., Jr., & Paula, A. P. P. (2001, September). Pop-management. Proceedings of the Encontro Nacional da ANPAD, Campinas, São Paulo, Brazil, 25.). Assim, mesmo que o indivíduo proclame sua autonomia, ele continua fazendo parte de grandes mecanismos neoliberais (Dardot & Laval, 2016Dardot, P., & Laval, C. (2016). A nova razão do mundo: Ensaio sobre a sociedade neoliberal. Editora Boitempo.). É neste contexto problematizado que muitos dos atores do mercado da moda modesta se situam, envolvendo desde a exploração da mão de obra por grandes companhias (Fletcher, 2010Fletcher, K. (2010). Slow fashion: An invitation for systems change. Fashion Practice, 2(2), 259-265. https://doi.org/10.2752/175693810X12774625387594
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) até a responsabilização individual de pequenos empreendedores pelo seu sucesso/fracasso (Carmo et al., 2021) e a precarização e/ou má remuneração de novas carreiras, como de microinfluenciadores digitais (Villegas-Simón et al., 2022Villegas-Simón, I., Fernández-Rovira, C., Luque, S. G., & Bernardi, A. (2022). Radiografía de los micro-influencers en la economía de las plataformas digitales: Insatisfacción, trabajo gratuito y desigualdad en la retribución. Revista Latina de Comunicación Social, (80), 452-474. https://doi.org/10.4185/RLCS-2022-1805
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).

Tendo em vista tal contexto, há espaço para pesquisas que envolvam discussões sobre o mercado da moda modesta e mídias sociais, visto que grande parte da literatura tende a enfatizar o estabelecimento do processo identitário pelas mulheres religiosas na mídia e/ou os impactos das mídias sociais sobre a religião. Percebe-se, portanto, que os aspectos materiais envolvendo as mídias sociais ainda são um campo obscuro, no qual o presente artigo procura avançar teoricamente. Ademais, verifica-se que grande parte da literatura que trata do fenômeno da moda modesta faz referência à religião islâmica. Assim, os demais grupos que compõem o rótulo ‘moda modesta’ permanecem sub-representados. Olhar para esses indivíduos faz-se tão importante quanto a população islâmica, pois em alguns países, como o Brasil, há um maior número de indivíduos cristãos (evangélicos) que utilizam roupas modestas do que indivíduos de outras vertentes religiosas (islâmica, judaica) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2012). Neste sentido, o presente artigo procura lançar luz para esses outros consumidores, os quais também cooperam para o crescimento e a manutenção do mercado da moda modesta.

Estrutura conceitual: estudando o Instagram como uma infraestrutura pensante de mercado da moda modesta

Destacando a conceituação de Bowker et al. (2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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), entendemos infraestruturas pensantes de mercados como infraestruturas materiais e sociais que configuram entidades, organizam o conhecimento, classificam coisas, configuram preferências e governam os mercados, as quais possuem três elementos analíticos básicos: valoração, rastreamento e governança (Tabela 1). Além dessas características conceituais, destacamos outras que também perfazem as infraestruturas de mercado. São elas: as práticas (Araujo & Mason, 2021Araujo, L., & Mason, K. (2021). Markets, infrastructures and infrastructuring markets. AMS Review, 11, 240-251. https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212-0
https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212...
; Fuentes & Fuentes, 2022Fuentes, C., & Fuentes, M. (2022). Infrastructuring alternative markets: Enabling local food exchange through patchworking. Journal of Rural Studies, 94, 13-22. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2022.05.022
https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2022....
); os arranjos materialmente heterogêneos (Mellet & Beauvisage, 2020Mellet, K., & Beauvisage, T. (2020). Cookie monsters. Anatomy of a digital market infrastructure. Consumption Markets & Culture, 23(2), 110-129. https://doi.org/10.1080/10253866.2019.1661246
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), compostos por outros sistemas ou dispositivos (Chakrabarti et al., 2016Chakrabarti, R., Finch, J., Kjellberg, H., Lernborg, C. M., & Pollock, N. (2016, June). From market devices to market infrastructures. Proceedings of the 4th Interdisciplinary Market Studies Workshop, St. Andrews, Scotland. https://eprints.lancs.ac.uk/id/eprint/82912
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); a interdependência e a modularidade (Kjellberg et al., 2019Kjellberg, H., Hagberg, J., & Cochoy, F. (2019). Thinking Market Infrastructure: Barcode Scanning in the US Grocery Retail Sector, 1967-2010. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J. R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 207-232). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062013
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); e a poética (Larkin, 2013Larkin, B. (2013). The politics and poetics of infrastructure. Annual Review of Anthropology, 42, 327-343. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155522
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). Defendemos, portanto, que o Instagram pode ser entendido sob essa ótica, visto que foi desenvolvido e estruturado para permitir a interação entre diferentes atores através de uma rede algorítmica que suporta a classificação e a organização de informações, dados e usuários, bem como por ser desenvolvido e transformado pelas práticas de seus usuários, pela interdependência a outros componentes e sua dimensão poética (simbólica) (Tabela 1). Sendo assim, verificamos que, através do Instagram, o mercado da moda modesta pode ser construído e formatado, transitando entre espaços digitais e físicos.

Tabela 1
Elementos analíticos das infraestruturas de mercados pensantes.

A partir desta tabela teórica, neste estudo buscou-se compreender o papel sociotécnico do Instagram no mercado da moda modesta no Brasil, propondo um modelo empírico para análise do Instagram enquanto infraestrutura pensante de mercado. Para tanto, consideramos as práticas dos atores do mercado da moda modesta e, em seguida, acompanhamos a inscrição destas dentro da infraestrutura (Fuentes & Fuentes, 2022Fuentes, C., & Fuentes, M. (2022). Infrastructuring alternative markets: Enabling local food exchange through patchworking. Journal of Rural Studies, 94, 13-22. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2022.05.022
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). Posteriormente, aprofundamos as análises visando a compreender como se dão as configurações, a organização e a classificação de informações e coisas na infraestrutura (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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). Destacamos a heterogeneidade, interdependência e modularidade dos dispositivos que compõem a infraestrutura (Kjellberg et al., 2019Kjellberg, H., Hagberg, J., & Cochoy, F. (2019). Thinking Market Infrastructure: Barcode Scanning in the US Grocery Retail Sector, 1967-2010. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J. R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 207-232). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062013
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). E, por fim, nas discussões tratamos das dimensões poéticas (simbólicas) que estão incrustadas na presente infraestrutura (Larkin, 2013Larkin, B. (2013). The politics and poetics of infrastructure. Annual Review of Anthropology, 42, 327-343. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155522
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), destacando principalmente o capitalismo artista (Lipovetsky & Serroy, 2015Lipovetsky, G., & Serroy, J. (2015). A estetização do mundo: Viver na era do capitalismo artista. Editora Companhia das Letras.) e o empreendedorismo imbricado na ideologia neoliberal (Carmo et al., 2021Carmo, L. J. O., Assis, L. B. D., Gomes Júnior, A. B., & Teixeira, M. B. M. (2021). O empreendedorismo como uma ideologia neoliberal. Cadernos EBAPE. BR, 19(1), 18-31. https://doi.org/10.1590/1679-395120200043
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).

MÉTODO

Contexto da pesquisa

Neste artigo, a abrangência do mercado da moda modesta (objeto de pesquisa) está delimitada no Brasil. As justificativas para a escolha deste objeto dão-se por dois motivos. Primeiro, 92% da população brasileira é religiosa de predominância abraâmica (IBGE, 2012), em que as roupas passam a ser um elemento importante a partir da consciência de que o homem e a mulher se encontravam nus - visto as passagens retratadas na Bíblia, Alcorão e Torá, em que Deus faz roupas para que o homem e a mulher as utilizem após a desobediência em comer o fruto proibido. Dentre os segmentos cristãos no Brasil, o evangélico destaca-se em relação às recomendações de roupas aos seus membros (DataFolha, 2016). Segundo, o segmento evangélico foi o que mais cresceu no país (IBGE, 2012), despertando a atenção de diversas marcas e empreendedores. Neste sentido, a relevância do estudo está além de compreender teoricamente o fenômeno do Instagram na construção de nichos de mercado, englobando, inclusive, as discussões envolvendo a moda modesta (evangélica pentecostal) brasileira. Ainda não há estudos setoriais que dimensionem o valor do mercado da moda modesta brasileira, mas é possível observar, seja nas mídias sociais, seja nas convencionais (e.g., reportagens), o crescimento do setor nos últimos anos (Marçal, 2021Marçal, G. (2021, October 10). Moda evangélica conquista fiéis consumidores por todo Brasil. Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/moda-evangelica-conquista-fieis-consumidores-por-todo-o-brasil
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). Ademais, como constatado por esta pesquisa, grande parte do crescimento deste setor está atrelado à popularização das mídias sociais, como o Instagram.

