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Impacto dos Programas de Expansão das Universidades Federais no Perfil de Estudantes de Psicologia

Impact of Federal University Expansion Programs on the Profile of Psychology Students

Impacto de los Programas de Expansión de las Universidades Federales en el Perfil de los Estudiantes de Psicología

Resumo

Diante do quadro de expansão e reestruturação das universidades federais no Brasil, o presente trabalho visa investigar seu impacto no perfil de estudantes de Psicologia. Objetiva-se traçar um panorama dos cursos de Psicologia vinculados às Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil e analisar os efeitos da ampliação e interiorização no acesso ao ensino superior federal sobre o perfil dos estudantes que têm ingressado nos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. Trata-se de um estudo documental, com base nos microdados do Censo do Ensino Superior no Brasil e do Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (Enade), divulgados em domínio público pelo Ministério da Educação (MEC). Foram selecionados apenas os estudantes de Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) para compor a amostra final de 3.059 estudantes. A análise foi realizada por meio do Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows versão 21, com base no teste qui-quadrado (χ2) de independência e grau de significância 0,05 (p<0,05). Observou-se avanços quanto à ampliação do acesso de estudantes com perfil socioeconômico menos elitizado nos cursos de graduação em Psicologia das Ifes, sobretudo no que diz respeito àqueles oriundos de famílias com renda mais baixa, com mães e pais com menor escolaridade, e que estudam em municípios de porte populacional menor, cujo estudo é proporcionado pelos programas de expansão à educação superior no país. Nessa lógica, entende-se a importância dessas políticas como estratégia de deselitização do perfil do estudante de graduação brasileiro.

Palavras-chave:
Psicologia; Ensino superior; Expansão das universidades

Abstract

In view of the expansion and restructuring of federal universities in Brazil, the present work aims to investigate its impact on the profile of Psychology students. It aims to draw a panorama of Psychology courses linked to the Federal Institutions of Higher Education in Brazil and to analyze the effects of the expansion and internalization in the access to federal higher education in the profile of students who have entered the Psychology undergraduate courses in Brazil. This is a documental study, based on microdata from the Census of Higher Education in Brazil and from the National Exam of Student Performance (ENADE), released in the public domain by the Ministry of Education (MEC). Only students from Federal Higher Education Institutions (IFES) were selected to compose the final sample of 3,059 students. The analysis was performed using the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows version 21, based on the chi-square test (χ2) of independence and 0.05 significance level (p<0.05). Advances were observed in increasing the access of students with a less elitist socioeconomic profile in undergraduate courses in Psychology in the IFES, especially those coming from families with lower income, with mothers and fathers with less education, and who study in cities with smaller population, provided by the Higher Education Expansion Programs in the country. In this logic, it is possible to understand the importance of these policies as a strategy for de-elitizing the profile of the Brazilian undergraduate student.

Keywords:
Psychology; Higher education; University expansion

Resumen

Dado el marco de expansión y reestructuración de las universidades federales en Brasil, este trabajo pretende investigar su impacto en el perfil de los estudiantes de Psicología. Tiene como objetivo trazar un panorama de los cursos de Psicología vinculados a las Instituciones Federales de Educación Superior en Brasil y analizar los efectos de la expansión e internalización en el acceso a la educación superior federal en el perfil de los estudiantes que han ingresado a los cursos de pregrado de Psicología en Brasil. Se trata de un estudio documental, basado en los microdatos del Censo de la Enseñanza Superior en Brasil y del Examen Nacional de Rendimiento Estudiantil (ENADE), divulgados al público por el Ministerio de Educación (MEC). Sólo se seleccionaron los estudiantes de las Instituciones Federales de Enseñanza Superior (IFES) para componer la muestra final de 3.059 estudiantes. El análisis se realizó con el paquete estadístico para las ciencias sociales (SPSS) para Windows versión 21, basado en la prueba de chi-cuadrado (χ2) de independencia y un nivel de significación de 0,05 (p<0,05). Se observaron avances en la ampliación del acceso de estudiantes con un perfil socioeconómico menos elitista en los cursos de pregrado en Psicología en el IFES, especialmente en lo que respecta a los que provienen de familias con menores ingresos, con madres y padres con menos educación, y que estudian en ciudades con menor población, proporcionados por los Programas de Expansión de la Educación Superior en el país. En esta lógica, es posible entender la importancia de estas políticas como estrategia para deselitizar el perfil del estudiante brasileño de pregrado.

Palabras clave:
Psicología; Educación superior; Expansión de las universidades

Introdução

Desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei n. 9.394, 1996Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (23 dez. 1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União .), o ensino superior no Brasil tem passado por profundas reformas, alinhadas à Reforma Gerencial do Estado implantada no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), sob forte orientação da agenda neoliberal (Costa, Costa, & Barbosa, 2013Costa, D. M., Costa, A. M., & Barbosa, F. V. (2013). Financiamento público e expansão da educação superior federal no Brasil: o REUNI e as perspectivas para o REUNI 2. Revista Gestão Universitária na América Latina, 6(1), 106-127. https://doi.org/10.5007/1983-4535.2013v6n1p106
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). O recorrente discurso sobre a necessidade de modernização da educação sob o pretexto de adequá-la ao modelo de acumulação flexível, reforçado pelas orientações dos organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da própria Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), resultou na adoção, por parte do Brasil, de ações para desregulamentar o campo da educação e abrir caminhos para fortalecer e ampliar ainda mais o setor privado no âmbito do ensino superior (Sguissardi, 2006Sguissardi, V. (2006). Reforma universitária no Brasil - 1995-2006: Precária trajetória e incerto futuro. Educação & Sociedade , 27(96), 1-021. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000300018
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).

