Acessibilidade / Reportar erro

Interlíngua x translinguajar: diferenças e intersecções dos conceitos

Interlanguage x translanguage: differences and intersections of the two concepts

Resumo

Este artigo aponta aproximações e diferenças conceituais de dois termos essenciais nos estudos de aprendizagem / aquisição de segunda língua na atualidade: a interlíngua (SELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.) e o translinguajar (GARCÍA 2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.). A partir de um pequeno corpus composto de seis artigos, coletados de três revistas acadêmicas brasileiras, foi possível conhecer o contexto em que os termos são usados e encontrar características que os definem e ao mesmo tempo os distinguem. Os resultados indicam apenas uma congruência: o fato de serem línguas em construção, constituídas de elementos da língua materna ou da própria língua adicional, ou até mesmo de outras línguas.

Palavras-chave:
Interlíngua; Translinguajar; Translíngua

Abstract

This article points out conceptual converging points and differences of two essential terms in Second Language Learning/Acquisition Studies today: interlanguage (SELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.) and translanguage (GARCÍA 2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.). From a small corpus composed of six articles, collected from three Brazilian academic journals, it was possible to understand the context in which the terms are used and find characteristics that define them as well as distinguish them from one another. The results indicate only one point of congruence: the fact that they are languages under construction, made up of elements from the native language, from the additional language, or from other languages.

Keywords:
Interlanguage; Translanguaging; Translanguage

1 Introdução

Os termos interlíngua (SELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.) e translinguajar1 1 A minha sugestão de tradução para translanguage é inspirada na forma verbal translanguaging, como forma de enfatizar a noção de prática linguística, como será explicado mais adiante. (GARCÍA 2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.) são construtos teóricos que lançam luz para a discussão do fenômeno da aprendizagem2 2 Apesar de reconhecer a importância da discussão teórica sobre a diferença conceitual entre aquisição e aprendizagem consideramos, neste artigo, aquisição e aprendizagem termos sinônimos. Para este trabalho, a produção linguística do indivíduo em Língua Adicional é o ponto central de investigação, não sua origem, suas condições de apropriação. Assim, a diferenciação dos termos fica em segundo plano. de uma Língua Adicional3 3 A adoção do termo língua adicional em detrimento de língua estrangeira deve-se ao entendimento de que, atualmente, mais de uma língua estão presentes no cotidiano das pessoas. Em muitas comunidades, mesmo no Brasil, não é possível distinguir qual língua o indivíduo aprende primeiro. Sobre o tema, Schlatter; Garcez (2009) trazem exemplos do Rio Grande do Sul. Sobre a diferença conceitual entre Língua Estrangeira e Segunda Língua consultar Spinassé (2006). Outras leituras são igualmente importantes: Leffa; Irala (2014) e Uphoff (2021). , doravante LA. Neste artigo, vou tratar dos princípios básicos que norteiam os conceitos de interlíngua e translinguajar. O motivo deve-se à confusão que o leitor inexperiente pode vir a fazer quando confrontado com os termos ao estudar aquisição de LA. Historicamente, trata-se de termos que pertencem a correntes acadêmicas distintas: enquanto interlíngua vem sendo analisada especialmente sob a ótica da tradicional gramática gerativa tendo por referência as influências da língua materna (RUAS 2018RUAS, S. A Pesquisa Gerativista em Aquisição de Segunda Língua: uma Revisão. In: CARVALHO, D. DA S.; SOUSA, L. T. DE (Org.). Gramática Gerativa em Perspectiva. [s.l.] Editora Blucher, 2018, 159-186.), o conceito de translinguajar foi desenvolvido no âmbito da linguística aplicada, que nas últimas décadas tem se dedicado a estudar questões de linguagem colocadas na prática social.

Na década de 70, a noção de interlíngua abriu novos caminhos para entender não apenas o processo de aquisição de LA, como também revelou outras origens que não a influência da Língua Materna (LM) para desvios cometidos por alunos quando tentavam se expressar em outro idioma. Desvios comumente considerados erros são vistos pelo novo paradigma como unidades em desenvolvimento, elementos próprios da interlíngua do indivíduo. Posteriormente, outro termo veio transformar os estudos de aquisição de LA, o translinguajar, cuja origem remonta aos desafios enfrentados por jovens no cenário educacional bilíngue norte-americano do século XX.

O objetivo deste artigo é mostrar as semelhanças e diferenças dos conceitos “interlíngua” e “translinguajar” e trazer exemplos de suas contribuições para os estudos de aquisição de LA no Brasil, principalmente de alemão. Para tanto, foi realizada uma pesquisa sobre o estado da arte dos respectivos temas na plataforma Scielo Brasil4 4 Disponível no endereço eletrônico www.scielo.br , que contempla o conteúdo das mais relevantes revistas acadêmicas do país. Na próxima seção descrevo detalhadamente a metodologia usada para a pesquisa apresentada neste artigo. Na seção 3 trato do conceito de interlíngua e de artigos que trabalham o termo, enquanto que o translinguajar em seus respectivos artigos serão abordados na seção 4. Em seguida, levanto na seção 5 diferenças e aproximações entre os termos interlíngua e translinguajar. Por fim, a seção 6 exibe a conclusão do artigo.

2 Metodologia

Nesta seção apresento um pequeno corpus com seis artigos que tratam sobre interlíngua ou translinguajar ou mesmo ambos. O corpus foi construído a partir de uma pesquisa nas revistas científicas nacionais encontradas na plataforma SciELO e sua importância deve- se à necessidade de conhecer a abrangência dos termos na comunidade acadêmica brasileira. O objetivo é conhecer os contextos usados pelos pesquisadores ao usarem um termo ou outro e entender como os conceitos têm sido aplicados nos trabalhos acadêmicos, em especial nos estudos de língua alemã no Brasil, motivo pelo qual a revista Pandaemonium Germanicum merece destaque. Desde 1997, o periódico publica artigos científicos voltados para estudos germanísticos pela Área de Alemão do Departamento de Letras Modernas da FFLCH/USP e pelo Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã.

Sem delimitação temporal, uma vez que o objetivo era conhecer a aplicação dos termos na comunidade acadêmica desde a inserção das revistas no sistema SciELO, a pesquisa deu-se pela busca no catálogo eletrônico da plataforma Scielo.br pelas seguintes entradas lexicais: Interlanguage, Interlanguage Contrastive Analysis, Interlanguage Development, Interlingua, Interlinguais, Interlingual, Interlinguistic Analysis, Interlinguistica, Translinguajar, Translinguagem, Translingual, Translingual Practice, Heteroglossia, Translingualism, Translingue, Translinguismo, Translinguistica e Translinguistics. No total, foram encontrados entre 1997 e 2021 vinte artigos que fazem menção ao termo interlíngua e suas variantes e quinze artigos relacionados a translinguajar e correspondentes. Quanto à língua de publicação, sobre interlíngua foram escritos doze artigos em português, seis em inglês e apenas dois em espanhol. Sobre o translinguajar foram publicados onze artigos na língua portuguesa, três trabalhos em inglês e somente um em espanhol. Não há artigos publicados na língua alemã com as entradas lexicais pesquisadas.

Para essa análise foram selecionados dois artigos de cada uma das seguintes revistas acadêmicas: 1- Pandaemonium Germanicum, revista de estudos germanísticos, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2- Trabalhos em Linguística Aplicada, do Programa de Pós- Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp e 3- Revista Brasileira de Linguística Aplicada, fomentada pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. A escolha das revistas justifica-se pela relevância em âmbito nacional dos periódicos sobre Linguística e Linguística Aplicada, tendo em vista o maior número de publicações nas áreas. Os artigos selecionados das revistas encontram-se compilados nas tabelas abaixo e obedecem à ordem cronológica de publicação, para mostrar ao leitor o desenvolvimento das pesquisas sobre os temas no Brasil até os dias atuais.

Tabela 1:
Artigo “As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües” (SPINASSÉ 2006SPINASSÉ, K. P. As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües. Pandaemonium Germanicum, n. 10, 339-362, 2006.)
Tabela 2:
Artigo “I cut my hair e I did my nails: evidência de transferência linguística na interlíngua de falantes brasileiros aprendizes de inglês como segunda língua?” (VILELA; OLIVEIRA 2010VILELA, A. C.; OLIVEIRA, F. L. P. DE. I cut my hair e I did my nails: evidência de transferência linguística na interlíngua de falantes brasileiros aprendizes de inglês como segunda língua? Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 49, n. 1, 223-239, 2010.)
Tabela 3:
“Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem” (SILVA-OYAMA 2010SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.)
Tabela 4:
“Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue” (ZOLIN-VESZ 2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.)
Tabela 5:
“Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education” (ANWARUDDIN 2018ANWARUDDIN, S. M. Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, n. 2, 301-312, 2018.)
Tabela 6:
“A estrutura silábica do alemão como língua estrangeira na interlíngua de aprendizes brasileiros” (PEREIRA 2019PEREIRA, R. C. A estrutura silábica do alemão como língua estrangeira na interlíngua de aprendizes brasileiros. Pandaemonium Germanicum, v. 22, n. 36, 97-127, 2019.)