O Brasil é um dos países com mais influenciadores digitais e seguidores do mundo de acordo com dados da pesquisa realizada pela Nielsen - ocupando o primeiro lugar na rede Instagram (Nielsen, 2022). A procura por influenciadores digitais tem sido motivada, principalmente, pelo impacto positivo das ações dos influenciadores nas intenções de compra e avaliação da marca (Naylor et al., 2012Naylor, R. W., Lamberton, C. P., & West, P. M. (2012). Beyond the “like” button: The impact of mere virtual presence on brand evaluations and purchase intentions in social media settings. Journal of Marketing, 76(6), 105-120. https://doi.org/10.1509/jm.11.0105
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). A pandemia de COVID-19 também impactou o crescimento do número de influenciadores digitais segundo dados da Non Stop (Salles, 2021Salles, D. (2021, September 19). Procura por influencers registrou aumento de 148% neste ano. Metrópoles. https://www.metropoles.com/colunas/m-buzz/mercado-de-influencers-registrou-aumento-de-148-no-ultimo-ano
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). Com um mercado de trabalho precarizado (Cardoso et al., 2020Cardoso, A. C. M., Artur, K., & Oliveira, M. C. S. (2020). O trabalho nas plataformas digitais: Narrativas contrapostas de autonomia, subordinação, liberdade e dependência. Revista Valore, 5, 206-230. https://doi.org/10.22408/reva502020657206-230
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) e aumento do número de desocupados na pandemia (Gandra, 2021Gandra, A. (2021, December 03). Pesquisa do IBGE mostra enfraquecimento do mercado de trabalho em 2020. Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-12/pesquisa-do-ibge-mostra-enfraquecimento-do-mercado-de-trabalho-em-2020
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), muitos indivíduos viram nas mídias sociais uma forma de geração de renda e ascensão social. Como observado nesta pesquisa, algumas mulheres entrevistadas começaram sua carreira de influenciadoras digitais no período da pandemia, como uma forma de se reinventar num período de isolamento social e falta de emprego e de oportunidades presenciais.

Coleta e análise de dados

Os dados para a realização desta pesquisa foram coletados a partir de duas técnicas: entrevistas semiestruturadas em profundidade e observação não participante na rede social do Instagram. As entrevistas ocorreram com 27 agentes do mercado da moda modesta, divididas em quatro grupos de atores: influenciadoras digitais (9); cantoras cristãs (4); lojistas (5); e consumidoras (9). Todos os sujeitos entrevistados e observados eram mulheres, uma vez que o foco do trabalho foi o mercado da moda modesta feminina, haja vista que as mulheres são a maior parte dos indivíduos que se dizem evangélicos no país (Balloussier, 2020Balloussier, A. V. (2020, January 13). Cara típica do evangélico brasileiro é feminina e negra, aponta Datafolha. Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/cara-tipica-do-evangelico-brasileiro-e-feminina-e-negra-aponta-datafolha.shtml
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). Cabe destacar que os sujeitos de pesquisa residiam em diferentes regiões do Brasil (Tabela 2). Tendo em vista que o Instagram é mais disseminado entre os jovens e que 12,4 milhões de jovens brasileiros entre 16 e 24 anos declaram-se evangélicos (DataFolha, 2016), optamos por observar essa infraestrutura sociotécnica e não outra mídia social, como o Facebook.

Tabela 2
Perfil das entrevistadas.

A literatura sobre moda modesta foi consultada para estabelecer os grupos de atores que seriam pesquisados nesta pesquisa. Nela, observou-se a influência do comércio eletrônico, influenciadoras digitais e consumidoras. Diferentemente de outros trabalhos sobre o mercado da moda modesta, também foi incluído nesta pesquisa o grupo de atores definidos como ‘cantoras cristãs’. Ao observar o mercado da moda modesta no Brasil, percebe-se a importância das cantoras cristãs, na medida em que elas são convidadas pelas proprietárias de lojas para cantar na loja física ou em lives organizadas. Diferentemente das influenciadoras que focam dicas de estilo, moda, beleza e tópicos de interesse variados, as cantoras cristãs são vistas como um ‘instrumento de Deus’ na medida em que entoam músicas, hinos de louvor e adoração a Deus. Como Cunha (2014Cunha, M. N. (2014). Interseções e interações entre mídia, religião e mercado: Um objeto dinâmico e instigante. HORIZONTE-Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, 12(34), 284-289. https://doi.org/10.5752/P.2175-5841.2014v12n34p284
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) já havia destacado, os cantores gospel têm contribuído para o crescimento do mercado cultural evangélico.

A escolha dos sujeitos participantes da entrevista deu-se através das peculiaridades de cada grupo de ator. As influenciadoras e cantoras cristãs foram escolhidas pela sua representatividade no mercado, o que significava ter mais de 5.000 seguidores no Instagram. Baseando-se nestes requisitos, os autores enviaram mensagens pelo direct do Instagram para as influenciadoras convidando-as a participarem dessa pesquisa. As consumidoras foram escolhidas através da técnica de bola de neve, ou seja, os autores tinham o contato de duas mulheres evangélicas em Minas Gerais e São Paulo que participaram da pesquisa e indicaram outras para participarem. E, por fim, as lojistas foram escolhidas pelo tempo de atuação no mercado - definido acima de seis meses. No entanto, ao entrar em contato com as lojistas pelo Instagram e presencialmente, percebeu-se que todas elas atuavam há mais tempo no mercado. O perfil de cada entrevistada é apresentado na Tabela 2. Cabe destacar que as participações dos sujeitos na pesquisa estavam condicionadas à assinatura digital do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da pesquisa, sendo garantida a condição do anonimato para os sujeitos participantes.

Os roteiros de entrevistas para cada grupo de ator continham entre 10 e 17 questões, os quais foram ainda avaliados por meio de pré-teste com pesquisador experiente na área de construção de mercados. Os roteiros contemplaram três temas centrais: (a) influência cultural-religiosa; (b) mídias sociais; (c) perspectivas sobre o mercado da moda modesta. Por terem acontecido durante o período de pandemia de COVID-19 (outubro/2020 a março/2021), todas as entrevistas foram realizadas no formato on-line através dos aplicativos Google Meet, Zoom ou WhatsApp, sendo a escolha uma opção das entrevistadas. Apenas quatro entrevistas sucederam de forma assíncrona. As entrevistas de forma assíncrona foram realizadas pelo WhatsApp, onde foram enviados áudios separados para cada pergunta do roteiro. Três entrevistadas responderam por meio de áudio e apenas uma respondeu em formato de texto. No mesmo dia em que foram enviadas as perguntas, as respostas foram obtidas - não ocorrendo diálogos em outros dias.

Para o encerramento das entrevistas, adotou-se o critério de repetição de discurso. Assim, ao atingir a marca de seis entrevistas com consumidoras, três entrevistas com lojistas, sete entrevistas com influenciadoras digitais e três entrevistas com cantoras cristãs, observaram-se vestígios de repetição. Para fins de confirmação, realizaram-se mais três entrevistas com consumidoras, duas entrevistas com influenciadoras, duas entrevistas com lojistas e uma entrevista com cantora cristã.

A observação não participante no Instagram ocorreu simultaneamente no período de realização das entrevistas e exclusivamente nos perfis das participantes que aceitaram participar da pesquisa. Na observação não participante, destacaram-se os aspectos sociotécnicos que envolviam os atores do mercado da moda modesta. Para o registro das observações, desenvolveu-se um diário de campo com 32 laudas, no qual foram descritas reflexões do primeiro autor desta pesquisa, bem como capturas de tela que ilustrassem e subsidiassem os achados pela pesquisa.