A própria LDB de 1996 e outros instrumentos normativos do Ministério da Educação (MEC), a exemplo do Decreto n. 2.306 (1997)Decreto n. 2.306, de 19 de agosto de 1997. (20 ago. 1997). Regulamenta, para o Sistema Federal de Ensino, as disposições contidas no art. 10 da Medida Provisória nº 1.477-39, de 8 de agosto de 1997, e nos arts. 16, 19, 20, 45, 46 e § 1º, 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2306.htm
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, materializaram tais preceitos ao reconhecer a existência e o funcionamento de instituições empresariais com fins lucrativos no âmbito do ensino superior, proporcionando a diversificação do setor (em universidades, centros universitários, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores), inclusive com atuação de estabelecimentos menores e de forma isolada (C. B. Martins, 2009Martins, C. B. (2009). A reforma universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil. Educação & sociedade, 30(106), 15-35. https://doi.org/10.1590/S0101-73302009000100002
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; Chaves, 2010Chaves, V. L. J. (2010). Expansão da privatização/mercantilização do ensino superior brasileiro: A formação dos oligopólios. Educação & Sociedade , 1(1), 481-500. https://doi.org/10.1590/S0101-73302010000200010
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). Como resultado, promoveu-se uma rápida aceleração da expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil. Em 1995 havia 894 IES, com oferta de 1.759.703 matrículas nos cursos de graduação presenciais, distribuídos em 135 universidades, 111 faculdades integradas e centros universitários e 648 estabelecimentos isolados. Em 2002 houve um salto para 1.637 IES, com a oferta de 3.479.913 matrículas, distribuídas em 162 universidades, 182 faculdades integradas e centros universitários e 1.240 estabelecimentos isolados (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 1995Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (1995). Sinopse Estatística da Educação Superior 1995. http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior
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, 2002Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2002). Sinopse Estatística da Educação Superior 2002. http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior
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). Observando apenas o período de 1997 a 2002, ou seja, a partir da aprovação da LDB de 1996 até o fim do Governo FHC, percebe-se a estagnação da linha de crescimento das instituições públicas, que ficou reduzida a uma variação de quase 8%, enquanto as instituições privadas cresceram 109% no mesmo período (Filard & Padim, 2015Filardi, A. M., & Padim, D. F. (2015). Políticas públicas de expansão do ensino superior federal no Brasil no contexto da mundialização do capital. Revista HISTEDBR On-line, 15(61), 403-415. https://doi.org/10.20396/rho.v15i61.8640536
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).

O período dos governos Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) também foi permeado de mudanças no âmbito do ensino superior ao colocar em andamento programas como: Universidade para Todos (Prouni), Expansão Fase I (Expandir), Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e Universidade Aberta do Brasil (UAB). Ademais, é importante referir que nesse período também foi dada continuidade ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), criado em 1999, no Governo FHC, e reformatado e ampliado em 2010, chegando ao seu ápice no Governo Dilma. De acordo com Silva e Castro (2014)Silva, J. S. da, & Castro, A. M. D. A. (2014). Políticas de expansão para o ensino superior no contexto do REUNI: A implementação do programa na UFRN. HOLOS, 30(6), 206-224. https://doi.org/10.15628/holos.2014.2152
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, o conjunto de programas criados ou ampliados nos governos do Partido do Trabalhadores, na esfera federal, apesar de suas contradições, foram os responsáveis pela expansão do ensino superior no Brasil, a partir de pelo menos três tendências: “a expansão pela privatização do ensino, a expansão pelo uso da modalidade a distância e a expansão pela reestruturação das universidades públicas federais” (p. 213).

No caso do Prouni e do Fies, eles aprofundaram o processo de expansão do ensino superior pelo setor privado. O Prouni, instituído no Governo Lula pela Lei n. 11.128, concede bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de graduação e sequenciais de formação específica em IES privadas, a partir de incentivos fiscais por parte do governo federal (Lei n. 11.128, 2005Lei n. 11.128, de 28 de junho de 2005. (29 jun. 2005). Dispõe sobre o Programa Universidade para Todos - PROUNI e altera o inciso I do art. 2º da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11128.htm
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). Surgiu como possibilidade de resposta frente a grande demanda não atendida para o ensino superior, considerando as dificuldades dos estudantes em arcar com os custos das mensalidades em uma instituição privada, além das exigências impostas pelos agentes financeiros para a comprovação da capacidade creditícia e de fiador. Com um ano de funcionamento, 70% das instituições privadas aderiram ao programa, o que demonstra o nível de aceitabilidade proporcionado pelas vantagens para o setor, tendo a procura por vagas ultrapassado o patamar de 700 mil inscrições ainda em 2006, com a concessão de um pouco mais de 40 mil bolsas. Em 2016, houve mais de 1,5 milhão de inscritos para 329.180 bolsas concedidas (Sistema Programa Universidade para Todos [Sisprouni], 2016aSistema Programa Universidade para Todos. (2016a). Número de bolsas ofertadas pelo Prouni para o primeiro semestre de 2016. http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_primeiro_semestre_2016.pdf
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, 2016bSistema Programa Universidade para Todos. (2016b). Número de bolsas ofertadas pelo Prouni para o segundo semestre de 2016. http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_segundo_semestre_2016.pdf
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). Já em 2020, apesar da manutenção da média de inscrições no Prouni, houve um quantitativo menor de bolsas com um patamar de somente 252.534, significando um corte de cerca de 20% das bolsas. Essa conjuntura parte do cenário pós-golpe midiático-político-jurídico ocorrido em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff (Dias, 2018Dias, A. F. L. (2018). A democracia como vítima do golpe tragicômico de 2016 no Brasil. Argumentos: Revista de Filosofia, 10(19), 62-72. http://periodicos.ufc.br/argumentos/article/%20view/32018/72329
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), e a posterior guinada (neo)conservadora e ultra neoliberal em que nos encontramos (MEC, 2020Ministério da Educação. (3 fev. 2020). ProUni registra 1,5 milhão de inscrições. http://portal.mec.gov.br/component/content/article/229-noticias/1524145942/85131-prouni-registra-1-5-milhao-de-inscricoes?Itemid=164
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).

Já o Fies foi criado em 1999 por meio de medida provisória e posteriormente foi regulamentado pela Lei n. 10.260 (2001)Lei n. 10.260, de 12 de julho de 2001. (13 jul. 2001). Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior e dá outras providências. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10260.htm
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. Trata-se de um programa destinado a financiar estudantes matriculados em instituições privadas. De acordo com o relatório de gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) de 2015, desde sua criação o programa atendeu a 2,74 milhões de estudantes. Passou de pouco menos de 76 mil contratos em 2010 para 2,18 milhões em 2015, com recursos da ordem de R$ 16,58 bilhões de reais. As principais modificações de 2015 no programa resultaram em: a) priorização de oferta de vagas em cursos com melhores indicadores pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), notadamente nas áreas das engenharias, licenciaturas e da saúde; b) limitação do público-alvo para estudantes com renda familiar per capita de até 2,5 salários mínimos; c) utilização da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como critério de seleção; d) inscrições em fluxo contínuo; e e) extensão do prazo de carência de seis para 18 meses, sendo que o estudante era obrigado a quitar o débito no prazo de até três vezes o período financiado acrescido de doze meses (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação [FNDE], 2016Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. (2016). Relatório de Gestão FNDE 2015. https://www.fnde.gov.br/relatorios/relatorios-de-gestao?…relat%C3%B3rio-de-gest%C3%A3o-2015
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). Posteriormente, o programa foi transformado no Novo Fies com a Lei n. 13.530 (2017)Lei n. 13.530, de 7 de dezembro de 2017. (8 dez. 2017). Altera a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, a Lei Complementar nº 129, de 8 de janeiro de 2009, a Medida Provisória nº 2.156-5, de 24 de agosto de 2001, a Medida Provisória nº 2.157-5, de 24 de agosto de 2001, a Lei nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, a Lei nº 9.766, de 18 de dezembro de 1998, a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, a Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, a Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012, e a Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013; e dá outras providências. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13530.htm
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, cuja mudança mais significativa foi a extinção do prazo de carência e estipulação do pagamento da dívida imediatamente após o término do curso.