3 O conceito de interlíngua

Para conhecer a origem do termo interlíngua precisamos voltar aos estudos feitos na área linguística baseados na comparação entre línguas. Conforme Corder (1975CORDER, S. P. Error Analysis, Interlanguage and Second Language Acquisition. Language Teaching & Linguistics: Abstracts, v. 8, n. 4, 201-218, 1975.: 202), a análise contrastiva foi construída com base em duas correntes: linguística e psicológica, uma com viés estruturalista e outra behaviorista. A primeira defende que as línguas são únicas, isso significa que cada língua apresenta sua própria estrutura e, por conseguinte, elas não poderiam ser comparadas. O autor explica que esse argumento contradiz teorias que buscam explicar as dificuldades na aprendizagem de LA baseadas na hipótese de que muitos erros são cometidos por interferência da Língua Materna. Corder (1975CORDER, S. P. Error Analysis, Interlanguage and Second Language Acquisition. Language Teaching & Linguistics: Abstracts, v. 8, n. 4, 201-218, 1975.) esclarece que somente com os pós-estruturalistas voltaram-se as atenções para um modelo teórico que buscasse características comuns a todas as línguas; foi quando a corrente psicológica ganhou força. A aprendizagem de LA passa, então, a ser interpretada como um tipo de conhecimento específico, uma capacidade cognitiva e não mais como uma ferramenta do cérebro que apenas responde a estímulos. Contudo, essa aprendizagem é também passível de problemas, falhas identificáveis através de erros que aprendizes cometem ao falar determinada língua. Em outro artigo, Corder (1967CORDER, S. P. The Significance of Learner’s Errors. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 5, n. 1-4, 1967.) argumenta que os erros são evidências do desenvolvimento linguístico do aprendiz, tanto da LM como da LA (CORDER 1967CORDER, S. P. The Significance of Learner’s Errors. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 5, n. 1-4, 1967.: 167).

Na versão mais conservadora da teoria contrastiva, ou seja, com forte apelo estruturalista, acreditava-se que quanto maior a diferença entre duas línguas, mais difícil seria aprender a LA em questão. Conforme Edmondson & House (2006EDMONDSON, W. J.; HOUSE, J. Einführung in die Sprachlehrforschung. 3., aktualisierte und erw. Aufl. Ed. Tübingen: Francke, 2006.), a influência que a LM exerce no aprendizado da LA é chamada de transferência. Esse processo pode ser positivo ou negativo e varia de acordo com a proximidade das duas línguas em determinados aspectos. A transferência positiva é denominada facilitação, enquanto que a negativa é chamada de interferência (EDMONDSON & HOUSE 2006EDMONDSON, W. J.; HOUSE, J. Einführung in die Sprachlehrforschung. 3., aktualisierte und erw. Aufl. Ed. Tübingen: Francke, 2006.: 218). Para Boeckmann (2010BOECKMANN, K. Hypothesen zum Zusammenhang von Erst- und Zweitsprache. Grundlagen des Erst- und Fremdsprachenerwerbs. Ergänzungsheft. Fernstudieneinheit 15. München: Langenscheidt, 2010.), a teoria contrastiva carece de argumentos sólidos para explicar algumas questões que cercam o tema, como o fato de não ter respostas para os erros cometidos por aprendizes de diferentes origens serem observados também em falantes nativos em fase de aquisição de L1, como é o caso de *gekommt 5 5 Na lingua alemã, o forma de particípio passado de verbos regulares apresenta a terminação -t, a exemplo de machen (gemacht). Contudo, o verbo kommen é irregular e sua forma no passado é gekommen. Por essa razão, é relativamente comum os aprendizes dizerem gekommt quando usam o verbo kommen no passado. (BOECKMANN 2010BOECKMANN, K. Hypothesen zum Zusammenhang von Erst- und Zweitsprache. Grundlagen des Erst- und Fremdsprachenerwerbs. Ergänzungsheft. Fernstudieneinheit 15. München: Langenscheidt, 2010.: 26). No caso dos falantes nativos isso acontece devido ao fenômeno da supergeneralização (Übergeneralisierung), quando o aprendiz aplica determinada regra para todos os casos gramaticais semelhantes. Por isso, seu alcance é limitado como modelo teórico.

A hipótese da identidade, também chamada de hipótese nativista, é outra corrente que busca na relação entre LM e LA respostas para desafios teóricos do aprendizado. Essa teoria considera que tanto o processo de aquisição de LM quanto o de LA são idênticos, visto que nascemos com um aparato linguístico e uma gramática universal, conforme sinalizava Chomsky. Mas esse argumento também se mostra frágil e é desmontado quando constatamos o domínio completo da LM em crianças, mas parcial quando o foco são as LAs (BOECKMANN 2010BOECKMANN, K. Hypothesen zum Zusammenhang von Erst- und Zweitsprache. Grundlagen des Erst- und Fremdsprachenerwerbs. Ergänzungsheft. Fernstudieneinheit 15. München: Langenscheidt, 2010.: 25). De qualquer forma, a teoria considera que o aprendiz já possui um aparato cognitivo que permite usar estruturas linguísticas na aprendizagem de outras línguas - os erros, portanto, são frutos de processos intralinguais, como no caso das supergeneralizações, e não interlinguais.

Enquanto adeptos da gramática gerativa identificavam nesses enunciados desvios da norma padrão e, consequentemente, classificavam-nos como erros e falhas de aprendizado, autores como Selinker (1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.) viam a possibilidade de explicar o aprendizado de LA por outro viés.

Em seu artigo seminal, Selinker (1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.) adota a perspectiva do aprendiz, a qual se dedica a responder à seguinte pergunta: qual dado psicolinguístico é relevante no aprendizado de uma segunda língua? Para o autor, a resposta está nos eventos comportamentais do aprendiz ao tentar se expressar naquela língua. O autor retoma o termo “estrutura latente da língua”6 6 No original: latent language structure (LENNEBERG 1967LENNEBERG, E.H. Biological Foundations of Language. Nova Jersey: John Wiley and Sons Inc., 1967.: 374 apudSELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.: 211) para rastrear o caminho do aprendiz que está em contato com uma LA. Tal estrutura latente é “(a) um arranjo já formulado no cérebro, (b) é a contrapartida biológica da gramática universal, e (c) é transformada na estrutura realizada de uma determinada gramática de acordo com certos estágios de maturação”7 7 No original: “latent language structure is an already formulated arrangement in the brain, (b) is the biological counterpart to universal grammar, and (c) is transformed into the realized structure of a particular grammar in accordance with certain maturational stages.” (LENNENBERG 1967: 374 apudSELINKER 1972: 211). (LENNEBERG 1967LENNEBERG, E.H. Biological Foundations of Language. Nova Jersey: John Wiley and Sons Inc., 1967.: 374 apudSELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.: 211). Ainda conforme Selinker (1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.), aquele aprendiz, que domina determinada língua estrangeira a ponto de ter as competências linguísticas comparáveis às de um falante nativo, conseguiu de alguma forma reativar a estrutura latente da língua. Aqueles que ainda não conseguem apresentam um sistema linguístico próprio, que o autor denomina de interlíngua. A produção linguística desses pode até não ser nem próxima dos falantes nativos em termos gramaticais, fonológicos ou de qualquer outra ordem, mas têm papel fundamental nos estudos de interlíngua. Tal produção é capaz de fornecer elementos para pesquisadores estudarem como uma pessoa aprende outras línguas, na medida em que ela dá indícios dos caminhos percorridos pela mente na construção de sentido em outra língua.

Àquela época, Selinker (1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.) não formulou um conceito de interlíngua, mas sugeriu aproximações, como a existência de uma sistema linguístico próprio, uma vez que há diferenças nas produções linguísticas dos aprendizes em relação à LA. Somente mais tarde o autor desenvolveu uma definição para o termo: “[...] aquele espaço cognitivo / linguístico existente entre a língua nativa e a língua que a pessoa aprende. Interlínguas são línguas não nativas, que são criadas e faladas sempre que houver contato linguístico”8 8 No original: “Interlanguage is that linguistic/cognitive space that exists between the native language and the language that one is learning. Interlanguages are non-native languages which are created and spoken whenever there is language contact.” (SELINKER 2014: 223). (SELINKER 2014SELINKER, L. Chapter 10. Interlanguage 40 years on: Three themes from here. In: HAN, Z.; TARONE, E. (Org.). Language Learning & Language Teaching. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, v. 39, 2014, 221-246.: 223).