Para interpretação e análise dos dados coletados, utilizou-se a análise de conteúdo. As categorias foram definidas após o estudo, visto que emergiram dos dados. A operacionalização da análise deu-se pelas etapas propostas por Bardin (1977Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Edições 70.). Primeiro, realizou-se a leitura flutuante dos dados, em que foram identificadas possíveis categorias. Posteriormente, realizaram-se recortes e alocações dos dados nas categorias definidas na fase anterior, e (re)organização das categorias. E, por último, realizou-se o tratamento dos dados e a interpretação baseados nas conexões teóricas propostas na revisão de literatura. Todo o processo de análise foi organizado por meio de planilhas eletrônicas no programa Microsoft Excel. Ao final, foram compiladas três categorias de análise, as quais são apresentadas na próxima seção de análise dos resultados: (a) mostrar/posicionar-se; (b) agregar, controlar e valorizar o comportamento; e (c) mecanismos de transações econômicas.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Mostrar/Posicionar-se

Embora a missão do Instagram esteja relacionada à interação e ao compartilhamento (Instagram, 2022), para que isso aconteça, é preciso que as pessoas se posicionem na rede através da configuração de seu perfil de usuário. Isso porque uma das funções das infraestruturas pensantes está em configurar preferências e classificar coisas (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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). Assim, no Instagram, além de os indivíduos inscreverem seu nome de usuário, também precisam se mostrar, posicionar e estabelecer preferências. Para mostrarem-se ativos e/ou se posicionarem na rede, os usuários utilizam os seguintes recursos: bio, foto de perfil, pesquisar e explorar, publicação no feed, reels1 1 . Reels: recurso que permite criar vídeos de 30 segundos, os quais podem aparecer nos stories, na aba ‘explorar’ e no feed do Instagram. e stories2 2 . Stories: recurso que deixa disponível por 24 horas as fotos, os vídeos e as enquetes publicadas pelo perfil. .

A bio é uma espécie de biografia sucinta do usuário. Nos perfis referentes ao mercado da moda modesta observados durante o período de coleta de dados, observaram-se algumas características comuns entre os atores do mercado. Quando se trata de usuários não produtores de conteúdo (consumidores), na bio utilizam-se, frequentemente, frases inspiracionais, profissão, crença e indicações de relacionamento. Por outro lado, quando se trata de usuários produtores de conteúdo (influenciadoras ou cantoras cristãs), a maioria das bios é destinada a apresentar a missão daquele perfil, ligado, comumente, à solução de um problema de seus seguidores. Por fim, ainda existem as bios relacionadas às empresas (lojistas), nas quais geralmente são mencionadas outras redes sociais, sites de compra, meios para contato, missão e público-alvo (B2B/B2C). Essas características podem ser observadas na Figura 1.

Figura 1
Bio (Instagram) dos atores do mercado da moda modesta.

A descrição da bio e a utilização da foto de perfil (quando utilizada uma imagem pessoal) são uma forma de humanizar a interação na rede social do Instagram, estando ligada, inclusive, às tecnologias de extensão do self. Ademais, observa-se uma predileção por roteiros e comportamentos por determinados grupos ou contextos sociais (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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), como exemplificado pela Figura 1. Embora a interação social na mídia social seja conhecida pelo seu caráter quantitativo, aqui é possível verificar questões subjetivas ou qualitativas.

A ferramenta de ‘pesquisa’ é utilizada pelos usuários para encontrar pessoas, empresas, perfis e temáticas de seu interesse, funcionando como um mecanismo para padronizações do comportamento do usuário - refletindo seus interesses e indicando possíveis matches (combinações). Os usuários têm a opção de seguir alguns assuntos específicos por meio da utilização da hashtag (#). Assim, sempre que um perfil publica algo relacionado ao tema e faz referência à hashtag, é possível que a publicação seja levada até os perfis seguidores do assunto. Neste sentido, observa-se que no mercado da moda modesta no Brasil muitas hashtags estão presentes nos perfis de influenciadoras, cantoras e lojistas, tais como: #modamodesta; #modacristã, #modaevangelica, #saiamidi, #ccbfashion; #assembleiadedeus, #lookdodia, entre outras.

As publicações no feed (página do perfil) foram mencionadas pelas cantoras e influenciadoras como uma forma de se posicionar perante o seu público, compartilhar sua forma de enxergar o mundo, além de trazer dicas e conteúdo que agradem ao público-alvo. Em relação às diferentes funcionalidades utilizadas, como reels, stories e enquetes3 3 . Enquetes: recurso que permite a interação entre os usuários, pelos stories, através de perguntas e alterativas. , a justificativa principal é ‘agradar o algoritmo’ do Instagram, a fim de que os perfis sejam divulgados para um número maior de usuários, bem como para que os demais conteúdos (post novo, stories) sejam entregues aos seguidores instantânea e preferencialmente. A fala da influenciadora digital Rebeca ilustra a assertiva:

"Quando eu vejo que preciso aumentar o meu engajamento, eu começo a fazer bastante stories, faço enquete, porque ajuda bastante. Também faço collab, que é fazer foto com outras amigas, divulgar outras amigas e elas te divulgam também."

Aqui, diferentemente da bio, observa-se uma sociabilidade baseada em modelos matemáticos da rede social (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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). Isso porque as ações de ‘se mostrar’ e ‘se posicionar’ começam a ser quantificadas pelo engajamento com os demais usuários da rede, bem como passam a ser mediadas pelo uso ‘correto’ ou ‘aceitável’ dos recursos disponibilizados pela plataforma. A fala da cantora cristã Hagar ilustra a assertiva:

"Eu procuro sempre interagir, né? Com as pessoas que me seguem, procuro sempre estar respondendo, apesar de que às vezes fica humanamente impossível porque é muita mensagem mesmo … Responder o máximo que eu posso as pessoas e sempre estar presente, né?! Porque quem não aparece não é lembrado, então eu sempre procuro estar ali nos stories, conversando, interagindo, postando o meu dia a dia, postando alguma coisa da minha vida, mostrando looks, enfim…"

A partir destas atividades padronizadas, os usuários são agrupados e classificados em grupos semelhantes (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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) - como será mais bem detalhado no próximo tópico.

Agregar, controlar e valorizar o comportamento

Uma vez que os usuários se posicionam na rede através dos recursos disponíveis, a própria infraestrutura encarrega-se de agregar perfis semelhantes, seja através da ferramenta ‘pesquisar’, seja por meio das ‘indicações de perfis’ ou pela forma de interação na rede, baseada no algoritmo. Assim, no mercado da moda modesta, observa-se que os atores, por meio das preferências assumidas na rede, são conectados uns aos outros (como exemplifica a fala da consumidora Isabel, abaixo). No entanto, cabe ressaltar que as relações entre os usuários serão padronizadas pela infraestrutura da rede (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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).

"… porque, geralmente, quando a gente acompanha alguma influenciadora digital no Instagram que não segue a mesma doutrina, a gente acaba se sentindo deslocada, mesmo que digitalmente. Então, seguindo as influenciadoras digitais de moda cristã, a gente acaba se sentindo mais próxima entre as pessoas, e não se sente sozinha no mesmo barco."

Cada ator do mercado desempenha um papel específico, mesmo não havendo um acordo explícito entre os atores sobre a forma em que as suas interações ocorrerão. A infraestrutura do Instagram contribui para demarcar os espaços. Assim, os consumidores passam a ser espectadores e avaliadores dos outros perfis; as influenciadoras digitais têm a função de inspirar os demais usuários, seja na compra, seja no uso de determinado produto pela parceria estabelecida com as lojas; e as cantoras cristãs, além de inspirar um estilo de vida cristão, também incentivam a compra de determinado produto/serviço. No entanto, é possível notar uma fluidez das ações dos atores de mercado na rede. Um exemplo são as lojistas, que se colocam, por vezes, no lugar de consumidoras e/ou influenciadoras. Isso significa que os atores podem ser reconhecidos como uma entidade X, porém podem realizar atividades das entidades Y e Z. Esse tipo de comportamento é aceito e até mesmo requerido na infraestrutura das mídias sociais, como o Instagram - em que a conexão com o público-alvo é imprescindível para gerar engajamento, relacionamento. Assim, corrobora-se que a ontologia do ator é variável, visto que seus objetivos e interesses são apanhados em um processo de reconfiguração contínua da rede em que ele se encontra (Callon, 1998Callon, M. (1998). An essay on framing and overflowing: Economic externalities revisited by sociology. The Sociological Review, 46(1_suppl), 244-269. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1998.tb03477.x
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). A Figura 2 ilustra a análise.

Figura 2
Fluidez do papel dos atores - perfil lojista.

Conforme destacado por Alaimo e Kallinikos (2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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), as conexões entre modelos de usuários e ações são instrumentadas pelo conjunto específico de ações que podem ser computadas, por exemplo, seguir, curtir, salvar, entre outros. À medida que as interações acontecem no Instagram, determinados atores ocupam lugar de destaque devido ao engajamento computado pela mídia. Logo, algumas influenciadoras digitais e cantoras cristãs entrevistadas comentam a realização de parcerias (collab) entre elas para aumentar o seu nível de engajamento a fim de manter sua posição na mídia. Cabe destacar que as parcerias entre lojistas e influenciadoras são estabelecidas por meio dos números computados pelo Instagram, que demonstram o engajamento da influenciadora com seu público através da utilização da ferramenta denominada de Mídia Kit, como por exemplo: número de curtidas, comentários e itens salvos. A fala da influenciadora digital Sara ilustra a assertiva.