Enquanto o Prouni constitui o instituto de isenção e compensação de tributos por renúncia fiscal (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e Contribuição para o Programa de Integração Social), o Fies é um programa de concessão de financiamento. Ambos acabaram beneficiando instituições com fins lucrativos, por meio da parceria público-privada no setor educacional que promove a compra de vagas no setor privado pelo poder público, o que aprofunda o processo de privatização do ensino superior no Brasil, sob o viés da financeirização da educação (Fontenele & Crisóstomo, 2016Fontenele, T. L. L., & Crisóstomo, V. L. (2016). PROUNI - Pontos controversos sob a análise de alunos bolsistas. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, 21(3), 739-765. https://doi.org/10.1590/S1414-40772016000300005
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).

Quanto à reestruturação das universidades federais, o destaque inicialmente é para o Programa de Expansão Fase I, que conformou a primeira fase de expansão do ensino superior federal, de 2003 a 2007. O objetivo era diminuir as assimetrias regionais, considerando que em 2002 havia somente 45 universidades federais e 148 campi ou unidades de ensino em todo o país, a maior parte dos quais se concentrava nas capitais e regiões metropolitanas, com 114 municípios diretamente atendidos. Diante desse quadro foram criadas oito universidades e 79 novos campi em regiões prioritariamente não metropolitanas, no referido período (Lei n. 13.005, 2014Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. (26 jun. 2014). Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União .).

Dentre as universidades federais criadas citam-se: a) a transformação da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (Efoa) em Universidade Federal de Alfenas (Unifal); b) a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a partir de desmembramento da Universidade Federal da Bahia (Ufba); c) a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a partir da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); d) a transformação da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM) em Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM); e) a transformação do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET-PR) em Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR); f) a transformação da Escola Superior de Agricultura de Mossoró (Esam) em Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa); g) a transformação das Faculdades Federais Integradas de Diamantina em Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri (UFVJM); e h) a criação da Universidade Federal do ABC (UFABC) (Lei n. 13.005, 2014Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. (26 jun. 2014). Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União .). Os dados oficiais do ensino superior federal nesse período indicam que avançou de 121.455 vagas ofertadas em 2.393 cursos de graduação em 2003 para 155.040 vagas em 3.030 cursos em 2007. Quanto ao número de matrículas, o crescimento foi de 567.101 para 615.542 no mesmo período (Decreto n. 6.096, 2007Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007. (25 abr. 2007). Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm
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). Trata-se, portanto, de um crescimento significativo de vagas no setor público, considerando o período de “estagnação” da década anterior.

Em 24 de abril de 2007 foi lançado o Reuni, por meio do Decreto n. 6.096 (2007)Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007. (25 abr. 2007). Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm
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, em continuidade ao Programa de Expansão, caracterizando-se não apenas por consolidar a ampliação do acesso (com a redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno), mas também por ações voltadas para a permanência na educação superior, com a ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil. Outra preocupação do Reuni refere-se aos processos e itinerários formativos dos estudantes, de modo a incentivar a ampliação da mobilidade estudantil e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior, além da revisão da estrutura acadêmica e a diversificação das modalidades de graduação (Decreto n. 6.096, 2007Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007. (25 abr. 2007). Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm
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; MEC, 2012Ministério da Educação. (2012). Análise sobre a expansão das universidades federais 2003 a 2012 [Relatório da comissão constituída pela Portaria nº 126/2012]. http://portal.mec.gov.br/docman/janeiro-2013-pdf/12386-analise-expansao-universidade-federais-2003-2012-pdf
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). As 53 instituições federais de ensino superior (Ifes) aderiram ao programa em 2007, pactuando metas a serem alcançadas. Como resultado foram criadas inicialmente mais seis universidades federais, além de 47 novos campi na perspectiva de fortalecer o desenvolvimento regional a partir das universidades federais (MEC, 2012Ministério da Educação. (2012). Análise sobre a expansão das universidades federais 2003 a 2012 [Relatório da comissão constituída pela Portaria nº 126/2012]. http://portal.mec.gov.br/docman/janeiro-2013-pdf/12386-analise-expansao-universidade-federais-2003-2012-pdf
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). As universidades criadas foram: a) Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e Fundação Universidade Federal do Pampa (Unipampa), ambas em 2008; b) Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em 2009; c) Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), ambas em 2010.

Em 2013 foram criadas mais quatro universidades federais, frutos do desmembramento da atuação “multicampia” de algumas instituições, e 47 novos campi, aprofundando ainda mais o trabalho de inserção regional. As universidades criadas foram: a) Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), localizada em Marabá e desmembrada da Universidade Federal do Pará (UFPA); b) Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), localizada em Barreiras, desmembrada da UFBA; c) Universidade Federal do Sul da Bahia (Ufsba), localizada em Itabuna, também desmembrada da UFBA; d) Universidade Federal do Cariri (UFCA), localizada em Juazeiro do Norte, desmembrada da Universidade Federal do Ceará (UFC) (MEC, 2012Ministério da Educação. (2012). Análise sobre a expansão das universidades federais 2003 a 2012 [Relatório da comissão constituída pela Portaria nº 126/2012]. http://portal.mec.gov.br/docman/janeiro-2013-pdf/12386-analise-expansao-universidade-federais-2003-2012-pdf
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).

O saldo desse processo de reestruturação das universidades federais no período Lula-Dilma foi a abertura de 18 universidades federais, totalizando 63, bem como a expansão de 321 campi/unidades, ampliando a rede federal de ensino superior para 275 municípios diretamente atendidos. Com isso, alcançou-se o total de 453.859 vagas em 6.234 cursos de graduação, culminando em 1.249.324 matrículas no setor das federais em 2016. Esse incremento significativo de vagas, cursos e matrículas também foi sentido na contratação de pessoal. O número de docentes em exercício subiu de 56.833 em 2007 para 90.186 em 2016 (MEC, 2017Ministério da Educação. (2017). Notas Estatísticas 2017. Censo da Educação Superior. https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados
https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-a...
). Além desses aspectos, a expansão do ensino superior contribui para minimizar as desigualdades sociais entre os estudantes garantindo condições de permanência e acesso acadêmico por meio do investimento do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que objetiva promover a permanência de estudantes ao contemplar moradia estudantil, alimentação, transporte, assistência à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico, dentre outras ações (MEC, 2012Ministério da Educação. (2012). Análise sobre a expansão das universidades federais 2003 a 2012 [Relatório da comissão constituída pela Portaria nº 126/2012]. http://portal.mec.gov.br/docman/janeiro-2013-pdf/12386-analise-expansao-universidade-federais-2003-2012-pdf
http://portal.mec.gov.br/docman/janeiro-...
).

