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Sobre aprendizagens e perspectivas do ensino remoto de língua alemã: introdução ao dossiê temático

[On learning and perspectives of online teaching of German: introduction to the thematic dossier]

1 Primeiras palavras: declarada a pandemia de Covid-19

Em dezembro de 2019, a Covid-19 foi identificada em Wuhan, na China; no mês seguinte, em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarava situação de emergência internacional e em menos de dois meses, em 11 de março de 2020, declarava a pandemia dessa doença, causada pelo novo Coronavírus (SARS-COV 2). Naquele momento, o vírus que se disseminava rapidamente, transmitido de pessoa para pessoa, ameaçava sobrecarregar os sistemas de saúde de todo o mundo e as medidas para tentar a sua contenção eram de ordem não farmacológica, que incluíam a higiene das mãos, a utilização de máscaras e distanciamento físico1 1 Mais informações sobre transmissão e ações preventivas da Covid-19 podem ser encontradas no site dos Centers of Disease Control and Prevention (CDC): https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/non-us-settings/overview/index-Portuguese.html#anchor_1639079609189 (20/04/2022) .

Naquele momento, medidas de prevenção farmacológica, tanto medicamentos antivirais comprovados cientificamente para combate à Covid-19, como vacinas ainda não estavam disponíveis - no Brasil a primeira pessoa foi vacinada contra a Covid-19 em 17 de janeiro de 2021, a enfermeira Mônica Calazans, logo após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso emergencial da vacina CoronaVac, da Farmacêutica chinesa Sinopharm e do Instituto Butantan, no país. No mundo, a primeira pessoa era vacinada contra a Covid-19 em 08 de dezembro de 2020: a britânica Margaret Keenan, com 90 anos naquele momento, fora imunizada com a vacina da famacêutica Pfizer, também aprovada ainda para uso emergencial.

Assim, testemunhou-se em todo o mundo a adoção de medidas de distanciamento físico como a principal forma de prevenção e contenção da pandemia. Segundo a UNESCO (2020)2 2 Disponível em: https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse/globalcoalition?fbclid= IwAR2an6VL9aCZJof_jBvNv17-zztuT2qskm4dXifCozh4lEN9be8yY8rQwBs (15/04/2022) , os números em torno do impacto dessas medidas atingiam a soma de 1,5 bilhão de estudantes e 60,3 milhões de professores em mais de 191 países. No Brasil, diferentes estados seguiram as recomendações da OMS e de instituições como a FIOCRUZ, e a partir da segunda semana de março de 2020 passaram a adotar medidas que visavam à restrição da circulação da população, entre elas o fechamento das instituições de ensino. Iniciou-se a seguir um período de incertezas, que pode ser acompanhado através de diferentes publicações que tematizavam a complexidade dos desafios envolvidos nesse contexto: o sentimento de medo causado pelo pouco conhecimento a respeito do vírus e da doença naquele primeiro momento; a falta de perspectivas farmacológicas para o tratamento da doença; as incertezas trazidas pela expectativa de um breve retorno à “normalidade”; o cenário de desigualdades sociais e econômicas que impactavam diretamente o contexto educacional. Pode-se atribuir a essas incertezas um período inicial que pode ser descrito como “pane” ou uma espécie de “congelamento inicial”, quando não se tem muita segurança sobre qual caminho deve ser tomado ou sobre ações a serem realizadas.

