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TOPICALIDADE EM PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO ENSINO SUPERIOR

Topicality in Written Productions of Students in the Higher Education

Topicalidad en producciones escritas de estudiantes de educación superior

Resumo

Este artigo, ancorado teoricamente na Gramática Textual-Interativa, tem por objetivo discutir a regularidade de uma unidade da língua no âmbito da organização textual, além de colaborar na reflexão acerca de novas possibilidades no que tange ao ensino e à aprendizagem da escrita. Para tal, analisa a Topicalidade em seus dois níveis de funcionamento - a organização intertópica e a organização intratópica -, procurando verificar se tal processo é sistemático ou se é variável. A metodologia adotada presume o tópico discursivo como categoria de análise e investiga 47 produções escritas de estudantes do ensino superior. Essa investigação possibilita entender como se organizam os elementos de natureza essencialmente textual e sustentar que o texto se configura como uma unidade bastante sistemática, visto que apresenta uma organização própria, fundada em princípios constituintes particulares.

Palavras-chave:
Gramática Textual-Interativa; Topicalidade; Organização intertópica; Organização intratópica; Artigo de opinião

Abstract

This article, theoretically anchored in Textual-Interactive Grammar, aims to discuss the regularity of a language unit within the scope of textual organization, in addition to collaborating in reflection on new possibilities regarding the teaching and learning of writing. To this end, it analyzes Topicality at its two levels of functioning - the intertopic organization and the intratopic organization, seeking to verify whether this process is systematic or whether it is variable. The adopted methodology assumes the discursive topic as an analysis category and investigates 47 written productions by higher education students. This investigation makes it possible to understand how elements of an essentially textual nature are organized and to maintain that the text is configured as a very systematic unit, as it presents its own organization, based on particular constituent principles.

Keywords:
Textual-Interactive Grammar; Topicality; Intertopic Organization; Intratopic Organization; Opinion Article

Resumen

Este artículo, fundamentado teóricamente en la Gramática Textual-Interactiva, tiene como objetivo discutir la regularidad de una unidad del lenguaje en el ámbito de la organización textual, así como contribuir a la reflexión sobre nuevas posibilidades en relación con la enseñanza y aprendizaje de la escritura. Para ello, analiza la Topicalidad en sus dos niveles de funcionamiento, la organización intertópica y la organización intratópica, con el propósito de verificar si dicho proceso es sistemático o variable. La metodología adoptada presume el tópico discursivo como categoría de análisis e investiga 47 producciones escritas de estudiantes de educación superior. Esta investigación permite comprender cómo se organizan los elementos de naturaleza esencialmente textual y sostener que el texto se configura como una unidad bastante sistemática, ya que presenta una organización propia basada en principios constituyentes particulares.

Palabras clave:
Gramática Textual-Interactiva; Topicalidad; Organización intertópica; Organización intratópica; Artículo de opinión

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo, ancorado na Linguística Textual e, em particular, no âmbito do quadro teórico-metodológico da Gramática Textual-Interativa de Jubran (2007JUBRAN, C. C. A. S. Uma gramática textual de orientação interacional. In: CASTILHO, A. T. et al. (Org.). Descrição, história e aquisição do português brasileiro. Campinas: Pontes, 2007. p. 312-327., 2015), busca verificar a regularidade de uma unidade linguística situada no domínio da organização textual da língua e efetivada em propriedades específicas de organização, aqui definida como Topicalidade, também conhecida como Organização Tópica.

A adoção da Topicalidade como unidade de análise textual funda-se em estudos desenvolvidos por pesquisadores no âmbito da Gramática Textual-Interativa (GTI) sobre diversos fenômenos textuais, os quais vêm corroborando o pressuposto de que a análise do texto sob essa perspectiva possibilita compreender como se organizam os elementos de natureza essencialmente textual.

Nesse sentido, neste artigo apresentamos uma análise dos dois níveis de funcionamento da Topicalidade - a organização intertópica e a organização intratópica - em textos do gênero artigo de opinião produzidos por estudantes de uma universidade pública, com o objetivo de verificar se, nesses textos, essa organização seria um processo sistemático, passível de ser descrito em termos de regra geral, ou se se configuraria como um processo basicamente variável, que não apresentaria uma regra geral de organização.

Para além desse objetivo, buscamos apontar novas possibilidades no que concerne ao ensino e aprendizagem da escrita, em especial em relação ao desenvolvimento da proficiência escritora, de modo que possam auxiliar os docentes a atuarem como interlocutores colaborativos, intermediando os processos de construção de texto, com a finalidade de garantir que os alunos se tornem mais seguros e bem-sucedidos na construção da defesa de seu ponto de vista.

Em relação ao processo de ensino e aprendizagem da escrita, cabe aqui reconhecer o avanço que a adoção dos documentos norteadores do ensino proporcionou aos docentes, no sentido de subsidiar o trabalho com o texto em sala de aula, abordado não apenas como pretexto para trabalhar aspectos gramaticais, mas, principalmente, retratado em seu funcionamento e em seu contexto de produção e leitura. Tais avanços fundamentam-se, por exemplo, na noção língua, texto e de gêneros, esses últimos concebidos como megainstrumentos (Schneuwly; Dolz, 2004SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. In: SCHNEUWLY, B. et al. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. São Paulo: Mercado de Letras, 2004.) que passaram a realçar o processo, e não mais o produto, no processo e na aprendizagem da escrita, permitindo, assim, o trabalho mais sistemático em sala de aula com os textos que circulam no meio social. Além disso, definiram uma orientação metodológica organizada em sequências didáticas, como modelos de processos de planejamento de texto e de reescrita.