"Então, eu acho que as lojas procuram isso, elas procuram pessoas que atraiam pessoas. Porque, na verdade, elas não querem os seguidores, os seguidores são essenciais, mas elas querem, de certa forma, os compradores, pessoas que elas veem que têm engajamento, que têm de certa forma uma atração. Por exemplo, eu pego uma peça e digo: gente, essa peça aqui é essencial, vocês têm que ter no guarda-roupa de vocês, vocês vão encontrar em tal loja. … As lojas que estão fazendo certo, dessa forma que estou falando, não levam em conta somente o número de seguidores dela, mas o engajamento da pessoa, o quanto tempo ela fica ali no Instagram dela, postando, conversando e interagindo com os seguidores dela."

Por meio dos dados computados, o Instagram pode continuamente ajustar e redesenhar suas operações para o desenvolvimento de seus serviços (Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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). Com o crescimento de usuários da rede, algumas entrevistadas afirmam que precisam continuamente postar, utilizar todos os recursos disponíveis para que o Instagram dissemine os seus conteúdos e recomende o seu perfil - o que, indiretamente, ressalta o objetivo econômico que a serve (Alaimo & Kallinikos, 2019). Além disso, as influenciadoras e lojistas tendem a promover concursos e conceder prêmios para seguidoras que interagem no perfil (comentam, seguem, compartilham, salvam) como forma de favorecer o cumprimento do papel da usuária (consumidor) na rede. A Figura 3 ilustra as asserções.

Figura 3
Concursos na rede Instagram.

As lojistas, portanto, promovem concursos para competição de looks entre suas clientes, premiando-as com peças de roupas ou vale-compras da loja. Estes concursos são uma forma de promover a empresa entre seus seguidores, gerar engajamento com os clientes, tornar a loja mais ‘popular’ no segmento de mercado e, como mencionado anteriormente, é uma forma de manter o papel de usuário (consumidor) na mídia. Por outro lado, o concurso promovido pelas influenciadoras digitais de moda cristã do Instagram, denominado ‘viagem com as bloggers’, tem o intuito de regular a atuação de novas influenciadoras digitais neste ambiente, enquanto mantêm parcerias com as lojas. De certa forma atrelados aos concursos, há perfis no Instagram que realizam enquetes nos stories denominadas ‘batalhas de looks’. Nessas batalhas de looks são colocadas duas fotos de mulheres com seus looks da moda modesta (evangélica) para competir pela aprovação do público. Essas batalhas são geralmente abertas a todos os atores do mercado, inclusive consumidoras individuais que precisam apenas enviar suas fotos para o perfil organizador. As batalhas de looks performam o mercado diretamente, uma vez que conferem poder a determinados atores, reforçam a imagem e a importância do mercado, e mantêm vivo o costume das igrejas pentecostais. Assim, são asseguradas as posições dos atores de mercado na rede do Instagram e, de certo modo, as transações econômicas.

Mecanismos de transações econômicas

O Instagram oferece diferentes recursos para facilitar e propiciar as transações econômicas. Para os usuários caracterizados como lojistas/empresas, existe a possibilidade de montar uma loja na rede. Nela, são dispostas as fotos dos produtos, preço e demais informações pertinentes à oferta. Contudo, ressalta-se que, no Brasil, a venda não é concluída pela infraestrutura do Instagram, sendo redirecionada ao site oficial da empresa ou lojista. Para os usuários ‘compradores’, disponibiliza-se o recurso ‘salvar’, em que os itens podem ser armazenados em listas de desejos, facilitando consultas e compras futuras.

Além destes recursos facilitadores das transações econômicas, o papel exercido pelos influenciadores digitais e cantoras cristãs contribui para o desejo da ‘compra’. No mercado da moda modesta, por exemplo, as influenciadoras e cantoras expõem sua rotina baseada em produtos e marcas, tornando-os atraentes e imprescindíveis, como é demonstrado na Figura 4. Neste sentido, o Instagram pode ser reconhecido como uma infraestrutura por suportar práticas sociais (Araujo & Mason, 2021Araujo, L., & Mason, K. (2021). Markets, infrastructures and infrastructuring markets. AMS Review, 11, 240-251. https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212-0
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; Fuentes & Fuentes, 2022Fuentes, C., & Fuentes, M. (2022). Infrastructuring alternative markets: Enabling local food exchange through patchworking. Journal of Rural Studies, 94, 13-22. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2022.05.022
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).

Figura 4
Rotina de influenciadoras e cantoras.

Quanto às transações (de parceria) cunhadas entre lojistas e influenciadoras digitais/cantoras cristãs, percebe-se uma queixa por parte das influenciadoras acerca da forma de pagamento. Isso porque as lojistas desejam pagar pelo trabalho das influenciadoras por permuta, ou seja, pela troca de produtos (roupas, sapatos, bolsas, etc.). Verifica-se, aqui, uma discussão crítica atual que remete às infraestruturas pensantes: tais infraestruturas não são neutras e participam na distribuição de responsabilidade entre ‘sujeitos - objetos - sujeitos’, ou seja, exercem agência (Pujadas & Curto-Millet, 2019Pujadas, R., & Curto-Millet, D. (2019). From matchmaking to boundary making: Thinking infrastructures and decentring digital platforms in the sharing economy. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 273-286). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062017
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). Como se pode observar, há uma predileção pela política de livre mercado, contudo, é provável que haja prejuízos de direitos aos trabalhadores, como no caso do Uber (Pujadas & Curto-Millet, 2019). A fala da influenciadora digital Milca ilustra as assertivas.

"A questão é que é o meu trabalho, eu devo cobrar por isso, tem loja que não entende isso, que acha ruim quando nós colocamos, cobramos um valor! Ninguém trabalha de graça! Eu amo o que eu faço, mas eu também devo dar valor àquilo que eu estou fazendo. Vou contar um exemplo que aconteceu comigo. Uma determinada loja entrou em contato comigo, falando que queria fazer parceria e tudo mais. Eu apresentei o meu Mídia Kit e cobrei o meu valor, que não é algo exorbitante, é algo que é realmente o meu valor. E aí, a loja não quis pagar. Depois de uma semana, a loja entrou em contato novamente comigo, e falou assim: se eu mandar uma peça de roupa para você, você faz na sua casa, você mesmo assim vai cobrar? Aí, eu respondi: lógico, é meu tempo, a minha energia, eu tenho que arrumar o meu cantinho de foto, tem todos os trâmites."

Além dos itens ligados à infraestrutura do Instagram, para que as parcerias sejam estabelecidas, é necessário que exista ainda uma coesão entre a loja (forma de trabalho, qualidade das peças e estilo) e o estilo/doutrina das influenciadoras digitais/cantoras. A fala da cantora cristã Berenice exemplifica:

"Eu considero que engajo as pessoas e o meu público confia em mim, então, eu não vou fazer parceria com uma loja em que eu não confio no trabalho, não combina com o meu estilo. Por exemplo, não tem como eu aparecer do nada com uma foto no meu feed, com uma roupa que as pessoas vão ver que não tem o meu estilo. … Eu não vou usar uma coisa que não faz sentido para mim, se eu estou influenciando as pessoas a ter um estilo cristão, tendo todo esse trabalho de motivar, é como queimar meu filme."

Isto corrobora Çalışkan e Callon (2010Çalışkan, K., & Callon, M. (2010). Economization, part 2: A research programme for the study of markets. Economy and Society, 39(1), 1-32. https://doi.org/10.1080/03085140903424519
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), os quais entendem o mercado como um arranjo (agencement) econômico composto por seres humanos, bem como por dispositivos materiais, técnicos e textuais. Aqui, verifica-se também uma organização da produção e circulação dos bens; as regras, infraestruturas, narrativas, conhecimentos e habilidade; e confrontações e lutas de poder (Çalışkan & Callon, 2010).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Embora os estudos de construção de mercados defendam a existência de um esforço coletivo envolvendo a materialidade e a socialização para a construção e o entendimento de mercados (Geiger et al., 2012Geiger, S., Kjellberg, H., & Spencer, R. (2012). Shaping exchanges, building markets. Consumption Markets & Culture, 15(2), 133-147. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.654955
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), há ainda uma linha tênue quando se trata do fator ‘grandes ideias culturais’ nesta lente teórica (Nøjgaard & Bajde, 2021Nøjgaard, M. Ø., & Bajde, D. (2021). Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, 24(2), 125-146. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1713112
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). Ainda, defendendo a relação entre o material e o social, Cochoy et al. (2016Cochoy, F., Trompette, P., & Araujo, L. (2016). From market agencements to market agencing: An introduction. Consumption Markets & Culture, 19(1), 3-16. https://doi.org/10.1080/10253866.2015.1096066
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) afirmam que essas forças não são mutuamente exclusivas, mas, na verdade, contribuem para a ação do mercado, na medida em que se complementam. Neste sentido, o mercado religioso pode ser um exemplo entre os aspectos sociais e materiais (sociotécnicos).