Aquino e Ferreira (2021Aquino, Marceli Cherchiglia; Ferreira, Mergenfel A. Vaz. Entre dilemas e decisões na crise pandêmica: a análise crítica de comunicados oficiais em contexto universitário. In: Cardoso, Janaina; Arantes, Poliana Coeli (Org.). Diálogos sobre o Ensino e Aprendizagem em Tempos de Resistência. Rio de Janeiro: Editora Cartolina, 2021.), em estudo que analisa os documentos oficiais da reitoria de duas universidades públicas, apontam a cautela envolvida não só nas medidas práticas, mas também na esfera discursiva, na comunicação entre reitores e a comunidade acadêmica. Esses documentos, mais que informar sobre as difíceis decisões a serem tomadas, tinham objetivos outros como “tranquilizar” seu corpo técnico, docente e discente, “conclamar” a comunidade para um sentimento coletivo de união, além de “justificar” a adoção (ou não) de medidas de retorno às atividades de ensino, por meio de ferramentas digitais naquele período, entre outros significados descritos na pesquisa. O fato é que, em termos gerais, houve um caminho seguido entre o fechamento das instituições de ensino e a adoção ampla do ensino remoto. Nesse caminho, foram determinantes, fatores como a situação socioeconômica do público em questão, isto é, no contexto de ensino privado a resposta tecnológica ao distanciamento físico, pode ser dada mais rapidamente, e, de todo modo, o uso de ferramentas digitais para o ensino foi sendo empregada gradualmente nos diferentes contextos educacionais. Na esfera do ensino público, por exemplo, a adoção de tecnologias da comunicação e da informação para a retomada das atividades de ensino na modalidade remota foi mais lenta e inconstante, dada, de modo geral, à situação de pouco acesso a recursos tecnológicos e conexão de internet adequada por grande parte de seu público-alvo.

2 Do presencial ao remoto... emergencial

Apesar da recência do contexto descrito e do anúncio em 17 de abril de 2022 da revogação da portaria que instituiu a Emergência de saúde pública de importância nacional (Espin)3 3 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/04/20/fim-da-emergencia-de-saude-da-covid-pode-impactar-legislacao-e-politicas-publicas (15 /04/2022) , os impactos do período pandêmico já vêm sendo objeto de diversos estudos. Em pesquisa com foco na Educação em perspectiva ampla, considerando educação infantil, ensino básico e superior, público e privado, Senhoras (2020Senhoras, Elói Martins. Coronavírus e Educação: análise dos impactos assimétricos. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa Vista, v. 2, n. 5, 128-136, 2020. DOI: 10.5281/zenodo.3828085. Disponível em: https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/135 (26/04/2022).
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) chama atenção para os efeitos assimétricos da pandemia, que teria ampliado, na verdade, assimetrias sociais, econômicas e educacionais pré-existentes. Uma pesquisa recente divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)4 4 https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/divulgados-dados-sobre-impacto-da-pandemia-na-educacao (15/04/2022) também revelou grande disparidade entre as esferas públicas e privadas de ensino. Segundo o estudo, cerca de 97% das escolas de ensino fundamental públicas não retornaram ao ensino presencial em 2020; no entanto, esse número ficou em 70% no que tange à rede particular para o mesmo seguimento.

Além disso, de acordo com a mesma pesquisa, 21,9% das escolas privadas retomaram as aulas através de atividades presenciais e não presenciais, enquanto na rede pública apenas 4% teriam adotado essa medida. De todo modo, o estudo aponta que mais de 98% das escolas do país adotaram estratégias não presenciais de ensino, desde o uso de comunicação direta entre professores e alunos através de e-mails, redes sociais e aplicativos de mensagens por celular, até a adoção de ensino remoto por meio de programas de webconferência para aulas on-line síncronas.

Assim, o chamado ensino remoto emergencial foi uma estratégia amplamente adotada pelas instituições de ensino no país, sendo fundamental sublinhar as especificidades de cada contexto, como os diferentes seguimentos educacionais (educação infantil, básica e superior), a esfera pública e privada de ensino, escolas e institutos privados de idiomas, entre outros. É justamente sobre a adoção do ensino remoto que recai o foco do presente dossiê temático. Como esse contexto impactou, particularmente, o ensino-aprendizagem de língua/ cultura alemã? E a formação inicial de professores de alemão? Quais são os desafios apontados pelos professores e pesquisadores da área? Que aprendizagens e reconhecimentos foram tirados desse período emergencial que iluminaram o uso de tecnologias digitais da informação e da comunicação no ensino de línguas/culturas? Na próxima seção faremos uma breve descrição das contribuições que compõem este dossiê.

