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BÍBLIA E SUSTENTABILIDADE: A CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA COMO PARADIGMA DE UMA NOVA HERMENÊUTICA BÍBLICA

Bible and Sustainability: Ecological Consciousness as a Paradigm of a New Biblical Hermeneutic

RESUMO

As crises sociais, políticas e econômicas, extremos de secas e enchentes, e o aumento do nível do mar, são partes da crise ambiental contemporânea. Sendo assim, o artigo apresenta, inicialmente, algumas causas dessa crise, intimamente implicadas em um tipo de relação estabelecida entre o ser humano e a natureza, relação que se deu partir da reviravolta antropocêntrica na modernidade. O objetivo do artigo é mostrar que uma hermenêutica bíblica baseada na perspectiva antropocêntrica não é capaz de interpretar corretamente os textos bíblicos. O artigo defende, em primeiro lugar, que os relatos da criação não fundamentam nenhum domínio, no sentido de exploração desmedida, da natureza pelo ser humano. Em seguida, elucida que o sistema sabático na Bíblia, muitos séculos antes dos ambientalistas, já propunha uma forma de sustentabilidade, assegurando os recursos naturais para as futuras gerações e o cuidado com a criação inteira. Por fim, os resultados alcançados com a pesquisa apontam para a necessidade de um novo paradigma hermenêutico apto a interpretar a Bíblia não mais a partir de uma perspectiva antropocêntrica, mas de uma ótica enraizada numa consciência ecológica. Portanto, não se trata de uma mudança superficial na hermenêutica, mas de uma mudança de paradigma.

PALAVRAS-CHAVE
Cultura do consumo; Crise ambiental; Bíblia; Relatos da Criação; Sábado

ABSTRACT

Social, political and economic crises, extreme droughts and floods, and rising sea levels are all part of the contemporary environmental crisis. Therefore, this article sought to clarify some causes of this crisis, which are closely related to a type of relationship between human beings and nature, a relationship that arose from the anthropocentric turning point in modernity. It aims to show that a hermeneutics of the Sacred Scriptures based on an anthropocentric perspective is unable to correctly interpret biblical texts. Firstly, it argues that the accounts of creation do not imply the dominion of nature, and its excessive exploitation, by human beings. Then, the article clarifies that the Sabbath system in the Bible, many centuries before environmentalists, already proposed a form of sustainability, ensuring natural resources for future generations and care for the entire creation. Finally, the results of the research point to the need for a new hermeneutic paradigm capable of interpreting the Bible no longer from an anthropocentric perspective, but from a perspective rooted in ecological consciousness. Therefore, it is not simply a superficial hermeneutic change, but a real paradigm shift.

KEYWORDS
Consumer Culture; Environmental Crisis; Bible; Accounts of Creation; Sabbath

Introdução

Vivemos tempos de incerteza econômica, medo, violência, extrema pobreza e fome mundial, polarizações no campo das ideias e caos social. A cultura de consumo ocidental, por mais brilhante e sedutora que seja, é uma fonte perturbadora de graves problemas ambientais, incluindo resíduos, poluentes e o esgotamento dos recursos naturais. Além disso, uma cultura baseada no consumismo material como expressão principal da felicidade individual também tem prejudiciais ramificações éticas, psicológicas e políticas.

Alimentada pela propaganda, a cultura do consumo tem como aliada a publicidade que incita as pessoas a responderem às necessidades não materiais com bens materiais. Grande parte da população das metrópoles mundiais, tem o ato de fazer compras como sua atividade de lazer preferida. Ir às compras é mais importante que ler um livro, ouvir música ou apreciar a natureza. Isso indica uma “comercialização da vida”, resultado dos padrões de globalização econômica, bem como da expansão do mercado e de suas regras para áreas da vida que antes estavam protegidas dele.

Essa situação não surgiu de repente. Iniciou-se no final do século XVI e foi se estabelecendo ao longo de um processo de reviravolta cultural que atingiu todas as dimensões da vida humana e consolidou a ciência e a tecnologia conferindo a ambas o lugar preponderante na vida do ser humano e a norma suprema de seu agir. A chegada do século XXI mostrou as consequências desastrosas dessa reviravolta cultural, ou reviravolta antropocêntrica como a denominou o filósofo Immanuel Kant1 1 “Isto significa, em primeiro lugar, uma mudança no centro de gravidade do pensamento: de agora em diante, o modelo a partir de onde tudo é pensável não é mais o “kosmos”, mas o próprio homem enquanto subjetividade. Muda-se aqui radicalmente o quadro básico de referência de pensamento: o homem não se sente mais simplesmente como uma parte no 'Todo', mas se revela como algo radicalmente diferente de tudo mais, como sujeito de seu conhecimento e de sua ação no mundo (OLIVEIRA, 1985, p. 41). . E, apesar dos problemas econômicos, sociais e políticos se constituírem um desafio para a atualidade, é a questão ecológica o principal risco à sobrevivência do planeta, porque compromete todas as formas de vida existente na terra. Fazer da ciência e da tecnologia a regra suprema do agir humano no afã do lucro levou à ostensiva deterioração dos recursos naturais finitos, como se fossem inesgotáveis, e colocou em risco não só a sobrevivência da geração atual, mas, principalmente, a continuidade da vida no planeta.

As crises econômicas, sociais e políticas, a crise hídrica, a crise do solo, os impactos ambientais que estão ocorrendo nos oceanos, tudo isso não são fatos isolados, mas estão interconectados, fazem parte da maior crise ambiental de todos os tempos, fruto de um processo de exploração dos recursos naturais ao longo dos últimos séculos.

Esse contexto despertou a atenção de diversos ambientalistas que procuraram refletir acerca da responsabilidade humana em reverter essa situação de exploração do meio-ambiente, mediante a criação de uma consciência ecológica que orientasse a geração atual e as futuras gerações sobre a responsabilidade humana a respeito da preservação do planeta. As denúncias de ambientalistas também despertaram várias áreas do conhecimento à procura das possíveis causas e soluções dessa situação de exploração do planeta. E, nessa perspectiva, a teologia e a hermenêutica bíblica também se colocaram nesse objetivo de refletir sobre a relação “ser humano-mundo” a partir da correta interpretação das Sagradas Escrituras.

1 Algumas causas da crise ambiental contemporânea

O ser humano, ao longo da história, foi aprendendo a transformar recursos da natureza em produtos cada vez mais elaborados. O surgimento do método da ciência na modernidade considerou o ser humano soberano da natureza e dela separado. O aparecimento do capitalismo, junto à revolução científica e industrial deram origem a um maquinário dependente de minerais, gás, carvão e petróleo. Os cultivos da terra e criações de animais foram deixados aos cuidados de equipamentos cada vez mais sofisticados.

Com o objetivo de angariar grandes lucros, as florestas foram transformadas em pastos ou destinadas à monocultura de soja tendo em vista à ração para o gado. Houve a erosão do solo rural, a pavimentação do solo urbano, provocando o alastramento da poluição, enquanto fontes finitas de recursos e de energia do meio-ambiente estavam sendo sugadas com grande rapidez.

O Papa Francisco, no primeiro capítulo da encíclica Laudato si’ dá um espectro de ameaças ditadas pelo ritmo acelerado das mudanças e pela dinâmica do progresso tecnológico. Um panorama de ameaças inclui: a poluição causada por transportes, fumaças industriais, substâncias que contribuem para a “acidificação do solo e da água, fertilizantes, inseticidas, fungicidas, herbicidas e agrotóxicos em geral” (LS, n. 20).

A prática de retirar a vegetação nativa para dar lugar às plantações é um marco inicial para a atual crise ambiental. Insistentemente, por muitas gerações, com os mesmos cultivos, o solo foi ficando empobrecido, causando erosão. O desmatamento com vistas à construção de grandes navios, o uso da madeira nobre para fabricação de móveis e a exploração mineral na época das grandes navegações e nas eras subsequentes, também são fatores importantes no desencadeamento da situação de crise ambiental na qual o planeta se encontra atualmente.