Desse modo, motivada por essas constatações, buscamos investigar a sistematicidade do processo basilar da construção textual - a Topicalidade - em textos produzidos por estudantes universitários. A partir dessa análise, queremos construir um conjunto de conhecimentos relativos ao funcionamento desse processo, capaz de fornecer elementos para a elaboração de futuras propostas de intervenção de ensino e aprendizagem que contemplem esse processo, cuja relevância incide sobre o desenvolvimento da proficiência escritora. É nesse contexto que este estudo se insere: de investigação da regularidade da organização textual.

Organizamos este artigo da seguinte forma: na seção 2 esboçamos uma síntese dos princípios que fundamentam GTI; na seção 3 tratamos do processo da Topicalidade em seus dois níveis de funcionamento; na seção 4, abordamos os procedimentos metodológicos adotados e discutimos os resultados alcançados no estudo; por fim, na conclusão, seção 5, apresentamos uma síntese dos principais resultados obtidos e, a partir desses resultados, indicamos novas possibilidades no que tange ao ensino e à aprendizagem da escrita, com vistas ao desenvolvimento da proficiência de escrita na educação básica.

2 GTI: PRINCÍPIOS E BASE

A Gramática Textual-Interativa, como proposta teórica de análise linguística, idealizada no interior do subgrupo de Organização Textual-Interativa do Projeto de Gramática do Português Falado, surgiu a partir de estudos sobre o texto falado, desenvolvidos por um grupo de pesquisadores coordenados por Ingedore Grunfeld Villaça Koch e sistematizados, em particular, em Jubran (2007JUBRAN, C. C. A. S. Uma gramática textual de orientação interacional. In: CASTILHO, A. T. et al. (Org.). Descrição, história e aquisição do português brasileiro. Campinas: Pontes, 2007. p. 312-327.; 2015).

A base da proposta teórica da GTI assenta-se na concepção de linguagem como forma de atividade verbal impregnada pelo contexto sociointeracional, ou seja, essa perspectiva fundamenta-se na noção de linguagem como forma de ação verbal com a qual os interlocutores, situados reciprocamente um em relação ao outro, agem e expressam suas intenções com ações adequadas aos propósitos em cada intercâmbio comunicativo. À vista disso, a GTI estabelece dois princípios primordiais. O primeiro é o de que a análise dos fenômenos textuais têm suas propriedades e funções definidas em seu contexto específico de uso, “coenvolvendo as circunstâncias enunciativas” (Jubran, 2007JUBRAN, C. C. A. S. Uma gramática textual de orientação interacional. In: CASTILHO, A. T. et al. (Org.). Descrição, história e aquisição do português brasileiro. Campinas: Pontes, 2007. p. 312-327., p. 315). O segundo é o de que de que os fatores interacionais são constitutivos do texto e inerentes à expressão linguística. Isto é, postula-se que os dados pragmático-situacionais se introjetam no texto, de modo que o interacional é intrínseco ao linguístico. Dessa forma, os elementos pragmáticos são vistos como fatores imanentes da construção do texto e de sua análise.

Ao reconhecer que a construção textual se efetiva mediante seu contexto de uso, a GTI congrega uma visão em que as formas de processamento textual se integram aos fatores interacionais num só conjunto e se revelam nos próprios processos de elaboração textual e, assim, asseguram a admissão e a identificação de sistematicidade no processo de construção textual. Nesse contexto, esse princípio desempenha um papel primordial na GTI e, inclusive, no presente artigo, na medida em que fundamenta nossa premissa de que seria possível identificar regularidades no processo de organização tópica, no âmbito de um gênero textual particular.

Baseada nesse princípio, Jubran (2007JUBRAN, C. C. A. S. Uma gramática textual de orientação interacional. In: CASTILHO, A. T. et al. (Org.). Descrição, história e aquisição do português brasileiro. Campinas: Pontes, 2007. p. 312-327., p. 315) assegura a tarefa da GTI, a qual

deve, portanto, apontar regularidades relacionadas ao processamento dos procedimentos de elaboração do texto, aferindo o caráter sistemático deles pela sua recorrência em contextos definidos, pelas marcas formais que os caracterizam e o preenchimento de funções textual-interativas proeminentes que os especificam.

Respaldada nos pressupostos teórico-metodológicos acima descritos, a GTI toma o texto como objeto de estudo, com o propósito de investigar o processo da Topicalidade, e outros processos, como Repetição, Correção, Parafraseamento, Parentetização, Tematização/rematização e Referenciação. Complementam o campo de estudos da GTI os mecanismos de organização textual-interativa, encarregados do gerenciamento da organização tópica e das estratégias de construção textual, os chamados Marcadores Discursivos.

Esboçados os princípios teórico-metodológicos que sustentam a GTI, a seguir discutimos a Topicalidade em seus dois níveis constituintes - a organização intertópica e a organização intratópica.

3 TOPICALIDADE: O PROCESSO “FIO CONDUTOR” DA CONSTRUÇÃO DO TEXTO

Os estudos desenvolvidos no interior da GTI têm demonstrado a Topicalidade como processo fulcral na organização do texto - fio unificador e estruturador que perpassa todo o texto e, por isso, está presente em qualquer texto. Esse processo mostra-se “como um princípio organizador do discurso, que apresenta, no plano de sua realização, uma estrutura passível de ser identificada e descrita (Jubran, 1993, p. 64). Por esse motivo, tal princípio traduz-se, na organização do texto, mediante a construção e a articulação linear e hierárquica de grupos de enunciados formulados por interlocutores a respeito de um conjunto de referentes, concernentes entre si e em relevância num determinado ponto do texto (cf. Jubran, 2015; Pinheiro, 2005PINHEIRO, C. L. Estratégias textuais-interativas: a articulação tópica. Maceió: EDUFAL, 2005.).