Segundo Ellis (1985ELLIS, R. Learner strategies. In: Understanding Second Language Acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1985, 164-189.), a interlíngua apresenta três características, quais sejam: 1- é um sistema permeável; na medida em que seu desenvolvimento assemelha-se ao de línguas naturais. 2- é dinâmica; o aprendiz experimenta regras novas em diferentes situações de uso da língua e, por fim, 3- apresenta sistematicidade; a construção frasal não se dá de maneira aleatória, ou seja, o aprendiz recorre a uma série de regras do seu repertório linguístico quando da formulação de sentenças. A dinamicidade, a segunda característica apontada por Ellis (1985ELLIS, R. Learner strategies. In: Understanding Second Language Acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1985, 164-189.), é capaz de justificar o fenômeno da fossilização, quando o aprendiz interrompe a evolução de sua interlíngua e seu conhecimento linguístico não se desenvolve em direção à língua-alvo. Comparada à produção de um falante nativo, a interlíngua pode vir acompanhada de estruturas fossilizadas, que muitas vezes são chamadas de erros por adeptos da gramática tradicional:

Fenômenos linguísticos fossilizáveis são itens linguísticos, regras e subsistemas, que falantes de determinada língua materna tendem a guardar em sua interlíngua relacionada a uma língua-alvo em particular, não importando sua idade ou quantidade de explicações e instruções recebidas na língua-alvo.9 9 No original: “Fossilizable linguistic phenomena are linguistic items, rules, and subsystems which speakers of a particular NL will tend to keep in their IL relative to a particular TL, no matter what the age of the learner or amount of explanation and instruction he receives in the TL.” (SELINKER 1972: 215). (SELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.: 215)

Alguns autores (SCOVEL 1988SCOVEL, T. A time to speak: a psycholinguistic inquiry into the critical period for human speech. New York: Newbury House, 1988.; SCHUMANN 1978SCHUMANN, J. The acculturation model for second language acquisition. In: GINGRAS, R. (Org.). Second language acquisition and foreign language teaching. Arlington, VA: Center for Applied Linguistics, 1978, 27-50.a; HIGGS; CLIFFORD 1982HIGGS, T.; CLIFFORD, R. The push toward communication. In: HIGGS, T.V. (Org.). Curriculum, Competence, and the Foreign Language Teacher. Lincolnwood, IL: National Textbook Co., 1982, 57-79.; BICKERTON 1975BICKERTON, D. Dynamics of a creole system. London: Cambridge University Press, 1975.; VIRGIL; OLLER 1976) atribuem diferentes causas para a fossilização, segundo Ellis (2004ELLIS, R. The study of second language acquisition. Oxford: Oxford University Press , 2004.: 354). As causas internas podem ser 1- idade, quanto mais cedo se aprende uma língua, menores as chances de fossilização e 2- falta de desejo de aculturação, quando a pessoa não se sente integrante do meio ao qual encontra-se inserida. Já para as causas externas, o autor cita três prováveis origens: 1- pressão comunicativa, quando falante é forçado a expressar ideias que vão além de sua capacidade linguística, 2- falta de oportunidade de aprendizado e 3- natureza do feedback recebido.

Na literatura sobre ensino de línguas muito se fala sobre princípios que norteiam o aprendizado de línguas. Brown (2001BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. 2nd ed. White Plains, New York: Longman, 2001.) enumera três (cognitivos, afetivos e linguísticos) e classifica interlíngua como um princípio linguístico:

Os alunos de segunda língua tendem a passar por um processo de desenvolvimento sistemático ou quase sistemático à medida que progridem para a plena competência na língua-alvo. O desenvolvimento interlíngue bem sucedido é parcialmente resultado da utilização de feedback de outros. 10 10 No original: “Second language learners tend to go through a systematic or quasi-systematic developmental process as they progress to full competence in the target language. Successful interlanguage development is partially a result of utilizing feedback from others.” (BROWN 2001: 67) (BROWN 2001BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. 2nd ed. White Plains, New York: Longman, 2001.: 67, itálico nosso)

Em um dos artigos selecionados para essa discussão, Spinassé (2006SPINASSÉ, K. P. As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües. Pandaemonium Germanicum, n. 10, 339-362, 2006.) analisou interferências da LM no aprendizado de língua alemã por crianças bilíngues e monolíngues, falantes do português brasileiro. Nesse caso, as crianças bilíngues são originárias da região sul do Brasil, usam português e Hunsrückisch como línguas nativas e aprendem alemão como LA. Após comparar três grandes correntes teóricas, quais sejam, a Hipótese Contrastiva, Hipótese de Identidade e Hipótese de Interlíngua, Spinassé (2006SPINASSÉ, K. P. As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües. Pandaemonium Germanicum, n. 10, 339-362, 2006.) concluiu ser essa última a mais adequada para analisar estudos de aquisição de LA por conciliar diferentes aspectos das demais. De acordo com a autora, na hipótese da interlíngua há elementos da hipótese contrastiva, ao concordar que o aprendizado sofre influência da língua materna, mas também da hipótese da identidade, quando admite que aprendizagem de uma LA seja um processo criativo, sujeito a idiossincrasias. Contudo, Spinassé (2006SPINASSÉ, K. P. As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües. Pandaemonium Germanicum, n. 10, 339-362, 2006.) relativiza a importância da LM e afirma que esse não pode ser o principal argumento para explicar os fenômenos linguísticos. A autora observou que o grupo bilíngue produzia sentenças como “mein Hobby ist tv olhieren” (mein Hobby ist fernsehen, mein Hobby ist Fernsehen gucken), mas o grupo monolíngue não. Em alemão padrão, usa-se apenas o verbo fernsehen para descrever a ação “assistir televisão”, sem mencionar o aparelho (TV, Fernseher) em si. Pela semelhança com outros verbos de origem latina (comunicar / kommunizieren, telefonar / telefonieren), a autora acredita que falantes de Hunsrückisch tenham aproveitado esse recurso para criar o verbo olhieren, de “olhar”, uma vez que tinham se esquecido do correspondente em alemão e do Hunsrückisch (gucken, fernsehen). Da mesma forma, desvios com verbos auxiliares não podem ser explicados pela influência da LM, uma vez que no português o particípio não tem a mesma estrutura com a semântica semelhante que diferencia o uso dos verbos auxiliares haben e sein. Assim, “ich habe zum Zoo gefahren” e formações aleatórias de plural mostraram fragilidades nos modelos das hipóteses contrastiva e da identidade ao apontar a origem dos erros mencionados. A autora conclui, portanto, que a hipótese da interlíngua tem maior validade para os casos analisados. As afirmações da autora encontram-se ancoradas na descrição de interlíngua em Gass e Selinker (2008GASS, S. M.; SELINKER, L. Second language acquisition: an introductory course. 3. ed. New York: Routledge, 2008.):

Este sistema é composto de numerosos elementos, entre os quais, não menos importantes, estão os elementos da língua materna e da língua-alvo. Há também elementos na interlíngua que não têm sua origem nem na língua materna nem na língua-alvo. Estes últimos são chamados de novas formas e são a essência empírica da interlíngua. 11 11 No original: “This system is composed of numerous elements, not the least of which are elements from the NL and the TL. There are also elements in the IL that do not have their origin in either the NL or the TL. These latter are called new forms and are the empirical essence of interlanguage.” (GASS; SELINKER 2008: 14) (GASS; SELINKER 2008GASS, S. M.; SELINKER, L. Second language acquisition: an introductory course. 3. ed. New York: Routledge, 2008.: 14)

A interlíngua, assim como o translinguajar, como veremos posteriormente, é um fenômeno marcado pela mistura, pelo encontro de línguas. Sendo assim, não devemos analisá-la a partir de parâmetros da língua nativa, nem da língua-alvo. Trata-se de um sistema com suas próprias regras (SELINKER 2014SELINKER, L. Chapter 10. Interlanguage 40 years on: Three themes from here. In: HAN, Z.; TARONE, E. (Org.). Language Learning & Language Teaching. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, v. 39, 2014, 221-246.: 230).

Em outro artigo selecionado para esta pesquisa, Vilela e Oliveira (2010VILELA, A. C.; OLIVEIRA, F. L. P. DE. I cut my hair e I did my nails: evidência de transferência linguística na interlíngua de falantes brasileiros aprendizes de inglês como segunda língua? Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 49, n. 1, 223-239, 2010.) investigam se a produção de sentenças ativas do tipo I cut my hair e I did my nails seria uma evidência da influência da LM na interlíngua de brasileiros, aprendizes de inglês. A interferência é objeto de estudo uma vez que, na língua inglesa, expressões que indicam prestação de serviço por terceiro são construções causativa-passiva, a exemplo de: John got his car repaired ou John got his hair cut. Para tanto, os autores compararam as produções de brasileiros (38 falantes de inglês e 7 não falantes), italianos (3) e americanos (6 - grupo controle) em construções tipicamente causativas-passivas em contextos

<sujeito-beneficiário> na língua inglesa. Segundo os autores, o estudo não apresentou nenhum resultado conclusivo, uma vez que o número de informantes italianos foi inexpressivo (três). Contudo, os autores ressaltam que há uma sugestão de influência da LM especificamente em um dos contextos analisados (evento cirurgia oftálmica). No português usa-se estrutura ativa (“ele fez a cirurgia de miopia” [“ele” referindo-se ao João] como sentença alternante à sentence base “O Dr. Edvaldo fez a cirurgia de miopia no olho do João”) e provavelmente os alunos foram influenciados pelo português na produção interlinguística: “Fica, no entanto, a indicação de que a produção de ativas, pelos brasileiros, nesse único ambiente parece sugerir um efeito de transferência linguística.” (VILELA; OLIVEIRA 2010VILELA, A. C.; OLIVEIRA, F. L. P. DE. I cut my hair e I did my nails: evidência de transferência linguística na interlíngua de falantes brasileiros aprendizes de inglês como segunda língua? Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 49, n. 1, 223-239, 2010.: 237)

