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Competência em Informação (CoInfo) como fator social de compreensão e inclusão ao mundo do trabalho sob as perspectivas de Guy Le Boterf e Christine Bruce: notas introdutórias, reflexões necessárias

Information literacy as a social factor for understanding and inclusion in the world of work from the perspectives of Guy Le Boterf and Christine Bruce: introductory notes, necessary reflections

RESUMO

Este artigo buscou traçar uma analogia entre o perfil profissional desejável de competências proposto por Le Boterf (2003) e a abordagem da aprendizagem informacional de Christine Bruce (2003, 2008) sob a perspectiva da Competência em Informação como fator social de compreensão e inclusão ao mundo do trabalho. A partir de pesquisa descritivo-exploratória de cunho bibliográfico, abordou-se discussões referentes à formação, à educação, à articulação, à integração e à mobilização de competências profissionais frente às demandas sociais do mundo do trabalho. Tratou-se da Competência em Informação e sua relação com o mundo do trabalho. Tais abordagens, quando postas em uma lógica transversal e de aprendizagem pela experiência, destacam o protagonismo e o empoderamento das ações do indivíduo em uma situação profissional. A transversalidade das competências desenvolvidas no âmbito da formação para o mundo do trabalho com a Competência em Informação articula, integra e mobiliza habilidades, atitudes, valores e conhecimentos novos com os existentes que sustentam a compreensão holística em termos culturais, sociais, políticos, econômicos e temporais da situação e das ações profissionais, a reflexão, a tomada de decisão e a resolução de problemas por parte do indivíduo a partir do aprendizado que ele adquire com suas experiências e com as de sua rede de contato.

Palavras-chave:
Competência em Informação; Competências profissionais; Mundo do trabalho; Inclusão laboral

ABSTRACT

The purpose of this article was to establish an analogy between the desirable professional profile of competences proposed by Le Boterf (2003) and the informed learning approach of Christine Bruce (2003, 2008) from the perspective of information literacy as a social factor of understanding and inclusion in the world of work. Based on a descriptive-exploratory bibliographical research, discussions were addressed regarding training, education, articulation, integration and mobilization of professional skills in view of the social demands of the world of work. It was about information literacy and its relationship with the world of work. Such approaches, when placed in a transversal logic and learning through experience, highlight the protagonism and empowerment of the individual's actions in a professional situation. The transversality of skills developed in the context of training for the world of work with information literacy articulates, integrates and mobilizes new skills, attitudes, values and knowledge with existing ones that support a holistic understanding in cultural, social, political, economic and temporal situations and professional actions, reflection, decision-making and problem solving by the individual based on the learning he acquires from his experiences and from his contact network.

Keywords:
Information literacy; Professional skills; World of work; Employment inclusion

1 Introdução

O cenário demarcado pela relação existente entre as áreas Informação e Conhecimento, Competências, Demandas Sociais e Trabalho, Formação, Educação e Mundo do Trabalho tem despertado reflexões acerca de um perfil profissional desejável consoante às tendências do desenvolvimento sustentável e da inovação científico-tecnológica.

Essa relação ressalta a importância de se compreender as competências profissionais, “[...] especialmente, diante da importância fundamental que significa alcançar o pleno emprego, a erradicação da pobreza, a inclusão social e o crescimento econômico sustentado em uma economia globalizada” (OIT, 2004, p. 1). Mediante esse cenário, as expressões “aprendizagem permanente” e “empregabilidade” exprimem valores e significados com notoriedade na perspectiva de uma formação que integre mundo do trabalho, educação e formação:

[...] a) expressão “aprendizagem permanente” abrange todas as atividades de aprendizagem realizadas ao longo da vida, com a finalidade de se desenvolverem competências e qualificações; [...] d) o termo “empregabilidade” refere-se às competências e qualificações transferíveis que reforçam a capacidade das pessoas para aproveitar as oportunidades de educação e de formação que se lhes apresentem com vistas a encontrar e conservar um trabalho decente, progredir na empresa ou mudar de emprego, e adaptar-se à evolução da tecnologia e das condições do mercado de trabalho (OIT, 2004, p. 2, grifo nosso).

Tais conceitos devem facilitar e otimizar o acesso à educação para o mundo do trabalho com a finalidade de incrementar a empregabilidade e a inclusão social, respeitando e compreendendo as competências dos indivíduos.

O mundo do trabalho se constrói em função das irregularidades do mercado financeiro, das novidades, dos fundamentos e dos diálogos decorrentes da globalização, da Sociedade da Informação, do Conhecimento e da Aprendizagem e da inovação científico-tecnológica. Nesse panorama, a informação e o conhecimento ganham importância primordial na produção e economia, pois as fontes de maior produtividade dependem desses elementos para concretizarem o cumprimento de suas funções (SANTOS, C., 2017SANTOS, Camila Araújo dos. Competência em Informação na formação básica dos estudantes da educação profissional e tecnológica. 2017. 287 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2017. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/santos_ca_do.pdf. Acesso em: 05 set. 2021.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Gr...
).

Atualmente, a produção se transfere de bens materiais para atividades de gestão de informações e geração de conhecimento, o que torna a qualidade da informação e a eficiência na sua apropriação e uso crítico e responsável em fatores estratégicos para o mundo do trabalho em termos de competitividade e produtividade (CARNOY, 2004CARNOY, Martin. A educação na América Latina está preparando sua força de trabalho para as economias do século XXI? Brasília: UNESCO, 2004.). Houve uma transferência da força da máquina para o intelectual humano, condição que transformou radicalmente o modo como o ser humano aprende, faz pesquisa, produz riqueza, trabalha, consome, se diverte, exerce a cidadania, dentre outros (LASTRES; FERRAZ, 1999LASTRES, Helena Maria Martins; FERRAZ, João Carlos. Economia da informação, do conhecimento e do aprendizado. In: LASTRES, Helena; ALBAGLI, Sarita. (org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Camus, 1999. p. 27-57.).

A informação e o conhecimento assumem papel estratégico na nova economia mundial, pois são indicados como bens sociais de fontes de acumulação de riquezas por implicar produtividade e crescimento econômico (Produto Interno Bruto - PIB, proporção e níveis de empregabilidade) (OIT, 2012). Nesse prisma, os sistemas educativos são direcionados a redefinir seus objetivos e funções a fim de que os futuros profissionais tenham os conhecimentos, as habilidades, as atitudes e os valores pautados em uma aprendizagem permanente e crítica que permeie a busca, a organização, a interpretação, a avaliação e o uso da informação para que compreendam fenômenos, empoderem suas atitudes e tomem decisões no contexto do mundo do trabalho.

Como bens sociais - informação e conhecimento - se potencializarão como elementos que sustentam a intervenção na realidade, a transformação social e a inclusão no mundo do trabalho quando inseridos pela concepção da Competência em Informação (CoInfo).