Conforme assinalamos na introdução, esse processo se manifesta em dois níveis de funcionamento - o intertópico e o intratópico. A organização intertópica consiste na divisão do texto em partes e subpartes - denominadas Segmentos Tópicos (SegTs) -, de acordo com sua estruturação temática, isto é, trata da organização entre tópicos discursivos interacionalmente construídos pelos interlocutores.

A Topicalidade como como um todo e, em especial, a organização intertópica revela-se por duas propriedades particularizadoras: a centração e a organicidade.

A centração consiste no inter-relacionamento de enunciados, no decorrer da interação verbal, que convergem para um conjunto específico de referentes concernentes entre si e em relevância num determinado ponto do texto, e compreende, segundo Jubran (2015JUBRAN, C. C. A. S. Tópico Discursivo. In: JUBRAN, C. C. S. A. (Org.). Gramática do português culto falado no Brasil. v. 1. Campinas: Editora da UNICAMP, 2015. p. 89-132.b), os traços de concernência (relação de interdependência semântica entre os enunciados de um segmento textual, pela qual se dá a integração desses enunciados em um conjunto específico de referentes - objetos-de-discurso); relevância (proeminência desse conjunto, decorrente da posição focal assumida pelos elementos) e pontualização (localização desse conjunto, tido como focal, em determinado momento do texto, considerando a concernência e a relevância de seus elementos interacionalmente instaurado).

Cada grupo de enunciados que manifesta a propriedade da centração e desenvolve um tópico discursivo constitui um SegT, isto é, o SegT constitui um grupo de enunciados tematicamente centrados materializados em um tópico discursivo. O termo tópico discursivo, nos estudos sobre organização tópica, pode ser definido como o assunto (tema) - de um texto ou parte de um texto - interacionalmente produzido pelos interlocutores participantes de um cenário social de construção textual. Nesse âmbito, Pinheiro (2005PINHEIRO, C. L. Estratégias textuais-interativas: a articulação tópica. Maceió: EDUFAL, 2005.) confere ao tópico discursivo o status de categoria analítica abstrata, e ao Segmento Tópico o status de unidade concreta de análise.

A organicidade concerne às relações de interdependência que se estabelecem entre os tópicos discursivos, isto é, trata dos desdobramentos de um tópico em subtópicos e se organiza concomitantemente em dois planos: o hierárquico e o linear.

O plano hierárquico se manifesta com base no grau de abrangência com que o tópico em relevância é desenvolvido, configurando, assim, relações de superordenação e subordinação entre os tópicos discursivos. Melhor dizendo, essas relações instauram em um texto a possibilidade de divisão do tópico discursivo global em tópicos mais específicos, da possibilidade de divisão destes em outros mais específicos ainda, e assim sucessivamente, caracterizando, pois, níveis de hierarquização na organização tópica (Jubran, 2015JUBRAN, C. C. A. S. Tópico Discursivo. In: JUBRAN, C. C. S. A. (Org.). Gramática do português culto falado no Brasil. v. 1. Campinas: Editora da UNICAMP, 2015. p. 89-132.). As relações de interdependência observadas entre STs e SbTs instauram um domínio de organização tópica chamado de “Quadro Tópico” (QT), que constitui justamente o conjunto formado por um ST e seus respectivos SbTs (Jubran, 2006).

O plano linear, por sua vez, compreende as relações de adjacência ou interposição entre os diferentes tópicos, na articulação entre os elementos textuais que efetivam os tópicos. Essas relações caracterizam-se, essencialmente, pela (i) continuidade e (ii) descontinuidade tópica materializada na ruptura, cisão e expansão tópicas.

A organização intratópica diz respeito à estruturação interna dos segmentos textuais que desenvolvem os menores subtópicos do texto, segmentos estes chamados de Segmentos Tópicos (SegTs) mínimos - os SegTs mínimos1 1 No âmbito dos estudos da Topicalidade, comumente, os SegTs mínimos, de modo resumido, se caracterizam como unidades que equivalem a trechos de textos correspondentes, geralmente, a um, dois ou três parágrafos, no caso de um gênero escrito como o artigo de opinião. , considerados “unidades linguísticas de organização textual” (Penhavel; Diniz, 2014PENHAVEL, E.; DINIZ, T. C. G. O processo de estruturação interna de Segmentos Tópicos Mínimos em Cartas de Leitores mineiras do início do século XXI. Revista (Con)Textos Linguísticos, Vitória, v. 8, n. 11, p. 21-38, 2014., p. 22). Decorre, portanto, da combinação potencialmente recursiva entre (grupos de) enunciados dentro do SegT mínimo. Os estudos realizados no interior da GTI têm revelado que esse nível de funcionamento da Topicalidade manifesta uma estruturação específica de cada gênero ou conjunto de gêneros.