Em publicação do mesmo ano, Silva-Oyama (2010SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.) analisa estratégias de comunicação na interlíngua de duas informantes em interações pela plataforma virtual Teletandem12 12 www.teletandembrasil.org : uma brasileira que aprende espanhol e uma argentina interessada em aprender português. A plataforma é um projeto da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e tem por objetivo conectar pessoas interessadas em aprender uma língua e, ao mesmo tempo, ensinar a própria. Silva-Oyama (2010SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.) cita vários autores (ALMEIDA FILHO 2001; GONZÁLEZ 2005; CRUZ 2004) para mostrar que a LM exerce grande influência na aprendizagem de línguas próximas, no caso, o português e o espanhol. É interessante notar que, em nenhum momento, a autora menciona o termo “portunhol” para designar a interlíngua de aprendizes, como o faz Zolin-Vesz (2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.), no próximo exemplo que analiso. Silva-Oyama (2010SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.) destaca a importância do ensino das estratégias de comunicação e de aprendizagem, uma vez que elas nos conscientizam do papel dos desvios linguísticos: “não se trata de imperfeições, antes, de mostras de estágios de seu desenvolvimento. Ao cometê-los, o parceiro mais competente provê um feedback e o aprendiz, então, deve manipular o insumo à sua maneira” (SILVA-OYAMA 2010SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.: 105). A autora ainda atenta para a necessidade de estimular alunos a falarem, a produzir na língua-alvo, mesmo que não tenham certeza se a construção é correta gramaticalmente: “arriscar- se é uma atitude que lhe dá grande probabilidade de desenvolvimento intra- interlinguístico” (SILVA-OYAMA 2010SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.: 106).

O mais recente artigo sobre interlíngua, publicado na revista Pandaemonium Germanicum, foi um estudo sobre interferências fonéticas da LM na interlíngua de aprendizes de alemão. Pereira (2019PEREIRA, R. C. A estrutura silábica do alemão como língua estrangeira na interlíngua de aprendizes brasileiros. Pandaemonium Germanicum, v. 22, n. 36, 97-127, 2019.) defende que a interlíngua é um estágio de transição entre a LM e a língua-alvo em constante evolução, conforme input da LA. Em seu trabalho, a autora analisou desvios no ataque e na coda na interlíngua de brasileiros falantes de alemão em diferentes estágios (iniciante, intermediário e avançado). Os resultados mostraram que os desvios respondem a duas variáveis: tempo de estudo da língua e tipo de atividade (menos ou mais controlada: lista de palavras < frases < narração de uma história). Pereira (2019PEREIRA, R. C. A estrutura silábica do alemão como língua estrangeira na interlíngua de aprendizes brasileiros. Pandaemonium Germanicum, v. 22, n. 36, 97-127, 2019.: 117) constatou que “a produção tende a ser mais correta em tarefas mais controladas (a leitura de uma lista de palavras ou de frases), e menos correta em dados mais espontâneos (p.ex. a narração de uma história ou uma entrevista)”. O estudo fonético mostra o papel da sílaba na interlíngua do aprendiz; aos poucos ele apropria-se de marcas autênticas da LA, em um processo natural de evolução da interlíngua. Na próxima seção explicamos o conceito de translinguajar e veremos como os autores tem abordado o termo em seus estudos.

4 O conceito de translinguajar

O termo translinguajar tem sua origem em 1994 do galês “trawsieithu”, segundo García & Lin (2016GARCÍA, O.; LIN, A. M. Y. Translanguaging in Bilingual Education. In: GARCÍA, O.; LIN, A.; MAY, S. (Org.). Bilingual and Multilingual Education. Cham: Springer International Publishing, 2016, 1-14.):

[...] Cen Williams usou pela primeira vez o termo galês trawsieithu em 1994 para se referir a uma prática pedagógica onde os alunos em salas de aula bilíngues de galês/inglês são solicitados a alternar idiomas para fins de uso receptivo ou produtivo, [...]13 13 No original: “[…] Cen Williams first used the Welsh term trawsieithu in 1994 to refer to a pedagogical practice where students in bilingual Welsh/English classrooms are asked to alternate languages for the purposes of receptive or productive use, […]” (GARCÍA; LIN 2016: 2) (GARCÍA; LIN 2016GARCÍA, O.; LIN, A. M. Y. Translanguaging in Bilingual Education. In: GARCÍA, O.; LIN, A.; MAY, S. (Org.). Bilingual and Multilingual Education. Cham: Springer International Publishing, 2016, 1-14.: 2).

Enquanto o termo interlíngua está intrinsecamente ligado à aprendizagem e às habilidades linguísticas do indivíduo, o conceito de translinguajar leva em consideração práticas linguísticas situacionais e a relação do indivíduo com o entorno, tanto que García e Wei (2018GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. In: CHAPELLE, C. A. (Org.). The Encyclopedia of Applied Linguistics. Wiley Online Library, 2018, 1-7.) lançam mão do conceito de translinguajar para descrever o comportamento linguístico de imigrantes em contextos educacionais bilíngues, denominados bilíngues emergentes. Antes de caracterizar esses bilíngues emergentes, descrevo brevemente algumas questões que envolvem a educação bilíngue, para conhecer o contexto que propiciou a discussão sobre translinguajar.

O termo educação bilíngue abrange uma série de modelos nas escolas ao redor do mundo e, mesmo na comunidade acadêmica, não há consenso sobre a classificação dos seus tipos, mas dois deles foram referências nos Estados Unidos na década de 60 e 70: bilinguismo aditivo e subtrativo. O primeiro caracteriza-se pela aprendizagem de uma nova língua no currículo escolar, ao mesmo tempo que o ensino da LM é mantido. Já no bilinguismo subtrativo, o repertório linguístico da criança não é expandido, uma vez que a LM é ignorada à medida que a criança aprende a língua majoritária do lugar. Conforme Skutnabb-Kangas; McCarty (2008SKUTNABB-KANGAS, T.; MCCARTY, T. L. Key Concepts in Bilingual Education: Ideological, Historical, Epistemological, and Empirical Foundations. In: HORNBERGER, N. H. (Org.) Encyclopedia of Language and Education. Boston, MA: Springer US, 2008, 1466-1482.: 13), “uma língua nova, dominante/majoritária, é aprendida ao custo da língua materna, que é substituída ou deslocada, resultando em uma situação diglóssica. O repertório linguístico total do indivíduo não cresce” 14 14 No original: “A new, dominant/majority language is learnt at the cost of the mother tongue, which is replaced or displaced, with a resulting diglossic situation. The individual’s total linguistic repertoire does not grow.” (SKUTNABB-KANGAS; MCCARTY 2008: 13).

Na tentativa de descrever de forma mais acurada o cenário educacional do século 21, García (2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.) conclui que os modelos propostos até então, bilinguismo aditivo e subtrativo, oriundos do embate linguístico surgido em Quebec, no Canadá, na década de 70, não mais representavam a realidade de muitas escolas. A diversidade de línguas e práticas pedagógicas observadas levaram a autora a sugerir outras duas nomenclaturas: modelo recursivo e dinâmico. O bilinguismo recursivo “refere-se à natureza complexa e dinâmica do bilinguismo de grupos etnolinguísticos que passaram por uma mudança substancial de linguagem ao tentarem revitalizar a língua” 15 15 No original: “[...] refers to the complex and dynamic nature of the bilingualism of ethnolinguistic groups who have undergone substantial language shift as they attempt language revitalization.” (GARCÍA; WEI 2015: 223) (GARCÍA; WEI 2015GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging, Bilingualism, and Bilingual Education. In: E. WRIGHT, W.; BOUN, S.; GARCÍA, O. (Org.). The Handbook of Bilingual and Multilingual Education. 1. ed. [s.l.] John Wiley and Sons, 2015, 223-240.: 223). Nesse modelo, a LM de uma comunidade advém de antigas práticas linguísticas, ao mesmo tempo que novas são incorporadas (GARCÍA 2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.). Um exemplo desse tipo de bilinguismo é refletido nos esforços de cidadãos de Pomerode, no Estado de Santa Catarina, em manter e valorizar o pomerano, variação dialetal do alemão trazido por imigrantes no século 19, ainda que sejam mais observadas nas áreas rurais (MALTZAHN 2017MALTZAHN, P. A língua alemã como marcador de identidade étnica em Pomerode. Pandaemonium Germanicum, v. 21, n. 33, 113-135, 2017.: 131).

