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Atividades didáticas de ensino de alemão em contexto remoto emergencial: análise do poder e propostas de ação para a reflexão crítica

[Didactic activities for teaching German in a remote emergency context: power analysis and action proposals for critical reflection]

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma cartografia das relações de poder na perspectiva foucaultiana envolvidas no contexto de ensino e aprendizagem de Alemão como Língua Estrangeira (ALE), aprofundando-a ao levar em consideração os impactos da pandemia de Covid-19. Nesse sentido, propomos uma reflexão a respeito do uso de materiais criados para a modalidade de aulas presenciais e os desafios para docentes e discentes na adaptação do mesmo para o uso nas aulas remotas (Rocha, Deusdará, Arantes, 2020). Para tal, desenvolvemos uma análise de atividades selecionadas de livros didáticos largamente utilizados em cursos de alemão no Brasil e, a partir dessa análise, apresentaremos nossas propostas de adaptação desses materiais a fim de fomentar a criticidade utilizando-se o referencial da Análise do Discurso e do poder (Foucault, [1979], 2003).

Palavras-chave:
Livro didático; Ensino Remoto Emergencial; Poder; Ensino e aprendizagem de alemão; Aprendizagem crítica de língua

Abstract

This paper aims to present a cartography of power relations, from a Foucauldian perspective, involved in the context of teaching and learning German as a Foreign Language (ALE), expanding it by taking into account the impacts of the Covid-19 pandemic. In addition, we propose a reflection on the use of materials created for face-to-face classes and the challenges for teachers and students in adapting them for use in remote classes (Rocha, Deusdará, Arantes, 2020). To this end, we developed a model for the analysis of activities proposed by materials widely used in Brazil, from the theoretical perspective of Discourse Analysis and power (Foucault, [1979], 2003).

Keywords:
Textbook; Emergency Remote Teaching; Power; Teaching and learning German; critical language learning

Zusammenfassung

Ziel dieses Beitrags ist es, eine Kartographie der Machtverhältnisse aus einer Foucaultschen Perspektive vorzustellen, die in den Kontext des Lehrens und Lernens von Deutsch als Fremdsprache (ALE) eingebunden ist, und sie durch die Berücksichtigung der Auswirkungen der Covid-19-Pandemie zu vertiefen. Darüber hinaus schlagen wir eine Reflexion über die Verwendung von Materialien vor, die für den Präsenzunterricht entwickelt wurden, sowie über die Herausforderungen, die sich für Lehrer und Schüler bei der Anpassung dieser Materialien für den Einsatz im Fernunterricht ergeben (Rocha, Deusdará, Arantes, 2020). Zu diesem Zweck entwickeln wir ein Analysemodell der Aktivitäten, die von den in Brasilien weit verbreiteten Materialien vorgeschlagen werden, aus der theoretischen Perspektive der Diskursanalyse und der Machtverhältnisse (Foucault, [1979], 2003).

Stichwörter:
Lehrbuch; Emergency Remote Learning; Machtverhältnisse; Deutsch lehren und lernen; Kritisches Sprachenlernen

1 Introdução

Os anos de 2020 e 2021 foram muito desafiadores em muitos sentidos para todos, não só no âmbito pessoal, mas também profissional. A pandemia de Covid-19 atingiu o mundo de modo súbito e exigiu de todos nós deslocamentos e mudanças muito radicais em nossas rotinas familiares, domésticas e de trabalho.

Nas universidades públicas no Rio de Janeiro, assim como nas demais instituições públicas de ensino, as decisões que envolveram retornar ou não as atividades de ensino de modo remoto, implicaram diferentes imbróglios e complexidades, principalmente ligados a questões de infraestrutura básica para esse ensino (como o acesso ou não a equipamentos como computadores, tablets e celulares), o acesso a uma rede de internet que permitisse a participação nessas atividades e questões ligadas à saúde física e emocional de todas/os as/os envolvidas/os (sejam professoras/es, funcionários técnicoadministrativos, aprendizes ou suas/seus familiares) (Ferreira; Stanke, 2021).

Especialmente para nós, professoras, pesquisadoras, mães, mulheres, o distanciamento social, muito necessário e imprescindível para a contenção de contaminações pelo vírus da Covid-19, trouxe também mais sobrecarga de trabalho com a modalidade remota, aumento do nível de estresse e redução das redes de apoio. De acordo com o levantamento realizado pelo movimento Parent in Science durante o isolamento social relativo à Covid-19, é possível constatar significativa discrepância de gênero, raça e parentalidade quando comparamos os impactos na produção acadêmica de cientistas mulheres e homens, brancos e negros e essa desigualdade se acentua ainda mais quando incluímos a parentalidade como parâmetro. Buscando entender esse cenário, o movimento realizou o levantamento no Brasil, durante os meses de abril e maio de 2020. Os questionários foram respondidos por quase 15 mil cientistas, entre docentes e pesquisadores e discentes de pós-graduação, pós-doutorandas(os).

O estudo traz resultados relativos a diversas atividades acadêmicas que puderam (ou não) ser desenvolvidas por docentes e discentes no período relativo à pesquisa, dentre as quais foram consideradas: publicações realizadas ou não, prazos cumpridos ou descumpridos, entre outros fatores impactados pela adversidade vivida no período.

Os dados revelam que apenas 8% das mulheres responderam que conseguiram trabalhar nesse período, contra 18,6% dos homens. Quando incluídos dados de parentalidade para a análise comparativa, observa-se enorme discrepância, mesmo entre as mulheres. Apenas 4,1% de mulheres com filho conseguiram trabalhar, enquanto 18,4% de mulheres sem filho conseguiram trabalhar. Esse número no grupo dos homens também apresenta contraste, não tão grande quanto no grupo de mulheres, mas apresenta considerável diferença: 14,9% dos homens com filho conseguiram trabalhar, contra 25,6% de homens sem filho. Mulheres negras apresentam números ainda mais desvantajosos. O cenário se repete ao longo da pesquisa para estudantes de pós-graduação.

Os resultados do estudo reiteram a importância de levarmos em consideração fatores sociais, como gênero, raça e parentalidade quando falamos em produtividade, efeitos e desdobramentos da Covid-19 na produção acadêmica e no processo de aprendizagem, já que o ambiente de ensino, que além de ter sido realocado para uma modalidade remota, é diretamente impactado por esses fatores. Isso por quê, apesar dos computadores ou celulares terem servido como suportes para o ensino, os desdobramentos e efeitos desses suportes na saúde mental e física de seus usuários foram percebidos mais negativamente do que positivamente, o que alterou muito o processo de aprendizagem e ensino de diversos conteúdos, incluindo o de línguas estrangeiras.