Mediante as discussões expostas, neste artigo buscamos traçar uma analogia entre o perfil profissional desejável de competências proposto por Le Boterf (2003) e a abordagem da aprendizagem informacional de Christine Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
https://revistas.um.es/analesdoc/article...
, 2008). Tais abordagens, quando postas em uma lógica transversal, destacam o protagonismo do indivíduo em uma situação profissional a partir da ótica da Competência em Informação.

A discussão deu-se pela adoção de pesquisa descritivo-exploratória de cunho bibliográfico. A escolha recaiu em pesquisa exploratória por ser a modalidade que “[...] tem como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito” (GIL, 2010GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010., p. 27), considerando como as abordagens em foco emergem na compreensão da Competência em Informação como um processo social e de inclusão para o mundo do trabalho. A pesquisa descritiva, para fins deste artigo, teve por finalidade compreender as relações e interlocuções teórico-conceituais sobre as temáticas em pauta (GIL, 2022).

A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida com o apoio dos princípios de Marconi e Lakatos (2017MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017.), em que utilizamos registros da literatura científica sobre competências profissionais, Competência em Informação e mundo do trabalho. O corpus teórico foi desenvolvido a partir de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, livros e publicações de organizações internacionais/órgãos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

2 Formação, articulação, integração e mobilização de competências profissionais para o mundo do trabalho

O mundo do trabalho consiste no

[...] conjunto de fatores que engloba e coloca em relação a atividade humana de trabalho, o meio ambiente em que se dá a atividade, as prescrições e as normas que regulam tais relações, os produtos delas advindos, os discursos que são intercambiados nesse processo, as técnicas e as tecnologias que facilitam e dão base para que a atividade humana de trabalho se desenvolva, as culturas, as identidades, as subjetividades, e as relações de comunicação constituídas nesse processo dialético e dinâmico de atividade. Ou seja, é um mundo que passa a existir a partir das relações que nascem motivadas pela atividade humana de trabalho, e simultaneamente conformam e regulam tais atividades. É um microcosmo da sociedade, que embora tenha especificidade, é capaz de revelá-la (FEGARO, 2008FEGARO, Roseli. O mundo do trabalho e as organizações: abordagens discursivas de diferentes significados. ORGANICOM, São Paulo, n. 9, p. 90-100, 2008., p. 92).

O conceito de competência originou-se na conjectura das relações de trabalho e entrou para a pauta das discussões acadêmicas e organizacionais em um nível de compreensão que apreendeu diferentes esferas de “[...] nível da pessoa (a competência do indivíduo), das organizações (as core competences) e dos países (sistemas educacionais e formação de competências)” (FLEURY; FLEURY, 2001FLEURY, Maria Tereza Leme; FLEURY, Afonso. Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, edição especial, p. 183-196, 2001., p. 183, grifo dos autores).

Foi a partir do uso da noção de competência para o trabalho que a educação incorporou ao seu processo pedagógico o encontro entre formação crítica e permanente e trabalho. As instituições de ensino começaram a importar esta ideia para suas diretrizes curriculares como um norteador na redefinição dos conteúdos multidisciplinares de modo a atribuir sentido crítico e prático aos saberes acadêmicos.

O currículo orientado por competências pauta sua referência no resultado da aprendizagem e

Enfatiza os resultados complexos de um processo de aprendizagem (isto é, conhecimentos, habilidades e atitudes a serem aplicados pelos alunos) em vez de enfocar principalmente o que se espera que os alunos aprendam, em termos de conteúdo disciplinar definido de forma tradicional. Em princípio, tal currículo é centrado no aluno e adaptável às necessidades mutáveis de estudantes, professores e sociedade. Implica que atividades e ambientes de aprendizagem são escolhidos de maneira que os alunos possam adquirir e aplicar os conhecimentos, as habilidades e as atitudes a situações que encontram na vida cotidiana. Currículos baseados em competências são usualmente concebidos e associados a um conjunto de competências essenciais, que podem ser transcurriculares e/ou restritas a uma disciplina (UNESCO, 2016, p. 31).

O currículo orientado por competências não se restringe somente às exigências do mundo do trabalho, visto que, o que se ‘exige’ hoje pode não ser mais o ideal para o amanhã, para o futuro, pois os fenômenos e relações que regulam a sociedade são dinâmicos e complexos. Na dinamicidade e complexidade, o indivíduo compreende, interage e reage, não se molda (SANTOS, C., 2017SANTOS, Camila Araújo dos. Competência em Informação na formação básica dos estudantes da educação profissional e tecnológica. 2017. 287 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2017. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/santos_ca_do.pdf. Acesso em: 05 set. 2021.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Gr...
).

A educação para o trabalho deve estar em sintonia com a realidade para que os indivíduos participem ativamente do desenvolvimento econômico e da transformação da estrutura social. Por isso, essa educação deve ser projetada como um processo de construção social: ao mesmo tempo que deve oferecer as condições ideais para uma formação norteada por competências e saberes em uma base científica, também deve desenvolver competências de cunho ético, político, social, histórico, cultural e de cidadania. Assim, o indivíduo compreende a importância de seu papel enquanto agente trabalhador e transformador dos processos sociais e laborais inerentes a seu fazer profissional.

Mas, afinal, o que são competências? Perrenoud (1999PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999., p. 7, grifo do autor) as define como a “[...] capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. Para o autor, os seres humanos têm a faculdade aportada em seu patrimônio genético de construir competências, mas que estas só se transformam efetivamente em competências quando as potencialidades do sujeito são estimuladas por meio de aprendizados. Logo, as competências são aquisições, são aprendizados construídos em situação de aprendizagem e não uma virtualidade da espécie (PERRENOUD, 1999PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.). Os conhecimentos oriundos de experiências pessoais e de rede, do senso comum, da cultura compartilhada e da formação escolar constituem a totalidade das ações humanas. Por isso, a competência utiliza, integra e mobiliza tais conhecimentos: ela se consagra quando põe em relação o conhecimento com uma situação (PERRENOUD, 1999).

O que caracteriza uma competência é o fato dela mobilizar diferentes conhecimentos, habilidades, capacidades, atitudes, valores, recursos e conteúdos diversos em um exercício de integração e mobilização balizado pela prática.