Segundo Maltzahn (2017MALTZAHN, P. A língua alemã como marcador de identidade étnica em Pomerode. Pandaemonium Germanicum, v. 21, n. 33, 113-135, 2017.: 117), a língua alemã funciona como “marcador étnico” nessa região do país. Já o bilinguismo dinâmico “refere-se às múltiplas interações linguísticas e outras interrelações linguísticas que ocorrem em diferentes escalas e espaços entre falantes plurilíngues” 16 16 17 No original: “refers to the multiple language interactions and other linguistic interrelationships that take place on different scales and spaces among multilingual speakers.” (GARCÍA; WEI 2015: 223) (GARCÍA; WEI 2015GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging, Bilingualism, and Bilingual Education. In: E. WRIGHT, W.; BOUN, S.; GARCÍA, O. (Org.). The Handbook of Bilingual and Multilingual Education. 1. ed. [s.l.] John Wiley and Sons, 2015, 223-240.: 223). Os autores enxergam relações entre esse último e o conceito idealizado pelo Conselho Europeu de Políticas Linguísticas17 17 https://www.consilium.europa.eu/pt/about-site/language-policy/ , que considera o indivíduo como um agente social. Nesse papel, é desejável que o cidadão seja capaz de se comunicar em diversas culturas e línguas (GARCÍA 2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.: 144). Segundo García (2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.), as classificações anteriores mostram-se problemáticas, não só pela limitação frente à diversidade de modelos adotados pelas escolas, como também pela concepção monolíngue do indivíduo, na qual o bilíngue é visto como aquele que domina duas línguas separadamente. Tal abordagem divide e classifica o conhecimento linguístico do aprendiz, supondo ser possível dizer o que é produção de primeira língua e o que é produção de segunda língua, como se o repertório linguístico pudesse ser categorizado e separado de forma tão concreta. Em referência aos alunos com ascendência estrangeira nos Estados Unidos, a autora explica o termo bilíngues emergentes:

os bilíngues emergentes não adquirem um idioma adicional separado, mas desenvolvem e integram novas práticas linguísticas em um repertório bilíngue dinâmico e complexo, no qual o translinguajar é tanto o contexto de apoio quanto a própria teia comunicativa.18 18 No original: “Emergent bilinguals do not acquire a separate additional language, but develop and integrate new language practices into a complex dynamic bilingual repertoire in which translanguaging is both the supportive context and the communicative web itself.” (GARCÍA 2009bapudGARCÍA; WEI 2015: 225) (GARCÍA 2009GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.b apudGARCÍA; WEI 2015GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging, Bilingualism, and Bilingual Education. In: E. WRIGHT, W.; BOUN, S.; GARCÍA, O. (Org.). The Handbook of Bilingual and Multilingual Education. 1. ed. [s.l.] John Wiley and Sons, 2015, 223-240.: 225)

Mas quais são as implicações disso? Porque seria tão problemático fazer essa cisão entre conhecimento de LM e LA? Há uma questão político-ideológica envolvida que escapa ao olhar interessado apenas em fenômenos linguísticos. Na concepção monolíngue, há um distanciamento dos objetos (aprendiz - LA) com a consequente ideia de não pertencimento e o aluno é então confrontado com o estrangeiro; a língua-alvo é o objeto distante e quase inatingível e isso, muitas vezes, gera medo e insegurança nos aprendizes. Isso explica também o motivo pelo qual a autora considera inadequado o conceito de fossilização. Não se trata de uma prática linear onde estruturas da LA são adicionadas e aprendidas. No processo comunicativo, o aprendiz nunca começa do zero para chegar a ponto específico no final - ele sempre traz consigo algum arcabouço linguístico outrora adquirido, seja pelos pais, pela cultura, mídia ou pela sociedade e está em constante desenvolvimento.

García (2014GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. London: Palgrave Macmillan UK, 2014.) argumenta que a ideia por detrás do conceito de translinguajar é de ruptura com esse modelo de hegemonia e dominação de determinadas culturas que se impõem, não apenas economicamente, como também através da língua, uma vez que ainda é marcante essa associação de língua à ideia de Estado-Nação na sociedade moderna. Kramsch (2014KRAMSCH, C. Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction: Teaching Foreign Languages. The Modern Language Journal, v. 98, n. 1, 296-311, 2014.) retoma características da modernidade em termos de aprendizagem de LE19 19 Em seu artigo intitulado “Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction”, a autora não menciona o termo língua adicional e aqui também optamos por manter o termo língua estrangeira para ser fiel ao pensamento da autora. Acreditamos que Kramsch (2014) o fez propositalmente para enfatizar o papel das línguas frente à disputa política na modernidade. e aponta que um de seus pontos formadores é a crença de que o falante nativo da língua padrão daquele país representa sua norma cultural e linguística, daí a ligação entre língua e país e o surgimento de outros preconceitos linguísticos, como considerar línguas nacionais superiores a variantes dialetais, valorização de gramáticas com regras rígidas e dicionários que determinam o correto uso da língua pelo indivíduo civilizado. Kramsch (2014KRAMSCH, C. Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction: Teaching Foreign Languages. The Modern Language Journal, v. 98, n. 1, 296-311, 2014.) cita trabalhos do colóquio “Foreign Languages in an Age of Globalization” realizado em 2012 em Boston para apresentar uma mudança de paradigma na chamada modernidade tardia:

Com a globalização, a pureza da língua padrão e a autenticidade de seu uso por falantes nativos autênticos são postas em questão. Sites alternativos de uso do idioma, como a Internet e os intercâmbios on-line , estão expondo os estudantes ao mundo real heteroglóssico do hibridismo linguístico. 20 20 No original: With globalization, the purity of the standard language and the authenticity of its use by authentic NSs are put into question. Alternative sites of language use, such as Internet and online exchanges, are exposing students to the heteroglossic real world of linguistic hybridity. (KRAMSCH 2014: 300) (KRAMSCH 2014KRAMSCH, C. Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction: Teaching Foreign Languages. The Modern Language Journal, v. 98, n. 1, 296-311, 2014.: 300)

Essa nova era questiona ideias pré-estabelecidas na medida em que reconhece a pluralidade do atual cenário em que a sociedade globalizada vive.

Anwaruddin (2018ANWARUDDIN, S. M. Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, n. 2, 301-312, 2018.) conduziu um experimento em uma de suas aulas sobre redação de ensaios argumentativos com dois grupos de alunos, cujas línguas maternas eram árabe e chinês. A aula consistia na explicação dos seguintes termos: counter- argument, refutation e gene mutation. Segundo o autor, apenas uma pequena parte de ambos os grupos conseguiu entender a explicação em inglês. Visto que sua estratégia atingiu poucas pessoas, o pesquisador separou os grupos por LM e solicitou àqueles, que haviam entendido a explicação, descrever para os colegas os termos, dessa vez, em suas respectivas línguas maternas. Assim, aqueles que dominavam a LA puderam compartilhar o conhecimento aprendido com seus pares de mesma nacionalidade na LM, fazendo-os entender completamente o tema da aula. Isso evidencia a importância do translinguajar como prática pedagógica. Na próxima etapa, Anwaruddin (2018ANWARUDDIN, S. M. Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, n. 2, 301-312, 2018.) relata ter sentido uma compreensão geral sobre o tema: “Ao final das discussões de grupo, senti que todos os alunos tinham desenvolvido uma compreensão suficiente dos conceitos”21 21 No original: “By the end of the group-discussions, I felt that all of the students had developed a sufficient understanding of the concepts.” (ANWARUDDIN 2018: 304) (ANWARUDDIN 2018ANWARUDDIN, S. M. Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, n. 2, 301-312, 2018.: 304). Vale notar que grande parte do artigo é dedicada à construção de uma defesa de um novo olhar sobre o ensino. Nesse sentido, o autor aponta para a necessidade de repensar o translinguajar como princípio pedagógico transformador, apoiado nos estudos de García & Wei (2014GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. London: Palgrave Macmillan UK, 2014.) e como meio para uma educação democrática, a partir da ideia de emancipação proposta por Ranciere (2007RANCIÈRE, J. The emancipated spectator. Artforum, New York, v. 45, 270-280, 2007.).

Nesse sentido, os estudos sobre translinguajar convergem com o esforço em desconstruir antigas crenças, revelando características que a diferem de outras correntes linguísticas, como a demanda por transformação:

Mas o que torna a prática translíngue diferente dessas outras práticas de linguagem fluida é que ela é transformadora, ou seja, tenta acabar com a hierarquia das práticas de linguagem que consideram algumas mais valiosas do que outras. Assim, o translinguajar pode ser um mecanismo de justiça social, desmascarando erros de construção sobre o inglês, seus falantes, aprendizado de inglês, bilinguismo e ensino do inglês. 22 22 No original: “But what makes translanguaging different from these other fluid languaging practices is that it is transformative i.e., it attempts to wipe out the hierarchy of languaging practices that deem some more valuable than others. Thus, translanguaging could be a mechanism for social justice, debunking misconstructions about English, its speakers, learning English, bilingualism, and teaching English.” (GARCÍA 2014: 4) (GARCÍA 2014GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. London: Palgrave Macmillan UK, 2014.: 4)

O conceito de translinguajar desconstrói a noção de prestígio linguístico de determinadas línguas, ao mesmo tempo que valoriza a habilidade humana de adaptação e utilização de ferramentas diversas, que não a simples reprodução de construções linguísticas, no processo comunicativo.