Embora alguns desastres ecológicos, de alcance circunscrito, tenham ocorrido na Antiguidade, como o desmatamento na Sicília e, provavelmente, na Ilha de Páscoa, a exploração dos cedros no Líbano, entre outros exemplos; mesmo assim, a relação com o meio-ambiente, tratado como doador de recursos não foi realizada na velocidade de exploração como aconteceu na Modernidade.

O capitalismo moderno, ao não considerar as relações ecossistêmicas estabelecidas em milhões de anos de evolução natural, teve consequências desastrosas: poluição, buraco na camada de ozônio, aumento do efeito estufa, mudanças climáticas, aumento do nível do mar, acidificação dos oceanos, perda de biodiversidade com o desaparecimento de milhares de espécies de plantas e animais, a destruição de ecossistemas e de recifes de coral (LS, n. 38-41).

Antes dos avanços técnicos-científicos da modernidade e do novo tipo de relação estabelecida entre o ser humano e a natureza, a extinção de muitas espécies aconteceu naturalmente ao longo de milhares de anos, por causas geológicas, como erupções vulcânicas, quedas de meteoros, movimentos tectônicos e outras. Nesses milhares de anos, o ambiente transformado de forma natural, teve um lento repovoamento com novas espécies.

Mas, na era industrial, as taxas de extinção podem chegar a ser até cem vezes maiores do que nas eras pré-industriais. Nesse ritmo, o futuro, inclusive do ser humano, não é nada promissor. A humanidade está em um percurso autodestrutivo, pois obviamente a sobrevivência dela depende da biosfera que está sendo modificada radicalmente com uma rapidez espantosa.

As mudanças climáticas acontecem principalmente por causa do aquecimento da atmosfera que é composta de gases que se comportam de determinada maneira de acordo com a quantidade de água e a quantidade de energia solar que a atmosfera recebe.

Uma das características da atmosfera é a sua temperatura que é determinada pelo efeito estufa. Quando a energia do sol chega no planeta, a radiação solar atravessa a atmosfera e parte dela é absorvida pela superfície da terra. Outra parte da radiação solar é refletida de volta para o espaço. Mas, nem tudo retorna ao espaço, uma parte dessa radiação solar é absorvida por gases na atmosfera, mantendo a temperatura do planeta adequada para a existência da vida. Esse processo natural se chama efeito estufa (BARBOSA, 2014BARBOSA, H. M. J. Vapor de Água na Atmosfera: do efeito estufa às mudanças climáticas. Revista USP, n. 103, p. 67-80, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/99185/97651. Acesso em: 23 mar.2023.
https://www.revistas.usp.br/revusp/artic...
, p. 70-73).

O que está acontecendo atualmente, por causa das atividades humanas de uso do solo e das atividades industriais, é que o efeito estufa está aumentando aceleradamente devido a um aumento na emissão de gases. Em outras palavras, o aumento da quantidade dos gases na atmosfera faz com que esta retenha mais calor, aumentando a temperatura do planeta.

O gás carbônico, o metano e o óxido nitroso são três tipos de gases do efeito estufa. Com a Revolução Industrial a quantidade desses gases aumentou exponencialmente. No efeito estufa, atualmente, mais da metade da emissão desses gases é consequência das atividades de produção de energia, indústria e transporte (BARBOSA, 2014BARBOSA, H. M. J. Vapor de Água na Atmosfera: do efeito estufa às mudanças climáticas. Revista USP, n. 103, p. 67-80, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/99185/97651. Acesso em: 23 mar.2023.
https://www.revistas.usp.br/revusp/artic...
, p. 74-76).

Na sequência, as duas outras atividades mais relevantes para o aumento da quantidade de gases no efeito estufa estão relacionados ao uso da terra e à agricultura. A alteração do uso do solo, principalmente, a conversão de florestas em pastagem, ou seja, o desmatamento em vista da criação de gado, é extremamente grave porque mais da metade da emissão de metano decorre de fermentação entérica2 2 A fermentação entérica é um processo bioquímico decorrente da digestão do ruminante quando bactérias no aparelho digestivo do animal liberam gases do intestino. Um boi não faz tanta diferença, mas 200 milhões de cabeças de gado produzindo metano para atmosfera, acrescentado a um alto índice de gás carbônico devido à poluição provocada por automóveis, torna-se algo desastroso. . E o metano é um gás muito importante no efeito estufa, pois retém mais calor do que o gás carbônico (PEDREIRA; OLIVEIRA; BERCHIELLI; PRIMAVESI, 2005PEDREIRA, M. S.; OLIVEIRA, S. G.; BERCHIELLI, T. T.; PRIMAVESI, O. Aspectos relacionados com a emissão de metano de origem ruminal em sistemas de produção de bovinos. Archives of Veterinary Science, v. 10, n. 3, p. 24-32, 2005. Disponível em https://www.alice.cnptia.embrapa.br/handle/doc/47566. Acesso em 25/03/2023.
https://www.alice.cnptia.embrapa.br/hand...
, p. 24-32). O óxido nitroso é outro gás do efeito estufa. A emissão dele está associada a atividades humanas e resulta principalmente da fertilização nitrogenada do solo (PEDREIRA; OLIVEIRA; BERCHIELLI; PRIMAVESI, 2005PEDREIRA, M. S.; OLIVEIRA, S. G.; BERCHIELLI, T. T.; PRIMAVESI, O. Aspectos relacionados com a emissão de metano de origem ruminal em sistemas de produção de bovinos. Archives of Veterinary Science, v. 10, n. 3, p. 24-32, 2005. Disponível em https://www.alice.cnptia.embrapa.br/handle/doc/47566. Acesso em 25/03/2023.
https://www.alice.cnptia.embrapa.br/hand...
, p. 29).

Com o aumento da temperatura na atmosfera, um dos efeitos mais evidentes e radicais que se tem observado é o degelo polar. A diminuição radical da quantidade de gelo nas calotas polares resulta no aumento do nível do mar. Além de aumentar o nível do mar, o degelo no Ártico tem outras consequências sérias devido ao permafrost que é uma faixa de solo permanentemente congelada e que representa cerca de vinte e cinco por cento do hemisfério norte. Com o degelo, o permafrost está desmoronando e formando enormes crateras no Ártico. Com isto, a matéria orgânica que estava ali congelada começou a se decompor. O que vem a significar que uma quantidade enorme de gás carbono armazenada na matéria orgânica que se transforma em metano o qual é emitido para a atmosfera, aumentando o efeito estufa (THORN; DARMODY, 2002THORN, C.E. & DARMODY, R.G. Permafrost and ground temperature regimes: a challenging soil classification problem in low arctic and alpine environments. Geografisk Tidsskrift, Danish Journal of Geography, v. 102, n. 1, p. 1-9, 2002., p. 1-9).

Uma terceira consequência do degelo é que microrganismos, bactérias e vírus, que estavam congelados há milhares de anos, estão entrando em contato com a atmosfera. Esses organismos são desconhecidos e não se sabe até que ponto eles podem ser um risco para o surgimento de algum tipo de doença. O aumento do efeito estufa traz o aquecimento global que provoca queimadas nas secas, além de enchentes no verão. A mudança climática tem altos e baixos, isso significa mais extremos de seca e mais extremos de chuva.

A expansão das doenças tropicais é outra consequência do aquecimento global como, por exemplo, a propagação da dengue, da zika, da febre amarela e da chikungunya, que são doenças transmitidas pelo mesmo mosquito aedes aegypti. Por causa do aquecimento e do alto índice de urbanização, esse mosquito está colonizando novas áreas, o que aumenta a probabilidade também de transmissão de novas doenças3 3 SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA TROPICAL. Relação explosiva: aquecimento global e doenças tropicais. Disponível em: https://sbmt.org.br/relacao-explosiva-aquecimento-global-e-doencas-tropicais/. Acesso em: 11 mar. 2023. .

O aquecimento global não significa apenas dias mais quentes, mas se refere a um aumento gradativo na média das temperaturas, fato previsto por pesquisadores há décadas. O aquecimento global é um fato observado e pesquisado. É necessário pontuar isso em uma época com forte tendência ao negacionismo em relação a esta questão.

Tendo em vista todos esses problemas e a necessidade de pensar estratégias para recuperar o ecossistema, os ambientalistas propõem um desenvolvimento sustentável, no qual se possa atender as necessidades da geração atual sem comprometer o futuro do planeta.