Apesar dos indicadores expressivos, é preciso considerar as contradições desse processo. A primeira crítica trata-se do modo como se deu a adesão das universidades federais ao Reuni, por meio de contratos de gestão que previam o aumento de no mínimo 20% no número de ingressantes no sistema público federal de ensino superior, a elevação da taxa de conclusão de estudantes de graduação em 90% e o aumento da relação aluno/professor para 18 alunos por docente (Léda & Mancebo, 2009Léda, D. B., & Mancebo, D. (2009). REUNI: Heteronomia e precarização da universidade e do trabalho docente. Educação & Realidade, 34(1), 49-64.).

Para R. M. A. Martins (2017Martins, R. M. A. (2017, 1-5 de outubro). Entre avanços e retrocessos, a contradição - O Reuni e a expansão da educação superior pública [Trabalho apresentado]. 38ª Reunião Nacional da Anped, São Luís, MA, Brasil. http://38reuniao.anped.org.br/sites/default/files/resources/programacao/trabalho_38anped_2017_GT11_890.pdf
http://38reuniao.anped.org.br/sites/defa...
), essas condições instituem um novo paradigma para as Ifes no Brasil, com efeito direto sobre sua identidade e sua forma organizativa e de funcionamento. Trata-se de um cenário que impôs a lógica empresarial à universidade pública, pois passou a condicionar o repasse de recursos às metas atingidas, além de incentivar sobremaneira os docentes a empreenderem projetos de captação de recursos, por meio de editais de fomento de agências ou empresas públicas e privadas. Para a autora, de “instituição pública, que deveria dedicar-se essencialmente à formação humana, passa a pautar-se pela racionalidade típica do setor privado/empresarial, a qual, cada vez mais, se faz presente nas universidades” (R. M. A. Martins, 2017Martins, R. M. A. (2017, 1-5 de outubro). Entre avanços e retrocessos, a contradição - O Reuni e a expansão da educação superior pública [Trabalho apresentado]. 38ª Reunião Nacional da Anped, São Luís, MA, Brasil. http://38reuniao.anped.org.br/sites/default/files/resources/programacao/trabalho_38anped_2017_GT11_890.pdf
http://38reuniao.anped.org.br/sites/defa...
, p. 8).

Em vista disso, o crescimento de vagas e matrículas ocorreu sob o custo de salas de aula bem mais numerosas, inadequação do número de contratação de professores para responder à expansão de vagas discentes, recursos insuficientes para o desenvolvimento e expansão das inúmeras atividades de ensino, pesquisa e extensão que passaram a ser demandas dos professores e alunos, além da criação de cursos de curta duração e/ou ciclos (básico e profissionalizante), dentre outros fatores (Lima, 2013Lima, K. R. de S. (2013). O Programa Reuni e os desafios para a formação profissional em Serviço Social. Revista Katálysis, 16(2), 258-267. https://doi.org/10.1590/S1414-49802013000200012
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Para Mancebo (2015Mancebo, D. (2015, 4-8 de outubro). Educação superior no Brasil: Expansão e tendências (1995-2014) [Trabalho apresentado]. 37ª Reunião Nacional da Anped, Florianópolis, SC, Brasil. http://www.anped.org.br/sites/default/files/trabalho-gt11-3726.pdf
http://www.anped.org.br/sites/default/fi...
), tais transformações aprofundaram o quadro de intensificação e precarização do trabalho docente, constituindo, muitas vezes, percursos formativos que se constituem de forma aligeirada e desvinculada da pesquisa, em meio ao cenário de flexibilização dos currículos e de um processo de certificação em larga escala.

Diante do quadro de expansão e reestruturação das universidades federais no Brasil, questionamos acerca de seu impacto no perfil de estudantes de Psicologia. Como objetivos pretendemos: a) traçar um panorama dos cursos de Psicologia vinculados às Ifes no Brasil; e b) analisar os efeitos da ampliação e interiorização no acesso ao ensino superior federal sobre o perfil dos estudantes que têm ingressado nos cursos de Psicologia no Brasil. Este estudo pode contribuir para aprofundarmos nossa compreensão acerca dos caminhos que a formação em Psicologia tem tomado no Brasil, mais especificamente a partir das transformações do setor das universidades federais e seu impacto no perfil de estudantes na última década.

Método

Trata-se de um estudo documental, a partir de informações primárias retiradas dos microdados do Censo do Ensino Superior no Brasil e do Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (Enade), divulgados em domínio público pelo MEC. Os dados do ciclo do Enade 2015 são somente de estudantes concludentes, totalizando 549.488 estudantes de 26 cursos do ensino superior com grau acadêmico de bacharel e tecnológico. Na Psicologia foram avaliados 26.544 estudantes, dos quais 4.550 eram de IES públicas e 22.094 de IES privadas, distribuídos nas seguintes regiões do país: Norte (n = 1.456), Nordeste (n = 5.904), Sudeste (n = 12.020), Sul (n = 4.910) e Centro-oeste (n = 2.254). Neste estudo, selecionamos apenas os estudantes de Ifes para compor a amostra final de 3.059 estudantes.

Para traçar o panorama dos cursos, a análise foi baseada na descrição de frequências. Em seguida, foi necessário consultar os Projetos de Adesão das Ifes aos Programas de Expansão e Reestruturação, disponíveis em domínio público nos endereços eletrônicos de cada instituição, para identificar os Cursos de Psicologia que foram beneficiados com o Expandir e o Reuni. A análise dos perfis dos estudantes foi realizada considerando dois grupos: o primeiro formado por estudantes das Ifes em que o curso de Psicologia foi incluído no Projeto Institucional de Adesão aos Programas de Reestruturação englobados pelo Reuni (n = 1.418); e o segundo por estudantes de Ifes em que, apesar de a instituição ter aderido, o curso de Psicologia não foi incluído no Projeto Institucional de Adesão aos Programas (n = 1.641).

A partir da classificação dos estudantes, conforme sua vinculação a uma Ifes pertencente ou não ao Reuni, foi analisada a distribuição dos sujeitos nos dois grupos com base em um conjunto de 13 variáveis, sendo elas: etnia (1); estado civil (2); renda familiar (3); situação financeira do candidato (4); situação de trabalho exceto estágio ou bolsa (5); escolaridade do pai (6); escolaridade da mãe (7); alguém das família concluiu o ensino superior (8); tipo de escola em que cursou o ensino médio (9); modalidade de ensino médio que concluiu (10); porte do município (11); ingresso por meio de políticas de ação afirmativa ou inclusão social (12); e tipo de bolsa acadêmica que recebe (13).