Nesse sentido, Penhavel (2010PENHAVEL, E. Marcadores discursivos e articulação tópica. 2010. 168f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.) aponta que, no gênero relato de opinião, material característico de gêneros essencialmente argumentativos (como editoriais e artigos de opinião)2 2 Assinalamos o reconhecimento do caráter argumentativo da linguagem, cuja materialização se dá em qualquer gênero textual (Cavalcante et al., 2019). Nessa direção, ao assumirmos o artigo de opinião como um gênero primordialmente argumentativo, o consideramos como um gênero fundamentalmente reservado à finalidade de argumentar, diferentemente de outros gêneros que, embora apresentem uma orientação argumentativa, têm outra finalidade principal ou explícita. , os SegTs mínimos se estabelecem como uma unidade linguística altamente regular, estruturada, em sua grande maioria, com base em um mesmo princípio, que presume a combinação entre grupos de enunciados que constroem referências centrais e grupos que constroem referências subsidiárias relativamente ao tópico discursivo do SegT mínimo. Desse modo, o autor argumenta que, no relato de opinião, a organização intratópica se dá com base nos grupos de referência centrais denominados Posição e os grupos subsidiários, Suporte.

Ilustramos, no SegT em (1), como ocorre esse princípio da organização intratópica.

(1) Bom e isso é uma parte d/ da adolescência, mas é claro que a gente não tem ... só isso claro que tem aquelas pessoas que sabem aproveitar (sabe) aquelas pessoas que tão sempre contando... com a mãe... com o pai com a família... que é/ com o namorado claro mas o namorado também acho que (não) tem que ser tudo na vida a gente tem que... saber ter amigos saber aproveitar... Ir numa balada não precisa beber tudo que tem na balada... bebe o:: tem/ o:: tanto que você acha que você vai aguentar... o tanto que você acha que vai ser legal para Você se divertir não para você passar mal.../porque o bom de uma balada não é você beber e depois sair vomitando e ficar... né todo mundo lá te olhando feio tal... (inint.) o legal é você beber pra ficar alegre... pra brincar não pra ficar estúpido com ninguém e tal... (Penhavel, 2010, p. 62). 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

No exemplo, em (1), Penhavel (2010PENHAVEL, E. Marcadores discursivos e articulação tópica. 2010. 168f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.) define o tópico discursivo do SegT como Saber aproveitar a adolescência. Verifica-se que o grupo de enunciados expresso nas linhas 1-5 manifesta esse tópico de modo direto (o que fica mais evidente nas passagens sublinhadas). Já o trecho compreendido nas linhas 6-11 manifesta, de modo específico, aspectos característicos desse tópico, visto que, nesta segunda parte, a informante particulariza o tópico apresentado no primeiro trecho: defende o consumo moderado de bebidas em baladas (vejam-se, em especial, as passagens em destaque nesse trecho), uma vez que pode ser compreendido como um exemplo de saber se divertir na adolescência.

Como se observa, é a relação estabelecida pela alternância entre grupos de enunciados que instauram referências centrais e grupos que instauram referências específicas em relação ao tópico do SegT que permite afirmar que a organização intratópica do SegT, em (1) se funda na relação posição-suporte. Sendo assim, o trecho que envolve as linhas 1-5 se materializa como unidade de posição, uma vez que discute, de modo mais direto, o tópico do SegT. Já o trecho que abrange as linhas 6-11 estabelece a unidade de suporte que trata de aspectos mais particulares desse tópico.

Ainda de acordo com o autor, a recursividade da relação posição-suporte funda, no âmbito de um SegT, uma unidade denominada domínio de estruturação intratópica, ou seja, é, uma unidade composta por uma posição e seus respectivos suportes. Segundo Penhavel (2010PENHAVEL, E. Marcadores discursivos e articulação tópica. 2010. 168f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.), a cada nova subdivisão da unidade de posição ou de suporte, firmada na própria relação de estruturação intratópica, um novo domínio é estabelecido. No exemplo do SegT, em (1), pode ser identificada a presença de um domínio (linhas 1-11), estruturado com base na combinação posição (linhas 1-5) - suporte (linhas 6-10).

Discorremos sobre os dois níveis da Topicalidade. Na seção 4 focalizaremos a análise desse processo em produções escritas de estudantes do ensino superior.

4 A TOPICALIDADE EM TEXTOS DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Nesta seção delineamos, inicialmente, os passos metodológicos adotados no estudo e na constituição do corpus; na sequência, tratamos dos resultados do estudo.

O desenvolvimento segue o método da análise tópica (Jubran, 2015JUBRAN, C. C. A. S. Tópico Discursivo. In: JUBRAN, C. C. S. A. (Org.). Gramática do português culto falado no Brasil. v. 1. Campinas: Editora da UNICAMP, 2015. p. 89-132.; Penhavel, 2010PENHAVEL, E. Marcadores discursivos e articulação tópica. 2010. 168f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010., 2017), fundado nas propriedades de centração e organicidade. Esse método de análise textual possibilita a identificação, em qualquer texto, do processo da Topicalidade. Com essa base, então, definimos os dois passos de análise.

O primeiro passo orientou-se para o estudo do funcionamento da organização intertópica - divisão do texto em tópicos e SbTs mínimos3 3 Em alguns momentos, utilizamos a expressão “SbTs mínimos”, e não “SegTs mínimos”, porque, nesse caso, estamos no domínio da hierarquização tópica, que diz respeito a relações entre tópicos (assuntos, temas), isto é, entre STs, SbTs (incluindo os SbTs mínimos). No que concerne à linearidade textual, ou seja, organização intertópica sequencial, falamos não de “SbTs mínimos”, mas de “SegTs mínimos”. É claro que “SbTs mínimos” e “SegTs mínimos” são conceitos correspondentes. Um SbT mínimo, que é um tópico, é desenvolvido em um segmento textual (um conjunto de enunciados), segmento este que, então, constitui um SegT mínimo. Ou seja, o SegT mínimo é o trecho textual que desenvolve um SbT mínimo. Porém, dependendo de qual aspecto do processo de organização tópica se está focalizando, é adequado falar em “SbT mínimo” (organização intertópica hierárquica) ou em “SegT mínimo” (organização intertópica linear e/ou organização intratópica) (Hanisch, 2019). - e efetivou-se a partir de sua subdivisão em duas estratégias metodológicas articuladas entre si. Na primeira, analisou-se a organização intertópica hierárquica. Na segunda estratégia, a análise focalizou a organização intertópica sequencial.