2 Propostas de solução para crise ambiental a partir da sustentabilidade

O termo “sustentabilidade” é bastante usual atualmente e seu conceito, muito recente, está implicado em um processo de resistência e de conscientização a respeito dos riscos provocados pela exploração desmedida da natureza e pela irresponsabilidade intrínseca à cultura tecnológica e industrial.

Um exemplo típico dessa exploração desmedida pode ser notado quando da fabricação das primeiras lâmpadas elétricas, na década de 20 do século passado. Providências foram tomadas para evitar que os fabricantes ficassem muito tempo sem vender esse produto. A solução foi criar um filamento que se romperia depois de um curto período de uso e estimularia o consumo de novas lâmpadas.

em 1924 com a lâmpada elétrica (...), formou-se o cartel Phoebus, resultado da reunião de um grupo de fabricantes de lâmpadas dos Estados Unidos e da Europa, o qual determinou que a vida útil das lâmpadas deveria ser reduzida de 3.000 para 1.000 horas

(ROSSINI; NASPOLINI, 2017ROSSINI, V.; NASPOLINI, S. H. Obsolescência programada e meio ambiente: a geração de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. Revista de Direito e Sustentabilidade, v. 3, n. 1, p. 51-71, 2017. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/b618/a00eda1752b552862ff1fffc17b28e69bb72.pdf. Acesso em: 12 mar. 2023.
https://pdfs.semanticscholar.org/b618/a0...
, p. 54).

Essa prática foi denominada de obsolescência programada, com a proposta de definir, a partir do momento da produção, a obsolescência dos bens de consumo. Prática que foi adotada como lei nos Estados Unidos, desde a década de 50. A lei da obsolescência programada faz com que os produtos eletrônicos não funcionem por muito tempo. As consequências disto para o planeta têm sido drásticas, pois estimula a produção de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (também chamado de lixo eletrônico ou lixo tecnológico)4 4 “que são compostos de plásticos, vidros, componentes eletrônicos, mais de vinte tipos de metais pesados e outros, cujas concentrações podem ser microscópicas ou de grande escala, sendo que cada um deles exige um procedimento de extração diferenciado” (ROSSINI; NASPOLINI, 2017, p. 61). e a retirada de mais recursos da natureza para a fabricação de novos equipamentos.

A questão do descarte de resíduos se agravou com o uso da energia nuclear depois da bomba atômica sobre Hiroshima, na segunda guerra mundial. Na década de 50, houve uma percepção que humanidade não sabia lidar com os resíduos gerados a partir da indústria de energia nuclear. Também começou a haver maior consciência a respeito dos perigos desse tipo de resíduos para o planeta (POVALUK, 2012POVALUK, M. Educação ambiental X sustentabilidade: proposta de um plano de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Saúde e meio ambiente: revista interdisciplinar, v. 1, n. 1, p. 23-37, 2012. Disponível em http://www.periodicos.unc.br/index.php/sma/article/view/220. Acesso em 25/03/2023.
http://www.periodicos.unc.br/index.php/s...
, p. 24-25)5 5 “Portanto é necessário que o homem adquira consciência dos danos causados pelo uso indiscriminado de recursos naturais, sem ao menos ter o cuidado com os rejeitos tóxicos que poderão causar danos ambientais, para essa e as próximas gerações” (POVALUK, 2012, p. 25). . Esse foi um passo importante para uma conscientização a respeito da sustentabilidade.

Na década de 60, a defesa do meio-ambiente foi encampada pelo fenômeno de rebeldia da juventude daquela época. Em stricto sensu, esse fenômeno se caracterizava como negação dos valores e costumes hegemônicos da cultura tecnológica e industrial aceitos como norma suprema da sociedade. Em 1960, o sociólogo estadunidense John Milton Yinger propôs o uso do termo “contracultura” para esse fenômeno de rebeldia, em seu célebre artigo intitulado “Contracultura e Subcultura” (Contraculture and Subculture) (YINGER, 1960YINGER, J. M. Contraculture and Subculture. American Sociological Review, v. 25, n. 5, p. 625-635, 1960., p. 625-635). O objetivo primordial da contracultura era seu caráter de negação à ordem tecnocrática vigente, e a proposição de alternativas de atuação política em favor da paz mundial e da preservação do planeta. Até então não tinha acontecido uma revolta em massa contra a cultura hegemônica como aconteceu na década de 60 (THOMÉ, 2016THOMÉ, L. Contracultura: o conceito, sua história e seus problemas. In: XIII Encontro Estadual de História da ANPUH RS: Ensino, direitos e democracia. Santa Cruz do Sul: ANPUH, 2016. Disponível em: http://www.eeh2016.anpuh-rs.org.br/resources/anais/46/1476382682_ARQUIVO_Contracultura.pdf. Acesso em 12/03/2023.
http://www.eeh2016.anpuh-rs.org.br/resou...
).

No mesmo período, foram denunciadas as consequências do uso do DDT nas lavouras para exterminar os insetos. Pois as aves que comiam os insetos infectados também morriam. Em 1962, houve a publicação da obra Primavera silenciosa (Silent Spring) da bióloga e ecologista Rachel Carson6 6 Rachel Louise Carson (1907 – 1964), nasceu em Springdale, na Pensilvania (EUA). Conferir sua biografia e suas obras em: CARSON, R. The life and Legacy of Rachel Carson. Disponível em: https://www.rachelcarson.org/. Acesso em: 12 mar. 2023. . A primavera estava silenciosa porque não se ouvia mais o som dos insetos e nem das aves. A partir daí foi analisado o que mais poderia estar infectado com o DDT. O veneno foi detectado em quase tudo, inclusive, no leite materno humano (CHIACCHI, 2019CHIACCHI, J. I. D. C. G.; DE MEDEIROS RIVERO, S. L. Crise ecológica: as contradições entre sustentabilidade e acumulação do capital. Cadernos CEPEC, v. 7, n. 1-6, p. 5-22, 2019. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/cepec/article/view/7070/5509. Acesso em 25 mar. 2023.
https://periodicos.ufpa.br/index.php/cep...
, p. 7).

Outro fato que contribuiu para uma conscientização a respeito da sustentabilidade foi a viagem espacial à Lua em 1969. Esse fato não foi apenas uma façanha tecnológica, mas um novo modo de ver a Terra como um pequeno planeta azul na imensidão do espaço, isso trouxe uma consciência de finitude para as novas gerações. Surgiu a ideia de que as ações humanas têm consequências muito maiores do que se imaginava, pois a terra é um sistema finito. Uma nova consciência surgiu. Foi aí que o ser humano se deu conta que o planeta é a casa de todos, a casa comum, como dirá mais tarde o Papa Francisco no subtítulo da encíclica Laudato si, “Sobre o Cuidado da Casa Comum”.

O surgimento do chamado “o clube de Roma” em 1968 foi outro acontecimento que contribuiu para impulsionar a sustentabilidade. O “clube de Roma” era um grupo de pesquisadores que começou a mapear os recursos naturais que estavam sendo explorados e que corriam o risco de se tornarem extintos. Pretender um crescimento infinito do progresso dentro de um planeta finito não seria possível (CHIACCHI, 2019CHIACCHI, J. I. D. C. G.; DE MEDEIROS RIVERO, S. L. Crise ecológica: as contradições entre sustentabilidade e acumulação do capital. Cadernos CEPEC, v. 7, n. 1-6, p. 5-22, 2019. Disponível em https://periodicos.ufpa.br/index.php/cepec/article/view/7070/5509. Acesso em 25 mar. 2023.
https://periodicos.ufpa.br/index.php/cep...
, p. 7).