A análise foi realizada por meio do Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows versão 21, com base no teste qui-quadrado (χ2) de independência e grau de significância 0,05 (p < 0,05). Trata-se de um teste que avalia o grau de associação entre variáveis ou grupos, além de comparar proporções e possíveis divergências entre frequências observadas e esperadas de certo evento. Na análise em questão, consideramos a diferença entre a contagem real e a contagem esperada.

Operacionalmente, alerta-se que houve respostas ausentes em quase todas as variáveis, resultando em diferenças no total de sujeitos analisados em cada variável. Contudo, optamos por não excluir todos os sujeitos que não responderam um ou outro item, visto que a análise considera cada variável isoladamente. A partir disso, tabelas de frequência foram construídas para facilitar a visualização da distribuição dos resultados.

Resultados

Panorama dos cursos de Psicologia ofertados nas Instituições Federais de Ensino Superior até 2016

Sabemos que, desde sua origem, as escolas de formação em Psicologia foram marcadas pela supremacia do setor privado. O primeiro curso data de 1953, tendo como instituição pioneira a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Esch & Jacó-Vilela, 2001Esch, C. F. & Jacó-Vilela, A. M. (2001). A regulamentação da profissão de psicólogo e os currículos de formação psi. In A. M. Jacó-Vilela, A. C. Cerezzo & H. B. C. Rodrigues (Orgs.), Clio-psyché hoje: Fazeres e dizeres psi na história do Brasil (pp. 17-24). Relume Dumará; FAPERJ.). Desde então, os cursos de Psicologia no Brasil têm apresentado índices surpreendentes de crescimento, com hegemonia no setor privado. Os dados do censo do ensino superior de 2016, recuperados no ano seguinte à realização do Enade 2015, indicaram o total de 629 cursos de Psicologia, dos quais 626 são ativos e 3 estão em extinção (MEC, 2016Ministério da Educação. (2016). Notas Estatísticas 2016. Censo da Educação Superior. https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados
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).

Dentre os 626 cursos ativos, 80 funcionavam em IES públicas (12,8%), sendo 54 nas instituições federais, 18 nas estaduais e 8 nas municipais. No setor privado, eram 528 cursos (84,3%), sendo 273 ofertados em faculdades isoladas, seguidos de 168 em universidades e 87 em centros universitários. Ainda existiam 18 cursos (2,9%) funcionando em instituições educacionais oficiais consideradas especiais1 1 Trata-se de instituições criadas por lei estadual ou municipal, anteriores à promulgação da Constituição Federal de 1988; além disso, não são totalmente mantidas com recursos públicos, portanto, não são gratuitas (art. 242 da Constituição Federal). , localizados nos estados de Santa Catarina (n=9), São Paulo (n=6), Goiás (n=2) e Pernambuco (n=1). Quanto ao número de matrículas ofertadas nos cursos de Psicologia, em 2016 alcançou-se o total de 235.594, das quais 11,4% foram efetuadas em IES públicas e 88,6% em IES privadas. Na verdade, se acompanharmos a ampliação do número de matrículas no ensino superior brasileiro no período de 2003 a 2016, constatamos que enquanto no setor público o crescimento foi da ordem de 56,84%, no privado alcançou o patamar de 71,65%.

No caso dos cursos em funcionamento em Ifes, das 63 Ifes instaladas no país somente 39 ofertam cursos de Psicologia. Pelo menos 15 Ifes oferecem mais de um curso em função da estrutura de “multicampia” em que estão organizadas. Nesse sentido, destacamos a Universidade Federal Fluminense, que tem curso de Psicologia em quatro campi (Niterói, Rio das Ostras, Volta Redonda e Campos dos Goytacazes), a Universidade Federal do Goiás, que tem curso de Psicologia em três campi (Goiânia, Jataí e Catalão)2 2 Mais recentemente, em 2018, ainda no Governo Michel Temer, os campi de Catalão e Jataí foram transformados em Universidade Federal de Catalão e em Universidade Federal de Jataí, em conjunto com a criação da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape), da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). , e a Universidade Federal do Mato Grosso, que também conta com curso de Psicologia em três campi (Campo Grande, Corumbá e Paranaíba).

Para dimensionarmos o processo de expansão dos cursos de Psicologia no setor das federais, destacamos que dos 54 cursos pelo menos 33 foram incluídos nos Projetos Institucionais de Adesão aos Programas de Reestruturação englobados pelo Reuni. Enquanto 23 funcionam nas capitais, 31 funcionam em municípios do interior (Figura 1). Assim, mais que dobrou o número de cursos de Psicologia nas Ifes no período dos governos Lula-Dilma com a vigência dos Programas de Expansão Fase I (2003-2007) e Reuni (2007-2014).

Figura 1
Série histórica da abertura dos cursos de Psicologia em funcionamento em Ifes no Brasil.

Especificamente na fase do Programa de Expansão, em que houve a criação de 8 Ifes e 41 campi universitários, tivemos a abertura de 13 novos cursos de Psicologia. Já na execução do Reuni, em que foram criadas 10 Ifes e 104 campi universitários, inaugurou-se outros 15 novos cursos de Psicologia, impulsionando ainda mais o número de cursos localizados no interior. Ressalta-se, nesse aspecto, que ao longo desse período foram abertos cinco novos cursos de Psicologia nas Ifes localizadas nas capitais, enquanto nos campi do interior foram abertos 23 novos cursos.

Sobre os 31 cursos de Psicologia com funcionamento fora das capitais, 12 estão localizados em municípios de médio porte populacional, 9 em localidades de médio grande porte, 5 de médio pequeno porte, 3 de pequeno porte e 2 de grande porte. São cursos que contavam, em 2016, com 7.762 matrículas e ofertavam cerca de 2.300 vagas em processos seletivos para ingresso no ensino superior em Psicologia. Por certo, são índices que cobriam 46,89% do total de matrículas e 55% das vagas oferecidas nas instituições federais.