O incômodo causado pela concepção de que línguas sejam sistemas rígidos de regras ou pelo ideal de formas linguísticas puras é tema de um artigo encontrado na revista Trabalhos em Linguística Aplicada. Zolin-Vesz (2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.) confronta os termos interlíngua e translinguajar para analisar a produção linguística de falantes de português que aprendem espanhol como LA. Em oposição à concepção de que o portunhol seja “uma mistura do português com espanhol”, o autor busca um conceito “menos negativo” (ZOLIN-VESZ 2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.: 323) para a produção dos aprendizes. Segundo Zolin-Vesz (2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.),

Pensar o portunhol como translíngua envolve considerar o movimento entre as fronteiras linguísticas do português e do espanhol, ou seja, envolve um “aprender movendo-se”, uma vez que essas fronteiras linguísticas em sala de aula, exponencialmente, se tornam mais fluidas e porosas, maximizadas pela proximidade entre ambas as línguas. (ZOLIN-VESZ 2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.: 327)

O autor defende que o portunhol não deva ser caracterizado como interlíngua por querer afastar-se do ideal de língua-alvo. Conforme Zolin-Vesz (2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.), a produção linguística observada no corpus estudado não está no meio do caminho, cujo objetivo final é o espanhol, trata-se de uma construção em constante movimento, sujeita a referências de toda natureza. Ao contrário das interpretações clássicas de que tais referências não passam de interferências no aprendizado e são erros, por consequência, o autor sugere chamá-las de “expressões translíngues”, surgidas propositalmente em um movimento de criação de sentidos (ZOLIN-VESZ 2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.: 328).

5 Diferenças e intersecções dos conceitos

Após descrever os conceitos de translinguajar e interlíngua separadamente e trazer uma seleção de artigos sobre os termos nas principais revistas acadêmicas do Brasil, recupero nesta seção elementos norteadores para encontrar suas diferenças e aproximações teóricas. A princípio, o olhar leigo pode ser levado a pensar tratar-se de conceitos sinônimos, uma vez que tanto interlíngua como translinguajar remetem a uma língua em construção, marcada por elementos da LM e também da LA e, por vezes, de outras línguas. Entretanto, a leitura dos artigos deixa suas diferenças evidentes, na medida em que é possível observar a forma como os termos são tratados e os fins para os quais se destinam.

A primeira diferença refere-se ao papel que a LA desempenha nas correntes teóricas. Nas análises interlinguísticas, a produção linguística resume-se ao sistema língua, nesse sentido, as línguas são vistas como sistemas distintos. A LA é norteadora e serve de parâmetro para orientar a noção de certo e errado no aprendizado de línguas, ancorada em normas gramaticais rígidas. Essa visão de língua pura é rejeitada por defensores do translinguajar, que veem na pós-modernidade um ambiente dinâmico e multicultural, onde não é possível mais falar de pureza linguística. Sendo assim, as línguas se misturam constantemente e não há um padrão a ser seguido. Na abordagem do translinguajar nota-se a valorização de um conhecimento ignorado pela interlíngua: o repertório linguístico do falante.

A segunda diferença observada encontra-se no foco de análise. Conforme Ahrenholz (2014AHRENHOLZ, B. Lernersprachenanalyse. In: SETTINIERI, J. et al. (Org.). Empirische Forschungsmethoden für Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Paderborn: Schöningh, 2014, 167-181.: 167), a interlíngua, denominada Lernersprache em alemão, é estudada desde a década de 1970 como método de pesquisa para analisar aquisição de língua alemã por crianças e adultos em contexto não escolar ou não orientado e sistematizado. Tal análise compreende a observação e comparação de marcas da língua em qualquer um dos campos linguísticos: fonética/ fonologia, léxico, sintaxe, morfologia e/ou pragmática. Os artigos da terceira seção que tratam sobre interlíngua trazem exemplos de análises linguísticas objetivas, nas quais as produções orais ou escritas de informantes são estudadas para identificar influências ou interferências da LM (ver SPINASSÉ 2006SPINASSÉ, K. P. As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües. Pandaemonium Germanicum, n. 10, 339-362, 2006.; VILELA & OLIVEIRA 2010VILELA, A. C.; OLIVEIRA, F. L. P. DE. I cut my hair e I did my nails: evidência de transferência linguística na interlíngua de falantes brasileiros aprendizes de inglês como segunda língua? Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 49, n. 1, 223-239, 2010.; SILVA-OYAMA 2010SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.; PEREIRA 2019PEREIRA, R. C. A estrutura silábica do alemão como língua estrangeira na interlíngua de aprendizes brasileiros. Pandaemonium Germanicum, v. 22, n. 36, 97-127, 2019.). Com isso, pretende-se avaliar quão próximo o aprendiz encontra-se da LA ou quão fossilizado encontra-se o aprendizado, tendo em vista que a LA é uma referência. Já os artigos sobre translinguajar concentram-se em discussões sobre a importância de se considerar e respeitar o repertório linguístico do aprendiz quando o tema é bilinguismo. A quarta seção deste artigo trouxe dois autores envolvidos com o conceito de translinguajar. Nota-se em seus trabalhos menos interesse em analisar a produção linguística dos alunos e mais atenção à reflexão e conscientização de uma mudança de paradigma como, por exemplo, a importância de se abandonar a ideia de que a língua-alvo é um objetivo a ser atingido na aprendizagem de espanhol por brasileiros (ver ZOLIN-VESZ 2014ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.) e translinguajar como princípio pedagógico transformador (ver ANWARUDDIN 2018ANWARUDDIN, S. M. Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, n. 2, 301-312, 2018.).

A terceira diferença entre as teorias está no objetivo dos estudos. Nos exemplos escolhidos, foi possível constatar que, enquanto a interlíngua busca identificar processos cognitivos na produção linguística de aprendizes de uma LA, o translinguajar tem por objetivo a transformação social, constatado em García & Wei (2014GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. London: Palgrave Macmillan UK, 2014.):

Pode-se dizer que as práticas translíngues dos professores não só reconhecem o uso de todas as práticas linguísticas dos alunos como um recurso (o que Bakhtin chamou de raznojazycie), mas, ao fazê-lo, também implicam um compromisso com a multidiscursividade (o que Bakhtin chamou de raznorecie) que inclui os discursos, preocupações e tópicos de interesse dos alunos.23 23 No original: “one can say that teachers’ translanguaging practices not only acknowledge the use of all students’ language practices as a resource (what Bakhtin called raznojazycie), but in so doing also entail a commitment to multidiscursivity (what Bakhtin called raznorecie) that includes students’ discourses, concerns, and topics of interest.” (GARCÍA; WEI 2014: 94) (GARCÍA; WEI 2014GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. London: Palgrave Macmillan UK, 2014.: 94)

O translinguajar carrega consigo um viés político, na medida em que traz à discussão a relação entre língua e hegemonia econômica, além da importância do apoio a políticas de valorização de minorias linguísticas.

De forma concisa, a Tabela 7 exibe as diferenças entre os modelos analisados:

Tabela 7:
diferenças teóricas entre os termos interlíngua e translinguajar

6 Conclusão

Nesta última seção retomo rapidamente alguns pontos desenvolvidos no artigo. Na primeira parte fiz uma breve introdução explicitando os motivos para a análise sobre os termos interlíngua e translinguajar. Na segunda parte tratei da metodologia e mostrei um levantamento bibliográfico dos termos em revistas acadêmicas brasileiras de grande relevância para conhecer melhor a forma como os conceitos são aplicados nos estudos linguísticos. Nas seções três e quatro descrevi com detalhes os conceitos de interlíngua e translinguajar respectivamente, além de comparar a forma como eles são trabalhados nos seis artigos selecionados, publicados em três importantes revistas científicas do país, a saber: 1- Pandaemonium Germanicum, revista de estudos germanísticos do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2- Trabalhos em Linguística Aplicada, do Programa de Pós- Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp e 3- Revista Brasileira de Linguística Aplicada, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Por fim, na quinta seção, dediquei-me a apontar as diferenças e intersecções identificadas com a leitura dos textos. A principal aproximação entre os conceitos reconhecida nos textos e explicações teóricas encontra-se no entendimento de que a língua desenvolvida pelo aprendiz de uma LA é um produto em construção, constituído de marcas de outras línguas, seja da LM ou da LA ou, até mesmo, de outras línguas.

As especificações de cada um dos termos deixam claro tratar-se de conceitos bem diferentes: a primeira diferença refere-se ao peso que a LA exerce na aprendizagem, para a interlíngua, a LA é uma referência. Assim, as pesquisas adeptas a essa corrente comparam a produção linguística dos aprendizes às estruturas da LA. O translinguajar, por outro lado, é uma prática linguística com marcas do próprio repertório linguístico do aprendiz que rejeita o ideal de perfeição da LA. A segunda diferença está no foco de análise. Enquanto a interlíngua ocupa-se em comparar produções linguísticas e reconhecer influências linguísticas, estudos em translinguajar estão envolvidos com questões mais subjetivas, como a conscientização da importância de línguas minoritárias, a valorização de estudos na área e o reconhecimento do peso que o repertório linguístico do aluno exerce no processo de aprendizagem. A terceira diferença refere-se ao objetivo dos estudos que tomam cada termo como referência: autores adeptos da interlíngua comparam produções linguísticas para determinar o estágio em que se encontra um aprendiz em uma escala de aprendizagem ou analisar influências de outras línguas quando se aprende uma LA. Já autores que seguem a corrente translíngue preocupam-se politicamente com a linguística e objetivam a mudança. Eles almejam uma transformação, tanto nas instituições de ensino (metodologia), como na percepção das pessoas em termos ideológicos e de valorização cultural. Apesar de os artigos analisados indicarem uma predileção por temas como visibilidade política e reconhecimento, vale lembrar que é possível fazer análise dos processos cognitivos a partir do translinguajar como, por exemplo, investigar quais estratégias os alunos usam para formar suas sentenças.