Nesse contexto de mudanças no ensino, objetivamos apresentar neste artigo um conjunto de análises de atividades selecionadas em livros didáticos de ensino de Alemão como Língua Estrangeira (ALE), a fim de refletirmos sobre possibilidades de uso e adaptações desses materiais em ambientes de aprendizagem remota. Desse modo, levantaremos questões inerentes à produção de livros didáticos utilizados em salas de aula de ALE e as relações de poder que a constituem e que dela derivam na perspectiva foucaultiana.

As condições de produção de materiais didáticos revelam muito sobre os efeitos que eles podem produzir quando utilizados em diferentes realidades. É por isso que muitas vezes, sentimos que os materiais de produção global, ou seja, produzidos para serem utilizados em muitos países diferentes, produzem o que chamaremos de efeitos de distanciamento entre a realidade que é apresentada e aquela que é confrontada em sala de aula.

Muitas vezes, só o fato de o livro didático ou material didático ter sido produzido na Alemanha, eles ganham uma carga de credibilidade e afirmação em nosso mercado, pois há uma reiteração do discurso colonial: o que vem de fora é melhor e uma visão de língua baseada no espaço geográfico, ou seja, territorialista. Logo, se estabelecem definições de áreas centrais e áreas periféricas e a dicotomia ganha corpo nas construções de contraposição: língua-padrão X variantes. É assim que a relação de poder vai se constituindo, sobretudo por meio da repetição e reiteração desses discursos, que contêm pressupostos colonialistas e territorialistas, nas comunidades discursivas por meio dos gêneros discursivos que co-construímos (salas de aulas, cursos de formação, ementas, etc).

Para aqueles que já trabalharam ou compuseram uma sala de aula de ALE como docente ou aprendiz, não é difícil identificar a origem dos materiais largamente utilizados em cursos, escolas e até mesmo em cursos universitários em todo o Brasil. A produção de livros didáticos de ALE adotados nesses espaços no Brasil é feita, majoritariamente, na Alemanha e a composição desses livros e materiais seguem um padrão já identificado em muitas pesquisas de impacto publicadas em nossa área (Arantes, 2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104.; Arantes e Giorgi, 2018; Bolognini,1991Bolognini, Carmen Zink. Livro didático: cartão postal do país onde se fala a língua-alvo? Trabalhos de Linguística Aplicada, v. 17, 43-56, 1991.; Bohunovsky, 2009Bohunovsky, Ruth. O ensino de línguas estrangeiras no Brasil e a “compreensão do estrangeiro”: o papel da tradução. Horizontes de Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, 170-184, 2009.; Uphoff, 2008Uphoff, Dörthe. O caráter institucional do uso do livro didático no ensino de língua estrangeira. Intercâmbio, v. XVII, 131-141, 2008., 2021), que revelaram: i) livros produzidos para distribuição internacional com pouca ou nenhuma possibilidade de identificação com os países de destino; ii) discursos que investem em construções de aprendizes turistas-consumidores e de sociedade homogênea sem conflitos de classe, gênero ou raciais; iii) atividades fortemente disciplinadas pelos exames de proficiência de língua europeus.

A utilização de materiais com esse perfil, seja na modalidade presencial ou remota, tem efeitos e consequências também nas produções discursivas dos aprendizes, isso porque ao se matricular em um curso de idiomas, ao ingressar em uma escola bilíngue ou até mesmo em um curso universitário de Letras Português- Alemão, os estudantes são, muitas vezes, instruídos a comprar o livro ou material didático selecionado pela instituição, que os acompanharão ao longo do aprendizado da língua e, principalmente, sobre o qual pouco se refletirá ou se fará críticas, como já atestado em muitas pesquisas na área (Roschel, 2022Roschel, Elaine. 'Entre “becos sem saídas' e o 'pulo do gato': Criatividade Local e Mentoria na formação inicial de professores de alemão no Brasil. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2022.; Arantes. Favacho; Martins; Ribeiro; Junior, 2016; Amato, 2005Amato, Laura Janaina Dias. Aspectos interculturais no ensino de alemão como língua estrangeira: uma análise de livros didático. 01/06/2005 200 f. Mestrado em LETRAS Instituição de Ensino: UFPR, CURITIBA Biblioteca Depositária: Biblioteca do setor de ciências humanas, letras e artes.; Wolf, 2017; Uphoff, 2008Uphoff, Dörthe. O caráter institucional do uso do livro didático no ensino de língua estrangeira. Intercâmbio, v. XVII, 131-141, 2008.; Arantes, 2018).

Considerando, portanto, que a modalidade de ensino remoto modificou muito as dinâmicas de interação e as relações de poder, inclusive em virtude da abertura de possibilidades para a utilização de outros materiais e para o investimento em práticas de interação online, é que apresentamos nossa proposta neste artigo. Sabemos que em muitas instituições a obrigatoriedade da manutenção da utilização do livro didático foi objeto de discussão e gerou muita tensão entre escola e docentes, que tiveram que adaptar os conteúdos dos livros à modalidade remota e, ainda, tiveram que aprender, em curto espaço de tempo, a manusear ferramentas de suportes online até então desconhecidas.

Desse modo, nossa proposta de análise e apresentação de atividades inspiradas na seleção que fizemos em livros didáticos de ALE, procura investir no ensino de língua alemã baseado em perspectiva reflexiva, com o intuito de criar e elaborar novas diretrizes de políticas linguísticas, fomentando-se uma educação linguística baseada na autonomia (Uphoff; Arantes, 2021Uphoff, Dörthe. DaF, DaZ, DaT, Língua Adicional: Wissensordnungen und Subjektpositionen in der Didaktik des Deutschen als Nicht-L1. Pandaemonium Germanicum, v. 24, 38-65, 2021.).

Para alcançarmos esse objetivo, apresentaremos reflexão sobre o poder na perspectiva foucaultiana na segunda parte do artigo,

2 Poder na perspectiva foucaultiana

Consideramos importante começarmos essa discussão retomando-se, brevemente, um ponto crucial desenvolvido por Foucault para analisar o poder a partir da análise das relações. Segundo o autor, não haveria uma definição teórica única sobre poder: “Não tenho uma concepção global e geral do poder”, afirma Foucault ([1977], 2006 p. 227) o poder permeia e se apresenta das mais diferentes formas, nos permitindo desenvolver análises completamente distintas ao delimitarmos nosso objeto de estudo e definirmos o que nele queremos investigar.

Desse modo, Foucault considera equivocada a formulação da questão: “o que é o poder?”, pois segundo ele, essa seria uma questão teórica que consideraria o poder como um conceito delimitado, como um conjunto, já que “o que está em jogo é determinar quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, esses diferentes dispositivos de poder que se exercem, em níveis diferentes da sociedade, em campos e com extensões tão variadas” (Foucault, [1975-1976], 1999, p.19).