Finalmente, em 1972 foi realizada a primeira conferência das Nações Unidas sobre o meio-ambiente. A partir de então houve um despertar a respeito do futuro do planeta, sobre a escassez que poderia vir por falta de planejamento no uso dos recursos naturais. Em 1983 foi estabelecida pela ONU a Comissão Mundial de Meio-ambiente e Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland, primeira-ministra da Noruega. Essa comissão se tornou mundialmente conhecida como Comissão Brundtland, que produziu em 1987 o Relatório sobre nosso futuro comum. Foi nesse relatório que pela primeira vez surgiu a definição de sustentabilidade, que é suprir as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações, ou seja, desenvolvimento sim, mas de modo sustentável, sem esgotar os recursos naturais nem poluir o planeta (LIMA, 2003LIMA, G.C. O discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação. Ambiente & Sociedade, v. 6, n. 2, p. 99-119, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/asoc/a/6Fw8F3nQ98FjHhD6DmnsR7f/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 12 mar. 2023.
https://www.scielo.br/j/asoc/a/6Fw8F3nQ9...
, p. 99-119).

3 A Bíblia e a sustentabilidade

As demandas da crise ambiental e do consenso atual sobre as causas antropogênicas da redução da biodiversidade e dos ecossistemas, o desmatamento, a perda de terras férteis etc., exigem uma abordagem mais aprofundada sobre os relatos da criação, tendo em vista a crítica do historiador Lynn White Junior, segundo o qual as raízes da crise ambiental estão na tradição judaico-cristã que fundamenta nas Escrituras a ordem divina ao ser humano para submeter e dominar os demais seres do planeta conforme Gn 1,28 (OLIVEIRA, 2008OLIVEIRA, M. M. Controvérsias entre ambientalistas e teólogos sobre o antropocentrismo. Kairós, v. 5, n. 2, p. 263-274, 2008. Disponível em: https://www.ojs.catolicadefortaleza.edu.br/index.php/kairos/article/view/229/210. Acesso em: 13 mar. 2023.
https://www.ojs.catolicadefortaleza.edu....
, p. 264)7 7 Os textos bíblicos em língua portuguesa estão conforme a Bíblia de Jerusalém, exceto quando indicado o contrário. .

A tese de White é que, durante a maior parte da história da interpretação cristã, as Escrituras foram lidas de tal maneira que não apenas estabeleceram uma desvinculação entre o ser humano e natureza, mas também afirmaram ser vontade de Deus a exploração da natureza pelo ser humano (LS 67). White também traça uma correlação direta entre o domínio da natureza, característica dos avanços tecnológicos da era industrial, e os padrões de dominação política das nações cristãs europeias sobre as colônias das Américas e da África. Portanto, não se deveria separar a crise ecológica atual da cultura cristã (WHITE JR., 1967WHITE JR., L. The Historical Roots of Our Ecologic Crisis. Science, v. 155, n. 3767, p. 1203–1207, 1967. Disponível em: https://www.science.org/doi/10.1126/science.155.3767.1203. Acesso em: 14 mar. 2023.
https://www.science.org/doi/10.1126/scie...
, p. 1203–1207).

O mandato do domínio humano sobre a natureza em Gn 1,28 pode ter sido usado como justificativa para a dominação e exploração dos recursos do planeta, mas, apesar de os escritores bíblicos não terem tido condições de traçar, cientificamente, inter-relações dentro da biosfera da terra e seus ecossistemas, eles articularam uma visão da criação que é coerente com as preocupações atuais em relação à sustentabilidade. Uma nova abordagem dos relatos da criação reivindica uma reavaliação do “domínio” antropocêntrico, a partir de uma questão fundamental: qual o papel do ser humano na comunidade da criação, conforme a Bíblia?

Primeiramente, os textos bíblicos devem ser lidos dentro dos contextos em que surgiram. Entre a época atual e esses textos há, pelo menos uma distância de vinte séculos. Textos do Antigo Testamento podem ter sido escritos há mais de vinte e seis século atrás. As tradições orais que serviram de base para os textos mais antigos podem ter surgido há quatro mil anos.

As tradições orais que deram origem aos textos do Antigo Testamento remontam à época do seminomadismo, quando a manipulação do ambiente através da atividade de caça, pesca e criação de gado de pequeno porte, estavam em consonância com as cadeias alimentares e os ciclos naturais, visto que os povos seminômades se locomoviam de acordo com a transumância. E, apesar de terem construído casas e dado início ao sedentarismo, de terem começado a se distanciar dos ciclos naturais e de inaugurarem a ideia de propriedade da terra (RONEN, 2007RONEN. A. Climate, sea level, and culture in the Eastern Mediterranean 20 ky to the present. In: YANKO-HOMBACH, V. et al. (Eds.). The Black Sea Flood Question: Changes in Coastline, Climate, and Human Settlement. Dordrecht: Springer, 2007. p. 819-832., p. 819-832), não exploravam o solo inescrupulosamente, não usavam insumos ou inseticidas e a madeira era utilizada em uma dose modesta, de forma a proporcionar à natureza que conseguisse repor seus recursos.

O vínculo entre o ser humano e a natureza faz parte da experiência de todas as culturas antigas, inclusive do antigo Israel, isto foi incorporado em suas leis, cultos, mitos e poesias. A primeira cultura que esqueceu o vínculo do ser humano com a natureza foi a cultura moderna a partir da reviravolta antropocêntrica. Foi aí que houve uma inversão do paganismo: não mais os seres da natureza são deuses, mas o ser humano se tornou um deus insaciável e destruidor da natureza. Portanto, não é a Bíblia que fundamenta as causas antropogênicas da crise ambiental atual, mas hermenêuticas do texto bíblico que desconsideram seu contexto originário muito anterior à busca irracional por grandes lucros na modernidade.

3.1 Uma nova hermenêutica dos relatos da criação

As demandas do contexto atual desafiam os biblistas a considerarem como as cosmovisões antropocêntricas religiosas influenciaram as leituras históricas da Bíblia, de maneiras que contribuíram para a crise hodierna e restringiram os contornos ecológicos do texto antigo. Há várias tendências recentes nas disciplinas relacionadas à teologia, à interpretação bíblica e à ética, tendências que atestam a necessidade de reformular as estruturas teológicas e a interpretação bíblica à luz de considerações ambientais e ecológicas.

Voltando à crítica contundente de White ao cristianismo, esta gerou uma proliferação de respostas por parte dos cristãos, algumas delas negacionistas, outras que partiram de grandes considerações reflexivas. O mais importante é que a crítica feita por White se tornou um ponto de referência historicamente significativo durante mais de cinquenta anos e que definiu uma nova trajetória para a hermenêutica bíblica e para a reflexão teológica.

Como precursores da encíclica Laudato si em 2015 e das demais reflexões do Papa Francisco sobre o tema, há inicialmente o discurso para o XXIII Dia Mundial da Paz, celebrado em 01 de janeiro de 1990, no qual Papa João Paulo II relacionou o ensino social católico com a ética ecológica (JOÃO PAULO II, 1989JOÃO PAULO II, Papa. Paz com Deus Criador, paz com toda a criação: mensagem para a celebração do XXIII Dia Mundial da Paz (01 de janeiro de 1990). Vaticano, 1989. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/messages/peace/documents/hf_jp-ii_mes_19891208_xxiii-world-day-for-peace.html. Acesso em: 27 jul. 2023.
https://www.vatican.va/content/john-paul...
).

O tema foi abordado também por uma vasta literatura teológica na qual se busca interpretar o modo mais correto de tratar o meio ambiente à luz da revelação divina, interpelando criticamente a postura do sujeito moderno. Após a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro em 1992, Leonardo Boff, lançou o livro Ecologia, grito da terra, grito dos pobres, publicado em 1995, no qual definiu os principais pilares da ecoteologia e da ética ambiental católica, a saber, justiça para os pobres e justiça para a terra.

Não podemos deixar de citar Sallie McFague, falecida em 15 de novembro de 2019. Suas publicações sobre teologia ecofeminista influenciaram as gerações seguintes de teólogos e teólogas. Em seus primeiros livros, McFague explorou o significado de metáfora, já que toda teologia é necessariamente metafórica e nenhuma imagem é suficiente para dar a compreender a grandeza divina. Dessa forma, novas metáforas são necessárias para novas formas de conceber Deus. A imagem tradicional de Deus como pai e rei, por exemplo, é insuficiente para a era ecológica. Novas metáforas ou analogias ajudam a compreender outros aspectos de Deus que não foram elaborados pelos modelos das teologias tradicionais (MCFAGUE, 1996MCFAGUE, Sallie. Modelos de Deus: teologia para uma era ecológica e nuclear. São Paulo: Paulus, 1996., p. 105-108).