Neste artigo, pode-se inferir que interlíngua e translinguajar não são conceitos concorrentes, eles apenas possuem objetivos distintos: a interlíngua pretende observar, descrever interferências linguísticas e desvendar processamentos cognitivos, enquanto que o translinguajar tem por objetivo a conscientização para uma mudança de paradigma, no sentido de valorizar as minorias linguísticas e o próprio aprendiz, ao considerá-lo detentor de um rico repertório linguístico.

Em meio a tantas opções de metodologia e correntes teóricas com foco na análise de aprendizagem de LA, espero que este artigo possa contribuir para a comunidade acadêmica na escolha da abordagem que melhor se encaixe ao estudo do pesquisador. Como aponta Grilli (2016GRILLI, M. Alemão como língua estrangeira e a didática do plurilinguismo no Brasil e na Europa. Pandaemonium Germanicum, v. 19, n. 27, 175-202, 2016.), as dificuldades do ensino de alemão no Brasil vão desde lacunas na formação de professores em contexto plurilíngue a políticas linguísticas baseadas no mito de falante nativo, modelo tão criticado pela Linguística Aplicada (GRILLI 2016GRILLI, M. Alemão como língua estrangeira e a didática do plurilinguismo no Brasil e na Europa. Pandaemonium Germanicum, v. 19, n. 27, 175-202, 2016.: 176). Historicamente, a área de Alemão como LA (no Brasil ainda usa-se muito o termo DaF - Deutsch als Fremdsprache24 24 Tradução: Alemão como Língua Estrangeira ) privilegia a hipótese da interlíngua como corrente teórica para explicar fenômenos relacionados à aprendizagem da língua, mas os estudos de translinguajar mostram-se promissores nos dias atuais e pode ser vista como uma quebra de paradigmas.