Consideramos muito produtiva essa perspectiva foucaultiana de poder, sobretudo para a nossa área de aprendizagem e ensino de línguas, pois ao considerarmos que o poder se estabelece em relação, a partir da co-produção dos sujeitos que produzem linguagem, nos colocamos de forma ativa nessa construção de poder: ou seja, a partir das próprias produções de linguagem que reiteramos, fortalecemos mais, ou menos determinadas relações de poder. Explicamos: um livro didático não detém nenhum poder se ele não for utilizado, o poder só pode ser delegado ao livro didático por sujeitos de linguagem, que reiteram seus enunciados, que o adotam de modo indiscriminado. Nós, sujeitos de linguagem, é que seremos responsáveis por construir relações mais, ou menos submissas, ou libertárias, com o livro didático. O livro, pelo simples fato de existir, não detém poder algum.

Foucault ressalta que o poder não deve ser analisado em seu suposto centro, mas, ao contrário, em suas extremidades e ramificações, nas suas práticas reais e efetivas. O autor aconselha efetuar análises localizadas, na tentativa de evidenciar o jogo de forças em circunstâncias concretas e bem delimitadas (Foucault, [1976], 2006). Sendo assim, para compreendermos as relações de poder envolvidas em determinado contexto e situação, é fundamental enxergar seu funcionamento microfísico, partindo de pequenos recortes, pois assim temos maior possibilidade de analisar como naquela situação específica as relações de poder se estabelecem e o que delas deriva.

Outro ponto importante que devemos considerar é a fluidez e a mobilidade do poder, que pode transitar e deslocar-se, assim como se perpetuar em determinada configuração de acordo com os interesses políticos, econômicos e sociais envolvidos. “O poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis.” (Foucault, 1976) Essa noção nos permite compreender que o poder não emerge de uma fonte única e que por vezes, não é tão simples enxergar que existam relações de poder em determinadas relações por enxergarmos o poder de forma equivocada.

Em nossa prática enquanto docentes, muitas variáveis que atuam nas relações de poder em sala de aula e nas instituições de ensino são importantes de serem expostas, sobretudo porque têm efeitos nas condições de participação dos sujeitos nas produções de linguagem e, por isso, interferem na intervenção nas relações de poder (Arantes, 2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104.).

Citaremos algumas dessas variáveis, com o intuito de apresentar um movimento cartográfico, que por óbvio, não se esgota nessa apresentação: i) os baixos salários da profissão docente, que obrigam os profissionais a assumir muitos turnos de aulas, às vezes em instituições diferentes; ii) a não remuneração das horas de atividades de preparação de aula; iii) os vetos à não participação nas decisões institucionais, tais como ementas, seleção dos livros e materiais didáticos; iv) as desvantagens de acesso à plataformas online e à redes móveis de internet e conexões suficientes para o carregamento e uso de ferramentas de aula online sobretudo no período da pandemia, dentre outras tantas.

Essas variáveis atuam nessa relação de poder em sala de aula, entre docentes e enunciados implícitos nos livros didáticos da seguinte forma:

O ensino de ALE [Alemão como Língua Estrangeira] é constituído pelo que é dito por esse grupo de especialistas: por todos os enunciados que nomeiam, recortam, descrevem, explicam, contam seus desenvolvimentos, indicam suas diversas correlações, julgam-no e, eventualmente, emprestam-lhe a palavra, articulando em seu nome discursos que deveriam passar por seus, ou seja, atribuem-se a outras vozes o “poder” de interferir e prescrever e influenciar o modo como se “deve” aprender uma língua estrangeira. Estamos vendo em andamento, portanto, o que Foucault denomina “poder disciplinar”. A organização dos saberes em disciplinas, determinando critérios de seleção que permitem descartar o “falso-saber”, o “não-saber”, criam o disciplinamento dos saberes que se materializam nos dispositivos de poder utilizados para disseminar esses saberes e institucionalizá-los. O livro didático, a nosso ver, funciona como esse dispositivo (Arantes, 2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104., p. 9).

No ambiente remoto de aprendizagem de línguas, ou seja, com as “aulas remotas”1 1 Com as aspas queremos indicar nossa não adesão ao termo “aula remota” a partir da discussão feita por Rocha, Deusdará e Arantes (2020). De acordo com os autores, no ambiente online há alteração profunda das práticas de aulas, que alterariam, por conseguinte, o gênero “aula”. , as relações de poder entre sujeitos (docentes, discentes) e dispositivos (livros e materiais didáticos) foram bastante alteradas, pois as ferramentas das salas de conferências online restringiram, em alguns casos, mas aumentaram, em outros casos, possibilidades de uso de mais, ou menos atividades dos livros didáticos, que demandaram mais adaptações, transformações ou novas edições.

Consideramos que nesse novo ambiente de aulas remotas, para o qual tivemos que nos deslocar devido à pandemia de Covid-19, mudam-se as condições materiais de produção de linguagem e de acessibilidade e, por esse motivo, há um novo gênero de aula sendo construído. Por esta razão utilizamos o termo aulas remotas em destaque, uma vez que, de acordo com Rocha, Deusdará e Arantes (2020Rocha, Décio; Deusdará, Bruno; Arantes, Poliana. “Aula remota”: um hipônimo do gênero aula ou um novo gênero de atividade? In: Rocha, D.; Deusdara, Bruno.; Arantes, Poliana.; Pessoa, Morgana. (Org.). Em discurso 3 - Pesquisar com gêneros discursivos: interrogando práticas de formação docente. Rio de Janeiro: Cartolina, 2020, 47-65.),

não chamaremos de aula a esse acontecimento que altera tão fundamentalmente os dispositivos que sustentam nosso entendimento de uma aula presencial, requerendo do profissional um esforço e qualidades muito específicas que não coincidem com o dispendido em seu trabalho regular, previsto para ser realizado presencialmente - por algumas razões. Entre tais razões, apontaríamos a impossibilidade da mera transposição dos conteúdos das aulas presenciais, pela alteração das formas de interlocução, que não favorecem as trocas entre os estudantes, conferindo excessiva centralidade à fala do professor. Incluem-se ainda razões que remetem ao consumo dos dados de internet, gerando alternativas como o fechamento da maior parte ou mesmo da totalidade das câmeras, nos eventos síncronos, em que professores e estudantes interagem simultaneamente, ou ainda a gravação do vídeo e a sua posterior disponibilização em uma plataforma, que possibilitará o acesso dos estudantes em outros momentos e circunstâncias (Rocha, Deusdará, Arantes, 2020Rocha, Décio; Deusdará, Bruno; Arantes, Poliana. “Aula remota”: um hipônimo do gênero aula ou um novo gênero de atividade? In: Rocha, D.; Deusdara, Bruno.; Arantes, Poliana.; Pessoa, Morgana. (Org.). Em discurso 3 - Pesquisar com gêneros discursivos: interrogando práticas de formação docente. Rio de Janeiro: Cartolina, 2020, 47-65., p. 49).