A competência é uma mobilização integrada de recursos com “[...] vistas a resolver uma família de situações-problema” (ROEGIERS; DE KETELE, 2004ROEGIERS, Xavier; DE KETELE, Jean-Marie. Uma pedagogia da integração: competências e aquisições de ensino. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004., p. 46). De acordo com os autores, a competência deve ser colocada no ambiente da prática para serem mobilizadas. Para os autores supracitados, uma competência possui 5 (cinco) características, a saber:

  • Mobilização de um conjunto de recursos: mobilização de recursos como os conhecimentos, os saberes de experiência, os esquemas, as capacidades, o savoir-faire (saber fazer) de diferentes tipos, o savoir-être (saber-ser), etc;

  • Caráter finalizado: quando tem uma função social para o indivíduo, ou seja, quando há sentido e possui caráter significativo para ele; utilidade social do ponto de vista do indivíduo que a possui;

  • Ligação com uma família de situações: a competência só é compreendida em referência às situações que é exercida, quando definida em relação a uma família de situações. Na prática, trata-se de buscar algumas situações equivalentes para se trabalhar a competência de forma transversal;

  • Caráter frequentemente disciplinar: a competência é frequentemente definida por uma categoria de situações, correspondendo a problemas específicos ligados a uma disciplina e, a partir daí, diretamente oriundos das exigências desta. Entretanto, não se pode generalizar o caráter disciplinar único de uma competência, pois seria alterar uma realidade, visto que várias competências têm caráter transdisciplinar;

  • Avaliabilidade: a competência pode ser verificada na qualidade da execução de uma tarefa e do resultado (ROEGIERS; DE KETELE, 2004ROEGIERS, Xavier; DE KETELE, Jean-Marie. Uma pedagogia da integração: competências e aquisições de ensino. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.).

Para o Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 1999), a competência consiste na mobilização e articulação e coloca em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho. O conhecimento é considerado como o saber e a habilidade como a capacidade do indivíduo fazer algo. O valor se expressa por meio da atitude, que refere-se ao julgamento da pertinência da ação, com a ética do comportamento, a convivência participativa, com a qualidade do trabalho e outros atributos tais como a iniciativa e a criatividade.

Bunk (1994 apud OIT, 2002, p. 90-91, grifo nosso) define a competência nas perspectivas técnicas, metodológicas, sociais e participativas, quais sejam:

  • Competência técnica. Possui competência técnica aquele que domina, como especialista, as tarefas e conteúdos de seu campo de trabalho, e os conhecimentos e habilidades necessárias para isto.

  • Competência metodológica. Possui competência metodológica aquele que sabe aplicar o procedimento adequado às tarefas encomendadas e às disfunções que se apresentem; que encontra, de maneira independente, formas de solucionar problemas e que transfere adequadamente as experiências adquiridas a outras situações do trabalho.

  • Competência social. Possui competência social aquele que sabe colaborar com outras pessoas de forma comunicativa e construtiva, e mostra um comportamento orientado para o grupo e para o entendimento interpessoal.

  • Competência participativa. Possui competência participativa aquele que sabe participar na organização de seu local de trabalho e também de sua área profissional, sendo capaz de organizar, decidir e aceitar responsabilidades.

Para Le Boterf (2003), uma competência é também a faculdade de combinar recursos pessoais e do meio. Os recursos pessoais são incorporados e são compostos por saberes, saber-fazer, aptidões ou qualidades e por experiências acumuladas. Os recursos do meio transitam pela objetividade e constituem-se por máquinas, instalações, materiais, informações e redes relacionais.

A competência é individual e social ao mesmo tempo. É “[...] até mesmo social antes de ser individual. Seu recorte individual - a competência desejada no indivíduo - depende do sistema de papéis estabelecido entre os atores.” (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 54). O autor defende a concepção de que as competências emergem da ação contextualizada em uma situação profissional. Le Boterf (2003) trata sobre o profissionalismo como uma gestão da mobilidade profissional ressaltando que significa mais do que uma mera qualificação. O profissionalismo é “[...] um produto da história do profissional e de seu percurso biográfico, quer trate-se de sua vida pessoal, social ou profissional.” (LE BOTERF, 2003, p. 16).

Por decorrência das oscilações do mundo do trabalho, o profissional deve “navegar” pela complexidade. A “navegação” é a mobilização de competências e recursos em atos não programados, é o ‘saber viajar’

[...] inventado para que se saia dos itinerários predeterminados se, todavia, cair na errância, que leva a naufrágios e margeia a exclusão. Torna-se urgente saber tomar direções, traçar percursos, fazer desvios, encontrar escalas, precisar a situação, tomar bifurcações. Enfim, é necessária uma navegação profissional em que estejam presentes tanto o prazer de aprender como a tenacidade (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 13, grifo nosso).

Le Boterf (2003) propõe o que denomina de um perfil do profissional, tal como exposto no Quadro 1:

Quadro 1
Perfil do profissional

O Quadro 1 apresenta um perfil desejável de competências, uma vez que elas só existem quando postas em um contexto, em uma prática que retrata uma determinada experiência. O conhecimento sobre o contexto é essencial, pois permite que o profissional compreenda os aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos e saiba agir e reagir, a partir da adoção crítica de informações e conhecimentos no seu ambiente de trabalho (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.).

A noção de competência pressupõe um continnum, uma vez que não é uma ação programada em que um indivíduo sabe agir e reagir em qualquer tipo de situação: a competência surge a partir da mobilização de recursos em situações de experiência profissionais que despertam a necessidade do indivíduo usar com criticidade, responsabilidade e efetividade as informações e os conhecimentos sobre seu campo de trabalho.

3 Competência em Informação (CoInfo): relações com o mundo do trabalho

A Competência em Informação ou Information Literacy - expressão empregada internacionalmente conforme a literatura especializada - foi aludida pela primeira vez nos EUA no ano de 1974 por Paul Zurkowski que descreveu o termo em seu relatório intitulado The information service environment relation ships and priorities, em que indicava as aptidões necessárias visando a utilização de bases de dados eletrônicas que eram comercializadas naquela época (DUDZIAK, 2003DUDZIAK, Elisabeth Adriana. Information literacy: princípios, filosofia e prática. Ciência da Informação, Brasília, v. 32, n. 1, p. 23-35, 2003. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1016/1071. Acesso em: 22 nov. 2021.
http://revista.ibict.br/ciinf/article/vi...
).

Para Dudziak (2003DUDZIAK, Elisabeth Adriana. Information literacy: princípios, filosofia e prática. Ciência da Informação, Brasília, v. 32, n. 1, p. 23-35, 2003. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1016/1071. Acesso em: 22 nov. 2021.
http://revista.ibict.br/ciinf/article/vi...
), a CoInfo está relacionada ao processo de desenvolvimento/aprimoramento/mobilização em que se estruturam e mobilizam conhecimentos, habilidades, capacidades, atitudes e valores ligados à busca, à recuperação, à seleção, à avaliação, à produção, ao compartilhamento, ao uso e à disseminação da informação para a construção de conhecimento. Os princípios que regem a CoInfo são os processos de investigação, o aprender a aprender e o pensamento crítico e que propiciam o aprendizado permanente, o empoderamento, o exercício da cidadania e a autonomia e permeiam a criação, a resolução de problemas e a tomada de decisão.