No segundo passo metodológico, a discussão centrou-se no estudo da organização intratópica de SegTs mínimos componentes dos textos produzidos por alunos universitários, isto é, na estruturação interna dos segmentos textuais que desenvolvem os menores subtópicos do texto - os SegTs mínimos - por meio da apuração do modo como se materializam os traços que compõem a centração tópica - concernência, relevância e pontualização - no interior desses segmentos em um gênero textual definido.

O corpus é constituído por quarenta e sete exemplares do gênero artigo de opinião elaborados por estudantes dos cursos de Licenciatura em Letras Português e em Pedagogia da Universidade Federal do Acre (UFAC) - Campus Floresta, no decurso do segundo semestre de 2016.

Como uma caracterização prévia do gênero, partimos de uma conceituação mais ou menos consensual (cf., por exemplo, Rodrigues, 2007; Köche e Marinello, 2015KÖCHE, V. S.; MARINELLO, A. F. Gêneros textuais: práticas de leitura escrita e análise linguística. Petrópolis: Vozes, 2015.), segundo a qual o artigo de opinião constitui um texto essencialmente argumentativo, que se vale da argumentação para analisar, avaliar e responder a uma questão controversa. Geralmente, esse gênero discute um tema atual de ordem social, econômica, política e/ou cultural, relevante para os leitores.

A pertinência da análise desse gênero justifica-se porque, se se considera que a eficiência do processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa depende de um trabalho sistemático com gêneros textuais de diferentes domínios sociais, isto é, aqueles que circulam socialmente, indo além da esfera escolar, esse domínio se revela produtivo para desenvolver objetivos do ensino de língua portuguesa, pois “tomar a ideia de gênero sempre ligada ao uso e à atividade social é incluí-la no meio educacional como uma forma de tornar os textos em circulação na escola menos didatizados” (Albert, 2018ALBERT, S. A. de B. Texto e contexto para a realização de um projeto de dizer na produção de redações vestibular. Revista Pluri, v. 1, n. 1, p. 245-262, jul./dez. 2018., p. 249).

Expostas essas informações metodológicas básicas, passamos à análise dos textos, começando com a organização intertópica, especificamente, com a hierarquização tópica.

4.1 ORGANIZAÇÃO INTERTÓPICA

Sobre o processo de organização intertópica, os dados selecionados demonstram a complexidade intertópica como o traço caracterizador dos textos, posto que cada um é constituído por vários tópicos discursivos, ou seja, organiza-se por meio da divisão de um tópico discursivo global em SbTs mínimos.

Tal apuração pode ser considerada como uma das particularidades da organização tópica dos artigos de opinião elaborados, na medida em que, conforme vem sendo apontado em trabalhos na GTI, os gêneros podem se diferenciar uns dos outros no que diz respeito à organização intertópica, por exibirem, como regra, unicidade (quando, em geral, cada texto contém um único tópico discursivo, sem divisão em SbTs) ou complexidade intertópica (quando normalmente cada texto possui um tópico global que se divide em SbTs).

Verificada, então, a presença da complexidade intertópica nos textos investigados, analisamos os planos da organização intertópica hierárquica e linear. Em relação à hierarquização tópica - que consiste na instauração de relações de dependência de superordenação e subordenação entre tópicos em termos do grau de abrangência do assunto -, analisamos o grau de complexidade hierárquica característico do gênero. Conferimos, em cada texto, (i) a quantidade de SbTs mínimos (expressos em SegTs mínimos) e (ii) a quantidade de QTs.

Desse modo, constatamos que, com frequência (58% dos casos), os textos dividem-se em três ou quatro SbTs mínimos (29% em cada um dos casos). Outros casos significativos apurados no corpus sinalizam que os artigos podem constituir-se de cinco SbTs mínimos (21% dos casos), dois (10% dos casos), seis e sete SbTs mínimos (4% dos casos para cada uma dessas duas últimas possibilidades). Os casos menos frequentes incidem sobre a divisão dos tópicos discursivos globais em seis e sete SbTs mínimos (4% dos casos).

Com o propósito de ilustrar um dos casos de complexidade intertópica hierárquica mais recorrente identificado no corpus, analisamos, a seguir, em (2), um artigo de opinião constituído por quatro SbTs mínimos.