A partir da discussão feita nesta seção, que explicitou os efeitos das principais mudanças e alterações nas relações de poder que desenvolvemos em nossas aulas, sobretudo motivadas pela nova modalidade de ensino remoto faremos, no próximo tópico, uma cartografia dessas relações de poder no ambiente de aulas remotas com o uso de livros didáticos de ensino de alemão como língua estrangeira, incialmente concebidos para a prática presencial.

3 Cartografia das relações de poder em aulas remotas

Quais seriam, então, algumas das relações de poder que podemos identificar ao falarmos de um ambiente remoto de aprendizagem de línguas no contexto do isolamento social diante da pandemia de Covid-19?

É necessário considerarmos, primeiramente, a existência das múltiplas relações de poder de forma macro, relações essas que se manterão independente da modalidade de ensino que se apresente, remoto ou presencial. Relações que vão além da sala de aula, física ou virtual, mas influenciam fortemente a prática dos docentes e o desempenho dos estudantes. Fazendo uma breve trajetória pela detenção do controle da produção de materiais, da escolha das temáticas, da individuação arbitrária do sujeito, através da escolha e utilização de materiais didáticos importados, ditos internacionanis, podemos reconhecer mecanismos diversos de manutenção do poder do lugar dos sujeitos estrangeiros, do papel dos aprendizes de língua alemã e na grande influência das políticas linguísticas do país de língua nativa, ou seja, uma mercantilização linguística com grande teor colonial. E com que interesse esse controle se estabelece e se perpetua?

O conceito foucaultiano “rarefação dos sujeitos que falam” (Foucault, [1970], 2006), representaria muito bem essa noção de controle e domínio de formações discursivas. Quando o teórico afirma que “ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado a fazê-lo” (Foucault, [1970], 2006), podemos associar a essas exigências o efeito discursivo de autoridade dos livros didáticos, como forma de controle linguístico, ou seja, o que é relevante e o que não é relevante de ser aprendido para se falar uma língua estrangeira, no caso, o alemão. De acordo com Arantes (2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104.), os livros didáticos funcionariam como dispositivos de poder, por serem a produção visível dos conteúdos definidos por um conjunto de “especialistas”:

(...) os livros didáticos são a produção visível de um conjunto de especialismos definidos por uma equipe ou grupos que pautam a seleção, a normalização, a hierarquização e a centralização de informações e conteúdos que consideram relevantes, necessários ou até mesmo indispensáveis para a aprendizagem de uma língua estrangeira. (Arantes, 2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104.)

Arantes (2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104.) identifica também uma outra relação de poder que reverbera da produção de livros: o disciplinamento dos saberes. Os conteúdos, suas estruturações, as brechas para a produção do aprendiz disciplinariam, em alguma instância, quem aprende, como aprende e o que aprende. Considerando que as escolhas de conteúdo e metodologia partam de especialistas que não vivenciam a realidade de salas de aulas no Brasil, um dos efeitos dessa produção é que pouca ou nenhuma identificação dos aprendizes com a língua e com os contextos de utilização dessas línguas são produzidos. Porém, como já salientado, o livro por sua própria existência não implica no estabelecimento dessa relação, ele precisa ser selecionado e utilizado em sala de aula, na qual o professor pode ter ou não liberdade para diversificar sua aula trazendo outros materiais ou alterando e expandindo as propostas incluídas no livro didático, independente da modalidade de ensino adotada, seja ela presencial ou remota.

Temos, dessa forma, a relação entre docentes e livro didático, que apesar de dar a falsa ideia de controle do segundo pelo primeiro, acaba se revelando como uma prática pelo oposto. Isso porque, o livro didático aparece, muitas vezes, como centro das aulas de alemão como língua estrangeira, reforçando a questão da autoridade do nativo em relação ao ensino da língua. O docente é, muitas vezes, apenas aplicador daquele material, tendo em geral pouco espaço para deslocar sua aula dos saberes disciplinados pelo livro didático, que por sua vez seguem um projeto político consoante à Alemanha ou ao Quadro de Referência Comum Europeu.

Nesse sentido, cabe-nos questionar se, de fato, os conteúdos selecionados por esses livros são pertinentes à nossa realidade e aos objetivos de aprendizagem de uma língua estrangeira em nosso contexto. Principalmente na modalidade remota de ensino, a pergunta é muito pertinente de ser feita, sobretudo porque o tempo de fala, as trocas de turno, por exemplo, têm uma duração muito diferente da modalidade presencial. E, desse modo, os exercícios de conversação perderiam muitos elementos para-verbais que são muito importantes para a intercompreensão. Por outro lado, ganham-se outros estímulos, pois na modalidade remota, a variedade de materiais pode ser mais diversificada, a depender do acesso à rede que os participantes usufruírem, e, sendo assim, o livro didático perderia grande parte de sua centralidade nas aulas online.

Ora, se ao livro didático é, comumente, delegada uma posição inquestionável de detenção de saber e, consequentemente, de disciplinamento de saberes, essa relação é construída a partir do que Foucault (1983, p.243) denomina modos de ação: “aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre outros, mas que age sobre sua própria ação. Uma ação sobre a ação, sobre ações eventuais, ou atuais, futuras ou presentes”.

Apesar de reconhecermos que as relações de poder supracitadas se perpetuem diante dos dois contextos de aprendizagem, remoto ou presencial, nos perguntamos se elas têm de fato a mesma proporção nos dois formatos. Seriam ao professor exigidas as mesmas habilidades, disposição, condição mental, física e tempo para adaptar/elaborar atividades? Teriam os estudantes a mesma disposição/motivação de aprender no formato online?

Como pudemos ver, temos por trás das máquinas seres humanos e, nesse contexto, as desigualdades que já existiam se escancaram. Não podemos generalizar, portanto, que tenha havido uma adaptação ao modelo online, já que diversas mulheres, principalmente mães, sofreram grande impacto na realização de suas atividades dos dois lados, como aprendizes e como docentes. Isso sem levantar a questão do acesso à internet de qualidade, a utilização de ferramentas condizentes à conexão e a possibilidade de utilização de ambiente adequado que possibilite o acompanhamento regular das atividades por parte dos discentes e dos docentes.

Quando abrimos espaço na análise para olharmos para as relações além do foco persona x persona, levando em consideração o ambiente de aprendizagem, seja ele de qual conteúdo for, mas também o de línguas estrangeiras, o universo de relações de poder passíveis de enxergarmos e possíveis de analisarmos é gigantesco: docentes e discentes, direção e docentes, direção e estudantes, direção e coordenações, inspetores e estudantes, estudantes e estudantes, entre outras. Todas elas, de alguma forma, constituem o ambiente e o próprio processo de aprendizagem, por isso a dificuldade de compararmos uma modalidade com a outra (presencial e remota) como se apenas fosse um deslocamento de espaços, já que se revela também como deslocamento das próprias relações, da própria concepção de ensino e aprofundamento de desigualdades.