Observa-se que o Instagram contribui substancialmente para a manutenção dos costumes das igrejas pentecostais relacionados aos usos das roupas modestas pelas mulheres e, inclusive, para a construção do mercado (Figura 6). O Instagram configura espaços interacionais para a exposição da cultura religiosa, propiciando a propagação de ideias, práticas e objetos (produtos), e, consequentemente, fortalece imagens de mercados da moda modesta. Tendo em vista um grupo religioso com maior poder aquisitivo e que incorpora os discursos capitalistas (Cunha, 2014Cunha, M. N. (2014). Interseções e interações entre mídia, religião e mercado: Um objeto dinâmico e instigante. HORIZONTE-Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, 12(34), 284-289. https://doi.org/10.5752/P.2175-5841.2014v12n34p284
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; Erden, 2019Erden, Ö. O. (2019). The new religion-based work ethic and cultural consumption patterns of religiously conservative groups in Turkey. Religions, 10(10), 541. https://doi.org/10.3390/rel10100541
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), o Instagram pode ser visto como uma infraestrutura democrática ao ceder espaços midiáticos para grupos que se viam mal representados pela mídia tradicional.

Figura 5
Manutenção da tradição pentecostal pelo Instagram.

Figura 6
Mídia social (Instagram) como infraestrutura de mercado.

Assim, a primeira contribuição deste trabalho está centrada em reconhecer que o Instagram constitui um espaço democrático para que as pessoas proclamem sua tradição e identidade, subsidiando as atividades de atores do mercado cultural, como as influenciadoras digitais, as cantoras cristãs e lojistas. No entanto, é perceptível que este espaço democrático somente se configura de tal forma porque os atores do mercado da moda modesta atendem às regras neoliberais que modelam essa infraestrutura pensante, ou seja, valorizam-se métricas que culminarão em compras/vendas, aumento do valor de mercado, alcance de novos mercados, aumento do poder da marca, entre outras. Embora se observem claramente os aspectos numéricos da rede, como salientado por Alaimo e Kallinikos (2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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), esta pesquisa avança ao pontuar os aspectos subjetivos (sociais) que movem os mercados nessa infraestrutura. Ou seja, além de seguir as padronizações do Instagram, é preciso que os atores de mercado se posicionem na rede, encontrando seus pares (agregando) e oferecendo uma imagem compatível ao que os seguidores esperam; esta última depende, comumente, do fornecimento de conteúdos de cunho cultural e simbólico a fim de gerar o sentimento de pertencimento, movimentando a rede.

Na medida em que na sociedade contemporânea o consumo é visto como ato de inserção social, as mulheres religiosas, muitas vezes estigmatizadas ou esquecidas por lojas convencionais (Ajala, 2017Ajala, I. (2017). From Islamic dress and Islamic fashion to cool Islam: An exploration of Muslim youth hybrid identities in the West. The International Journal of Interdisciplinary Cultural Studies, 12(3), 1-11. https://doi.org/10.18848/2327-008X/CGP/v12i03/1-11
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), veem na mídia social uma forma de mostrar sua existência, sua voz, seu credo e estilo de vida. Assim, mostrar uma identidade híbrida (Kavakci & Kraeplin, 2017Kavakci, E., & Kraeplin, C. R. (2017). Religious beings in fashionable bodies: The online identity construction of hijabi social media personalities. Media, Culture & Society, 39(6), 850-868. https://doi.org/10.1177/0163443716679031
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) pode ser uma forma de dizer que elas também ocupam outros espaços sociais e que possuem desejos e necessidades de consumo, assim como outras mulheres seculares.

Destaca-se que todas as lojistas entrevistadas começaram o seu negócio por também serem evangélicas e sentirem dificuldade em encontrar roupas adequadas aos princípios de modéstia, porém que acompanhassem as tendências da moda. O trecho da entrevistada lojista Jemima ilustra as afirmativas.

"Eu, que nasci na igreja, vi o quanto a moda evangélica mudou. … hoje, moda evangélica eu falo que é estilo, e… é uma moda muito mais cara, moda evangélica é luxo … é uma roupa diferenciada. E ser evangélico hoje é status, e antes era bullying. Como eu sofri por usar saia, por estar fora da moda. Imagina, se fosse hoje quando eu era mocinha, com a moda evangélica que tem hoje, ia ser um arraso. … quando eu tinha 12, 13 anos, tinha que mandar a costureira fazer saia, porque a gente não achava. Saia jeans era um luxo para quem tinha. Hoje não é assim, a moda evangélica é status, tem muita modelagem, tem até moda praia evangélica."

Ao se posicionar nas redes sociais, os atores deste mercado procuram desmitificar opiniões sobre o grupo a que pertencem, como exemplo, ‘mulher evangélica é brega, cafona’ (como visto em reels nos perfis de influenciadoras e lojistas). O trecho da influenciadora Maria ilustra:

"E a gente, um tempo atrás, era muito criticado por não saber se vestir, por ser, vamos dizer, cafona, né?! Era bastante comentários desse tipo, antigamente, né?!"

Agora, muitos destes atores do mercado da moda modesta tentam (re)construir, por meio das mídias sociais (e.g., Instagram), uma nova imagem ‘elegante, moderna’ para este mercado, no qual eles desejam estar inseridos. Como destaca a consumidora Raquel:

"… só que com a questão das influencers está crescendo, está mostrando sem perder a essência, é um modernismo na moda evangélica, eu acho que a sociedade tem aberto mais pra esse público."

Assim, observa-se a segunda contribuição deste trabalho, centrada no entendimento de como as influenciadoras e cantoras cristãs realizam práticas ‘fetichizadas’, buscando alterar a imagem do mercado. Ou seja, muitas práticas tendem a renovar imagens antes tidas como excludentes, como: romantização do estilo de vida cristão, modernidade em consonância com as sociedades seculares e bela modéstia. Tais imagens não apenas fortalecem o consumo cultural, mas atraem mulheres de fora deste grupo social, popularizando o mercado da moda modesta. Podemos inferir, também, que o mercado da moda modesta incorpora a dimensão poética (inovação e modernidade) (Larkin, 2013Larkin, B. (2013). The politics and poetics of infrastructure. Annual Review of Anthropology, 42, 327-343. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155522
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) contida na infraestrutura do Instagram. Como menciona a influenciadora digital Milca:

"O meu propósito é mostrar que a moda evangélica é espetacular! É levar para as mulheres que elas podem se vestir com decência e ser lindas, ser elegantes. Minha mensagem é que as mulheres não precisam ser vulgares para ter valor. Com a moda evangélica você se veste de forma decente, tem elegância e é muito valorizada."

Percebe-se que, no mercado da moda evangélica, as ações dos atores complementam-se, contribuindo para a manutenção do mercado, seja por meio das interações sociais, seja das materiais, corroborando Çalışkan e Callon (2010Çalışkan, K., & Callon, M. (2010). Economization, part 2: A research programme for the study of markets. Economy and Society, 39(1), 1-32. https://doi.org/10.1080/03085140903424519
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) e Nøjgaard e Bajde (2021Nøjgaard, M. Ø., & Bajde, D. (2021). Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, 24(2), 125-146. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1713112
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). Verifica-se, também, que as influenciadoras e cantoras cristãs selecionam estrategicamente o local das fotos e o que retratar na rotina, tornando-a mais bela e desejável. Assim, a maioria das fotos é realizada em pontos turísticos, casas de alto padrão e comércios preparados para a união do digital/virtual. A coordenação dos atores de mercado no Instagram tem contribuído, portanto, para a popularização deste tipo de moda, sendo notável a oferta de uma maior variedade de produtos modestos que englobam inovações e modismos seculares. Logo, a moda modesta torna-se atraente para as mulheres que seguem ou não as tradições religiosas.