Uribe Tirado (2008, p. 12, grifo do autor) explana a CoInfo como um conjunto de competências e comportamentos sobre o uso da informação em qualquer contexto e campo da vida:

[...] o processo de ensino-aprendizagem que busca que um indivíduo e seu coletivo, devido ao apoio profissional e de uma instituição educativa ou uma biblioteca, empregando diferentes estratégias de ensino e ambientes de aprendizagem (modalidade presencial, virtual ou mixta - blend learning), alcance as competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) digitais, comunicacionais e informacionais, de forma que lhes permitam, depois de identificar suas necessidades informacionais, utilizando diferentes formatos, meios e recursos físicos, eletrônicos ou digitais, poder localizar, selecionar, recuperar, organizar, avaliar, produzir, compartilhar e divulgar (Comportamento informacional) adequada e eficientemente essa informação, com uma posição crítica e ética, a partir de suas potencialidades (cognitivas, práticas e afetivas) e conhecimentos prévios (outras competências), e alcançar uma interação apropriada com outros indivíduos e grupos (prática cultural/ inclusão social), de acordo com os diferentes papéis e contextos que assume (níveis de ensino, pesquisa, desempenho de trabalho ou profissional) e, finalmente, com todo esse processo, alcançar e compartilhar novos conhecimentos e ter as bases para o aprendizado ao longo (lifelong learning) da vida para benefício pessoal, organizacional, comunitário e social (evitando a brecha digital e informacional) antes às demandas da atual sociedade da informação.

A CoInfo é uma ação crítica que deve fomentar e mobilizar a postura investigativa e reflexiva dos indivíduos. Ela deve suscitar questionamentos sobre como ele age, reage e interage com as informações para qualquer atividade, tal como pontuam Almeida Júnior e Santos (2019, p. 105, grifo dos autores):

  • Reconhecer a necessidade de informação - ação crítica de interferência que desperta reflexões sobre a necessidade informacional do sujeito: o que preciso? Para que preciso? Quais fontes consulto para aumentar meu conhecimento sobre o tema de pesquisa? Para quais fins necessito? Em que vou aplicar?

  • Buscar informação - ação crítica de interferência que proporciona a busca analítica em fontes de informação: onde pesquiso? Como represento em palavras-chave, frases, sinônimos e termos relacionados o que necessito? Qual fonte apresenta conteúdos pertinentes ao tema de pesquisa? Quais estratégias e critérios de busca utilizo considerando a estrutura do sistema de recuperação? Quais profissionais me reporto para buscar, com efetividade, as informações que necessito? De que maneira avalio a quantidade, qualidade e relevância dos resultados obtidos para determinar se preciso utilizar novos métodos de pesquisa?

  • Avaliar a informação - ação crítica de interferência que fomenta a análise das informações recuperadas: o que pesquisei condiz ao que necessito? Como determino se as informações recuperadas de várias fontes são confiáveis, fidedignas, válidas, atualizadas, completas, precisas, não tendenciosas e válidas? Como identifico se as fontes de informação são contraditórias? Quais aspectos lógicos da argumentação da informação recuperada devo analisar e considerar para selecionar o que necessito?

  • Comunicar e usar, legal e eticamente, a informação - ação crítica de interferência que proporciona a internalização e a apropriação da informação para o uso da informação: como estruturo e organizo a informação para uso futuro? Como não cometo plágio?

Dada a síntese exposta, Belluzzo, Kobayashi e Feres (2004BELLUZZO, Regina Célia Baptista; KOBAYASHI, Maria do Carmo Monteiro; FERES, Glória Georges. Information literacy: um indicativo de competência para a formação permanente de professores na sociedade do conhecimento. ETD: Educação Temática Digital, Campinas, v. 6, n. 1, p. 81-99, dez. 2004., p. 87) elucidam ainda que a CoInfo está inegavelmente “[...] ligada ao aprendizado e à capacidade de criar significado a partir da informação, sendo uma condição indispensável que as pessoas saibam “aprender a aprender” e realizem o “aprendizado ao longo da vida”.

Lau (2007LAU, Jesús. Diretrizes sobre desenvolvimento de habilidades de informação para a aprendizagem permanente. The Haague: IFLA, 2007. 56p. Disponível em: https://www.ifla.org/wp-content/uploads/2019/05/assets/information-literacy/publications/ifla-guidelines-pt.pdf. Acesso em: 23 set. 2021.
https://www.ifla.org/wp-content/uploads/...
, p. 8) também reforça que “[...] para uma pessoa ser competente em informação, deve saber como se beneficiar do mundo de conhecimentos e incorporar a experiência de outros em seu próprio acervo de conhecimentos”.

Essas concepções tonificam a CoInfo e refletem nitidamente seu intuito de promover o desenvolvimento/aprimoramento/mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores nos indivíduos, no que tange à resolução de problemas de informação em qualquer contexto ao longo de sua vida, seja eles de cunho social, acadêmico ou profissional (SANTOS, V., 2014SANTOS, Vanessa Cristina Bissoli dos. Competência em informação na construção da inteligência competitiva nas organizações: o caso da empresa Mizumo (Pompéia/SP). 2014. 177 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2014. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/santos_vcbd_me_mar.pdf. Acesso em: 09 out. 2021.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Gr...
).

Destarte, o mundo do trabalho demanda que os indivíduos internalizem competências para que se tornem diferenciados no contexto em que a informação e o conhecimento são considerados ativos intangíveis valiosos e importantes. A CoInfo, enquanto processo, desempenha e fomenta as competências necessárias para que os profissionais estejam preparados para atuar, de maneira eficiente e eficaz, com a informação.

Os autores Catts e Lau (2008CATTS, Ralph; LAU, Jesús. Towards information literacy indicators. UNESCO: Paris, 2008., p. 12-13, grifo do autor), conscientes do papel da CoInfo, delineiam indicadores dessa competência voltados para o ambiente de trabalho, quais sejam:

  • Necessidade de informação: consciência de que a solução de problemas no local de trabalho requer informação. A consciência da necessidade não é uma capacidade estática, mas sim algo que precisa ser questionado e testado pela busca de informações adicionais ou pela confirmação da exatidão da informação fornecida;

  • Localizar e avaliar a qualidade da informação: é necessário adquirir habilidades não só para localizar, mas para avaliar fontes confiáveis. No local de trabalho, a informação pode ser localizada em manuais, em publicações de códigos de prática ou em banco de dados;

  • Armazenar e recuperar informações: a capacidade para armazenar e recuperar informações para uso futuro. No local de trabalho, as organizações mantêm contabilidades, estoques, pedidos e perfis de clientes;

  • Fazer uso inteligente e ético da informação: a eficácia do uso da informação pode ser incluída em pesquisas de solução de problemas;

  • Usar a informação para criar e compartilhar conhecimentos: possibilitar que pessoas criem e usem novos conhecimentos para a resolução de problemas.

Direcionada à concepção de aprender a usar a informação em um contexto que retrate a prática, Bruce (2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning. Chicago: ALA/ACRL, 2008. Disponível em: https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C3%ADn-aab/bolet%C3%ADn-105/. Acesso em: 05 out. 2021.
https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C...
) apresenta a abordagem da aprendizagem informacional:

  • [...] utilizar a informação para aprender.

  • Baseia-se nas diferentes maneiras de usar a informação na vida acadêmica, profissional e comunitária.

  • Baseia-se na compreensão de nossas variadas experiências com o uso da informação para aprender.