O panorama descrito acima indica o quanto o processo de expansão do ensino superior no Brasil, apesar dos avanços que marcam o setor das universidades públicas no país na última década, levou dimensões inigualáveis para o setor privado (Barros, 2015Barros, A. da S. X. (2015). Expansão da educação superior no Brasil: Limites e possibilidades. Educação & Sociedade, 36(131), 361-390. https://doi.org/10.1590/ES0101-7330201596208
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). Tal quadro traduz bem o quanto a reorientação das políticas de ensino superior resultou, por um lado, na expansão e interiorização da rede pública de ensino, especialmente por meio do Expandir e do Reuni, mas também representou o fortalecimento da rede privada de ensino com o Fies e o Prouni, consolidando a lógica privatista e neoliberal, iniciada nos governos anteriores, e aprofundando a hegemonia do setor privado na oferta de serviços educacionais no país (Macedo, Lima, Dantas, & Dimenstein, 2017Macedo, J. P., Lima, M. S. de S., Dantas, C., & Dimenstein, M. (2017). Transnacionalização do ensino superior: Impactos nos processos formativos em Psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 852-868. https://doi.org/10.1590/1982-3703004272016
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Mancebo, Silva Jr., & Schugurensky, 2016Mancebo, D., Silva Jr., J. dos R., & Schugurensky, D. (2016). A educação superior no Brasil diante da mundialização do capital. Educação em Revista, 32(4), 205-225. https://doi.org/10.1590/0102-4698162033
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). A seguir discutiremos o impacto desse processo em relação ao perfil dos estudantes de Psicologia das Ifes que aderiram às políticas de expansão do ensino superior na última década.

Os impactos dos Programas de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais no perfil dos estudantes de Psicologia

No ciclo de 2015 do Enade, participaram 3.059 estudantes, concludentes do curso de Psicologia das Ifes de todo o país. Nota-se que a maioria da amostra foi composta por mulheres (75,9%), declaradamente brancas (56,7%), solteiras (88,4%), com renda familiar variando de zero até 6 salários mínimos (62,3%) - que, pelo valor vigente em 2015, variava entre R$ 0,00 e R$ 4.728,00.

São estudantes que, majoritariamente, não têm renda e seus gastos são financiados pela família ou por outras pessoas (52,6%); declararam não possuir emprego (72%); cursaram todo o ensino médio em escola privada particular (52,5%); estudaram em cursos de Psicologia que funcionavam em municípios de grande porte (57%); e recebiam algum tipo de bolsa acadêmica (59,6%).

Na Tabela 1 podemos acompanhar o resultado quanto aos perfis dos estudantes do curso de Psicologia oriundos das Ifes que aderiram aos programas de expansão (n = 1.418) e das Ifes que não aderiram aos mesmos programas (n = 1.641), com base no teste qui-quadrado. Destaca-se, conforme alertado anteriormente, que os totais em cada variável sofreram mudanças devido à ausência de resposta de candidatos em uma ou outra variável.

Tabela 1
Perfil dos estudantes do curso de Psicologia que aderiram ou não aos Programas de Expansão das Universidades Federais.

Na variável etnia, percebemos que os estudantes brancos da rede federal de ensino totalizaram 56,7% da amostra geral, demonstrando que a Psicologia ainda não reflete a diversidade étnica brasileira, na medida em que o percentual de negros e pardos ainda é reduzido. Mas se considerarmos os grupos analisados isoladamente, observamos uma maior incidência de pessoas brancas nas Ifes que não aderiram aos Programas de Expansão (31,7%), enquanto os pardos (16,3%) e os indígenas (0,4%) estão em maior porcentagem nas Ifes que aderiram a esses programas. Ademais, apesar do número de pessoas negras corresponder a um pequeno percentual em ambos os grupos e ter maior incidência nas universidades que não aderiram aos programas, a contagem esperada do teste qui-quadrado demonstrou que os estudantes negros tendem a estar nas universidades que lhes aderiram. Tal realidade corrobora com os dados da quarta pesquisa nacional do perfil geral de estudantes do setor das federais (Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior [Andifes] & Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis [Fonaprace], 2016Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior & Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis. (2016). IV Pesquisa do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das instituições de ensino superior brasileiras - 2014. http://www.andifes.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Pesquisa-de-Perfil-dos-Graduanso-das-IFES_2014.pdf
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), segundo os quais entre 1996 e 2014 houve uma diminuição de brancos nas Ifes, cujo patamar era de quase 60% e passou a representar um pouco mais de 45%. Em contrapartida, a presença de pardos aumentou de 28% para 37,75% e a presença de estudante que se declararam negros também aumentou, de 5,9% para 9,82%.

Quanto ao estado civil, a maioria dos estudantes de Psicologia são solteiros (88,4%), dado que ultrapassa em pouco o da pesquisa nacional (86%) (Andifes & Fonaprace, 2016Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior & Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis. (2016). IV Pesquisa do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das instituições de ensino superior brasileiras - 2014. http://www.andifes.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Pesquisa-de-Perfil-dos-Graduanso-das-IFES_2014.pdf
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). Se considerarmos somente o grupo dos estudantes oriundos de Ifes que aderiram aos programas, o percentual de solteiros foi de 40,3%, enquanto entre aqueles vinculados a universidades que não aderiram o percentual foi de 48,1%. Nesse caso, percebe-se que os estudantes casados estão em maior número nas universidades que aderiram aos Programas de Expansão (4,7%).

Em relação a renda, a pesquisa nacional já apontava para um aumento significativo de estudantes de curso superior sem renda ou com renda de até três salários mínimos (Andifes & Fonaprace, 2016Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior & Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis. (2016). IV Pesquisa do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das instituições de ensino superior brasileiras - 2014. http://www.andifes.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Pesquisa-de-Perfil-dos-Graduanso-das-IFES_2014.pdf
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). No caso dos estudantes de Psicologia da rede federal de ensino, pelo menos 48,7% não possuíam renda ou contavam com renda de até 4,5 salários mínimos, sendo 25,5% discentes das Ifes que aderiram aos programas e 23,2% de universidades que não aderiram aos programas. O ponto de virada entre os dois grupos são os estudantes cujas famílias possuíam rendimento de 4,5 a 6 salários mínimos, pois nas Ifes que não aderiram aos programas o índice foi de 7,1% enquanto nas que aderiram foi de 6,5%. No caso de estudantes com rendimento familiar maior que 6 salários mínimos, percebe-se que estão bem mais presentes em Ifes que não aderiram aos programas (23%) se comparados àqueles das Ifes que aderiram (14,8%). Tal realidade sugere que as políticas de expansão têm atuado como importante vetor de democratização do acesso e de permanência estudantil, inclusive em cursos historicamente marcados pelo caráter elitista, como é o caso da Psicologia.

Por outro lado, em ambos os grupos se percebe uma maior incidência de pessoas sem renda e que têm os gastos financiados pela família ou por outras pessoas, sendo que nas Ifes que não aderiram aos programas a concentração desse perfil de estudante é mais significativa (28%). No caso dos estudantes que possuem renda e contribuem com o sustento da família ou que são o principal responsável pelo sustento da família, estes estão em maior quantidade nas Ifes que aderiram aos Programas de Expansão (3,9%) se comparados aos que estão nas Ifes que não aderiram a esses programas (2,5%).

