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A SBQ e o desenvolvimento da química brasileira

The Brazilian Chemical Society and the development of Brazilian chemistry

A SBQ e o desenvolvimento da química brasileira

Fernando Galembeck

Instituto de Química da Unicamp - CP 6154 - 13083-970 - Campinas-SP

The Brazilian Chemical Society and the development of Brazilian chemistry. Chemistry underwent considerable growth in Brazil, in the last 20 years. This period of qualitative and quantitative improvements is concurrent with the lifetime of the Brazilian Chemical Society. The formation of this Society answered to the needs of Brazilian chemists, which could only be answered by a proper learned professional society. In its first years, the SBQ performed the important role of organizing the academic chemists and voicing their demands. Later on and up to the present, it has been instrumental in the construction of the community of chemical researchers, with whom it has a profound identity.

Keywords: Brazilian chemistry; chemistry in Brazil; SBQ; chemists; organization.

Na época em que iniciei o meu doutorado (1965), haveria no Brasil vinte, se tanto, pesquisadores químicos que conseguiam publicar seus trabalhos em revistas de circulação internacional. A produção científica brasileira atingia revistas importantes, mas era muito reduzida. Durante os anos 70 a ciência brasileira cresceu muito, mas de maneira desigual. Os estímulos oficiais e as iniciativas dos pesquisadores seguiram padrões muito diferentes, em áreas diferentes. No fim da década, a Química brasileira era uma espécie de cinderela da ciência desse país: qualitativamente boa, mas muito pequena. Poucas pessoas, com poucos alunos, produzindo pouca ciência, que por sua vez era pouco articulada com as necessidades dos diferentes grupos sociais e econômicos do país.

Uma parte do problema era uma curiosa noção, a cuja disseminação se aplicavam muitos de nossos colegas de outras áreas do conhecimento: a de que a Química era uma ciência envelhecida e cujo futuro mais brilhante seria talvez o de uma simples subdivisão da Física, ou o de uma linha auxiliar da Biologia. Uma frase então ouvida com certa frequência era a seguinte: "a Química é um capítulo mal estudado, da Física". Eu mesmo ouvi, de um cientista destacado, que a Biologia era um bom futuro para um químico, posto que a própria Química se esgotava.

Uma parte importante desse problema era a debilidade da entidade que então congregava químicos, a Associação Brasileira de Química. Esta entidade não tinha o vigor e o dinamismo que eram necessários, sob o regime militar e em uma época de grande crescimento dos fundos destinados à ciência brasileira. De um lado, os militares e seus prepostos eram muito sensíveis a grupos de pressão, desde que estes se mantivessem dentro de certos limites. Colegas nossos de outros áreas sabiam disso, e beneficiavam-se amplamente da situação. Por outro lado, o crescimento de recursos despertava apetites, e era muito importante para os grupos então mais poderosos serem capazes de alijar possíveis futuros competidores.

Alguns esforços para colocar a ABQ sob controle de efetivas lideranças científicas fracassaram. Até onde minha memória é fiel, atribuo esse fracasso à sistemática de escolha das diretorias da ABQ, então praticada. À vista do impasse, químicos que atuavam fortemente nas reuniões anuais da SBPC resolveram fundar uma nova sociedade de química.

Isso foi muito oportuno, porque coincidiu com um momento em que autoridades do governo brasileiro se preocupavam mais e mais com a Química e suas deficiências. Dessa forma, quando surgiram as propostas de criação do Instituto de Pesquisas Químicas, ou quando se criaram o Pronaq (Programa Nacional de Apoio à Química) e o PADCT (todos estes são episódios do período 79-83, mas o único que perdurou e teve um efetivo impacto sobre a Química brasileira foi o PADCT), os químicos já tinham um grau de organização que determinou um modelo de expansão descentralizada. Não houve então uma pré-definição de eminências e excelências da Química brasileira. Isto contrariou frontalmente uma postura então comum, que defendia que se selecionasse previamente os grupos de excelência, e que estes e só estes fossem contemplados. Ao contrário, nos anos 80, através do PADCT e de outros instrumentos de fomento (bolsas, apoio à pós-graduação, auxílios) muitas pessoas, muitas instituições e localidades tiveram suas oportunidades de crescimento, e a maioria dos químicos soube transformar essas oportunidades em realizações.

Quaisquer indicadores que se possa usar mostram um grande crescimento da Química brasileira, durante estes anos de SBQ. Talvez seja importante lembrar que características a sociedade teve, que respondem pelo seu sucesso:

I. a SBQ foi e é representativa, mas não foi lobista. À sombra da sociedade não se fez tráfico de influência, nem a defesa corporativa que fosse desvinculada de interesses maiores, da ciência ou do país;

II. a SBQ manteve sempre padrões de qualidade elevados - nas suas reuniões anuais, nas revistas e na atuação científica dos seus membros. Ela abrigou e estimulou jovens que em um momento eram promissores, e que se mostraram capazes de cumprir suas promessas. Por outro lado, não perdeu tempo com eminências de coquetéis;

III. a SBQ foi capaz de identificar suas mazelas, e de trabalhar para eliminá-las. As relações pessoais e de amizade não prevaleceram sobre o interesse coletivo, e mais de uma vez a sociedade teve de cortar a sua carne, para evitar necroses. Vistos à distância, alguns episódios foram até dramáticos, mas a sociedade emergiu deles sempre fortalecida;

IV. a SBQ teve sempre um relacionamento íntimo mas digno com o poder. Não se prestou a aventuras individuais, nem agrediu cofres públicos, mas fez a defesa do que à comunidade dos químicos era devido, para que pudéssemos cumprir o nosso papel na sociedade brasileira;

V. a SBQ tem sido capaz de sentir e viver novos tempos e novas situações, sem perder os traços que lhe dão distinção, mas sem congelar-se no envelhecimento precoce. Ela tem características estruturais que a protegem da agressão de aventureiros, mas tem mostrado uma saudável renovação de quadros.

A SBQ tem conseguido um bom compromisso entre a excelência acadêmica e a atuação política e comunitária responsável. Uma verificação interessante disto pode ser feita comparando-se a lista dos membros da Academia Brasileira de Ciências, admitidos em anos recentes, e a lista dos membros de diretorias da SBQ.

A SBQ nasceu bem e tem vivido bem, semeando por onde passa. Sua colheita é abundante, e os frutos são doces. Por outro lado, extensa é a memória das lutas e desafiadora é a certeza das dificuldades futuras. Estas dificuldades poderão ser enfrentadas, pois para isso temos um arsenal de princípios, que se têm mostrado corretos.

Portanto, para os que fundaram a SBQ fica a certeza de terem alcançado o que nem todos viventes conseguem: deixarem algo após si, melhor do que foi encontrado. Para os que hoje fazem esta sociedade, ficam algumas idéias, alguns exemplos de acertos e erros e um saldo positivo. Fica, para todos, uma história de busca do bem coletivo, acima mas com respeito às diferenças pessoais, discordâncias de opinião e interesses de indivíduos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 1997
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