3 As tecnologias digitais da informação e da comunicação no processo de ensino-aprendizagem de línguas/culturas

O emprego de tecnologias digitais da informação e da comunicação, de um modo geral, a partir da pandemia do novo coronavírus, deixou de ser concebido como complementar no processo ensino-aprendizagem de línguas e passou a ter um papel central. Ficou assim evidente a premência da formação docente para a utilização desses recursos nas aulas de língua, o que já vinha há muito sendo discutido por pesquisadores da área (Leffa, 2005Leffa, Vilson. Aprendizagem mediada por computador à luz da teoria da Atividade. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 3, n. 1, 21-30, 2005. Disponível em: http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/B_Leffa_CALL_HP.pdf (14/05/2022).
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; 2012; Farias, 2013Farias, Suelen da Conceição. Os benefícios das tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no processo de educação a distância (eAd). Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, v. 11, 15-29, 2013. Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rdbci/article/view/1628 (14/05/2022).
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; Saliés; Shepherd, 2013Saliés, Tânia Gastão; Shepherd, Tania Granja. Introdução. Por uma Linguística da Internet. In Shepherd, Tania Granja; Saliés, Tânia Gastão. Linguística da Internet. São Paulo: Contexto, 2013, 7-14.; Oliveira et al., 2015Oliveira, Cláudio de; Moura, Samuel Pedrosa; Sousa, Edinaldo Ribeiro de. TIC’s na educação: a utilização das tecnologias da informação e comunicação na aprendizagem do aluno. Pedagogia em ação, v. 7, n. 1, 75-95, 2015. Disponível em http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/view/11019 (14/05/2022).
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; Pfeil, 2015Pfeil, Andrea. Digitale und analoge Lernwelten im deutsch als Fremdsprache. Fremdsprache Deutsch digital, v. 53, 3-7, 2015.; Paiva, 2015Paiva, Vera Menezes de Oliveira e. O uso da tecnologia no ensino de línguas estrangeiras: breve retrospectiva histórica. In: Jesus, Dánie Marcelo de; Maciel, Ruberval Franco (Org.). Olhares sobre tecnologias digitais: linguagens, ensino, formação e prática docente. Coleção: Novas Perspectivas em Linguística Aplicada. Vol. 44. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015, 21-34. Disponível em http://www.veramenezes.com/techist.pdf (22/04/2022).
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; Saliés; Shepherd, 2016; Marques-Schäfer; Orlando, 2018Marques-Schäfer, Gabriela; Orlando, Ana Angélica da Silva. Concepções de aprendizagem de línguas e o duolingo: uma análise crítica sobre sua proposta e experiências de aprendizes. Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, v. 11, n. 3, 228-251, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/issue/view/897 (14/05/2022).
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; Marques-Schäfer; Rozenfeld, 2018). Conforme já apontava Moraes (1997Moraes, Maria Cândida. Subsídios para Fundamentação do Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo). Secretaria de Educação à Distância, Ministério de Educação e Cultura, 1997. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001169.pdf (14/05/2022).
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, p. 5), “o simples acesso à tecnologia, em si, não é o aspecto mais importante, mas sim, a criação de novos ambientes de aprendizagem e de novas dinâmicas sociais a partir do uso dessas novas ferramentas”. Isso quer dizer, de acordo com a autora, que é preciso que se crie um ambiente de aprendizagem, com o emprego de recurso tecnológicos e digitais, adequado, que possa favorecer propiciamentos à aprendizagem, tornando-a significativa. Nesse sentido, Demo (2008), a respeito das tecnologias da informação e da comunicação na educação, afirma que "toda proposta que investe na introdução das TICs na escola só pode dar certo passando pelas mãos dos professores. O que transforma tecnologia em aprendizagem, não é a máquina, o programa eletrônico, o software, mas o professor, em especial em sua condição socrática" (on-line).

Poderíamos afirmar, no entanto, que a tecnologia sempre esteve presente nas aulas de línguas: dos recursos tipográficos aos equipamentos eletrônicos, culminando com os ambientes virtuais e os meios digitais. É inegável que o processo de ensino-aprendizagem de línguas/culturas está também circunscrito no que Lévy (1999Lévy, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 17) chama cibercultura: “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”, este, por sua vez, definido como

o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo (Lévy, 1999Lévy, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 15).