  • Está em conformidade com as práticas de informação acadêmicas e profissionais (as atividades regulares em que utilizamos as informações).

  • Conforma-se com a maneira de compreender a forma em que se experimenta tais práticas.

  • Trata sobre a forma com que interagimos com a informação enquanto aprendemos.

  • Trata sobre nossa forma de usar a informação para aprender.

  • Trata sobre as práticas de informação e de construção de conhecimento que resultam relevantes para um currículo centrado em disciplinas.

  • Trata do uso criativo, reflexivo e ético da informação para aprender (BRUCE, 2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning. Chicago: ALA/ACRL, 2008. Disponível em: https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C3%ADn-aab/bolet%C3%ADn-105/. Acesso em: 05 out. 2021.
    https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C...
    , p. 94, tradução nossa, grifo nosso).

O uso da informação, em uma situação que retrate uma prática profissional, compreende ações cognitivas (estratégicas) de decodificação, interpretação, controle e organização do conhecimento. Tais ações permeiam atividades de leitura, estabelecimento de analogias entre conhecimento prévio e informações, indagações e avaliações em uma situação (BRUCE, 2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning. Chicago: ALA/ACRL, 2008. Disponível em: https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C3%ADn-aab/bolet%C3%ADn-105/. Acesso em: 05 out. 2021.
https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C...
). A autora destaca que quando um indivíduo assume uma postura pautada na aprendizagem informacional, ele compreende os conteúdos e os aplica de forma prática por meio da interação, articulação e assimilação do uso da informação no contexto da experiência.

A experiência, na aprendizagem informacional, baseia-se nas percepções, nas evidências, nas indagações e nos problemas, pois é reflexo das experiências da vida real (BRUCE, 2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning. Chicago: ALA/ACRL, 2008. Disponível em: https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C3%ADn-aab/bolet%C3%ADn-105/. Acesso em: 05 out. 2021.
https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C...
). Na aprendizagem informacional, a experiência é todo o contexto em que a pessoa está inserida: caracteriza-se pelas situações práticas não previstas e/ou novas que requerem apreensão, articulação e reflexão da informação para atribuição de significado aos fatos e problemas, compreensão de conteúdos e construção de conhecimento para a intervenção na realidade.

A experiência também traz em seu cerne conhecimentos prévios que foram construídos por outras experiências. Assim, o conhecimento prévio e o novo conhecimento são estruturados e associados de maneira que o indivíduo possa entender seu entorno informacional (BRUCE, 2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning. Chicago: ALA/ACRL, 2008. Disponível em: https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C3%ADn-aab/bolet%C3%ADn-105/. Acesso em: 05 out. 2021.
https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C...
).

A aprendizagem informacional pode ser apreendida sob a égide de suas 7 (sete) faces, que representam as diversas maneiras com que vivenciamos o uso da informação quando decidimos aprender algo para nossa vida acadêmica, profissional e pessoal (BRUCE, 2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
https://revistas.um.es/analesdoc/article...
, 2008), quais sejam:

  1. Experiência da tecnologia da informação: medeiam os processos informacionais e comunicativos de uma rede global de pessoas, propiciam o acesso à informação e mobilizam as pessoas para um bem comum;

  2. Experiência das fontes de informação: as fontes são selecionadas e exploradas em relação às necessidades, interesses e conhecimentos que um indivíduo tem acerca delas e do que elas podem proporcionar em termos de retorno de informações sobre os objetivos profissionais ou acadêmicos;

  3. Experiência do processo de informação: centra-se nos processos que elegemos para vivenciar/utilizar a informação na solução de problemas e tomada de decisões. Consistem em estratégias que um indivíduo utiliza para enfrentar uma nova situação em que experimenta a falta de conhecimento ou de informação. São os atos criativos que demandam identificação e adoção de uma postura investigativa para obter êxito no processo de pesquisa de informações para a construção de conhecimento;

  4. Experiência do controle da informação: quando um indivíduo delega objetivos e decisões sobre o uso que fará da informação recuperada para uso futuro;

  5. Experiência da construção do conhecimento: fundamenta-se no pensamento crítico e nos questionamentos que um indivíduo faz sobre seu entorno informacional, condição que lhe fornece elementos para o desenvolvimento do seu próprio conhecer;

  6. Experiência da extensão do conhecimento: quando novos conhecimentos e novas abordagens e tarefas baseadas em soluções inovadoras, resultantes de conhecimentos somados à experiência e insights/intuições criativos, suscitam na obtenção de novos pontos de vista de uma área de interesse;

  7. Experiência da sabedoria: refere-se ao uso sábio da informação na adoção de valores em benefício dos demais. A informação é colocada em um contexto mais amplo para ser compreendida a partir da articulação e integração entre esferas históricas, temporais, culturais, sociais, políticas e econômicas.

As faces da aprendizagem informacional buscam despertar o porquê se faz e o que se faz por meio do uso da informação a partir da mobilização integrada e holística de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, permitindo ao sujeito vivenciá-las, de maneira concomitante em uma mesma situação, com o intuito de ampliar olhares críticos e esclarecedores sobre um mesmo fenômeno.

A CoInfo, na praxe da aprendizagem informacional, torna-se uma ação estratégica baseada na compreensão e na produção do conhecimento que se adquire por meio

[...] de um processo de atribuição de significados, somados ao uso crítico, reflexivo e ético da informação e do seu relacionamento de conteúdos com a realidade e a experiência, viabilizando uma interpretação, aceitação ou contestação da informação, promovida pela alteração de perspectivas. (SANTOS, C., 2017SANTOS, Camila Araújo dos. Competência em Informação na formação básica dos estudantes da educação profissional e tecnológica. 2017. 287 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2017. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/santos_ca_do.pdf. Acesso em: 05 set. 2021.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Gr...
, p. 126).

4 A Competência em Informação como fator social de compreensão e inclusão ao mundo do trabalho sob as perspectivas de Guy Le Boterf e Christine Bruce: relações análogas

As concepções sobre competências de Le Boterf (2003) e aprendizagem informacional de Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
https://revistas.um.es/analesdoc/article...
, 2008) possuem interlocuções que nos fazem compreender a Competência em Informação como um fator social de inclusão no mundo do trabalho.

Partimos do pressuposto de que qualquer atividade profissional é balizada por informações e conhecimentos oriundos da formação, atualização e experiências do indivíduo, assim como dos contextos sociais, culturais, históricos, políticos e econômicos vivenciados. É nessa perspectiva que a Competência em Informação atribui significado e valor ao contexto profissional. O indivíduo mobiliza suas competências e recursos em função dos contextos, do que ele experiencia em uma situação profissional. Para tanto, ele necessita de informações e conhecimentos para compreender seu entorno e ter condições efetivas de agir e reagir.