A última contribuição do artigo está em retratar as tensões no relacionamento entre os atores de mercado, quanto ao pagamento dos serviços prestados pelas influenciadoras e cantoras cristãs às lojistas. Isso porque é sabido que as infraestruturas pensantes de mercado são regidas pela política de livre mercado, logo, não são dadas garantias aos sujeitos que dela tiram seu sustento. Parte dessa questão já foi estudada por Pujadas e Curto-Millet (2019Pujadas, R., & Curto-Millet, D. (2019). From matchmaking to boundary making: Thinking infrastructures and decentring digital platforms in the sharing economy. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 273-286). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062017
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), os quais afirmaram que tais infraestruturas não devem ser vistas como neutras, uma vez que participam na distribuição de responsabilidade entre os usuários. Assim, questiona-se o quanto essas infraestruturas impulsionam o crescimento econômico por meio de funções ‘laborais’ mal remuneradas e com quase nenhuma regulação. Como Villegas-Simón et al. (2022Villegas-Simón, I., Fernández-Rovira, C., Luque, S. G., & Bernardi, A. (2022). Radiografía de los micro-influencers en la economía de las plataformas digitales: Insatisfacción, trabajo gratuito y desigualdad en la retribución. Revista Latina de Comunicación Social, (80), 452-474. https://doi.org/10.4185/RLCS-2022-1805
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) advertem, as mídias sociais, por meio de sua suposta liberdade criativa, performativa e possibilidade de rentabilização, tornam atrativo, como atividade laboral, ser influenciador. Este tópico torna-se mais relevante visto que tais infraestruturas posicionam-se, indiretamente, contra os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), especificamente o oitavo, no qual é defendido o emprego digno e crescimento econômico. Logo, o reconhecimento dessa situação e a elaboração/implementação de políticas públicas são necessários para reverter este cenário. Isso porque nem sempre as horas dedicadas para se construir uma comunidade fiel traz retornos financeiros, sendo assim, o sucesso na mídia social pode ser visto como algo injusto (Villegas-Simón et al., 2022). Ademais, podemos entender que essas horas de trabalho sem remuneração, em que os influenciadores produzem conteúdo para entreter os usuários desta infraestrutura, são uma nova de forma de exploração e um meio para se manter o capitalismo e os ganhos financeiros destas plataformas (Villegas-Simón et al., 2022).

Acreditamos que o aparecimento desta questão em parte está atrelado às más condições laborais enfrentadas pelos trabalhadores brasileiros nos últimos anos, agravadas pela pandemia. Assim, muitas mulheres viram nas redes sociais uma forma de geração de renda e ascensão social. Neste sentido, tais mulheres começam a ‘jogar o jogo’ proposto pela infraestrutura, o qual está assentado sobre as regras neoliberais. O trabalho precário é visto como uma alternativa para as crises do século XXI e a aparente invisibilidade da infraestrutura oculta o controle capitalista (Villegas-Simón et al., 2022Villegas-Simón, I., Fernández-Rovira, C., Luque, S. G., & Bernardi, A. (2022). Radiografía de los micro-influencers en la economía de las plataformas digitales: Insatisfacción, trabajo gratuito y desigualdad en la retribución. Revista Latina de Comunicación Social, (80), 452-474. https://doi.org/10.4185/RLCS-2022-1805
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). Por outro lado, como ressalta Bauman (2004Bauman, Z. (2004). Work, consumerism and the new poor. McGraw-Hill Education.), na modernidade tardia a sociedade engaja seus membros primeiramente na condição de consumidores. Ter uma vida normal significa consumir (Bauman, 2004), e muitas mulheres evangélicas retrataram não conseguir realizar este ato por serem excluídas de lojas convencionais, tendo frequentemente que recorrer a costureiras e outros espaços para satisfazer suas necessidades/desejos. Assim, as mídias sociais foram palcos para essa visibilidade e proporcionaram reconhecimento e crescimento deste mercado. Sendo assim, estamos imersos numa cultura que incentiva o consumo e, por último, tem o empreendedorismo como ideologia. Cabe destacar que o objetivo deste trabalho não foi discutir questões trabalhistas envolvendo as infraestruturas pensantes de mercado, no entanto, estas surgiram espontaneamente nas entrevistas realizadas. Dessa forma, a contribuição do trabalho neste sentido está em destacar a assimetria de poder existente entre as pequenas influenciadoras digitais que fazem parte da infraestrutura pensante de mercado e incentivar a realização de pesquisas futuras neste contexto laboral.

PROPOSTA DE MODELO: MÍDIA SOCIAL (INSTAGRAM) COMO INFRAESTRUTURA PENSANTE DE MERCADO

Nesta seção, utilizamos as descobertas desta pesquisa para propor um modelo teórico-empírico de análise da mídia social enquanto infraestrutura pensante de mercado. Exploramos as características peculiares das infraestruturas pensantes, demonstrando como elas contribuem para construir, formatar e popularizar mercados. Num primeiro momento, esboçamos os conceitos teóricos referentes aos achados da nossa pesquisa, discutindo e relacionando-os com a teoria sobre infraestruturas pensantes de mercado (Tabela 3). Posteriormente, ilustramos as descobertas através de um modelo teórico-empírico de mídia social como infraestrutura pensante de mercado, utilizando o Instagram como exemplo (Figura 6).

Tabela 3
Conceitos teóricos presentes nas infraestruturas pensantes de mercado.

As análises dos dados desta pesquisa permitiram o desenvolvimento de três novos conceitos que podem auxiliar no entendimento sobre as infraestruturas pensantes de mercado, conforme destacados e explicados na Tabela 3.

Como observado nas entrevistas, para fazer parte da infraestrutura da mídia social, os indivíduos precisam se inscrever na rede, o que requer deles ‘mostrar/posicionar-se’ por meio da configuração de preferências. Essas atividades podem ser caracterizadas como ações de valoração. Isso porque a partir da configuração de preferências, classificações e configurações dos usuários e/ou dados, as infraestruturas podem produzir valor (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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; Mellet & Beauvisage, 2020Mellet, K., & Beauvisage, T. (2020). Cookie monsters. Anatomy of a digital market infrastructure. Consumption Markets & Culture, 23(2), 110-129. https://doi.org/10.1080/10253866.2019.1661246
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). Neste sentido, podemos observar que os posicionamentos adotados dependem das práticas sociais dos usuários advindas do ambiente físico - retomando o caráter de prática inscrito nas infraestruturas (Araujo & Mason, 2021Araujo, L., & Mason, K. (2021). Markets, infrastructures and infrastructuring markets. AMS Review, 11, 240-251. https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212-0
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; Fuentes & Fuentes, 2022Fuentes, C., & Fuentes, M. (2022). Infrastructuring alternative markets: Enabling local food exchange through patchworking. Journal of Rural Studies, 94, 13-22. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2022.05.022
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). Assim, são transferidas as práticas sociais e os ‘valores’ do ambiente físico para o digital. No entanto, essas transferências não garantem a manutenção destes valores, que passam de atributos qualitativos atrelados aos usos e costumes das mulheres evangélicas e da moda modesta para sistemas quantitativos de valoração presente nesta infraestrutura como número de curtidas, comentários, ‘salvos’ e demais formas de engajamento (ver Alaimo & Kallinikos, 2019Alaimo, C., & Kallinikos, J. (2019). Social media and the infrastructuring of sociality. In Thinking infrastructures (Vol. 62, pp. 289-306). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062018
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).

Embora os indivíduos sejam denominados usuários da rede, observa-se que tão logo eles passam a interagir na rede, tornam-se atores com capacidade de agência para moldar realidades e inclusive mercados. A infraestrutura da mídia social agrega perfis semelhantes através de rastreamento de cliques e respostas virtuais (ver Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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). Assim, a infraestrutura contribui para demarcar os espaços e distribuir poder (Bowker et al., 2019; Kjellberg et al., 2019Kjellberg, H., Hagberg, J., & Cochoy, F. (2019). Thinking Market Infrastructure: Barcode Scanning in the US Grocery Retail Sector, 1967-2010. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J. R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 207-232). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062013
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). Cabe destacar que todo esse processo se dá no ambiente on-line.

Percebe-se, ainda, a transferência contínua de elementos do mundo físico (usos e costumes) para o ambiente on-line, os quais são nele transformados. Assim, atores de mercado como influenciadoras e cantoras cristãs redimensionam e modificam as imagens do mercado da moda modesta, que passam a exibir maior modernidade, inovação e/ou luxo. Assim, podemos inferir que as dimensões poéticas (Larkin, 2013Larkin, B. (2013). The politics and poetics of infrastructure. Annual Review of Anthropology, 42, 327-343. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155522
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) da mídia social, neste caso específico do Instagram, estendem-se aos seus usuários e mercados representados por eles. Assim, o mercado da moda modesta é formatado a partir da infraestrutura do Instagram, tornando-se popular tanto digitalmente quanto fisicamente, na medida em que a infraestrutura permite a realização de trocas econômicas.