(2) A importância de estudar Geografia [[SbT mínimo 1]] Nas últimas décadas é possível notar um avanço significativo no que se refere ao setor educacional do Brasil, que de forma satisfatória vem melhorando a qualidade do ensino das escolas, dos professores e dos alunos, tendo em vista a relevância que a educação proporciona para a sociedade. Nesse contexto é importante destacar o papel da Geografia, pois sabemos que tempos atrás a Geografia não possuía certo valor ou não era tão estudada e considerada como importante, assim como o Português e a Matemática. Concomitante a esse processo de transformação na educação, a Geografia também vem mudando, tornando-se, assim, um componente curricular primordial da educação básica, na medida que permite aos educandos a leitura da vida e do espaço enquanto sujeitos atuantes na sociedade e no espaço. Desse modo, torna-se imprescindível o ensino de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. [[SbT mínimo 2]] Nessa perspectiva, Callai (2005) propõe uma reflexão acerca da leitura do mundo ao qual estamos inseridos e que modificamos constantemente, uma vez que uma forma de fazer a leitura do mundo é por meio da leitura do espaço, o qual traz em si todas as marcas da vida dos indivíduos. Nesse sentido, é importante compreender que a leitura do mundo ultrapassa a representação cartográfica (embora seja de grande relevância), mas esta deve ser feita considerando o espaço vivido, construído cotidianamente a partir do sentimento de pertencimento ao lugar, de uma identidade cultural; entender também que essa leitura inerente ao espaço é resultado de uma interação social, cultural, política e econômica, expressa diariamente. Ou seja, a Geografia é a grande facilitadora para a leitura de mundo do indivíduo. [[SbT mínimo 3]] Quando coloca em questão o mundo globalizado em que vivemos, o acesso e a velocidade com que se tem acesso às informações, entende-se que apenas ler e escrever não são suficientes na busca da construção do conhecimento escolar. É preciso possibilitar aos alunos o entendimento do espaço ao qual estão inseridos. Assim sendo, surge a relevância da Geografia na escola, com seu papel de permitir o entendimento do mundo pelos educandos dos anos iniciais do ensino fundamental. [[SbT mínimo 4]] Não se buscará superestimar a Geografia escolar perante as outras disciplinas, mas compreender o caráter próprio que a ela tem no cotidiano escolar, que é de permitir ao aluno a partir da leitura do espaço, ler sua própria história. Sendo assim, a Geografia ajuda a criança a se encontrar no mundo, fazendo com que ela possa compreender a sociedade, demonstrando, dessa forma, a importância do seu ensino desde os anos iniciais e nos fazendo enxergar que ela precisa ser ensinada aos alunos tanto quanto o Português e a Matemática (A importância de estudar Geografia, 2016). 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33

O tópico discursivo deste artigo de opinião, nomeado como Realce no ensino de Geografia nos anos iniciais, apresenta uma série de expressões referenciais e predicações concernentes entre si que o caracterizam, como se vê, por exemplo, em: “é importante destacar o papel da Geografia” (l. 4), “a grande facilitadora” (l. 19) e “a relevância da geografia na escola” (l. 24-25).

O primeiro tópico discursivo (SbT mínimo 1), desenvolvido nas linhas de 1 a 10 e sintetizado como Importância da Geografia no ensino fundamental, segue o movimento textual verificado na maioria dos artigos de opinião, isto é, instaura no texto a discussão geral que percorre toda sua organização textual-interativa. À vista disso, no decurso desse SbT, o produtor do texto centra-se na discussão a respeito das mudanças ocorridas no âmbito educacional, destacando que tais mudanças afetaram a disciplina Geografia, uma vez que ela se transformou em “um componente curricular primordial na educação básica” (l. 8), visto que possibilita “aos educandos a leitura da vida e do espaço” (l. 9). Sendo, assim, o SbT finaliza enfatizando que “torna-se imprescindível o ensino de Geografia nos anos iniciais” (l. 10).

O trecho das linhas 11 a 20 desenvolve o SbT mínimo 2, sumarizado como Leitura do mundo e do espaço: marcas da vida dos indivíduos. Esse SbT é introduzido de maneira mais abrangente, “uma reflexão acerca da leitura do mundo” (l. 11-12), “a leitura do mundo” (l. 13), “leitura do espaço” (l. 13) e “as marcas da vida dos indivíduos” (l. 13-14). E é detalhado na sequência por meio de uma cadeia de predicações, como se pode observar nas seguintes passagens: “a leitura do mundo ultrapassa a representação cartográfica” (l. 15-16), “resultado de uma interação social, cultural, política e econômica” (l. 19-20) e “a Geografia é grande facilitadora para a leitura de mundo do indivíduo” (l. 20).

O SbT mínimo 3, apresentado nas linhas 21-26, e nomeado como Relevância da Geografia no cotidiano escolar, centra-se em discutir que “ler e escrever não são suficientes na busca da construção do conhecimento escolar” (l. 22-23), por isso “é preciso possibilitar aos alunos o entendimento do espaço ao qual estão inseridos” (l. 23-24). Diante desse contexto, segundo o SbT, emerge a relevância da Geografia que consiste em “permitir o entendimento do mundo” (l. 25).

O SbT mínimo 4, especificado nas linhas 27 a 33, aborda Compreensão da grandeza Geografia. A discussão acerca desse SbT foca o caráter que a Geografia assume no contexto escolar, que seria “compreender o caráter próprio que a Geografia tem no cotidiano escolar” (l. 28), visto que, ao possibilitar ao aluno “a leitura do espaço” (l. 29), permite que ele compreenda “sua própria história” (l. 29).

Quanto à organização intertópica no plano linearização tópica, pode-se perceber que não ocorre nenhuma forma de descontinuidade tópica, ou seja, nos SbTs analisados prevalece a continuidade tópica. Isso corresponde a dizer que cada novo SbT mínimo (no caso, o segundo, o terceiro e o quarto) começa a ser desenvolvido após ser possível recuperar-se um sentido de completude e fechamento no desenvolvimento do SbT mínimo anterior.