Com relação a “situação de trabalho exceto estágio ou bolsas”, nos dois grupos pesquisados a frequência de pessoas que afirmaram não trabalhar (72%) supera as demais condições. Esse dado, inclusive, é levemente menor que o percentual da pesquisa nacional geral dos estudantes do setor das federais, que foi de 74%. Contudo, é possível perceber que os estudantes que trabalhavam eventualmente, ou até 20 horas semanais, ou de 21 a 39 horas semanais, estão levemente em maior número nas Ifes que não aderiram aos Programas de Expansão (11,6%), se comparado ao outro grupo (10,2%). Ao passo que os estudantes oriundos de universidades que aderiram a estes Programas trabalhavam em atividades com 40 horas semanais ou mais (3,7%), se comparado ao outro grupo (2,6%). Tal perfil evidencia uma sobrecarga maior para a manutenção do desempenho de suas atividades, pois são estudantes que têm que conciliar mais tempo dedicado ao trabalho com os estudos.

Com relação à escolaridade dos progenitores, percebeu-se que quanto à “escolaridade do pai”, em ambos os grupos, o destaque é para os que completaram o ensino médio: 16% no caso dos estudantes oriundos de Ifes que aderiram aos Programas de Expansão e 17% de estudantes oriundos de universidades que não aderiram a esses programas. Neste último, o destaque também foi para os casos em que o pai completou o ensino superior (14,9%). Sobre a escolaridade da mãe, percebe-se que no geral são mais escolarizadas que os pais, dado reforçado por outros estudos (Gilioli & Gomes, 2016Gilioli, R. S. P., & Gomes, A. V. A. (2016). Educação básica e superior públicas: Custos e perfil discente. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/32280#
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). Sobre o perfil das mães com ensino médio, superior e pós-graduação, de estudantes oriundos de universidades que aderiram aos Programas de Expansão, o índice foi de 35,2%, enquanto o de estudantes oriundos de Ifes que não aderiram aos programas foi de 42,9%. Por outro lado, no caso dos estudantes em que a mãe e o pai não possuem escolaridade ou possuem apenas o ensino fundamental do 1° ao 5° ano, estes estão em maior incidência em universidades que aderiram aos Programas de Expansão (7,4% e 11,1%, respectivamente), enquanto no outro grupo o percentual foi menor (5,5% e 10%, respectivamente).

Ainda sobre a escolaridade dos familiares, a maioria dos estudantes de psicologia das Ifes, independentemente do grupo investigado, indicou ter algum familiar que concluiu o ensino superior (81,8%). Porém, no caso dos estudantes oriundos de universidades que aderiram aos Programas de Expansão, estes têm menos pessoas na família que concluíram o ensino superior (36,9%), se comparado aos estudantes que estão nas Ifes que não aderiram a esses programas (44,9%). Dado que sugere mais uma vez que os Programas de Expansão têm “popularizado” o perfil do estudante de psicologia das Ifes, considerando que os estudantes de universidades que aderiram a esses programas vêm de famílias com menor escolaridade.

Em ambos os grupos os estudantes cursaram, de forma mais significativa, o ensino médio em escolas privadas (52,5%), porém, quem estudou todo o ensino médio em escola pública também teve uma representação razoável (39,6%). No entanto, houve mais graduandos que cursaram o ensino médio híbrido, ou seja, em instituições privadas e públicas, com a maior parte cursada em instituições privadas, nas instituições que aderiram aos Programas de Expansão.

Quanto à modalidade de ensino médio cursado, pelo menos 49,2% dos estudantes vinculados a Ifes que não aderiram aos Programas de Expansão concluiu o ensino médio na modalidade tradicional, enquanto os das universidades que aderiram a esses Programas, embora também seja mais frequente terem cursado a modalidade tradicional de ensino médio (41,9%), tiveram maior incidência de resposta nas outras modalidades de ensino médio profissionalizante técnico do tipo “eletrônica, contabilidade, agrícola ou outro” (3,4%), profissionalizante técnico do tipo “magistério”, EJA ou supletivo (1,6%).

Como já citado no início, apesar de a maioria dos estudantes dos cursos de Psicologia oriundos de instituições federais estudarem em municípios de grande porte populacional (57%), esse índice é, em grande medida, alimentado pelos estudantes provenientes das instituições que não aderiram aos Programas de Expansão (42,3%). No caso dos estudantes oriundos de Ifes que aderiram aos Programas, estes se distribuem mais entre os municípios de porte populacional menor, com destaque para os de médio porte (12,4%) e pequeno-médio porte (9%).

Quanto à variável “ingresso por meio de políticas de ação afirmativa ou inclusão social”, 22,9% dos estudantes ingressaram nos cursos de Psicologia por algum critério de reserva de vaga e 77,1% ingressaram por ampla concorrência, sendo que 37,3% estão em Ifes que aderiram a Políticas de Expansão e 39,8% não. Essa variável ainda indica que é possível perceber que as políticas de reserva de vaga em todas as suas modalidades foram mais determinantes para o ingresso dos estudantes oriundos das Ifes que não aderiram aos Programas de Expansão (13,3%), se comparado aos oriundos de universidades que aderiram a esses programas (9,5%). Ademais, suspeita-se que no ciclo avaliativo do Enade 2018 o percentual de estudantes com ingresso por meio de políticas de ação afirmativa deve ser bem mais significativo do que neste, impactando inclusive outras variáveis e possivelmente aprofundando a popularização do perfil dos estudantes de Psicologia. Tal argumento considera o fato de que no ciclo de 2015, aqui analisado, os estudantes pesquisados ingressaram antes de 2012, ano em que entrou em vigência a Lei n. 12.711 (2012)Lei n. 12.711, 29 de agosto de 2012. (30 ago. 2012). Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm
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, que implanta o Sistema de Reserva de Vagas no Brasil.

Quanto à variável “bolsas acadêmicas”, esta é uma realidade dos estudantes dos cursos de Psicologia do setor das federais, pois 65,6% recebem algum tipo de bolsa, distribuídas em atividades de estágio (24,65%), pesquisa (22,56%), ensino (17,16%) e extensão (11,52%), entre outras. De forma mais específica, 30% do total de estudantes de Psicologia que recebem bolsa de estudos estão vinculados a Ifes que aderiram aos Programas de Expansão, contra 35,6% que estão vinculados a instituições que não aderiram a estes programas. É interessante observar que as bolsas do tipo “iniciação científica”, “extensão” e “monitoria” ou “tutoria” concentram-se em Ifes que não aderiram aos Programas de Expansão, já as bolsas pet e outras estão mais bem distribuídas em universidades que aderiram a esses programas.