Na obra Modelos de Deus, publicado em 1987, McFague propõe novas formas de compreender o relacionamento do Criador com o mundo criado. Na metáfora apresentada por ela, o mundo é o corpo de Deus. Isto implica um envolvimento total do Criador com a criação. Com isso, a teóloga pretende enriquecer a compreensão sobre Deus e o relacionamento dos seres humanos uns com os outros e com toda a criação. No modelo monárquico, muito destacado pela teologia tradicional, Deus-Rei era inatingível, todo-poderoso dominador absoluto, separado do mundo. No modelo proposto por McFague, a criação é o lugar de Deus, o lugar do agir divino. A imagem do mundo como corpo de Deus é panenteísta. Conforme esse modelo, apesar de Deus e a criação serem totalmente distintos, Deus está intimamente vinculado à criação e vice-versa. Deus é tudo em todos, sofre e se alegra com cada criatura, todos os seres vivos existem em interação uns com os outros e com Deus, enfatiza-se o cosmomorfismo em vez do antropomorfismo (MCFAGUE, 1996MCFAGUE, Sallie. Modelos de Deus: teologia para uma era ecológica e nuclear. São Paulo: Paulus, 1996., p. 134-135).

Por essas novas formas de fazer teologia, a tarefa do ser humano não é dominar a criação, mas de ter compaixão e cuidar dela. O texto de Gn 2,15 afirma que Deus colocou o ser humano no jardim para o cultivar e guardar. O termo “guardar” (em hebraico shamar)8 8 Os textos bíblicos em idioma original estão conforme Bible Works. pode ser traduzido por “cuidar”, significa proteger, salvaguardar, preservar, defender. “Isto implica uma relação responsável de reciprocidade entre o homem e a natureza” (LS, n. 67). O cuidado leva a um relacionamento saudável entre os seres humanos e o planeta, entre homens e mulheres, entre líderes políticos e liderados. Isso exige uma nova espiritualidade, uma nova forma de fazer teologia e, principalmente, um novo modo de compreender os textos bíblicos, já que recai sobre a antiga hermenêutica a acusação de ter favorecido a justificativa de depredação da natureza que levou a uma crise planetária.

As novas abordagens bíblicas requerem uma mudança de paradigma estabelecendo a ecologia e a crise ambiental como uma lente hermenêutica genuína para a leitura das Escrituras, uma lente que não apenas permita uma interpretação adequada da Bíblia, mas que motive uma práxis que leve em conta a responsabilidade humana em relação às questões ecológicas prementes do contexto atual. No entanto, é necessário respeitar o texto bíblico dentro do seu contexto histórico, não tentando encontrar ali as preocupações e questões modernas, isto denotaria uma atitude simplista e totalmente anacrônica. A Bíblia foi escrita predominantemente por homens (varões) para as comunidades israelitas e cristãs, refletindo temas de interesse humano do mundo antigo. Além disso, é extremamente necessária a conscientização que o texto bíblico é polissêmico, há muitas vozes e sentidos inerentes a ele e que necessitam ser consideradas.

A teologia antiga pressupunha que os humanos são a parte mais importante da criação porque são os únicos seres que podem se relacionar com Deus e com os demais seres de forma consciente, isto influenciou claramente as hermenêuticas históricas das Escrituras. Esse pressuposto da teologia resultou em uma desvalorização da matéria criada não-humana na interpretação bíblica posterior. A nova hermenêutica que leva em conta a ecologia e a sustentabilidade, tem como estratégia inicial verificar até que ponto um determinado texto pode ter um histórico de leituras incorretas. Nesses casos, os intérpretes tentam recuperar o texto de leituras incompletas ou inadequadas, ao mesmo tempo em que identificam contornos do texto anteriormente negligenciados ou completamente ignorados.

A nova hermenêutica destaca que o ser humano é uma espécie no ecossistema, compartilha a terra como lar com todos os outros organismos vivos os quais são completamente dependentes da saúde contínua do ecossistema para sobreviver. Inclusive, o termo ecologia, cunhado por Ernst Häckel, no século XIX (BOFF, 1995BOFF, L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995., p. 147), é etimologicamente derivado do termo grego oikos, que significa “casa” ou “lar” e está relacionado com o vocábulo oikonomia, entendido como “gestão” divina sobre a criação (Ef 1,10).

Termos bíblicos como mar e terra, céu e terra, fazem referência a diferentes elementos da criação, dependendo do contexto mais amplo, geralmente incluindo todos os organismos vivos, inclusive a humanidade (CONRADIE, 2007CONRADIE, E. M. The Whole Household of God (oikos): Some Ecclesiological Perspectives: Part 1. Scriptura, v. 94, n. 1, p. 1-9, 2007. Disponível em: https://journals.co.za/doi/epdf/10.10520/EJC100821. Acesso em: 14 mar. 2023.
https://doi.org/10.10520/EJC100821...
, p. 1-2). Numa hermenêutica antropocêntrica, textos como Gn 1,26-28 e Sl 8 partiam de uma hierarquia de relacionamentos, tendo Deus como o Criador transcendente a todas as coisas, a humanidade como sujeito governante de todas as coisas e a terra como um objeto de exploração ou, mais recentemente na modernidade, como mercadoria de consumo.

Uma hermenêutica mais aprofundada desconfia significativamente dessas interpretações, a partir do significado dos termos hebraicos proeminentes nos relatos da criação, como por exemplo radah, geralmente traduzidos por “dominar” (Gn 1,26). O verbo radah não carrega intrinsecamente a conotação de governo despótico. Para governo despótico, o hebraico bíblico usa a palavra perek. O Salmo 8,7-9 faz alusão a Gn 1,26, mas substitui a palavra radah por seu sinônimo mashal (v.7). Isso leva a descobrir o significado de radah em Gn 1,26, por meio de uma palavra que é um equivalente semântico próximo e tirar as seguintes conclusões (ANDERSON, 1992ANDERSON, B. W. “Subdue the earth”: What does it mean? Bible Review, v. 8, n. 5, p. 4-10, 1992., p. 4):

- Deus é o governante sobre tudo o que ele criou: “tudo, no céu e na terra, te pertence... és o dominador [o governante, mashal] de tudo” (1 Cr 29,11-12);

- Deus exerce esse domínio sendo amoroso com tudo o que criou: “seu governo [domínio, memshalah] é para as gerações e gerações. O SENHOR é fidelidade em todas as suas palavras e amoroso para com todas as suas obras... Os olhos de todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no tempo certo. Abres a tua mão e sacias todos os seres vivos” (Sl 145,13.15-16)9 9 Tradução instrumental do texto hebraico. ;

- É nesse sentido que Deus concede à humanidade o governo sobre toda a criação. “Para que domines [governes, mashal] as obras de tuas mãos” (Sl 8, 7) (MARQUES, 2017MARQUES, M. S. Relendo Gn 1,28 em seu contexto: a questão ecológica e a des-brutalização das relações. Estudos Bíblicos, v. 34, n. 133, p. 27-40, 2017., p. 34-37).

Os verbos “dominar” e “sujeitar” são diretrizes para os humanos praticarem ações dentro do contexto mais amplo da bênção dos animais (Gn 1,22), e da dádiva divina da terra, para todas as criaturas por um Criador amoroso (LS, n. 77).

Uma nova hermenêutica deve também destacar que as sete repetições do refrão “E Deus viu que era bom” (Gn 1,4.10.12.18.21.25.31) afirmam a integridade, valor e beleza da criação em si mesma sem que dependa do ser humano para isto. E quando o relato de Gn 1 é lido juntamente com a segunda narrativa (Gn 2,4b – 3,24), tanto Adão (’adam) quanto os animais, pássaros e vegetais têm sua origem na terra/solo (ha’adamah, Gn 2,7.9.19). O jogo de palavras hebraico entre Adão e a terra/solo destaca a conexão de parentesco da humanidade com a matéria criada (MARQUES, 2017MARQUES, M. S. Relendo Gn 1,28 em seu contexto: a questão ecológica e a des-brutalização das relações. Estudos Bíblicos, v. 34, n. 133, p. 27-40, 2017., p. 34-37).