Com base nesses traços, podemos afirmar que o artigo de opinião em apreço é exemplar da ocorrência mais comum identificada em nosso corpus, isto é, o artigo é constituído por quatro SbTs mínimos, com uso exclusivo da continuidade tópica entre os SegTs mínimos.

No que concerne ao grau de complexidade da hierarquização tópica em textos do gênero artigo de opinião construídos por estudantes universitários, o estudo envolveu a análise da quantidade de QTs por artigo. Os dados apontaram que a maioria dos artigos apresenta apenas um QT (78% dos casos), e, portanto, dois níveis hierárquicos. Essas são as ocorrências em que esse gênero, via de regra, é formado por um único tópico discursivo (ST) que se desdobra em SbTs, e nenhum destes subdivide-se em outros SbTs ainda mais particulares. Os casos menos recorrentes recaíram sobre os artigos que apresentam dois QTs (22% dos casos), estruturados, portanto, em três níveis na hierarquia tópica. Esses são os casos em que o tópico discursivo se desenvolve em SbTs particulares, e algum destes subdivide-se em tópicos ainda mais específicos.

O texto analisado em (2) ilustra os casos mais recorrentes, ou seja, aqueles em que os artigos são compostos por um QT, portanto, dois níveis de hierarquia tópica. Nesse caso, o tópico central desenvolve-se em quatro tópicos mais específicos. A figura (1), a seguir, ilustra a hierarquia tópica instaurada no artigo em pauta:

Figura 1
Hierarquização tópica

No exemplo em (2), conforme podemos observar, o tópico central do artigo de opinião se desenvolve em quatro tópicos discursivos particulares que compõem o segundo nível da hierarquia, e nenhum desses se subdivide em outros mais particulares ainda. No âmbito desse desdobramento, o tópico central configura-se como um ST e os quatro tópicos mais particulares se estabelecem como SbTs, constituindo, assim, o QT do texto, que consiste justamente no conjunto formado por um ST e seus respectivos SbTs (Jubran, 2006JUBRAN, C. C. A. S. Introdução. In: JUBRAN, C. C. S. A. (Org.). Gramática do português culto falado no Brasil. v. 1, Campinas: Editora da UNICAMP, 2006. p. 27-36.).

Nosso estudo também compreendeu a análise da organização intertópica linear. De modo particular, procuramos verificar como os textos se caracterizam quanto ao uso das estratégias de linearização, identificando, principalmente, as formas predominantes.

Nesse sentido, constatamos o emprego exclusivo da estratégia de continuidade tópica nos textos investigados. O exemplo analisado em (2) ilustra o uso dessa estratégia de linearização, visto que cada SegT mínimo desenvolve um tópico de modo que seja possível reconhecer uma completude de desenvolvimento tópico, e somente após seu esgotamento um novo tópico é introduzido e desenvolvido, sem perturbação na distribuição dos tópicos na linha discursiva. Desse modo, assim como foi destacado na discussão da quantidade de tópicos discursivos e de QTs por artigo, a análise a respeito das formas de linearização tópica nos artigos de opinião revelou que esse gênero se caracteriza por uma sólida regularidade em sua organização tópica.

Em síntese, a análise aqui empreendida relativa à organização intertópica demonstra que os textos em estudo se caracterizam pela alta regularidade materializada nos seguintes aspectos: desdobramento do tópico global em dois, cinco, seis e sete SbTs mínimos, com preferência por uma divisão que envolva três e quatro (principalmente) SbTs mínimos; subdivisão do tópico discursivo global em tópicos mais específicos organizados em um ou dois QTs por artigo (com predominância de um QT) e predominância da continuidade tópica na linearização dos tópicos.

Discutimos, a seguir, os resultados alcançados em relação à organização interna dos SegTs mínimos, ou seja, a organização intratópica.

4.2 ORGANIZAÇÃO INTRATÓPICA

Em relação a esse processo, a análise guiou-se pela pressuposto de que a organização intratópica dos textos dos universitários, estaria, teoricamente, fundamentada na combinação de duas unidades de estruturação intratópica, posição-suporte, conforme definidas em Penhavel (2010PENHAVEL, E. Marcadores discursivos e articulação tópica. 2010. 168f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.), a partir do estudo de relatos de opinião.

Nessa direção, a análise sinalizou que os SegTs mínimos dos artigos dos alunos estão fundados na relação entre as unidades de posição e suporte. Em outras palavras, a estruturação interna de SegTs dos textos investigados se manifesta como um processo sistemático, na medida em que apresenta, tal como nos relatos de opinião, uma regra geral de organização intratópica, baseada no princípio central-subsidiário, ou combinação posição-suporte. Verificamos a presença dessa combinação em 90% dos SegTs mínimos analisados, extraídos dos artigos dos estudantes (185 SegTs mínimos).