Cabe destacar que há uma simbiose entre o mundo físico e o mundo on-line representado na mídia social, o qual retoma uma das características básicas das infraestruturas pensantes de mercado: a heterogeneidade dos arranjos (Kjellberg et al., 2019Kjellberg, H., Hagberg, J., & Cochoy, F. (2019). Thinking Market Infrastructure: Barcode Scanning in the US Grocery Retail Sector, 1967-2010. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J. R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 207-232). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062013
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). Assim, é possível identificar no Instagram, em específico, inúmeros elementos materiais, como os reels, stories, hashtags, que implicam a popularização do mercado, propiciando ‘transações econômicas’. Ademais, percebe-se nas falas das entrevistadas as variedades de dispositivos utilizados pela infraestrutura para estar continuamente envolvida nas práticas sociais dos seus usuários, como notificações, recompensas pelo engajamento, recomendações, entre outras. Tais dispositivos retomam outras características da infraestrutura, a interdependência e a modularidade, que diz respeito à adição ou subtração de dispositivos numa infraestrutura maior (Kjellberg et al., 2019).

A Figura 6 demonstra a organização da mídia social como infraestrutura pensante de mercado. Ressaltamos que, embora seja retratado o Instagram, o modelo construído pode ser utilizado em diferentes tipos de mídias sociais, uma vez que esses conceitos (dispositivos) mostram-se pertinentes seja para aumentar a comunidade e sua interação, seja para obter um ativo de dados valiosos para tomada de decisão e previsão de cenário, seja para a popularização de mercados. Contudo, vale ressaltar que o modo como a infraestrutura organiza esses dispositivos (mostrar; agregar; e transações econômicas) pode diferir, em parte, do Instagram - objeto analisado nesta pesquisa. Isto significa que a forma de se mostrar/posicionar ou de realizar as transações econômicas pode variar de uma mídia social para outra, mesmo que os conceitos (dispositivos) estejam presentes em todos esses tipos de infraestrutura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Implicações teóricas

Os achados desta pesquisa são relevantes tanto do ponto de vista teórico quanto do gerencial. Suas implicações teóricas são três. Primeiro, reverberamos Araujo e Mason (2021Araujo, L., & Mason, K. (2021). Markets, infrastructures and infrastructuring markets. AMS Review, 11, 240-251. https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212-0
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) ao constatar como o conceito de infraestruturas de mercado oferece uma noção ampla para investigar mercados e as inovações que ocorrem em seus domínios. Também verificamos que são poucas pesquisas que estudam e descrevem os mercados por essa ótica (Araujo & Mason, 2021).

Segundo, avançamos ao constatar como as dimensões poéticas da infraestrutura (Larkin, 2013Larkin, B. (2013). The politics and poetics of infrastructure. Annual Review of Anthropology, 42, 327-343. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-092412-155522
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) são transmitidas para as práticas sociais, produtos/serviços, usuários que delas fazem parte (e.g., mercado da moda modesta). Como expomos neste artigo, as entrevistadas utilizam o Instagram como uma forma de reescrever as imagens das mulheres modestas no mercado e, inclusive, seu papel na sociedade. Para tanto, elas expõem uma rotina baseada em produtos/serviços modernos, luxuosos, casas de alto padrão, ambientes turísticos, que as inserem em diversos espaços e dão autoridade para que elas também utilizem essa infraestrutura pensante. Assim, contribuímos para que os estudos sobre a construção de mercados retratem, cada vez mais, de forma imbricada, a interação entre os elementos humanos e não humanos na concepção e no desenvolvimento de mercados (Nøjgaard & Bajde, 2021Nøjgaard, M. Ø., & Bajde, D. (2021). Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, 24(2), 125-146. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1713112
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), uma vez que ambos exercem agência entre si - agindo e reagindo de acordo com sua atuação e mudança.

Terceiro, avançamos na proposição de conceitos sobre as infraestruturas pensantes de mercado, dando atenção especial para as mídias sociais. Assim, conceituamos três novos elementos presentes nessas infraestruturas: mostrar/posicionar-se, agregar e valorizar comportamentos, e transações econômicas; bem como explicamos o funcionamento dessa infraestrutura na popularização de mercados. Assim, contribuímos com as literaturas recentes (Araujo & Mason, 2021Araujo, L., & Mason, K. (2021). Markets, infrastructures and infrastructuring markets. AMS Review, 11, 240-251. https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212-0
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; Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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; Fuentes & Fuentes, 2022Fuentes, C., & Fuentes, M. (2022). Infrastructuring alternative markets: Enabling local food exchange through patchworking. Journal of Rural Studies, 94, 13-22. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2022.05.022
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; Kjellberg et al., 2019Kjellberg, H., Hagberg, J., & Cochoy, F. (2019). Thinking Market Infrastructure: Barcode Scanning in the US Grocery Retail Sector, 1967-2010. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J. R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 207-232). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062013
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), que têm explorado uma nova forma de entender e descrever os mercados.

Implicações práticas

Do ponto de vista gerencial, nossas descobertas auxiliam os atores do mercado a compreender a influência da infraestrutura em suas ações, ou seja, instigamos os atores de mercado a pensarem como, frequentemente, suas ações são tomadas tendo em vista as expectativas de resposta da infraestrutura. No caso do Instagram, percebemos como a atenção à ideologia neoliberal e a quantificação das interações sociais podem determinar o sucesso de determinado usuário na rede. Embora aparentemente democráticas, as mídias sociais, como o Instagram, promovem perfis que trazem mais resultados quantificáveis, ou seja, são promovidos aqueles que seguem os padrões neoliberais, alta taxa de produtividade (conteúdos em vários formatos: reels, publicação no feed, stories) e que tenham alta taxa de engajamento. Também enfatizamos como as práticas sociais também estão presentes e não devem ser deixadas de lado. Como podemos observar, as práticas sociais e as questões culturais são fundamentais para se posicionar na rede e permitir a combinação entre os usuários.

Indicamos uma atenção especial à capacidade que as infraestruturas devem possuir para se conectar com outras (Araujo & Mason, 2021Araujo, L., & Mason, K. (2021). Markets, infrastructures and infrastructuring markets. AMS Review, 11, 240-251. https://doi.org/10.1007/s13162-021-00212-0
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). Podemos verificar que o crescimento da utilização do Instagram, em parte, está atrelado ao fato de ele permitir a conexão com outras redes para a efetuação de trocas econômicas. Isso significa que os atores/promulgadores de mercado precisam desenvolver e estender suas ações em infraestruturas que permitam o fluxo de trocas não apenas nos limites de sua infraestrutura, mas que possam se expandir dentro de outras, como instituições financeiras, bancárias. Embora o Instagram não tenha surgido inicialmente com o intuito de dar suporte às transações econômicas, podemos inferir que o aumento do desemprego, do custo de vida, das precárias condições de trabalho e a propagação do culto ao empreendedor modificou o propósito dessa infraestrutura. Assim, entendemos que a partir do momento que a infraestrutura do Instagram permite a conexão com outras infraestruturas pensantes (sites, WhatsApp Business, marketplaces), também pode ser corresponsável pelas interações e precárias condições que delas advêm. Neste sentido, chamamos a atenção dos formuladores de políticas públicas para a corresponsabilidade das infraestruturas pensantes na manutenção de ideologias ou situações precárias de trabalho, sendo importante a atuação governamental para regularizar e normatizar as interações entre os atores de mercado, a fim de garantir direitos/deveres, bem-estar social e justiça.

Por último, corroboramos os achados da pesquisa de Almeida et al. (2018Almeida, M. I. S. D., Coelho, R. L. F., Camilo-Junior, C. G., & Godoy, R. M. F. D. (2018). Quem lidera sua opinião? Influência dos formadores de opinião digitais no engajamento. Revista de Administração Contemporânea, 22(1), 115-137. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018170028
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) ao demonstrar a importância dos formadores de opinião, aqui influenciadoras e cantoras cristãs, no engajamento na mídia social. Avançamos essa última literatura, ao demonstrar como as empresas de varejo de moda modesta constituem parcerias com os indivíduos formadores de opinião para realizar transações econômicas e se manterem no mercado. Ademais, descrevemos uma séria de recursos utilizados pelos atores de mercado para a realização de ofertas, promoções e popularização do mercado, os quais podem ser aplicados em outros mercados, como: marketing de conteúdo (dicas de estilo de vida), associação à marca pessoal (influenciadora digital), concurso de influenciadoras, realização de sorteios para clientes, entre outros.