Mas apesar de a tecnologia sempre ter feito parte do processo de ensino-aprendizagem, conforme afirma Paiva (2015Paiva, Vera Menezes de Oliveira e. O uso da tecnologia no ensino de línguas estrangeiras: breve retrospectiva histórica. In: Jesus, Dánie Marcelo de; Maciel, Ruberval Franco (Org.). Olhares sobre tecnologias digitais: linguagens, ensino, formação e prática docente. Coleção: Novas Perspectivas em Linguística Aplicada. Vol. 44. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015, 21-34. Disponível em http://www.veramenezes.com/techist.pdf (22/04/2022).
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, p. 1), “quando surge uma nova tecnologia, a primeira atitude é a de desconfiança e de rejeição”. Depois desse primeiro momento de “caos” e “crise”, começa o período, no qual, “aos poucos, a tecnologia começa a fazer parte das atividades sociais da linguagem e a escola acaba por incorporá-la em suas práticas pedagógicas (Paiva, 2015, p. 1). Assim, pode-se afirmar, segundo a autora, que, “após a inserção, vem o estágio da normalização, definido por Chambers e Bax (2006Chambers, Andrea; Bax, Stephen. Making CALL work: Towards normalisation. System, v. 34, n. 4, 465-479, 2006., p. 465) como um estado em que a tecnologia se integra de tal forma às práticas pedagógicas que deixa de ser vista como cura milagrosa ou como algo a ser temido” (Paiva, 2015, p.1).

É nesse sentido que já quase chegados os anos 2000, Lévy (1999Lévy, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 11), em seu livro intitulado Cibercultura, dirige-se diretamente a seus leitores, fazendo-lhes um pedido: “Peço apenas que permaneçamos abertos, benevolentes, receptivos em relação à novidade”. A pandemia de Covid-19 forçou muitos de nós a mergulhar no emprego intensivo e imperativo da tecnologia em nossas aulas, deu maior evidência às desigualdades socioeducacionais, mas também nos descortinou as possibilidades advindas da novidade, tornando muitos de nós mais abertos, benevolentes e receptivos. Pudemos observar que muitas de nossas ações emergenciais naquele momento de crise inicial, no qual tateávamos as possibilidades para seguirmos em frente, proporcionaram-nos aprendizagens e nos colocaram perspectivas de uso da tecnologia para tornar o ensino ainda mais significativo para nossos estudantes. Fica, assim, evidente, conforme apontam Saliés & Shepherd (2013Saliés, Tânia Gastão; Shepherd, Tania Granja. Introdução. Por uma Linguística da Internet. In Shepherd, Tania Granja; Saliés, Tânia Gastão. Linguística da Internet. São Paulo: Contexto, 2013, 7-14., p. 7) que

A História já demonstrou que a sociedade muda quando novas invenções são introduzidas no nosso dia a dia. Antes de integrarem nossas vidas de forma imperceptível, tecnologias como a TV, o celular e o computador causaram um imenso impacto: o que era previsível e confortável tornou-se instável e imprevisível. hoje, quando olhamos para essas tecnologias, raramente nos perguntamos qual a sua contribuição. Só que não conseguimos viver sem elas.

4 Sobre os artigos deste dossiê temático

Neste dossiê, buscamos reunir pesquisas e relatos de experiências que tematizassem o ensino remoto no contexto pandêmico sobre diferentes ângulos e perspectivas. Isso significa que para além dos desafios enfrentados, os artigos aqui apresentados trazem importantes contribuições a respeito de formas encontradas para o ensino-aprendizagem de língua e culturas por meio de tecnologias da informação e da comunicação. Além disso, o presente dossiê traz também pesquisas ligadas às áreas de tradução, análise de materiais didáticos e formação de professores de alemão no contexto pandêmico.

Os primeiros artigos deste dossiê temático abordam diferentes questões relacionadas ao ensino-aprendizagem de língua alemã, a partir do trabalho com projetos, materiais e atividades pensadas para o ensino remoto. O artigo A Sala de Aula Invertida no Ensino Superior: Uma experiência nas aulas de língua alemã, de Lívia Marques, apresenta a estruturação de uma disciplina de língua alemã em formato remoto para o contexto universitário. Para tanto, a autora apoiou-se nas pesquisas sobre sala de aula invertida on-line, as quais contribuíram para a realização de um modelo no qual os estudantes puderam entrar em contato com os conteúdos a serem trabalhados, antes das aulas síncronas. A partir então de uma pesquisa-ação, a autora discute o fomento do uso prático da língua, através de atividades como escrita colaborativa, miniprojetos e role-plays. A pesquisadora ressalta a necessidade de que trabalhos futuros possam discutir questões ainda em aberto, como, por exemplo, a avaliação da aprendizagem.