Le Boterf (2003, p. 17) afirma que a competência “[...] é sempre competência - de um ator - em situação. Ela “emerge” mais do que precede. A [...] a competência não se exprime pela ação, mas se realiza na ação (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 49, grifo do autor)”. Essa prerrogativa possui analogia com a concepção da aprendizagem informacional de Bruce (2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning. Chicago: ALA/ACRL, 2008. Disponível em: https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C3%ADn-aab/bolet%C3%ADn-105/. Acesso em: 05 out. 2021.
https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C...
). A aprendizagem informacional se dá em função do ponto de vista da experiência (situacional) em que o indivíduo experimenta “[...] diferentes formas de utilizar a informação para aprender” (BRUCE, 2008BRUCE, Christine Susan. Informed learning. Chicago: ALA/ACRL, 2008. Disponível em: https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C3%ADn-aab/bolet%C3%ADn-105/. Acesso em: 05 out. 2021.
https://www.aab.es/publicaciones/bolet%C...
, p. 97, tradução nossa, grifo nosso). Na aprendizagem informacional, a informação e a experiência de aprendizagens “navegam” em um movimento simultâneo, condição em que se manifesta as competências.

A competência não pode “[...] limitar-se ao estabelecimento de uma lista de conhecimentos ou de habilidades nem mesmo à constatação de sua aplicação. A competência pode ser comparada a um ato de enunciação que não pode ser compreendido sem referência ao sujeito que o emite ou ao contexto no qual ele se situa.” (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 49, grifo do autor). Sobre essa prerrogativa, é elementar destacar que a competência é um potencial plural, pois

[...] requer a ativação de conexões, reflexões, avaliações, interpolações, de saberes múltiplos, de agir e intervir de maneira prática, a partir de aprendizados, para a compreensão e intervenção crítica de uma situação. Cada ser humano possui potencialidades peculiares, o que significa que elas não são determinantes para julgar se um indivíduo é ou não competente (SANTOS, C., 2017SANTOS, Camila Araújo dos. Competência em Informação na formação básica dos estudantes da educação profissional e tecnológica. 2017. 287 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2017. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/santos_ca_do.pdf. Acesso em: 05 set. 2021.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Gr...
, p. 77, grifo nosso).

A competência surge da ação contextualizada. O desenvolvimento/aprimoramento da Competência em Informação passa a ter sentido e significado para o indivíduo quando colocado em uma situação em que retrata sua realidade, sua situação profissional. Todo o planejamento para o desenvolvimento/aprimoramento da Competência em Informação - conteúdos, atividades e estratégias - devem simbolizar as práticas e situações que o indivíduo está envolvido diariamente em sua prática profissional.

É pertinente destacar o que Le Boterf define sobre competência profissional: “[...] não reside nos recursos (conhecimentos, capacidades, etc.) a mobilizar, mas na própria mobilização desses recursos. Ela é da ordem do “saber mobilizar”. Para que haja competência, é preciso que haja colocação em jogo de um repertório de recursos (conhecimentos, capacidades cognitivas, capacidades relacionais, etc.) (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 50, grifo do autor).

Le Boterf (2003), ao longo de sua obra, discute um perfil profissional desejável. Nele, o autor descreve as competências fundamentais para a consecução das situações profissionais: saber agir e reagir, saber combinar recursos e mobilizá-los em um contexto, saber transpor, saber aprender e aprender a aprender e saber envolver-se.

O saber agir e reagir não se reduz ao savoir-faire ou ao saber operar: o profissional vai além do prescrito. A competência emerge da ação, por isso, o profissional tem condições de encarar o acontecimento, o imprevisto (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.). O saber agir corresponde ao “[...] “saber o que fazer”. Em situações inauditas, no decorrer de atividades de concepção nas quais o resultado esperado não é conhecido de antemão e o caminho a seguir não é predefinido, o profissional sabe reconhecer o que é preciso fazer, para onde deve dirigir sua ação” (LE BOTERF, 2003, p. 40, grifo do autor). Saber agir é da ordem do saber interpretar, de compreender.

A competência saber agir e reagir de Le Boterf (2003) coaduna com as experiências das fontes de informação, do processo de informação, do controle da informação e da construção de conhecimento propostas por Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
https://revistas.um.es/analesdoc/article...
, 2008). Ao deparar-se com o inesperado, o indivíduo seleciona fontes de informação condizentes ao seu objetivo para aprofundar seu conhecimento sobre o assunto (experiência das fontes de informação). Ele formula questões apropriadas baseadas nas informações necessárias para preencher as lacunas de conhecimento que cerceiam a situação profissional, assim como modifica a informação necessária para concluir o foco sob controle (BELLUZZO, 2007BELLUZZO, Regina Célia Baptista. Construção de mapas: desenvolvendo competências em informação e comunicação. 2 ed. Bauru: Cá Entre Nós, 2007. Disponível em: https://labirintodosaber.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Livro-Constru%C3%A7%C3%A3o-de-Mapas-Regina-Belluzzo-2007.pdf. Acesso em: 22 nov. 2021.
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).

O indivíduo utiliza estratégias de avaliação e reflexão para colocar em pauta se as informações que têm são suficientes para afirmar se seus conhecimentos são suficientes ou não para compreender a situação, determinando se é necessário obter mais informação (experiência do processo de informação). As decisões que ele toma sobre a finalidade das informações recuperadas servirão para a situação que necessita compreender, como para seu uso futuro (experiência do controle da informação).

O profissional compreende que o conhecimento está em constante construção, condição que permite reconhecer, de maneira holística e crítica, o seu entorno (experiência da construção do conhecimento). Mesmo que reconheça que o seu conhecimento não é suficiente para compreender e resolver uma situação profissional, ele reage e mobiliza as informações adquiridas, suas competências e recursos de acordo com os aprendizados que teve com outras experiências, assim como sua relação com outros profissionais. Ocorre um “debate” sobre os conhecimentos e atitudes que o profissional deve colocar em prática para compreender e atuar na situação profissional.

A combinação e mobilização em um contexto, de acordo com Le Boterf (2003), relaciona-se aos elementos do repertório de recursos que o indivíduo deve organizar e empregar para compreender e realizar uma atividade profissional. Perante uma situação que necessita ser solucionada ou um projeto a ser concretizado, o indivíduo constrói uma “[...] arquitetura cognitiva particular da competência, uma combinatória pertinente de múltiplos ingredientes que terão sido selecionados conscientemente. Ele não se limita a uma simples adição de saberes parciais. A competência “em migalhas” não é mais competência” (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 55).

Le Boterf (2003, p. 54) também destaca que, na mobilização em um contexto, a competência do profissional é resultado da “[...] combinação nova obtida por confronto com outros saber-fazer individuais compartilhados”, ou seja, os saberes não se configuram em competências se não forem comunicados e permutados.

O saber combinar recursos e mobilizá-los em um contexto preconizado por Le Boterf (2003) harmoniza, fundamentalmente, as faces de experiências da tecnologia, das fontes de informação, da extensão do conhecimento e da sabedoria de Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
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, 2008).