Não podemos, portanto, perder de vista toda essa discussão de produção de desigualdades em nosso ambiente de trabalho. Por esse motivo, analisaremos no próximo tópico, que tipo de relação de poder são construídas com os livros didáticos de ALE e quais propostas podemos formular como um impulso para a criação de muitas outras propostas que não poderão ser mapeadas em único artigo. Trata-se, portanto, de exemplificações pontuais para a apresentação de caminhos possíveis de condução reflexiva, reiterando a proposta freireana de educação para a autonomia.

4 Análise de atividades e propostas para a reflexão

Neste tópico buscamos analisar, em dois livros didáticos de ensino de língua alemã, produzidos na Alemanha e largamente utilizados em cursos e em instituições de ensino de língua alemã no Brasil, algumas atividades que poderiam ser adaptadas para utilização em ambiente remoto atentando-se para a produção de conteúdo reflexivo investindo-se em produções mais democráticas de relações de poder, a fim de fomentar a autonomia dos aprendizes, com inspiração freireana.

Nesse sentido, selecionamos atividades pontuais, à guisa de exemplificação, que correspondem aos eixos de análise que levantamos na introdução. A apresentação dessas propostas de reformulações de atividades não tem o objetivo de esgotar ou apresentar todas as possíveis atividades, mas de oferecer aos leitores, base contextual para a análise de materiais em seus contextos de atuação, que são exclusivos.

Os objetos de análise selecionados foram dois livros bastante adotados e utilizados em ambientes de cursos de línguas e em escolas de ensino de alemão, privados e públicos, destinados à aprendizagem iniciante de língua alemã: Kursbuch do livro Menschen A1.1 da editora Hueber e o Kursbuch do Studio d A1 da editora Cornelsen. Essa escolha se deveu à possibilidade ampliada de identificação dos usuários desses livros às problematizações apontadas.

Para a seleção das atividades, agrupamos em 3 críticas principais direcionadas aos livros didáticos, identificadas pelas muitas pesquisas realizadas em nossa área, como anteriormente citadas na introdução.

Os três principais eixos foram: i) pouca ou nenhuma possibilidade de identificação com os países de destino; ii) construções de imagens de aprendizes turistas-consumidores e de sociedade homogênea sem conflitos de classe, gênero ou raciais; iii) atividades fortemente disciplinadas pelos exames de proficiência de língua europeus.

Eixo 1: pouca ou nenhuma possibilidade de identificação com os países de destino

Neste primeiro eixo de análise, buscamos trazer algumas atividades dos livros em questão para primeiro ratificar a crítica encontrada nas publicações da área e, posteriormente, propor uma atividade crítico-reflexiva aos estudantes em ambiente online, que tem sido o ambiente que temos utilizado no período de pandemia.

A primeira atividade a ser analisada está na seção Aktionseiten do livro Menschen, seção destinada à realização de exercícios extras correspondentes às lições do livro. A atividade selecionada retoma a temática trabalhada na lição 2 do material, “Angaben zur Person, Berufe”.

Figura 1:
Aktionsseiten, 3d

A partir do exercício proposto, o livro parte do princípio de que os aprendizes morem em alguma cidade alemã: “In welcher deutschen Stadt wohnen Sie?” Percebe-se, portanto, que está explícita a Alemanha, enquanto parâmetro de comparação. Este tipo de atividade, que traz uma referência direta ao país-alvo como ponto de partida para a realização do exercício, torna-se sem sentido para estudantes que não moram na Alemanha e que têm que imaginar ou inventar suas respostas para efetivar o exercício. Essa cenografia cria o efeito discursivo de que a proposta não é direcionada para esse público, construindo-se pouca ou nenhuma possibilidade de identificação dos aprendizes com a atividade, que está distanciada da realidade.

Proposta: Nossa proposta parte da seguinte modalização da pergunta: “em qual cidade você gostaria de morar?”. A nosso ver, a retirada da referência de um país específico, como a Alemanha neste caso, poderia ser mais adequada para compor um exercício de um livro destinado a aprendizes do mundo todo. Além disso, uma proposta de debate em torno das condições que levam os aprendizes a escolher uma cidade a outra poderia gerar uma discussão interessante que pode aproximar ou distanciar os aprendizes por meio de seus parâmetros para as escolhas. Mais importante do que o dado (nome da cidade), é o percurso escolhido para se atingi-lo.

Uma pergunta como a do exercício em questão, nem sempre é pacífica. Em grupos de aprendizes refugiados, por exemplo, esse é um tipo de questão a ser evitada, devido às condições de ameaça sob a qual essas pessoas vivem ou podem estar vivendo. Em outros grupos, essa pergunta também pode gerar desconforto, uma vez que os aprendizes podem se sentir envergonhados a dizer sobre suas origens ou locais em que estejam morando.

Por esse motivo, sugerimos a modalização, que pode ser aproveitada para se trabalhar com verbo modal, conteúdo sugerido pelo GER para o nível iniciante. Além disso, podemos trabalhar com adjetivação enquanto predicativo, apresentando-se cidades diferentes em todas as partes do mundo, incluindo-se paisagens ricas, pobres, sujas, limpas, frias, quentes, com muita natureza, com muitos prédios, com pouca gente, com muita gente. Utilizando a ferramenta H5P, gratuita e disponível no Moodle, podemos criar atividades interativas, como as de “Drag and Drop” (arraste e solte), combinando fotos e adjetivos em pequenas caixas que podem ser realizadas pelos cursistas, individualmente, em duplas ou em plenária junto com o grupo.

No livro Studio D, encontramos também muitas referências que colocam a Alemanha como centro das atividades, como podemos atestar na análise apresentada por Arantes (2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104.):

as atividades, textos (exemplo: p.14), imagens, fotos (exemplos: p.9;11-13;15;22;28;32-33;70;72;73;82;90;95;106-116;146-183;186-193;205-220;222)e diálogos ainda produzem o efeito de aprendiz situado na Alemanha, ou que irá um dia para a Alemanha: perguntas relacionadas à origem (lição 1),cidades alemãs (lição 6, lição 8 e lição 9), personalidades alemãs (lição 2), estações do ano europeias (lição 12, Station 4), hábitos alimentares alemães (lição 12, Station 4: “Frühstück in Deutschland”, “Was essen die Deutschen?”). (Arantes, 2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104., p. 19-20).

A figura a seguir, também retirada do estudo de Arantes, apresenta hábitos alimentares que de modo algum poderiam ser generalizados como hábitos alemães, como faz o título da atividade: “Frühstück in Deutschland” (Café da manhã na Alemanha).