Percebe-se, por esses dados, que as Políticas de Expansão das Universidades Federais nos últimos anos impactaram positivamente na ampliação do acesso e alteração do perfil socioeconômico que tradicionalmente marcou os estudantes de Psicologia nesse setor. Segundo Barbosa (2015Barbosa, M. L. de O. (2015). Expansão, diversificação, democratização: Questões de pesquisa sobre os rumos do ensino superior no Brasil. Caderno CRH, 28(74), 247-254. https://doi.org/10.1590/S0103-49792015000200001
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) em trabalho mais abrangente, os estudos a respeito das efetivações das políticas públicas no ensino superior falam dos avanços, mas também dos limites da democratização do setor, que se expande buscando ser mais inclusiva, apesar da ressalva de que a entrada massiva de estudantes provenientes de setores antes excluídos não democratiza, necessariamente, esse nível de ensino. Já Ristoff (2014Ristoff, D. (2014). O novo perfil do campus brasileiro: Uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior , 19(3), 723-747. https://doi.org/10.1590/S1414-40772014000300010
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) evidencia que ainda existe uma enorme distância entre perfis de estudantes nos diferentes cursos, deixando evidente que os maiores percentuais de estudantes, por exemplo, oriundos da escola pública, tendem a estar em cursos de demanda mais baixa (História, Pedagogia, Letras), enquanto nos de demanda mais alta os estudantes da escola pública ainda estão sub-representados. É fato que os jovens de famílias com maior poder aquisitivo, que são oriundos de ensino médio privado e que, consequentemente, tinham melhores oportunidades de acesso a uma educação básica de qualidade, procuram os cursos mais bem remunerados, profissionalmente, bem como os mais privilegiados historicamente. Como consequência, devido à histórica oferta diminuta de vagas e ao acirramento da concorrência, ao estudante de perfil de baixa renda restava o acesso a cursos de demanda baixa, mostrando que além de uma questão cultural, a ampliação e expansão do ensino superior no Brasil esteve (e ainda se encontra) atrelada à lógica do mercado, apesar da política de reserva de vagas para estudantes de escolas públicas.

A despeito da hierarquização entre os cursos, os resultados aqui apresentados indicam que a Psicologia já não figura entre os cursos maciçamente representados por estudantes brancos, renda alta, oriundos do ensino médio cursado em escola privada, como ficou reconhecido por décadas. Tal transformação, certamente, é fruto da implantação de Políticas de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais e de Permanência e Assistência Estudantil, acompanhadas de programas como Prouni e Fies, no setor privado, apesar de o impacto dessas políticas não ter sido objeto do presente estudo.

Por outro lado, para Franco (2008Franco, A. D. P. (2008). Ensino Superior no Brasil: Cenário, avanços e contradições. Jornal de Políticas Educacionais, 2(4), 53-63. http://doi.org/10.5380/jpe.v2i4.15028
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), é preciso criar não somente condições que aumentem o acesso às vagas nas universidades públicas, mas medidas contínuas e efetivas que mantenham permanentemente os jovens de baixa renda nos cursos de ensino superior e assegurem aos egressos oportunidades de ingresso no mercado de trabalho. Nesse sentido, urgem políticas que incentivem o primeiro emprego por meio de interações entre universidades e o setor produtivo, alinhadas a políticas públicas de compensação à concentração de renda e à pobreza, e, sobretudo, a inclusão por meio da educação em todos os níveis de ensino, mas principalmente na educação básica (Pereira, Castro, Lanza, & Lanza, 2016Pereira, G. M. C., Castro, F. N., Lanza, L. N. M., & Lanza, D. C. F. (2016). Panorama de oportunidades para os egressos do ensino superior no Brasil: O papel da inovação na criação de novos mercados de trabalho. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 24(90), 179-198. https://doi.org/10.1590/S0104-40362016000100008).

Considerações finais

Neste estudo percebemos os avanços do Programa Reuni e de seu antecessor, quanto às mudanças no quadro do perfil do estudante de Psicologia das Ifes, sobretudo no que diz respeito à renda familiar, escolaridade do pai e da mãe e ao porte do município em que estudam. Nesse sentido, percebe-se que caminhamos nos últimos anos em direção à ampliação do acesso à formação em Psicologia, proporcionada pelos programas de expansão à educação superior no país.

Sabemos o quanto a educação superior no Brasil é marcada pela desigualdade social em seu processo histórico, uma vez que é evidente a falta de oportunidades para estudantes de baixa renda, enfatizada pelo fenômeno de elitização deste nível de ensino. No âmbito da Psicologia não era diferente. Nesse percurso histórico o acesso às universidades se dava principalmente pelas faculdades privadas, o que refletia na destinação dessas vagas sobretudo às classes privilegiadas, ou seja, a quem tinham recurso e lastro financeiro para custear seus cursos ou quem tinham desfrutado de melhor qualidade de ensino na educação básica para conseguir uma vaga no setor público.

Nessa lógica, entende-se a importância das políticas de expansão como estratégia de deselitização do perfil do estudante de graduação brasileiro. Contudo, é preciso considerar que esse processo enfrentou e ainda enfrenta desafios e perpassa por críticas ao fato de essa ferramenta de inclusão, em conjunto com outras como o Prouni e o Fies, terem ganhado força conforme a lógica neoliberal e mercadológica.

Nesse sentido, sugere-se a realização de novos estudos sobre o tema para aprofundar as análises sobre o impacto dessas políticas no perfil de estudantes não apenas com base nos ciclos futuros do Enade. Deve-se também adotar uma perspectiva mais qualitativa, a partir da avaliação da qualidade do ensino em meio às contradições inerentes à implantação do Reuni acima relatadas: salas de aula numerosas, o aumento da relação numérica professor-aluno, problemas de infraestrutura e recursos insuficientes para o desenvolvimento e expansão das inúmeras atividades de ensino, pesquisa e extensão, flexibilização dos currículos. Tudo isso impacta e aprofunda o quadro de intensificação e precarização do trabalho docente e, consequentemente, encolhe a qualidade do processo formativo.

Referências

  • 1
    Trata-se de instituições criadas por lei estadual ou municipal, anteriores à promulgação da Constituição Federal de 1988; além disso, não são totalmente mantidas com recursos públicos, portanto, não são gratuitas (art. 242 da Constituição Federal).
  • 2
    Mais recentemente, em 2018, ainda no Governo Michel Temer, os campi de Catalão e Jataí foram transformados em Universidade Federal de Catalão e em Universidade Federal de Jataí, em conjunto com a criação da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape), da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2019
  • Aceito
    03 Ago 2021
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