Ainda sob a ótica dos preceitos da Sala de aula Invertida, no artigo intitulado Literatura e escrita criativa em sala de aula invertida de alemão como língua estrangeira durante a pandemia de Covid-19, Adriana Borgerth V. C. Lima apresenta o projeto homônimo para o emprego de livros de leitura facilitada dos clássicos da literatura de expressão alemã em aulas de língua/cultura. A pesquisadora cita, como um dos objetivos do projeto, que as aulas virtuais não consistissem em uma mera transposição do modelo presencial para o on-line. A autora destaca ainda a literatura como uma potente alternativa aos textos não-autênticos dos livros didáticos de língua estrangeira, ressaltando sua contribuição para a aprendizagem de vocabulário, de estruturas contextualizadas e de aspectos culturais.

Ainda no que tange a materiais e atividades para o ensino de língua alemã, Poliana Arantes e Rayanne Favacho, em seu artigo intitulado Atividades didáticas de ensino de alemão em contexto remoto emergencial: análise do poder e propostas de ação para a reflexão crítica, refletem sobre as possibilidades de uso e adaptação para o contexto remoto de atividades propostas em livros didáticos internacionais concebidas para aulas presenciais. As autoras propõem uma análise dessas atividades, tendo como moldura teórica ferramentas da análise do discurso e das relações de poder numa perspectiva foucaultiana.

Thiago Mariano e Thaiane Deringer, em seu artigo Filmes de curta-metragem em aula de alemão como língua estrangeira em tempos de pandemia, apresentam propostas didáticas para o ensino de língua alemã para aprendizes brasileiros no contexto universitário com o uso de filmes de curta-metragem. Nessas propostas, os autores destacam, para além do desenvolvimento da competência fílmica dos estudantes, o trabalho com o vocabulário e aspectos da cultura alemã, a partir do fomento a discussões na língua-alvo. Os autores destacam ainda o grande potencial motivacional no uso desse material autêntico e a identificação dos aprendizes com seu conteúdo.

Marceli Aquino, no artigo Fremdsprachenlernen im Teletandem: Ein deutsch-brasilianisches Kollaborationsprojekt aus der Sicht teilnehmender Studierender, descreve um projeto internacional de cooperação Teletandem entre a Freie Universität Berlin e a Universidade de São Paulo. Através de plataformas de webconferência, estudantes brasileiros e alemães, acompanhados pelos coordenadores do projeto, puderam aprender e desenvolver as respectivas línguas-alvo. A autora ressalta que projetos de teletandem podem proporcionar ao aprendiz o desenvolvimento de reflexão crítica sobre o seu processo individual de aprendizagem, além de contribuir para a melhora da comunicação na língua-alvo e do desenvolvimento de aspectos como motivação, autonomia e empatia.

O artigo Interger: Los desafíos de la enseñanza en línea de la intercomprensión en lenguas germánicas para hispanohablantes, de autoria de Valeria Wilke e Patricia del Valle Lauria, apresenta um projeto de pesquisa intitulado "Intercompreensão em Línguas Germânicas" (IGL), conduzido na Escola de Línguas da Universidade Nacional de Córdoba. As autoras apontam os principais desafios envolvidos no ensino on-line de IGL para estudantes de língua espanhola. Nesse contexto, as pesquisadoras descrevem o curso "Interger: el viaje", com base em conceitos como intercompreensão (fazendo referência a pesquisas sobre o conceito na Europa e na América Latina), transferência e educação on-line.

Rogéria Pereira e Leonie Eckrich, em seu artigo intitulado Ungleichheit Differenziert Begegnen: Vorschläge für Binnendifferenzierten Schreibunterricht Online und auf Distanz, discutem a questão da heterogeneidade inerente ao processo de ensino-aprendizagem, a qual se tornou ainda mais evidente com a adoção do ensino remoto devido à pandemia de Covid-19. Em sua experiência nos cursos on-line da Casa de Cultura Alemã (CCA) da Universidade Federal do Ceará (UFC), as autoras identificaram heterogeneidades que se sobressaíram a partir de diferentes níveis de auto-organização de seus aprendizes, assim como a partir dos diferentes suportes ou dificuldades técnicas, que se refletiram em suas produções escritas. Para dirimir tais desigualdades, as autoras adotaram medidas com o objetivo de fomentar e apoiar o desenvolvimento da habilidade escrita de seus alunos no formato on-line.