Figura 2:
Café da manhã na Alemanha

Proposta: uma proposta interessante de adaptação desse exercício surgiu em uma aula em que problematizamos a generalização e estereotipia presentes na atividade e um dos estudantes sugeriu que, se houvesse um artigo indefinido no título da atividade: “Ein Frühstück in Deutschland” (um café da manhã na Alemanha), ela já poderia estar mais adequada e não sugerir erroneamente um estereótipo de café da manhã que não existe em todos os estratos sociais. No ambiente de aprendizagem online, podemos também trabalhar com várias imagens de cafés da manhã em diferentes contextos sociais, o que ajuda a promover um debate interessante ao se identificar quais itens há na mesa de pessoas mais pobres e quais itens há na mesa de pessoas mais ricas, por exemplo, ao invés de se fazer apenas uma Bildlexikon, identificando-se apenas os itens que existem em uma única figura. Fazer a comparação de Bildlexikon em diferentes realidades promove a discussão e o debate de ideias, sobretudo sobre quem tem direito e que não tem direito a um café da manhã. Esse é um tipo de proposta que fomenta a aprendizagem crítica.

Assim como Arantes e Giorgi (2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104., p. 92), concordamos que estamos trabalhando na formação de sujeitos-cidadãos, já que a aprendizagem de uma língua os coloca em contato com outras realidades político-sociais, por isso “é central que esses [sujeitos-cidadãos] não funcionem apenas como um “arquivo de conteúdos”, e sim tragam discussões que propiciem uma formação ética e política de nossos alunos”.

Eixo 2 de análise: construções de imagens de aprendizes turistas-consumidores e de sociedade homogênea sem conflitos de classe, gênero ou raciais

Neste eixo de análise, retomamos a crítica de Bolognini (1991Bolognini, Carmen Zink. Livro didático: cartão postal do país onde se fala a língua-alvo? Trabalhos de Linguística Aplicada, v. 17, 43-56, 1991.) aos livros didáticos de ensino de ALE, que se apresentam como cartões-postais da Alemanha. A autora faz uma análise detalhada e ancorada pela Análise do Discurso e conclui que a própria abordagem comunicativa, sem uma perspectiva crítica é deficitária, porque leva os aprendizes a trabalharem com a língua apenas no nível da “forma” e ignora que esses aprendizes são portadores de experiências de vida negativas e positivas, que interferem de uma forma ou de outra no processo de aprendizagem.

Desse modo, se não investimos em trazer contextos nos quais os sujeitos aprendizes estão inseridos, certamente o material trabalhado será desinteressante e se prestará apenas para uma formação de falantes de padrões comunicativos, ou seja, falantes de estruturas prévias, já formuladas para determinados tipos de situação (pedir comida no restaurante, responder de onde vêm, etc...).

Além disso, é interessante notar que a grande parte desses livros didáticos, como atestado pela própria Bolognini (1991Bolognini, Carmen Zink. Livro didático: cartão postal do país onde se fala a língua-alvo? Trabalhos de Linguística Aplicada, v. 17, 43-56, 1991.) já na década dos anos de 1990, trazem a mensagem implícita de que os estrangeiros representados em seus livros, que vão à Alemanha para aprender a língua, retornem aos seus países de origem. Segundo a autora, essa “expectativa também está implícita quando se pede ao trabalhador que vá sozinho à Alemanha: isto implica em retorno para o país de origem” (Bolognini, 1991, p.51). De fato, esses estrangeiros representados também nos dois livros analisados, são solteiros, estão sem suas famílias e estão na Alemanha para passar uma breve temporada. Desse modo, agem como turistas.

Essa expectativa está implícita na atividade a seguir do livro Menschen, na lição 12, na aba Projeto Landeskunde do livro Menschen. A temática da lição é “Feste, Vergangenes”.

Figura 3:
Um dia como turista em Zurique

A atividade proposta no livro Menschen, sugere um dia como turista em Zurique. Propõe-se que os aprendizes procurem informações sobre como circular pela cidade utilizando transporte público. Além de Zurique ser uma das cidades mais caras para o turismo no mundo, o que afasta bastante a cidade como destino para estudantes, desconsidera-se aqui que a realidade de muitos dos nossos estudantes, por exemplo, é de sequer ter saído do seu próprio país, às vezes até mesmo da própria cidade ou do estado em que vivem. A proposta é distante e desconexa da realidade de grande parte dos aprendizes e ainda traduz uma falsa ideia de que esse seja um passeio naturalmente acessível a todos, inclusive a todos os alemães, o que nem sempre reflete a realidade de quem vive no país europeu.

Proposta: apesar do exercício original trazer uma proposta interessante de busca na internet, ela trabalha com dados já existentes: sistema de transporte na cidade de Zurique. Queremos investir, porém, no fomento à discussão e à reflexão, a fim de desestabilizar as estruturas de poder constituído. Por esse motivo, propomos o trabalho de reflexão a partir do seguinte questionamento: “quem tem direito ao transporte público nas grandes cidades?” ou “quem tem direito de transitar livremente pelos grandes centros?”. Há produções muito interessantes de moradores de rua que podem ser acessíveis aos estudantes e que desconstroem clichês sobre as cidades, que são muitas vezes retratadas como cartões postais, como por exemplo as revistas produzidas por moradores de rua, como a Straßenkreuzer e outras mais, indicadas no trabalho de Winter da Silva (2015Winter da Silva, Christina. Textos escritos por moradores de rua no ensino de alemão em contexto universitário. Anais do 1º Congresso da Associação Brasileira de Estudos Germanísticos (ABEG). USP São Paulo, 2015.).

Também no livro Studio D encontramos grande investimento na construção de aprendizes-turistas na Alemanha, como já analisado por Arantes (2018Arantes, Poliana, C.C.; Giorgi, Maria Cristina. Linguística no Ensino de Alemão como Língua Estrangeira: análise da questão étnico-racial e suas dimensões políticas no Livro Didático. In: Deusdara, Bruno; Rocha, Décio; Rodrigues, Isabel; Arantes, Poliana; Pessoa, Morgana. Em discurso: cenas possíveis. Rio de Janeiro: Cartolina, 2018, 85-104.). Há lições inteiras que tratam do assunto, como por exemplo: “lição 9: “Willkommen im Reiseland Deutschland”,“Wohin fahren die deutschen Autourlauber?”); há também a produção de uma imagem de aprendiz-consumidor (lição 9, Station 3,Magazin 4: “Produkte aus Deutschland, Österreich und der Schweiz”;lição 10: “Essen und Trinken”)” ((Arantes, 2018, p. 22).

Eixo 3 de análise: atividades fortemente disciplinadas pelos exames de proficiência de língua europeus.

De acordo com Bolognini (1991Bolognini, Carmen Zink. Livro didático: cartão postal do país onde se fala a língua-alvo? Trabalhos de Linguística Aplicada, v. 17, 43-56, 1991., p.53), “a partir do momento em que o aluno como indivíduo é eliminado do processo de aprendizagem, ele passa a ser visto como um “fazedor de exercícios” [...] os professores fazem perguntas, já sabendo as respostas, e os alunos fornecem respostas sem estarem realmente preocupados com o conteúdo do que dizem”.