Limitações e direções para pesquisas futuras

Mesmo diante das implicações teóricas, práticas e contribuições, este estudo não está isento de limitações. Como limitações deste estudo está a restrição dos perfis observados no Instagram. Isso porque ao seguir as regulamentações éticas no que diz respeito à observação não participante das mídias sociais, o escopo do estudo ficou restrito ao perfil das entrevistadas. Outra limitação é a idade média das participantes deste estudo, que destacou predominantemente as jovens (consumidoras, cantoras e influenciadoras) - apenas uma consumidora e as lojistas tinham idade acima de 30 anos. Por retratar esse perfil específico, as descrições sobre o mercado precisam ser vistas com cautela. Tendo isso em vista, indicamos a realização de pesquisas que observem o comportamento de consumidoras de moda modesta de meia-idade, a fim de entender se as mídias sociais influenciam suas escolhas.

Sugere-se que estudos futuros investiguem a interação virtual e presencial, por meio das infraestruturas de mercado, visto que há uma migração de narrativas pessoais ou organizacionais nas mídias sociais, a qual foi acentuada pela pandemia de COVID-19, tornando-se uma tendência para os próximos anos. Assim como no século XIX houve um crescimento de infraestruturas de circulação e, no século XXI, o crescimento de estruturas pensantes (Bowker et al., 2019Bowker, G. C., Elyachar, J., Kornberger, M., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (2019). Introduction to Thinking Infrastructures. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.) Thinking Infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 1-13), Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062001
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), espera-se que, nos próximos anos, a trajetória da infraestrutura se dê pela integração entre as duas, seja pela maior otimização dos recursos, seja por esta ser a direção das interações sociais. Ademais, essas sugestões de pesquisa estão embasadas em Nøjgaard e Bajde (2021Nøjgaard, M. Ø., & Bajde, D. (2021). Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, 24(2), 125-146. https://doi.org/10.1080/10253866.2020.1713112
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), os quais argumentam a interação entre as linhas de market system dynamics e constructivist market studies para entender mercados.

Tendo em vista o contexto problematizado em que muitos atores do mercado da moda se situam, como condições insalubres, responsabilização individual de pequenos empreendedores e má remuneração de novas carreiras (Carmo et al., 2021Carmo, L. J. O., Assis, L. B. D., Gomes Júnior, A. B., & Teixeira, M. B. M. (2021). O empreendedorismo como uma ideologia neoliberal. Cadernos EBAPE. BR, 19(1), 18-31. https://doi.org/10.1590/1679-395120200043
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; Fletcher, 2010Fletcher, K. (2010). Slow fashion: An invitation for systems change. Fashion Practice, 2(2), 259-265. https://doi.org/10.2752/175693810X12774625387594
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; Villegas-Simón et al., 2022Villegas-Simón, I., Fernández-Rovira, C., Luque, S. G., & Bernardi, A. (2022). Radiografía de los micro-influencers en la economía de las plataformas digitales: Insatisfacción, trabajo gratuito y desigualdad en la retribución. Revista Latina de Comunicación Social, (80), 452-474. https://doi.org/10.4185/RLCS-2022-1805
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), sugerimos a realização de pesquisas que estudem tais questões pela ótica sociotécnica. Isso porque, frequentemente, as infraestruturas são vistas como ‘neutras’, incapazes de agir. No entanto, observamos nesta pesquisa que elas padronizam as ações dos atores e, consequentemente, moldam mercados e relações sociais (de trabalho, políticas, ambientais e sociais). Assim, incentivamos a olhar a infraestrutura como algo que exerce poder e se posiciona politicamente (Pujadas & Curto-Millet, 2019Pujadas, R., & Curto-Millet, D. (2019). From matchmaking to boundary making: Thinking infrastructures and decentring digital platforms in the sharing economy. In Kornberger, M., Bowker, G. C., Elyachar, J., Mennicken, A., Miller, P., Nucho, J.R., & Pollock, N. (Eds.). Thinking infrastructures (Research in the Sociology of Organizations, Vol. 62, pp. 273-286). Emerald Publishing Limited. https://doi.org/10.1108/S0733-558X20190000062017
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). Neste sentido, pesquisas futuras podem explorar como as ideologias e práticas são imbricadas na infraestrutura de mercado, bem como é possível criar infraestruturas mais éticas e preocupadas com o bem-estar social.

Mesmo dadas as limitações aqui expostas, o estudo propicia ao leitor um entendimento tanto das infraestruturas pensantes de mercado quanto da construção do mercado da moda modesta. Por fim, concluímos que a padronização arquitetada para ‘neutralizar o poder de agência da rede’ nas ações dos usuários pode ter efeito contrário, (re)afirmando os elementos políticos e simbólicos que a cercam. O Instagram pode ser considerado um espaço democrático, desde que seus usuários entendam e apliquem suas regras neoliberais. Uma vez que os atores do mercado da moda modesta agem de acordo com os padrões do Instagram, este mercado passa a ter visibilidade na mídia social, sendo popularizado para além dos espaços digitais.

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  • Wood, T., Jr., & Paula, A. P. P. (2001, September). Pop-management. Proceedings of the Encontro Nacional da ANPAD, Campinas, São Paulo, Brazil, 25.
  • 1
    . Reels: recurso que permite criar vídeos de 30 segundos, os quais podem aparecer nos stories, na aba ‘explorar’ e no feed do Instagram.
  • 2
    . Stories: recurso que deixa disponível por 24 horas as fotos, os vídeos e as enquetes publicadas pelo perfil.
  • 3
    . Enquetes: recurso que permite a interação entre os usuários, pelos stories, através de perguntas e alterativas.
  • Disponibilidade dos Dados

    Os autores afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:
    Becheri, Juliana de Oliveira; Gusmão, Acsa Hosken; Cozadi, Elisa Guimarães; Leme, Paulo Henrique Montagnana Vicente, 2023, "Replication Data for: "Instagram in the Modest Fashion Market: Analysis by Perspective of Sociotechnical Structure" published by RAC - Revista de Administração Contemporânea", Harvard Dataverse, V1.
    A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.
  • Direitos Autorais

    Os autores detêm os direitos autorais relativos ao artigo e concederam à RAC o direito de primeira publicação, com a obra simultaneamente licenciada sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).
  • Verificação de Plágio

    A RAC mantém a prática de submeter todos os documentos aprovados para publicação à verificação de plágio, mediante o emprego de ferramentas específicas, e.g.: iThenticate.
  • Financiamento

    Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo suporte financeiro para a realização deste trabalho.
  • Método de Revisão por Pares

    Este conteúdo foi avaliado utilizando o processo de revisão por pares duplo-cego (double-blind peer-review). A divulgação das informações dos pareceristas constantes na primeira página e do Relatório de Revisão por Pares (Peer Review Report) é feita somente após a conclusão do processo avaliativo, e com o consentimento voluntário dos respectivos pareceristas e autores.
  • Classificação JEL:

    M310.
  • Pareceristas:

    Olga Maria Coutinho Pépece (Universidade Estadual de Maringá, Brasil)
    Marcela Basaglia (Universidade Estadual de Maringá, Brasil)
  • Relatório de Revisão por Pares:

    A disponibilização do Relatório de Revisão por Pares não foi autorizada pelos revisores.

Editado por

Editor-chefe:

Marcelo de Souza Bispo (Universidade Federal da Paraíba, PPGA, Brasil)

Editores Convidados:

Valter Afonso Vieira (Universidade Estadual de Maringá, Brasil)
Maria Carolina Zanette (Neoma Business School, França)
Marcos Inácio Severo de Almeida (Universidade Federal de Goiás, Brasil)

Disponibilidade de dados

Os autores afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:

Becheri, Juliana de Oliveira; Gusmão, Acsa Hosken; Cozadi, Elisa Guimarães; Leme, Paulo Henrique Montagnana Vicente, 2023, "Replication Data for: "Instagram in the Modest Fashion Market: Analysis by Perspective of Sociotechnical Structure" published by RAC - Revista de Administração Contemporânea", Harvard Dataverse, V1.

https://doi.org/10.7910/DVN/G2BKK2

A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Publicado
    20 Abr 2023
  • Publicado
    31 Jul 2023
  • Recebido
    06 Jul 2022
  • Revisado
    09 Mar 2023
  • Aceito
    27 Mar 2023
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