A mobilização de recursos é a combinação integrada e comunicada de conhecimentos, capacidades, habilidades, atitudes e valores. Forma-se uma rede integrada em que os indivíduos compartilham suas expertises e experiências em prol e alcance de um objetivo e compreensão de atividades profissionais. O compartilhamento de informações e conhecimentos pode ser feito pessoalmente ou por meio das tecnologias de comunicação (experiência da tecnologia) em que o indivíduo e sua rede podem realizar pesquisas a fim de obter informações gerais ou específicas para aumentar seus conhecimentos e criar novos (BELLUZZO, 2007BELLUZZO, Regina Célia Baptista. Construção de mapas: desenvolvendo competências em informação e comunicação. 2 ed. Bauru: Cá Entre Nós, 2007. Disponível em: https://labirintodosaber.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Livro-Constru%C3%A7%C3%A3o-de-Mapas-Regina-Belluzzo-2007.pdf. Acesso em: 22 nov. 2021.
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) para compreender, resolver, inovar, empreender, etc.

O indivíduo e sua rede compreendem a necessidade e a validade de buscar conhecimentos com outros profissionais (experiência das fontes de informação) para embasarem suas compreensões, interpretações e decisões. O profissional e sua rede externalizam as informações referentes a seus insights/intuição e criatividade (experiência da extensão do conhecimento) para reconhecerem novas abordagens, percepções, pontos de vista e ações sobre o contexto.

As competências somadas aos valores e à ética para o uso e a comunicação de informações (experiência da sabedoria), quando colocados em experienciação coletiva, concebem um ambiente em que o conhecimento é articulado com esferas históricas, temporais e culturais, passando a ser significativo para todos.

O profissional que sabe transpor é aquele que não limita-se à execução idêntica de tarefas únicas e repetitivas, pois reconhece que cada ação de uma experiência o fará aprender, reagir e se adaptar (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.).

A competência profissional relacionada ao saber transpor é compreendida sob a égide da transferibilidade, que permite ao profissional

[...] reconhecer isomorfismos nas estruturas dos problemas a tratar ou das situações sobre as quais deve intervir. A transferibilidade supõe que a nova situação seja primeiramente percebida em seu conjunto como passível de ser objeto de transferibilidade. É essa percepção que permitirá a determinação das semelhanças e das proximidades entre os estímulos (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 72, grifo do autor).

O saber transpor é da ordem da análise, do autoconhecimento, da percepção global e do aprendizado oriundo de uma ação profissional, atributos que relacionam-se às experiências do processo de informação e da construção de conhecimento de Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
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, 2008).

O indivíduo utiliza estratégias para enfrentar e compreender uma nova situação quando experimenta a falta de informação e de conhecimento (experiência do processo de informação). O profissional reconhece a necessidade de explorar fontes para obter as informações, avalia com criticidade as informações mais condizentes ao seu objetivo (BELLUZZO, 2007BELLUZZO, Regina Célia Baptista. Construção de mapas: desenvolvendo competências em informação e comunicação. 2 ed. Bauru: Cá Entre Nós, 2007. Disponível em: https://labirintodosaber.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Livro-Constru%C3%A7%C3%A3o-de-Mapas-Regina-Belluzzo-2007.pdf. Acesso em: 22 nov. 2021.
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), analisa se a lógica da informação obtida relaciona-se com seus questionamentos, determina se a informação obtida é adequada e suficiente ou se precisa de mais informações para fazer conexões e construir sua lógica e seleciona a informação que traz indícios (evidências) sobre o problema a ser resolvido ou situação a ser melhor compreendida.

O profissional reconhece que há lacunas em seu conhecimento e lança um olhar sobre si enquanto aprende (experiência da construção de conhecimento). A partir de sua proatividade e criticidade ele tem capacidade de contornar essa situação fazendo questionamentos, reexaminando e correlacionando informações novas e conhecimentos existentes do seu repertório fruto de experiências pessoais, trocas de experiências e conhecimentos técnicos e científicos.

No saber aprender e aprender a aprender, o “[...] o profissional sabe tirar as lições da experiência. Ele sabe transformar sua ação em experiência e não se contenta em fazer e agir. Faz de sua prática profissional uma oportunidade de criação de saber” (LE BOTERF, 2003LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 77). Trata-se da reflexão sobre sua ação, consiste em “um trabalho reflexivo e retroativo”: o profissional não aprende apenas em circuito simples, mas em circuito duplo, uma vez que ele tem a criticidade de corrigir suas ações e também as premissas que fundamentam suas estratégias de ação (LE BOTERF, 2003).

A competência do saber aprender e aprender a aprender de Le Boterf (2003) possuem similaridades com as faces das experiências do processo de informação, da construção de conhecimento e da extensão de conhecimento de Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
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, 2008). As reflexões, estratégias, ações e decisões, pautadas por informações e conhecimentos, torna o indivíduo consciente sobre o “caminho que deve trilhar” (experiência do processo de informação) para compreender e aprender com uma situação. Essas ações demandam que o profissional reconheça sua necessidade de informação, busque e recupere informações em variadas fontes, avalie criticamente as informações pertinentes ao seu objetivo, comunique e use de maneira crítica e ética as informações para a construção e compreensão de suas percepções sobre seu entorno.

Os questionamentos que o indivíduo faz em torno de uma situação profissional favorece o desenvolvimento e o estímulo de sua compreensão sobre suas ações e intervenções (experiência da construção do conhecimento). A construção do conhecimento consiste em um

[...] processo que envolve fazer perguntas apropriadas, reunir e classificar informações relevantes de forma criativa, correlacionando informações novas a conhecimentos existentes, reexaminando crenças e pressupostos, raciocinando de forma lógica e chegando a conclusões confiáveis e fidedignas. O pensamento crítico exige esforços persistentes para aplicar construtos teóricos a fim de compreender o problema, considerar evidências e também avaliar métodos ou técnicas para chegar a um julgamento (SEEL, 2012 apud UNESCO, 2016, p. 71).

Os atos de questionar e de fazer analogias requerem um posicionamento proativo do indivíduo de maneira que ele possa encontrar as informações necessárias que fundamentem a construção de seus pressupostos e conclusões. A intuição e a criatividade, nessa esfera, são estratégias chaves para o indivíduo interpretar e compreender as informações que circundam uma situação profissional (experiência da extensão do conhecimento). Consciente da necessidade de compreender como emerge o entorno informacional que sustenta a situação profissional, o indivíduo reconhece “[...] quais informações necessita para internalizar ao seu repertório de conhecimento a fim de compreender seu entorno e intervir nele. É a soma da adoção de novos conhecimentos ao conhecimento prévio para a obtenção de novos pontos de vista” (SANTOS, C., 2017SANTOS, Camila Araújo dos. Competência em Informação na formação básica dos estudantes da educação profissional e tecnológica. 2017. 287 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2017. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/santos_ca_do.pdf. Acesso em: 05 set. 2021.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Gr...
, p. 134). O indivíduo empodera suas ações para agir e reagir com criticidade, colaboração e clareza nas situações profissionais.