A linguagem dos relatos da criação tem o objetivo de estabelecer um papel único para a humanidade, ao mesmo tempo em que afirma um senso de comunhão entre todas as criaturas. Ambas as perspectivas afirmam a interconexão que a humanidade compartilha com outros organismos e ecossistemas. Os textos são teocêntricos, tendo a terra como tema principal e os ser humano como colaborador de Deus.

Dos textos bíblicos sobre a criação podemos distinguir quatro princípios ecológicos básicos:

– a preservação: à semelhança que o Criador preserva e mantém o mundo, a humanidade deve cuidar da obra da criação e protegê-la da destruição;

– a fecundidade: o ser humano deve promover a fecundidade das criaturas, não sua destruição.

– a ação limitada: o papel do ser humano em relação à criação é limitado; há limites de suas atividades, que não devem ser ultrapassados.

– o Shabath (sábado): a criação deve repousar da exploração dos recursos naturais;

3.2 O sistema sabático e a sustentabilidade

Jürgen Moltmann um dos mais importantes articuladores da relação entre teologia e ecologia, não prescinde que objeto da teologia cristã é Deus Uno-trino e não qualquer outro tema, como a ecologia, por exemplo. Portanto, para que a teologia tenha algo a dizer sobre a ecologia, sua primeira tarefa é superar o arcabouço teórico no qual o falar sobre Deus é feito a partir de categorias de poder, pois nessas categorias, o divino monarca absoluto fortalece a ideia de que o ser humano, seu representante, domine a criação. Nesse sentido, é urgente e necessária a superação do paradigma teológico vigente até então.

Em contraste com as leituras tradicionais de Gn 1 que identificam a humanidade como o clímax da criação, Jürgen Moltmann identifica o sábado como a coroa da criação. Em Gn 1 o sábado serve, pelo menos, para quatro posturas na abordagem do texto bíblico: descentralizar tanto a humanidade quanto o trabalho; tornar-se o ponto de orientação para toda a criação; minar a valoração econômica utilitária dos recursos e incorporar o tempo sagrado, antecipando a habitação escatológica de Deus na criação. O preceito do sábado é um princípio-chave na relação entre Bíblia e ecologia (MOLTMAN, 1987MOLTMAN, J. Dios en la creación. Salamanca: Sigueme, 1987., p. 287).

O sistema sabático estava assim organizado: o sábado semanal assegurava o descanso para cada indivíduo; o ano sabático garantia o repouso para a terra e o jubileu concedia descanso e restauração para o corpo político, ou seja, consistia na recuperação da igual dignidade entre todos os membros do povo. O sábado semanal e o ano sabático são exatamente as principais formas com as quais a Bíblia assegura a sustentabilidade.

O sétimo dia é o clímax do hino da criação (Gn 1), é o dia em que Deus atingiu o apogeu de todas as suas obras. Para Moltmann (1987, p. 287)MOLTMAN, J. Dios en la creación. Salamanca: Sigueme, 1987., no sábado, o ser humano reconhece sua identidade de criatura, celebra a presença da eternidade no tempo e a antecipação da redenção do mundo, ou seja, o sábado aponta para a plenitude que virá no futuro. Em Gn 2,2-3 está escrito que Deus descansou, porque concluiu sua obra, no “sétimo dia”. E nos tempos da dominação helenista sobre os judeus, a expressão “sétimo dia” já havia sido substituída por “último dia”, como aparece em Ne 8,18. O sábado, o último dia, o dia em que Deus repousa porque conclui sua obra é o Dia Escatológico.

A observância do sábado semanal tem como resultado a compreensão da natureza como criação e possibiliza o ser humano a louvar a Deus pelo mundo ao mesmo tempo que o respeita e santifica como obra do Criador. O próprio Deus foi quem ordenou o ser humano a descansar e fazer descansar a criação, enquanto a envolvia na liturgia, na alegria festiva e na santificação. Isso permitia ao meio-ambiente ser reconhecido como criação de Deus. A inviolabilidade da natureza no sétimo dia, a não intervenção humana sobre ela, através do trabalho, permitia a preservação do meio-ambiente e proporcionava a existência saudável dos animais domésticos utilizados no trabalho. Tudo isto conferia dignidade a toda a criação.

Conforme o relato de Gn 1,22, depois de realizar as suas obras, o Criador abençoou as criaturas unindo a benção ao mandamento da fecundidade. No sábado, diferente dos outros seis dias, Deus abençoou a criação inteira não mediante sua atividade, mas através de seu repouso (Gn 2,3). O repouso no sétimo dia significa a presença divina em tudo o que existe. Deus comunica sua benção mediante sua presença repousante em todas as criaturas (MOLTMAN, 1987MOLTMAN, J. Dios en la creación. Salamanca: Sigueme, 1987., p. 292).

Todas as criaturas foram chamadas pelo Criador da não-existência à existência. A ameaça da não-existência está sempre posta sobre as criaturas, portanto, as criaturas necessitam de proteção diante das investidas ameaçadoras do caos. E aqui está a responsabilidade do ser humano, o seu “domínio” sobre as criaturas. Para lembrá-lo que não deve ele mesmo ser uma ameaça às criaturas, e sim assegurar-lhe proteção, é que o ser humano deve fazê-la descansar no sétimo dia. “Santificar o sábado significa libertar-se do afã de conseguir fortuna” (MOLTMAN, 1987MOLTMAN, J. Dios en la creación. Salamanca: Sigueme, 1987., p. 297) exaurindo os recursos naturais por meio do trabalho indiscriminado.

el concepto del sábado como la eternidad en el tiempo humano, como un vehículo de la presencia divina, se ha aplicado […] al pensamiento ecológico que respeta la lentitud de la naturaleza, sus ciclos estacionales, y la necesidad de reposición de recursos en peligro

(KAPLAN, 2002KAPLAN, E. Reverence and Responsibility: Abraham Joshua Heschel on Nature and the Self. In: TIROSH-SAMUELSON, H (Ed.). Judaism and Ecology. Created World and Revealed Word. Cambridge: Harvard University Press, 2002. p. 407-422., p. 417).

O papa Francisco observa que a lei do descanso sabático surgiu como uma tentativa de garantir equilíbrio e justiça nas relações dos seres humanos entre si e com a terra (LS, n. 71). O sábado, enquanto dia livre de qualquer atividade financeira ou comercial, pode ser compreendido como uma “resistência subversiva” à cultura capitalista dominante, pois o sábado implicitamente transmite uma crítica incisiva aos custos ambientais e psicológicos da cultura de consumo e da globalização econômica, e destaca a escolha de outros horizontes de ação nessa sociedade. Por isso, o sábado oferece uma esperança para o progresso da humanidade.

Além do sábado semanal, a outra forma privilegiada com a qual a Bíblia assegura a sustentabilidade é o ano sabático (Lv 25,1-7; Dt 15,1-11). Os textos bíblicos relativos ao descanso no ano sabático, ordenam que após seis anos de cultivo da terra, um sétimo ano deveria ser celebrado “em honra do Senhor”, no qual a terra deveria descansar de qualquer tipo de cultivo (LS, n. 71). Obviamente, eram permitidos certos tipos de cuidados necessários para o sustento de árvores ou videiras – ou para evitar que a terra sofresse danos permanentes – como, por exemplo, a irrigação das árvores em solo semiárido. Mas o plantio de árvores e vegetais, poda e colheita durante o ano sabático eram proibidos. As frutas e vegetais que crescessem nos campos durante o ano sabático não pertenciam a ninguém em particular, mas a todos, era proibido até mesmo expulsar um animal selvagem do campo se ele quiser comer dessas frutas e vegetais. Uma pessoa poderia colher frutas de uma árvore durante o ano sabático, mas apenas para comer imediatamente, não para vendê-las ou levá-las para casa. Isso evitava a busca desenfreada por lucros numa exploração infindável da terra.