Encontramos essa crítica de Bolognini presente nos dois livros em análise. Logo nos prefácios das duas edições dos livros em questão, encontramos a referência explícita ao Quadro Comum de Referência Europeu, culminando na preparação dos aprendizes para os testes de proficiência em língua alemã.

Figura 4:
Prefácio Menschen A1.1

A partir da leitura do prefácio do livro Menschen A1.1, já é possível identificar a forte relação de poder que as políticas linguísticas europeias têm com a produção desse material, sobretudo porque o Quadro Comum de Referência Europeu tem funcionado como o norteador da aprendizagem direcionando, desse modo, a preparação dos aprendizes para os testes de proficiência correspondentes a cada nível de língua expresso no Quadro.

A partir do exposto, com relação à seleção temática, a proposta é que os conteúdos contemplem a vida atual nos países da Alemanha, Áustria e Suíça. Nessas descrições, já é possível levantar imagens de aprendizes para esse material: aprendizes que não se iniciaram ainda no estudo do idioma, para os quais os testes de proficiência serão relevantes e para os quais temas sobre a vida nos países que falam alemão na Europa seriam importantes, não interessando, portanto, incluir outros locais e países onde se fala também o alemão, como no Brasil, por exemplo. Esse distanciamento do universo do aprendiz com a língua de estudo reflete o direcionamento para a construção discursiva de um efeito de autoridade que os conteúdos do livro se propõem a estabelecer neste tipo de ensino, endossado em suas escolhas temáticas e esboços de práticas metodológicas.

No prefácio do livro Studio D também é possível identificar estreita relação explícita com os elementos do Quadro Comum de Referência Europeu:

Figura 5:
Prefácio Studio D

Como vimos, o Studio D também se orienta pelos níveis de língua expostos no Quadro e também direcionam a aprendizagem para a preparação para os testes correntes de proficiência em língua alemã, como o Zertifikat Deutsch. No prefácio também há referência à escolha de temáticas e textos “do cotidiano das pessoas nos países falantes de alemão”. Não há citação de quais seriam esses países, como houve no livro Menschen, mas pela apresentação nas lições observa-se que os países são os mesmos: Alemanha, Áustria e Suíça.

No prefácio do livro Studio D observamos uma indicação interessante de imagem de aprendiz: há a explicitação das habilidades que o aprendiz terá acesso no livro e ainda uma parte interativa, “Das kann ich auf Deutsch”, o que cria o efeito de transparência e de alguma autonomia ao aprendiz, que pode avaliar o que já sabe em língua alemã.

No geral, a referência ao Quadro Europeu e às provas de proficiência são muito comuns nos livros de ensino de alemão como língua estrangeira, o que nos leva a concluir que se trata de uma informação que merece destaque já nos prefácios das edições. Muito embora não se explicite o que e quais diretrizes estão contidas no Quadro e que não se explicite onde essas informações podem ser encontradas.

É muito curioso que a referência ao Quadro esteja explícita, embora o conteúdo dessa referência não seja conhecido por todos. No entanto, essa informação proporciona mais “força” e “autoridade” para a comercialização desses livros, principalmente em territórios que não investiram ainda no desenvolvimento da própria política linguística para a aprendizagem de línguas, como é o caso da grande maioria dos países da América do Sul, incluindo grande parte do Brasil, com exceção de algumas cidades e comunidades pontuais, em sua maioria no Sul do Brasil.

Considerando os dois prefácios e buscando a partir deles concretizar o que já vínhamos destrinchando nos tópicos anteriores, o peso da referência do Quadro Europeu, assim como as produções de material serem realizadas lá, instituem hoje o cenário de subjugação do ensino de língua alemã no Brasil à Alemanha. O monopólio desse mercado, que reverbera no controle das temáticas, no direcionamento das práticas pedagógicas e em última instância no próprio discurso dos aprendizes, representaria uma relação de poder pela ação, na medida em que esse tipo de livro e materiais são utilizados sem reflexão, sem crítica e sem análise. É claro que há focos de resistência e esse não é o caso de muitos docentes e discentes que já vêm apresentado críticas e trabalhando esses livros em sala de aula de modo reflexivo.

No entanto, consideramos que é possível mudar essa realidade, que hoje se apresenta em muitos contextos, mesmo que utilizemos esses livros em nossa rotina de sala de aula. Por isso, cabe a pergunta: como podemos “adaptar” esse objetivo “preparação dos estudantes para os testes” em aulas remotas?

- Proposta: incluir os aprendizes nas discussões sobre os objetivos das atividades que o livro propõe.

Participar os aprendizes da análise das propostas de atividades, além de apenas solicitar que os aprendizes realizem as atividades, é uma proposta de fomento à autonomia, como por exemplo levar os aprendizes a responderem aos seguintes questionamentos a respeito das atividades dos livros: que tipo de conhecimento é esperado que os aprendizes apresentem para resolver essa atividade? Com qual objetivo? Como eu, aprendiz de língua alemã, posso utilizar esse contexto de aprendizagem em minha vida diária? Que tipo/Quais são os conhecimentos prévios que preciso ter para resolver esta atividade?

No ambiente online, os estudantes podem e terão acesso facilitado a páginas de testes de proficiência, lhes dando a possibilidade de solucioná-los online. No entanto, eles terão pouco ou nenhum acesso aos objetivos dos exercícios, aos parâmetros e referências do Quadro Europeu. Uma proposta de atividade pode ser, por exemplo, solicitar aos estudantes que façam pesquisas sobre os conteúdos do Quadro na Internet e os comparem aos conteúdos e diretrizes do nosso PNLD. Essa pode ser uma proposta interessante se dividirmos os estudantes em grupos nas salas de conferência e permitimos a eles que se organizem para as pesquisas online e façam posterior apresentação em plenária.

5 Considerações finais

Partindo da reflexão de Foucault (1970) de que “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”, nos revelamos, enquanto docentes e discentes, atores que interferem, cotidianamente, nas construções discursivas de poder.

Quando falamos então de relações de poder que podem ser observadas na produção de livros didáticos de ALE, estamos falando também sobre como essa relação repercute não só no mercado de livros, mas também na prática pedagógica e nos próprios discursos dos aprendizes. Como bem define Maingueneau:

O discurso é o resultado da articulação de uma pluralidade mais ou menos grande de estruturações transfrásticas em função das condições de produção. Ele não é uma realidade evidente, mas o resultado de uma construção (Maingueneau, 1976Maingueneau, D. Iniciação aos métodos de análise do discurso. Paris: Hachette, 1976.)

Levando em conta essa concepção de construção do discurso, que evidenciaria sua natureza inacabada e socialmente influenciada e sobre a qual as condições de produção influenciariam sua própria constituição, é possível estabelecermos uma relação direta de sua construção nos discursos reiterados, desconstruídos e fomentados em sala de aula. Por isso nossas propostas aqui elaboradas foram direcionadas à construção de ambiente de aprendizagem crítica, a partir do qual se torna possível investir em outras redes de relação de poder, que incentivem a produção de conteúdos mais horizontalizados, partindo-se do diálogo, ao invés de verticalizados, pensados por uma instância de “especialistas” que ditam o que deve e o que não deve ser aprendido.