Na competência do saber envolver-se há “[...] envolvimento tanto da subjetividade quanto de objetividade. O profissional “habita” sua área de competência e a incorpora. O envolvimento do profissional depende de sua “implicação” afetiva” na situação” (LE BOFERT, 2003, p. 80). O indivíduo avalia a situação de acordo com a “coragem” que tem para confrontá-la e dos recursos pessoais para investir nela.

O envolvimento do profissional preconizado por Le Boterf (2003) alinha-se às experiências da construção de conhecimento e da sabedoria de Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
https://revistas.um.es/analesdoc/article...
, 2008). O conhecimento oriundo de uma experiência profissional é visto como um objeto em construção resultante de uma leitura analítica e crítica dos recursos relevantes pelo profissional (experiência da construção de conhecimento). Baseia-se nas perspectivas pessoais do indivíduo, uma vez que ele analisa, criticamente, como utiliza a informação para compreender a situação em uma dimensão que engloba aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos de seu ambiente de trabalho e de uma situação profissional para agir e reagir. O profissional faz uma autorreflexão de suas ações, embasadas por informações e conhecimentos, das variáveis da situação e de como ele traçará, mobilizará e integrará as estratégias para atingir seus objetivos.

Ao se envolver em uma situação profissional, o indivíduo tem consciência de que seus valores e atitudes (experiência da sabedoria) são compreendidos em um contexto em que a informação é apreendida em uma perspectiva global que permeia a articulação de esferas históricas, temporais e culturais, tornando-o capaz de tomar iniciativas e de fazer propostas.

4.1 Transversalidade entre Competência em Informação e competências profissionais para o mundo do trabalho

A partir da exposição das competências de um perfil profissional desejável de Le Boterf (2003) e os princípios da aprendizagem informacional de Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
https://revistas.um.es/analesdoc/article...
, 2008) como elementos sociais para a compreensão e inclusão do e no mundo do trabalho, reconhecemos a relevância de traçar uma transversalidade entre essas abordagens com os princípios da CoInfo.

O propósito dessa transversalidade não é o de servir como um “manual de prescrição” para a constituição e adoção de um perfil profissional “estanque” de CoInfo. O intuito é que essa transversalidade possa aferir clareza sobre suas relações, bem como despertar um olhar crítico e abrangente sobre o desenvolvimento/aprimoramento/mobilização de um perfil ideal e flexível de CoInfo para os indivíduos serem incluídos com dignidade no mundo do trabalho. A transversalidade proposta é projetiva e deve ser posta em experimentação, devendo ser continuamente revista, tal como se ilustra no Quadro 2:

Quadro 2
Transversalidade entre a CoInfo e as competências para o mundo do trabalho

As competências expostas no Quadro 2 devem ser desenvolvidas/aprimoradas/mobilizadas conjunta e integradamente. É possível observar que a CoInfo, em transversalidade com as competências para o mundo do trabalho, faz com que o indivíduo:

  • Determine a maneira como age com a informação: se aceita, rejeita ou modifica;

  • Construa significados a partir do uso crítico, inteligente, responsável e ético da informação;

  • Mobilize e reflita sobre as práticas que permeiam a complexidade da abrangência do conhecimento disponível nos variados formatos e fontes de informação;

  • Exponha estratégias de ação e motivação para lidar com as informações conflitantes;

  • Reflita sobre os métodos de pesquisa empregados para avaliar suas percepções, ações e decisões em uma situação profissional;

  • Interprete novas informações com base em contextos culturais, sociais, políticos e econômicos (SANTOS; BELLUZZO, 2015SANTOS, Camila Araújo dos; BELLUZZO, Regina Célia Baptista. A competência em informação (CoInfo) como pré-requisito diferencial e inovador no apoio à educação profissional. In: SIMEÃO, Elmira Luzia Melo Soares; BELLUZZO, Regina Célia Baptista (org.). Competência em Informação: teoria e práxis. Brasília: UNB, 2015. p. 89-102.).

A transversalidade das competências desenvolvidas no âmbito da formação para o mundo do trabalho em confluência com a Competência em Informação articula, integra e mobiliza habilidades, atitudes, valores e conhecimentos novos com os existentes que sustentam a compreensão holística em termos culturais, sociais, políticos, econômicos e temporais da situação e das ações profissionais, a reflexão, a tomada de decisão e a resolução de problemas por parte do indivíduo a partir do aprendizado que ele adquire com suas experiências e com as de sua rede de contato.

A CoInfo faz com que o indivíduo desenvolva uma postura proativa e ágil diante do inesperado. Torna-o criativo e inovador a partir da internalização crítica, reflexiva e ética de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores informacionais que o conduz à “navegação” autorreflexiva perante as demandas do mundo do trabalho e da dinâmica social.

5 Apreciações finais

A educação para o mundo do trabalho deve conduzir o indivíduo para uma cultura que o faça compreender e vislumbrar a informação e o conhecimento como elementos que propulsionam mudanças e fundamentam a construção e geração de conhecimento relevante para compreensão de uma situação profissional, tomada de decisão e geração de vantagem competitiva, visto que, as situações profissionais, baseadas por conhecimentos teóricos, práticos e oriundos da experiência, requerem conhecimentos, habilidades, atitudes e valores associados ao raciocínio lógico, à solução de problemas, à interpretação de dados e à sondagem de informações coerentes para a compreensão do contexto e intervenção reflexiva, crítica e prática da realidade.

A CoInfo, no âmbito do mundo do trabalho, deve ser compreendida sob a perspectiva do autoconhecimento, pois ela faz com que o indivíduo reconheça que a informação está presente em todas as atividades humanas e é por meio dela que ele tem condições críticas de interferir, agir e reagir em sua realidade e utilizar o conhecimento em prol do coletivo. A CoInfo proporciona uma autorreflexão sobre nosso saber e o nosso agir e reagir diante de situações novas; fomenta o pensamento crítico a fim de que tenhamos condições de saber usar a informação para embasar nossos argumentos, tomar decisões, exercer a cidadania e empoderar nossas atitudes.

A analogia feita entre as competências profissionais de Le Boterf (2003) e a abordagem da aprendizagem informacional de Bruce (2003BRUCE, Christine Susan. Las siete caras de la alfabetización en información en la enseñanza superior. Anales de Documentación, Murcia, Espanha, n. 6, p. 289-294, 2003. Disponível em: https://revistas.um.es/analesdoc/article/view/3761. Acesso em: 02 out. 2021.
https://revistas.um.es/analesdoc/article...
, 2008) e a transversalidade proposta vislumbram um olhar aquém da mobilização das competências profissionais e dos recursos do indivíduo: atenta a organização de que a competitividade e a perenidade são alcançadas quando compreendidas pela visão global crítica do contexto social, cultural, temporal, político e econômico e das situações profissionais e suas respectivas variáveis que interferem em seu modus operandi.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2022
  • Aceito
    20 Maio 2022
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