No texto de Levítico, dois aspectos do ano sabático são enfatizados: um é um ângulo religioso, pois deve ser “um sábado para Deus”; o outro é uma preocupação com a criação (preocupação ecológica), pois o sétimo ano deve ser “um sábado para a terra”, no qual ela se renova. No texto de Deuteronômio outro aspecto é acrescentado ao ano sabático, a saber, que as dívidas devem ser perdoadas durante esse ano, e aqueles a quem o dinheiro é devido não têm mais o direito de exigi-lo de volta. Este aspecto do mandamento é projetado para permitir que os pobres tenham um novo começo. Em resumo, o sétimo ano conecta valores religiosos, ecológicos e ideais de justiça social. O sábado semanal não apenas interrompe o trabalho e o cotidiano como espaço de vida, mas aponta para além, para o ano sabático, no qual as relações originais inter-humanas e entre o ser humano e a natureza devem ser restabelecidas.

O ano sabático mencionado em Lv 25 e Dt 15 faz parte da prática de rotação de culturas mencionada por várias civilizações antigas. A rotação de culturas era usada para fortalecer a terra cultivada contra o esgotamento de seus minerais. A rotação de culturas poderia ser uma solução ao debate mundial atual sobre agricultura sustentável, ou seja, sobre como poderíamos modificar nossas práticas de exploração do solo de forma a não exaurir os recursos naturais e poder assegurar um futuro para o planeta.

A ideia de alguns ambientalistas de que as pastagens deveriam ser abandonadas a cada período de anos para permitir o crescimento da grama e aumentar a assimilação de nitrogênio nas raízes das leguminosas por rizobactérias, aumentando assim a produtividade nos anos seguintes, parece algo bem conhecido na Antiguidade, mesmo sem as noções atuais de microbiologia10 10 De acordo com o site Green Prophet na postagem: The Shmita year and its connection to the environment. Disponível em: https://www.greenprophet.com/2007/12/the-sabbatical-year/. Acesso em: 15 mar. 2023. .

3.3 Princípios para uma interpretação da Bíblia na perspectiva de uma consciência ecológica

Mais que uma nova abordagem dos relatos da criação ou dos textos a respeito do sistema sabático, é necessário um novo paradigma hermenêutico a partir do qual seja possível se aproximar da Bíblia inteira com uma consciência ecológica. Isso possibilita identificar no texto bíblico características anteriormente minimizadas ou ignoradas pelo paradigma antropocêntrico, visto que as Escrituras são anteriores ao antropocentrismo e à cultura tecnológica industrial. Dessa forma é possível falar sobre Bíblia e sustentabilidade.

Embora os métodos e abordagens bíblicos sejam abundantes, as leituras ecológicas são particularmente elusivas. O obstáculo principal para o desenvolvimento de um paradigma ecológico de interpretação bíblica foi, e continua a ser, a compreensão equivocada de que a mensagem central da Bíblia era antropocêntrica, ou seja, que a preocupação central dos autores bíblicos não era a natureza, mas eleição de Israel e a salvação da humanidade. Uma das primeiras obras a relacionar a desvalorização dos textos bíblicos com respeito à forma como o ser humano tratava a natureza e a subsequente crise ecológica foi o livro de Lynn White já mencionado neste artigo. Mesmo depois das reações ao livro de White, a leitura da Bíblia a partir de uma perspectiva ecológica ainda permaneceu marginal. A passos curtos, estão sendo elaborados alguns princípios para uma nova hermenêutica dos textos bíblicos a partir de uma consciência ecológica. Esses princípios não são estranhos à Bíblia, escrita a partir de uma experiência de fé, tendo o ser humano como parceiro de Deus e responsável de cuidar dos demais seres da criação.

O primeiro princípio é que todos os seres que compõem a terra, os seres vivos e não vivos, são intrinsecamente valiosos. Embora seja tentador atribuir valor com base na utilidade dos seres, isso não é o fator mais importante. Cada elemento constituinte do planeta tem seu valor pelo lugar vital que ocupa no ecossistema maior (HABEL, 2000HABEL, N. C. Guiding Ecojustice Principles. In: HABEL, N. C (Ed). Readings from the Perspective of Earth. The Earth Bible. Cleveland: Pilgrim Press, 2000., p. 42-43; LS, n. 76).

O segundo princípio reconhece a interdependência de todos os seres vivos. Para a permanência de cada elemento, é necessária uma variedade de relações simbióticas, e nada no ecossistema global é independente, a terra é o resultado de uma rede complexa de interrelações. Defender que a humanidade e os demais seres compartilham um vínculo semelhante ao do parentesco é, particularmente, importante para esse segundo princípio (HABEL, 2000HABEL, N. C. Guiding Ecojustice Principles. In: HABEL, N. C (Ed). Readings from the Perspective of Earth. The Earth Bible. Cleveland: Pilgrim Press, 2000., p. 44-46).

O pensamento ocidental dual interpreta o mundo organizando-o em uma série de pares opostos que separam e dividem a realidade: natureza x cultura, razão x emoção, ciência e saberes tradicionais. Mas não considera as relações mútuas e a complementaridade entre eles. As dicotomias apresentam um caráter hierárquico. Uma das posições é tida como superior à outra.

(MURAD, 2021MURAD, A. Hermenêutica Ecofeminista e Ecoteologia. Interfaces. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 53, n. 3, p. 579, set. / dez. 2021., p. 585).

O terceiro princípio considera a terra como uma entidade viva que se manifesta contra suas próprias injustiças. Como qualquer outro organismo vivo, o planeta se regula por meio de seus próprios sistemas especializados de homeostase. E os textos bíblicos que mencionam a voz da criação devem ser levados a sério, em vez de serem desconsiderados por serem poéticos. Esses textos bíblicos em linguagem poética mostram que o planeta deve ser tratado como “alguém” importante, ao invés de um objeto inanimado (HABEL, 2000HABEL, N. C. Guiding Ecojustice Principles. In: HABEL, N. C (Ed). Readings from the Perspective of Earth. The Earth Bible. Cleveland: Pilgrim Press, 2000., p. 46-47). O papa Francisco destaca a fraternidade entre os seres da criação e a função materna da terra (LS, n. 92).

O quarto princípio é que cada parte do universo serve a um propósito definido pelo Criador. Aqui se reconhece não só a importância e a complexidade do ecossistema terrestre e a interdependência de cada um de seus componentes, mas defende também que Deus criou o universo a partir de um plano traçado na eternidade (HABEL, 2000HABEL, N. C. Guiding Ecojustice Principles. In: HABEL, N. C (Ed). Readings from the Perspective of Earth. The Earth Bible. Cleveland: Pilgrim Press, 2000., p. 48-49). O mundo não é “regido pelo puro acaso ou por ciclos que se repetem sem sentido” (LS, n. 65), “o mundo procede, não do caos nem do acaso, mas de uma decisão” divina. Tampouco é o “resultado de uma omnipotência arbitrária, de uma demonstração de força ou de um desejo de autoafirmação”, a criação “pertence à ordem do amor” (LS, n. 77).

O quinto princípio considera que a humanidade deve assumir o papel de guardiã da terra. As pessoas devem ser encorajadas a favorecer as funções naturais do ecossistema e a promover o equilíbrio na terra, ou seja, sendo parceiras dela em vez de dominá-la (HABEL, 2000HABEL, N. C. Guiding Ecojustice Principles. In: HABEL, N. C (Ed). Readings from the Perspective of Earth. The Earth Bible. Cleveland: Pilgrim Press, 2000., p. 50).

O sexto princípio afirma que a terra e seus elementos são vítimas da humanidade, porém resistem ativamente. Quando os textos bíblicos mencionam o grito da criação por justiça, ou seja, quando lhe é dada características antropomórficas, isso não pode simplesmente ser descartado como apenas um artifício poético. Em vez disso, é necessário levar esse grito a sério (HABEL, 2000HABEL, N. C. Guiding Ecojustice Principles. In: HABEL, N. C (Ed). Readings from the Perspective of Earth. The Earth Bible. Cleveland: Pilgrim Press, 2000., p. 52). O papa Francisco recorda que quando o ser humano não se sensibiliza em defender e cuidar dos mais fragilizados na sociedade, dificilmente conseguirá “escutar os gritos da natureza” ou “a mensagem que a natureza traz inscrita nas suas próprias estruturas” (LS, n. 117). A exploração da natureza não está separada da deterioração da qualidade de vida e do colapso social de inúmeros habitantes do planeta em situação de miséria.