Essa apresentação de propostas demonstrou que, independente da modalidade de aula investida, seja presencial ou remota, as relações de poder podem ser reiteradas ou modificadas. Neste artigo em questão, demonstrou-se que os livros didáticos de ALE apresentam propostas de atividades que, de fato, podem contribuir para a reiteração de discursos como os apresentados nos três eixos de análise que trouxemos para discussão: i) livros produzidos para distribuição internacional com pouca ou nenhuma possibilidade de identificação com os países de destino; ii) discursos que investem em construções de aprendizes turistas-consumidores e de sociedade homogênea sem conflitos de classe, gênero ou raciais; iii) atividades fortemente disciplinadas pelos exames de proficiência de língua europeus.

No entanto, as propostas de atividades que elaboramos investem no questionamento desses discursos, na aprendizagem reflexiva, que pode e que tem espaço para acontecer tanto na modalidade presencial, quanto na modalidade remota de ensino.

Partindo-se da afirmação: “ao contrário de outros tipos de texto, os livros didáticos são leitura obrigatória para muitas pessoas, o que oferece uma segunda precondição importante do seu poder.” (Van Dijk, 2008), ratificamos nossas análises, sobretudo quando observamos de que modo os livros são autorizados em nossos ambientes, sejam eles presenciais ou remotos.

Ao iniciar os estudos em determinada instituição de ensino, muitas vezes, o aprendiz é instruído a comprar o material designado para o acompanhamento do curso, sem grandes poderes de escolha (a não ser que ele selecione a instituição pelo material que ela utilize), por isso, o aprendiz será muito provavelmente interpelado pelas diretrizes que norteiam o material. Dessa forma, a origem desse material, suas referências, suas propostas de atividades, muito provavelmente, constituirão em alguma instância os discursos dos aprendizes, propagando o que quer que o material direcione, selecione, discipline. Atualmente vemos crescer o número de exercícios online preparados para utilização em ambientes virtuais, que, se aplicados sem reflexão e sem o desenvolvimento da autonomia dos aprendizes, só poderá contribuir para a reiteração do status quo. Nossa proposta neste artigo, ao contrário, investe na educação para a libertação, para a transformação.

Apesar de Foucault não ter se dedicado especificamente à área de educação, é possível aplicar seus estudos a ela, já que as relações de poder, assim como o disciplinamento dos saberes, são conceitos que podem ser aplicados às mais diferentes áreas de conhecimento e de pesquisa.

Em relação ao que foi trazido à discussão nesse artigo, as relações de poder e o disciplinamento dos saberes que reverberam a partir de um modelo consolidado de produção de livros didáticos de alemão como língua estrangeira e a preocupação com a inadequação desses materiais ao ensino de línguas de forma dinâmica, democrática e representativa, constituem diversas pesquisas e inclusive tentativas de mudança por pesquisadores renomados na área.

Como já exposto anteriormente, existe uma carência enorme de produção e adoção de material para o ensino de Alemão no Brasil, o que expõe uma formação de uma comunidade de falantes de alemão direcionada para as políticas linguísticas europeias. Esse tipo de relação de poder influencia e modula, a longo prazo, um modelo de aprendizagem de uma língua por aprendizes estrangeiros em território alemão ou não, ou da própria visão que o aprendiz constrói sobre o idílico país de origem da língua, representando bem a rede invisível e vasta de relações de poder que é possível desvendar dentro das mais variadas relações e como o poder as atravessam e por elas reverberam e dispersam.

(...) [o poder] jamais é apossado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona. O poder se exerce em rede e, nessa rede, não só os indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de ser submetidos a esse poder e também de exercê-lo. Jamais eles são o alvo inerte ou consentidor do poder, são sempre seus intermediários. Em outras palavras, o poder transita pelos indivíduos, não se aplica a eles (Foucault, 2005, p. 34-35)

Apesar dessas relações estarem ainda em curso, há focos de resistência sendo produzidos. Em março de 2006, foi lançado no Brasil o livro Blaue Blume, publicado pela editora da Universidade de Campinas. Desde 2019, uma nova proposta de produção vem sendo mobilizada por professoras de diversas universidades do Brasil, o projeto de elaboração de livro didático Zeitgeist, formado por professores da UNICAMP, USP, UERJ, UFRJ, UFPR, UFC, cuja intenção é que o livro produzido em conjunto pelas diversas universidades, ganhe de fato espaço nas salas de aula de ALE, retomando essa iniciativa de romper com o padrão de consumo de material alemão, partindo do local que de fato pode e deve promover essa transformação, a universidade.

Que mais e mais produções ganhem adesão e que possam influenciar nas relações de poder para redirecionar as diretrizes da produção de livros didáticos de ALE a interesses de nossa própria política linguística, construída em coletivo, com base em nossas referências e especificidades, refletindo em discursos menos colonizadores e com mais espaço para a discussão, reflexão e crítica, seja na modalidade presencial ou remota.

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  • Winter da Silva, Christina. Textos escritos por moradores de rua no ensino de alemão em contexto universitário. Anais do 1º Congresso da Associação Brasileira de Estudos Germanísticos (ABEG). USP São Paulo, 2015.
  • Financiamento:

    Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq; Bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado - FAPERJ.
  • Financiamento:

    Bolsa de Mestrado CAPES.
  • 1
    Com as aspas queremos indicar nossa não adesão ao termo “aula remota” a partir da discussão feita por Rocha, Deusdará e Arantes (2020). De acordo com os autores, no ambiente online há alteração profunda das práticas de aulas, que alterariam, por conseguinte, o gênero “aula”.
  • 2
    “Queridas leitoras e leitores, Menschen é um livro didático para iniciantes. Ele introduz a aprendizes sem conhecimento prévio da língua em dois volumes aos níveis da língua A1, A2 e B1 do quadro comum de referência europeu (CEFR) e os prepara para os exames de proficiência de língua correspondentes.
    Menschen faz a sua escolha temática, baseado nos requisitos do quadro europeu de referência de línguas e se agarra em conteúdos atuais da vida alemã, austríaca e suíça. O livro de curso é formado por 12 lições curtas, que são divididas em 4 módulos a cada 3 lições.” (Tradução nossa)
  • 3
    Tradução da parte sublinhada: “O livro Studio d orienta-se estreitamente com o quadro comum de referência europeu (CEFR). Os senhores/senhoras (dirigindo-se diretamente ao aprendiz), serão introduzidos a temas e textos interessantes através do dia-a-dia de pessoas que vivem nos países de origem da língua alemã e compará-lo com suas próprias experiências de vida.” (Tradução nossa)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Aceito
    23 Maio 2022
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