O artigo de Tito Lívio Romão e Francisco Nogueira tem como foco o trabalho com aspectos do ensino de fonética e fonologia da língua alemã. Assim, a contribuição intitulada Ensino remoto de Fonética e Fonologia da Língua Alemã: algumas experiências práticas no contexto universitário durante a pandemia, relata a experiência dos autores na disciplina de Fonética e Fonologia da Língua Alemã do Curso de Letras Português - Alemão da Universidade Federal do Ceará. No artigo, os pesquisadores descrevem as atividades realizadas nos períodos letivos de 2020 e 2021, refletindo não só sobre os desafios enfrentados por docentes e discentes na modalidade de ensino remoto, mas também sobre os êxitos obtidos.

No âmbito da formação de professores de alemão, Roberta C. Sol F. Stanke e Mergenfel Vaz Ferreira no artigo Formação inicial de professores de línguas e contexto pandêmico: o foco nas práticas colaborativas para o enfrentamento de desafios, apontam, com base nos conceitos de professor reflexivo e prática reflexiva, bem como a partir de teorias sociointeracionistas, a importância das práticas colaborativas adotadas nos encontros de orientação acadêmica em projetos de extensão universitária para o ensino de línguas e a formação inicial de professores. As autoras destacam que essas práticas são fundamentais para a formação de profissionais mais reflexivos e aptos a empreenderem transformações socioeducacionais.

Ainda na área de formação de professores, o artigo Ensino remoto em tempos de pandemia: uma experiência de formação emergencial e seus desdobramentos, de Ebal Bolacio Filho, Carina Schumann e Mônica Savedra, descrevem um curso concebido e ministrado por docentes das três universidades que formam professores no Estado do Rio de Janeiro (Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a graduandos dessas universidades que atuam em projetos de extensão para o ensino da língua alemã. Além de reflexões teóricas, o curso, oferecido ainda no estágio inicial do ensino remoto emergencial, abordou aspectos práticos para o trabalho on-line.

Das experiências com ensino-aprendizagem e formação de professores no contexto de ensino superior, encerrando este dossiê, passamos a um relato advindo do contexto escolar, com a contribuição de Gabriel Perez, em seu artigo intitulado Redes sociais na aula de alemão como língua estrangeira em contexto escolar: introdução teórica e relato de experiência. Nesse artigo, o autor relata a experiência advinda do “Projekt Deutsch lernen mit Instagram” realizado com duas turmas do 1o ano do Ensino Médio em uma escola particular do Rio de Janeiro durante o primeiro semestre de 2021. O texto aponta os desafios e as possibilidades da utilização de redes sociais na aula de alemão como língua estrangeira.

Esperamos, com este dossiê temático, poder contribuir para que a nossa experiência de uso imperativo das tecnologias da informação e da comunicação em nossas aulas virtuais durante o período pandêmico possa lançar luz sobre o emprego dessas ferramentas no processo de ensino-aprendizagem de modo a torná-lo mais significativo para o aluno, indo ao encontro do que Moran já discutia nos anos 2000Moran, José Manuel et al. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 6. ed. Campinas: Papirus, 2000.: “ensinar com as novas mídias será uma revolução se mudarmos simultaneamente os paradigmas convencionais do ensino, que mantêm distantes professores e alunos. Caso contrário, conseguiremos dar um verniz de modernidade, sem mexer no essencial” (Moran, 2000, p. 63). Concluímos então, acreditando, como Paulo Freire, que

O que não podemos, como seres imaginativos e curiosos, é parar de aprender e de buscar, de pesquisar a razão de ser das coisas. Não podemos existir sem nos interrogar sobre o amanhã, sobre o que virá, a favor de que, contra que, a favor de quem, contra quem virá; sem nos interrogar em torno de como fazer concreto o “inédito viável” demandando de nós a luta por ele (Freire, 1992Freire, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido - Notas: Ana Maria Araújo Freire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992., p. 47).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2022
  • Aceito
    25 Maio 2022
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