Referências bibliográficas

  • AHRENHOLZ, B. Lernersprachenanalyse. In: SETTINIERI, J. et al. (Org.). Empirische Forschungsmethoden für Deutsch als Fremd- und Zweitsprache. Paderborn: Schöningh, 2014, 167-181.
  • ANWARUDDIN, S. M. Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, n. 2, 301-312, 2018.
  • BICKERTON, D. Dynamics of a creole system. London: Cambridge University Press, 1975.
  • BOECKMANN, K. Hypothesen zum Zusammenhang von Erst- und Zweitsprache. Grundlagen des Erst- und Fremdsprachenerwerbs. Ergänzungsheft. Fernstudieneinheit 15. München: Langenscheidt, 2010.
  • BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. 2nd ed. White Plains, New York: Longman, 2001.
  • CONSELHO DA EUROPA. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Ed. ASA, 2001. Disponível em: Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/quadro_europeu _comum_referencia.pdf (10/07/2021).
    » http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/quadro_europeu _comum_referencia.pdf
  • CORDER, S. P. Error Analysis, Interlanguage and Second Language Acquisition. Language Teaching & Linguistics: Abstracts, v. 8, n. 4, 201-218, 1975.
  • CORDER, S. P. The Significance of Learner’s Errors. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 5, n. 1-4, 1967.
  • EDMONDSON, W. J.; HOUSE, J. Einführung in die Sprachlehrforschung. 3., aktualisierte und erw. Aufl. Ed. Tübingen: Francke, 2006.
  • ELLIS, R. Learner strategies. In: Understanding Second Language Acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1985, 164-189.
  • ELLIS, R. The study of second language acquisition. Oxford: Oxford University Press , 2004.
  • GARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.
  • GARCÍA, O. TESOL Translanguaged in NYS: Alternative Perspectives. NYS TESOL Journal, v. 1, n. 1, 2-10, 2014.
  • GARCÍA, O.; LIN, A. M. Y. Translanguaging in Bilingual Education. In: GARCÍA, O.; LIN, A.; MAY, S. (Org.). Bilingual and Multilingual Education. Cham: Springer International Publishing, 2016, 1-14.
  • GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. London: Palgrave Macmillan UK, 2014.
  • GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging, Bilingualism, and Bilingual Education. In: E. WRIGHT, W.; BOUN, S.; GARCÍA, O. (Org.). The Handbook of Bilingual and Multilingual Education. 1. ed. [s.l.] John Wiley and Sons, 2015, 223-240.
  • GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. In: CHAPELLE, C. A. (Org.). The Encyclopedia of Applied Linguistics. Wiley Online Library, 2018, 1-7.
  • GASS, S. M.; SELINKER, L. Second language acquisition: an introductory course. 3. ed. New York: Routledge, 2008.
  • GRILLI, M. Alemão como língua estrangeira e a didática do plurilinguismo no Brasil e na Europa. Pandaemonium Germanicum, v. 19, n. 27, 175-202, 2016.
  • HIGGS, T.; CLIFFORD, R. The push toward communication. In: HIGGS, T.V. (Org.). Curriculum, Competence, and the Foreign Language Teacher. Lincolnwood, IL: National Textbook Co., 1982, 57-79.
  • KRAMSCH, C. Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction: Teaching Foreign Languages. The Modern Language Journal, v. 98, n. 1, 296-311, 2014.
  • LEFFA, V.; IRALA, V. B. O ensino e outra(s) língua(s) na contemporaneidade: questões conceituais e metodológicas. In: LEFFA, V.; IRALA, V. B. (Org.). Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas: Educat, 2014, 21-48.
  • LENNEBERG, E.H. Biological Foundations of Language. Nova Jersey: John Wiley and Sons Inc., 1967.
  • MALTZAHN, P. A língua alemã como marcador de identidade étnica em Pomerode. Pandaemonium Germanicum, v. 21, n. 33, 113-135, 2017.
  • PEREIRA, R. C. A estrutura silábica do alemão como língua estrangeira na interlíngua de aprendizes brasileiros. Pandaemonium Germanicum, v. 22, n. 36, 97-127, 2019.
  • RANCIÈRE, J. The emancipated spectator. Artforum, New York, v. 45, 270-280, 2007.
  • RUAS, S. A Pesquisa Gerativista em Aquisição de Segunda Língua: uma Revisão. In: CARVALHO, D. DA S.; SOUSA, L. T. DE (Org.). Gramática Gerativa em Perspectiva. [s.l.] Editora Blucher, 2018, 159-186.
  • SCHLATTER, M.; GARCEZ, P. DE M. Língua espanhola e língua inglesa: referencial curricular. Referenciais curriculares do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria da Educação, 125-172. 2009 Disponível em: Disponível em: http://servicos.educacao.rs.gov.br/dados/refer_curric_vol1.pdf (17/02/2019).
    » http://servicos.educacao.rs.gov.br/dados/refer_curric_vol1.pdf
  • SCHUMANN, J. The acculturation model for second language acquisition. In: GINGRAS, R. (Org.). Second language acquisition and foreign language teaching. Arlington, VA: Center for Applied Linguistics, 1978, 27-50.
  • SCIELO: Scientific Electronic Library Online. Site da Internet. Disponível em: http://www.scielo.org/
    » http://www.scielo.org/
  • SCOVEL, T. A time to speak: a psycholinguistic inquiry into the critical period for human speech. New York: Newbury House, 1988.
  • SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.
  • SELINKER, L. Chapter 10. Interlanguage 40 years on: Three themes from here. In: HAN, Z.; TARONE, E. (Org.). Language Learning & Language Teaching. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, v. 39, 2014, 221-246.
  • SILVA-OYAMA, A. C. Estratégias de comunicação na aprendizagem de português / espanhol por teletandem. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 10, n. 1, 89-112, 2010.
  • SKUTNABB-KANGAS, T.; MCCARTY, T. L. Key Concepts in Bilingual Education: Ideological, Historical, Epistemological, and Empirical Foundations. In: HORNBERGER, N. H. (Org.) Encyclopedia of Language and Education. Boston, MA: Springer US, 2008, 1466-1482.
  • SPINASSÉ, K. P. As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües. Pandaemonium Germanicum, n. 10, 339-362, 2006.
  • UPHOFF, D. DaF, DaZ, DaT, Língua Adicional: Wissensordnungen und Subjektpositionen in der Didaktik des Deutschen als Nicht-L1. Pandaemonium Germanicum, v. 24, n. 43, 38-65, 2021.
  • VIGIL, N. A.; OLLER, J. W. Rule fossilization: a tentative model. Language Learning, v. 26, n. 2, 281-295, 1976.
  • VILELA, A. C.; OLIVEIRA, F. L. P. DE. I cut my hair e I did my nails: evidência de transferência linguística na interlíngua de falantes brasileiros aprendizes de inglês como segunda língua? Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 49, n. 1, 223-239, 2010.
  • ZOLIN-VESZ, F. Como ser feliz em meio ao portunhol que se produz na sala de aula de espanhol: por uma pedagogia translíngue. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 53, n. 2, 321-332, 2014.
  • 1
    A minha sugestão de tradução para translanguage é inspirada na forma verbal translanguaging, como forma de enfatizar a noção de prática linguística, como será explicado mais adiante.
  • 2
    Apesar de reconhecer a importância da discussão teórica sobre a diferença conceitual entre aquisição e aprendizagem consideramos, neste artigo, aquisição e aprendizagem termos sinônimos. Para este trabalho, a produção linguística do indivíduo em Língua Adicional é o ponto central de investigação, não sua origem, suas condições de apropriação. Assim, a diferenciação dos termos fica em segundo plano.
  • 3
    A adoção do termo língua adicional em detrimento de língua estrangeira deve-se ao entendimento de que, atualmente, mais de uma língua estão presentes no cotidiano das pessoas. Em muitas comunidades, mesmo no Brasil, não é possível distinguir qual língua o indivíduo aprende primeiro. Sobre o tema, Schlatter; Garcez (2009SCHLATTER, M.; GARCEZ, P. DE M. Língua espanhola e língua inglesa: referencial curricular. Referenciais curriculares do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria da Educação, 125-172. 2009 Disponível em: Disponível em: http://servicos.educacao.rs.gov.br/dados/refer_curric_vol1.pdf (17/02/2019).
    http://servicos.educacao.rs.gov.br/dados...
    ) trazem exemplos do Rio Grande do Sul. Sobre a diferença conceitual entre Língua Estrangeira e Segunda Língua consultar Spinassé (2006SPINASSÉ, K. P. As interferências da Língua Materna e o aprendizado do Alemão como Língua Estrangeira por crianças bilíngües. Pandaemonium Germanicum, n. 10, 339-362, 2006.). Outras leituras são igualmente importantes: Leffa; Irala (2014LEFFA, V.; IRALA, V. B. O ensino e outra(s) língua(s) na contemporaneidade: questões conceituais e metodológicas. In: LEFFA, V.; IRALA, V. B. (Org.). Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas: Educat, 2014, 21-48.) e Uphoff (2021UPHOFF, D. DaF, DaZ, DaT, Língua Adicional: Wissensordnungen und Subjektpositionen in der Didaktik des Deutschen als Nicht-L1. Pandaemonium Germanicum, v. 24, n. 43, 38-65, 2021.).
  • 4
    Disponível no endereço eletrônico www.scielo.br
  • 5
    Na lingua alemã, o forma de particípio passado de verbos regulares apresenta a terminação -t, a exemplo de machen (gemacht). Contudo, o verbo kommen é irregular e sua forma no passado é gekommen. Por essa razão, é relativamente comum os aprendizes dizerem gekommt quando usam o verbo kommen no passado.
  • 6
    No original: latent language structure
  • 7
    No original: “latent language structure is an already formulated arrangement in the brain, (b) is the biological counterpart to universal grammar, and (c) is transformed into the realized structure of a particular grammar in accordance with certain maturational stages.” (LENNENBERG 1967: 374 apudSELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.: 211).
  • 8
    No original: “Interlanguage is that linguistic/cognitive space that exists between the native language and the language that one is learning. Interlanguages are non-native languages which are created and spoken whenever there is language contact.” (SELINKER 2014SELINKER, L. Chapter 10. Interlanguage 40 years on: Three themes from here. In: HAN, Z.; TARONE, E. (Org.). Language Learning & Language Teaching. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, v. 39, 2014, 221-246.: 223).
  • 9
    No original: “Fossilizable linguistic phenomena are linguistic items, rules, and subsystems which speakers of a particular NL will tend to keep in their IL relative to a particular TL, no matter what the age of the learner or amount of explanation and instruction he receives in the TL.” (SELINKER 1972SELINKER, L. Interlanguage. IRAL - International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, v. 10, n. 3, 209-231, 1972.: 215).
  • 10
    No original: “Second language learners tend to go through a systematic or quasi-systematic developmental process as they progress to full competence in the target language. Successful interlanguage development is partially a result of utilizing feedback from others.” (BROWN 2001BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. 2nd ed. White Plains, New York: Longman, 2001.: 67)
  • 11
    No original: “This system is composed of numerous elements, not the least of which are elements from the NL and the TL. There are also elements in the IL that do not have their origin in either the NL or the TL. These latter are called new forms and are the empirical essence of interlanguage.” (GASS; SELINKER 2008GASS, S. M.; SELINKER, L. Second language acquisition: an introductory course. 3. ed. New York: Routledge, 2008.: 14)
  • 12
  • 13
    No original: “[…] Cen Williams first used the Welsh term trawsieithu in 1994 to refer to a pedagogical practice where students in bilingual Welsh/English classrooms are asked to alternate languages for the purposes of receptive or productive use, […]” (GARCÍA; LIN 2016GARCÍA, O.; LIN, A. M. Y. Translanguaging in Bilingual Education. In: GARCÍA, O.; LIN, A.; MAY, S. (Org.). Bilingual and Multilingual Education. Cham: Springer International Publishing, 2016, 1-14.: 2)
  • 14
    No original: “A new, dominant/majority language is learnt at the cost of the mother tongue, which is replaced or displaced, with a resulting diglossic situation. The individual’s total linguistic repertoire does not grow.” (SKUTNABB-KANGAS; MCCARTY 2008SKUTNABB-KANGAS, T.; MCCARTY, T. L. Key Concepts in Bilingual Education: Ideological, Historical, Epistemological, and Empirical Foundations. In: HORNBERGER, N. H. (Org.) Encyclopedia of Language and Education. Boston, MA: Springer US, 2008, 1466-1482.: 13).
  • 15
    No original: “[...] refers to the complex and dynamic nature of the bilingualism of ethnolinguistic groups who have undergone substantial language shift as they attempt language revitalization.” (GARCÍA; WEI 2015GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging, Bilingualism, and Bilingual Education. In: E. WRIGHT, W.; BOUN, S.; GARCÍA, O. (Org.). The Handbook of Bilingual and Multilingual Education. 1. ed. [s.l.] John Wiley and Sons, 2015, 223-240.: 223)
  • 16
    17 No original: “refers to the multiple language interactions and other linguistic interrelationships that take place on different scales and spaces among multilingual speakers.” (GARCÍA; WEI 2015GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging, Bilingualism, and Bilingual Education. In: E. WRIGHT, W.; BOUN, S.; GARCÍA, O. (Org.). The Handbook of Bilingual and Multilingual Education. 1. ed. [s.l.] John Wiley and Sons, 2015, 223-240.: 223)
  • 17
  • 18
    No original: “Emergent bilinguals do not acquire a separate additional language, but develop and integrate new language practices into a complex dynamic bilingual repertoire in which translanguaging is both the supportive context and the communicative web itself.” (GARCÍA 2009bGARCÍA, O. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell Pub, 2009.apudGARCÍA; WEI 2015GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging, Bilingualism, and Bilingual Education. In: E. WRIGHT, W.; BOUN, S.; GARCÍA, O. (Org.). The Handbook of Bilingual and Multilingual Education. 1. ed. [s.l.] John Wiley and Sons, 2015, 223-240.: 225)
  • 19
    Em seu artigo intitulado “Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction”, a autora não menciona o termo língua adicional e aqui também optamos por manter o termo língua estrangeira para ser fiel ao pensamento da autora. Acreditamos que Kramsch (2014KRAMSCH, C. Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction: Teaching Foreign Languages. The Modern Language Journal, v. 98, n. 1, 296-311, 2014.) o fez propositalmente para enfatizar o papel das línguas frente à disputa política na modernidade.
  • 20
    No original: With globalization, the purity of the standard language and the authenticity of its use by authentic NSs are put into question. Alternative sites of language use, such as Internet and online exchanges, are exposing students to the heteroglossic real world of linguistic hybridity. (KRAMSCH 2014KRAMSCH, C. Teaching Foreign Languages in an Era of Globalization: Introduction: Teaching Foreign Languages. The Modern Language Journal, v. 98, n. 1, 296-311, 2014.: 300)
  • 21
    No original: “By the end of the group-discussions, I felt that all of the students had developed a sufficient understanding of the concepts.” (ANWARUDDIN 2018ANWARUDDIN, S. M. Translanguaging as Transformative Pedagogy: Towards a Vision of Democratic Education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, n. 2, 301-312, 2018.: 304)
  • 22
    No original: “But what makes translanguaging different from these other fluid languaging practices is that it is transformative i.e., it attempts to wipe out the hierarchy of languaging practices that deem some more valuable than others. Thus, translanguaging could be a mechanism for social justice, debunking misconstructions about English, its speakers, learning English, bilingualism, and teaching English.” (GARCÍA 2014GARCÍA, O. TESOL Translanguaged in NYS: Alternative Perspectives. NYS TESOL Journal, v. 1, n. 1, 2-10, 2014.: 4)
  • 23
    No original: “one can say that teachers’ translanguaging practices not only acknowledge the use of all students’ language practices as a resource (what Bakhtin called raznojazycie), but in so doing also entail a commitment to multidiscursivity (what Bakhtin called raznorecie) that includes students’ discourses, concerns, and topics of interest.” (GARCÍA; WEI 2014GARCÍA, O.; WEI, L. Translanguaging. London: Palgrave Macmillan UK, 2014.: 94)
  • 24
    Tradução: Alemão como Língua Estrangeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2021
  • Aceito
    09 Dez 2021
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: pandaemonium@usp.br