Embora esses princípios forneçam luzes para a construção de um novo paradigma para hermenêuticas ecológicas da Bíblia, eles não são abrangentes o suficiente, ainda há espaço para estudos que vinculem explicitamente a situação dos povos oprimidos com a exploração da natureza. Isso significa que a proposta deve ser mais ampla, no sentido de construir uma hermenêutica ecológica libertadora dentro de um paradigma maior do qual façam parte as hermenêuticas feminista, negra, indígena e outras formas libertadoras de interpretação da Bíblia.

A criação é um dom, “da mão estendida do Pai de todos, e como realidade iluminada pelo amor que nos chama à comunhão universal” (LS, n. 76).

Considerações finais

Conforme as narrativas dos primeiros capítulos do Gênesis tudo o que existe está na categoria de criação. E embora a humanidade tenha um propósito e uma função diferente do resto da criação, nenhum domínio, no sentido de exploração desmedida da natureza, é estabelecido pelos relatos bíblicos da criação. Essas narrativas, portanto, são insuficientes para determinar a conduta do ser humano moderno, dentro de um paradigma antropocêntrico, de exploração desmedida dos recursos naturais e da poluição provocada pelo descarte de resíduos industriais. Um estudo mais aprofundado desses textos bíblicos mostra que o antropocentrismo não pode ser validado pelas narrativas da criação no Gênesis, mas estas também são insuficientes para apontar soluções relacionadas à atual crise ecológica.

Contudo, a experiência de fé de Israel pode indicar saídas, para o que atualmente é denominado como sustentabilidade, quando se consideram as normas a respeito do sistema sabático. Pode-se dizer que muitos séculos antes dos ambientalistas, a Bíblia já pensava em uma maneira de manter os recursos naturais assegurados para as futuras gerações. O ser humano se sentia guardião da terra, um cuidador dos demais seres. A experiência de fé de Israel, baseada no dom da terra que seu Deus havia prometido aos ancestrais, o levou a criar leis que assegurassem o bem-estar dos seus descentes e que o dom de Deus fosse preservado, surgindo aí as normas relacionadas ao descanso da terra no sistema sabático.

E, conforme o papa FranciscoFRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato si’: sobre o cuidado da Casa Comum. Vaticano, 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em: 01 ago. 2023.
https://www.vatican.va/content/francesco...
, as convicções da fé cristã, sem desmerecer as demais religiões, oferecem “grandes motivações para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis”, ou seja, os deveres dos cristãos, em relação à natureza e às pessoas mais fragilizadas da sociedade, são elementos constitutivos de sua fé, não um adendo a ela (LS, n. 64).

Portanto, o estudo aprofundado dos textos bíblicos indica não somente que se deve examinar com mais acuidade outras passagens bíblicas, mas que é necessário passar por uma mudança de paradigma na hermenêutica bíblica. Seria mais que uma nova metodologia interpretativa, seria uma atitude contrária à reviravolta antropocêntrica proposta por Kant. O novo paradigma na hermenêutica não mais se aproximaria dos textos bíblicos a partir de uma perspectiva antropocêntrica, mas teria uma ótica enraizada na consciência ecológica. Portanto, não se trata de uma mudança de superfície na hermenêutica, mas de uma mudança paradigmática que leve em consideração o processo histórico que desencadeou, na contemporaneidade numa crise ambiental, com riscos para o planeta inteiro. Que considere também a necessidade da sustentabilidade que assegure um futuro para as novas gerações, não apenas de humanos, mas dos demais seres, ecossistemas e biodiversidade.

A criação é um “um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal” (LS, n. 76).

Sigla
  • LS  = Carta Encíclica Laudato si’
  • 1
    “Isto significa, em primeiro lugar, uma mudança no centro de gravidade do pensamento: de agora em diante, o modelo a partir de onde tudo é pensável não é mais o “kosmos”, mas o próprio homem enquanto subjetividade. Muda-se aqui radicalmente o quadro básico de referência de pensamento: o homem não se sente mais simplesmente como uma parte no 'Todo', mas se revela como algo radicalmente diferente de tudo mais, como sujeito de seu conhecimento e de sua ação no mundo (OLIVEIRA, 1985OLIVEIRA, M. A. Filosofia Política: de Hobbes a Marx. Síntese, Belo Horizonte, v. 12, n. 33, p. 37-60, 1985., p. 41).
  • 2
    A fermentação entérica é um processo bioquímico decorrente da digestão do ruminante quando bactérias no aparelho digestivo do animal liberam gases do intestino. Um boi não faz tanta diferença, mas 200 milhões de cabeças de gado produzindo metano para atmosfera, acrescentado a um alto índice de gás carbônico devido à poluição provocada por automóveis, torna-se algo desastroso.
  • 3
    SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA TROPICAL. Relação explosiva: aquecimento global e doenças tropicaisSOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA TROPICAL. Relação explosiva: aquecimento global e doenças tropicais. Disponível em: https://sbmt.org.br/relacao-explosiva-aquecimento-global-e-doencas-tropicais/. Acesso em: 11 mar. 2023.
    https://sbmt.org.br/relacao-explosiva-aq...
    . Disponível em: https://sbmt.org.br/relacao-explosiva-aquecimento-global-e-doencas-tropicais/. Acesso em: 11 mar. 2023.
  • 4
    “que são compostos de plásticos, vidros, componentes eletrônicos, mais de vinte tipos de metais pesados e outros, cujas concentrações podem ser microscópicas ou de grande escala, sendo que cada um deles exige um procedimento de extração diferenciado” (ROSSINI; NASPOLINI, 2017ROSSINI, V.; NASPOLINI, S. H. Obsolescência programada e meio ambiente: a geração de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. Revista de Direito e Sustentabilidade, v. 3, n. 1, p. 51-71, 2017. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/b618/a00eda1752b552862ff1fffc17b28e69bb72.pdf. Acesso em: 12 mar. 2023.
    https://pdfs.semanticscholar.org/b618/a0...
    , p. 61).
  • 5
    “Portanto é necessário que o homem adquira consciência dos danos causados pelo uso indiscriminado de recursos naturais, sem ao menos ter o cuidado com os rejeitos tóxicos que poderão causar danos ambientais, para essa e as próximas gerações” (POVALUK, 2012POVALUK, M. Educação ambiental X sustentabilidade: proposta de um plano de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Saúde e meio ambiente: revista interdisciplinar, v. 1, n. 1, p. 23-37, 2012. Disponível em http://www.periodicos.unc.br/index.php/sma/article/view/220. Acesso em 25/03/2023.
    http://www.periodicos.unc.br/index.php/s...
    , p. 25).
  • 6
    Rachel Louise Carson (1907 – 1964)CARSON, R. The life and Legacy of Rachel Carson. Disponível em: https://www.rachelcarson.org/. Acesso em: 12 mar. 2023.
    https://www.rachelcarson.org/...
    , nasceu em Springdale, na Pensilvania (EUA). Conferir sua biografia e suas obras em: CARSON, R. The life and Legacy of Rachel Carson. Disponível em: https://www.rachelcarson.org/. Acesso em: 12 mar. 2023.
  • 7
    Os textos bíblicos em língua portuguesa estão conforme a Bíblia de JerusalémBÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1995., exceto quando indicado o contrário.
  • 8
    Os textos bíblicos em idioma original estão conforme Bible WorksBIBLE WORKS, LCC. BibleWorks. Versão 10.0.4.114. Norfolk: BibleWorks, 2015..
  • 9
    Tradução instrumental do texto hebraico.
  • 10
    De acordo com o site Green Prophet na postagem: The Shmita year and its connection to the environmentGREEN PROPHET. The Shmita year and its connection to the environment. Disponível em: https://www.greenprophet.com/2007/12/the-sabbatical-year/. Acesso em: 15 mar. 2023.
    https://www.greenprophet.com/2007/12/the...
    . Disponível em: https://www.greenprophet.com/2007/12/the-sabbatical-year/. Acesso em: 15 mar. 2023.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2023
  • Aceito
    14 Ago 2023
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