Os SegTs mínimos, em (3) e (4), na sequência, extraídos do artigo de opinião analisado em (2), ilustram a regra geral da alternância entre as unidades posição-suporte:

(3) Nas últimas décadas é possível notar um avanço significativo no que se refere ao setor educacional do Brasil, que de forma satisfatória vem melhorando a qualidade das escolas, professores e alunos, tendo em vista a relevância que a Educação proporciona para a sociedade. Nesse contexto é importante destacar o papel da Geografia, pois, sabemos que em tempos atrás a Geografia não possuía um certo valor ou não era tão estudada e considerada como importante assim como Português e Matemática. Concomitante a esse processo de transformação na Educação, a Geografia vem mudando também, tornando-se assim um componente curricular primordial na Educação Básica, permitindo de certa forma aos educandos a leitura da vida e do espaço, enquanto sujeitos atuantes na sociedade e no espaço. Desse modo torna-se imprescindível o ensino de Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental (A importância de estudar Geografia, 2016). 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

O SegT do artigo do qual extraímos esse exemplo destaca a importância da Geografia. Com base na propriedade de centração, podemos asseverar que o tópico desse SegT focaliza a ideia Importância da Geografia no ensino fundamental. Como realçam os trechos destacados no exemplo, o conjunto de enunciados expressos nas linhas 1-10 trata de aspectos subsidiários relativos à ideia central do tópico, abordando, especificamente, as transformações da Geografia no cenário educacional, as quais confluem para a projeção da disciplina como um importante componente curricular na educação básica, como evidenciam os enunciados “avanço significativo no que se refere ao setor educacional do Brasil” (l. 1-2) e “um componente curricular primordial na Educação Básica” (l. 8), enquanto os trechos sublinhados nas linhas 11-12 apresentam o tópico do SegT, isto é, manifestam diretamente a ideia nuclear do SegT. Em vista disso, denominamos os enunciados nas linhas 1-10 como suporte e os enunciados nas linha de 11-12 como posição.

O SegT em (4) mostra mais um caso em que identificamos as unidades de organização intratópica de posição e suporte:

(4) Não se buscará superestimar a Geografia escolar perante as outras disciplinas, mas compreender o caráter próprio que a Geografia tem no cotidiano escolar de permitir a partir da leitura do espaço, ler sua própria história. Sendo assim, a Geografia ajuda a criança a se encontrar no mundo, fazendo com que ela possa compreender a sociedade, nos mostrando dessa forma a importância do ensino da Geografia desde os anos iniciais e nos fazendo enxergar que ela precisa ser ensinada aos alunos tanto quanto Português e Matemática. (A importância de estudar Geografia, 2016). 1 2 3 4 5 6 7 8

Note-se que no SegT mínimo, em (5), intitulado Geografia no cotidiano escolar especificado nas linhas 27 a 33, o primeiro grupo de enunciados destacado nas linhas 1-3 manifesta esse tópico de forma direta, o que nos motiva a considerar esse trecho como a unidade de posição do segmento.

Percebe-se também que o segundo conjunto de enunciados (l. 4-8) pode ser identificado como unidade de suporte, visto que trata de aspectos secundários relativos à ideia nuclear do tópico. Esses grupos de enunciados apontam, de modo mais específico, o papel da Geografia na compreensão do espaço social e pessoal, referenciado, nesse SegT, por meio de enunciados que materializam o princípio da centração tópica, conforme se observa, especialmente, em “a Geografia ajuda a criança a se encontrar no mundo” (l. 4), “ela possa compreender a sociedade” (l. 5). Por essa razão, segundo o SegT, essa disciplina “precisa ser ensinada aos alunos tanto quanto Português e Matemática” (l. 6-7). Dessa forma, podemos dizer que, no exemplo, em (5), a unidade de posição se materializa no trecho das linhas 1-3 e a unidade de suporte se revela nos enunciados das linhas 4-8.

Na seção 3 deste artigo mencionamos que a relação posição-suporte pode se manifestar, em cada domínio, com diferentes formas de combinação: posição-suporte, posição-suporte-suporte, suporte-posição, suporte-posição-suporte, posição-suporte-suporte-suporte etc. Nessa direção, apuramos nos dados a presença de uma considerável padronização em termos de combinação das unidades de posição-suporte. Dentre os agrupamentos identificados, três se destacam: posição-suporte, suporte-posição-suporte e suporte-posição, que, juntos, respondem por 75% dos casos. Para além dessas três combinações, os artigos de opinião exibem diversificados tipos de encadeamentos, todos com baixo índice de ocorrência.

O SegT mínimo ilustrado em (3) exemplifica a combinação suporte-posição. O SegT em (4) alude à regra geral da combinação posição-suporte, isto é, o caso mais recorrente identificado em nossos dados.

Prosseguindo a análise, o SegT mínimo em (5a-b), extraído de outro dos artigos de opinião, ilustra a recursividade da relação posição-suporte, que, como explicado, instaura, no interior dos SegTs mínimos, a unidade chamada de domínio de estruturação intratópica.

A esse respeito, constatamos que a recursividade da regra posição-suporte, nos artigos dos estudantes, aplica-se com pouca frequência. Ou seja, a maior parte dos SegTs dos artigos (92% dos casos) apresenta apenas um domínio de estruturação intratópica, como se pode observar, por exemplo, no SegT em (3) e em (4), analisados acima.

De todo modo, mostramos em (5a-b), como se dá a recursividade da relação posição-suporte. Nesse caso, os segmentos identificados como posição e suporte podem, por sua vez, ser estruturados também nessa mesma relação, formando, assim, um novo domínio. Isso pode ser observado nos SegTs mínimos que seguem.

(5a) Todos somos sabedores que a qualidade da educação brasileira é no mínimo duvidosa, pondo em cheque aquilo que mais se prega em uma sociedade, a igualdade de direitos, isso em relação aqueles que são menos favorecidos por suas condições econômicas, visto que, aqueles que têm essas condições frequentam escolas particulares. Vejo que a reforma proposta pelo governo, visa em sua essência a melhoria da qualidade de nossa. No tocante a ela analisaremos o que chamamos de “Mediotec” que é a proposta do ensino médio já estar integrado a uma formação técnica profissionalizante, fazendo com que os alunos já saiam da escola preparados para a vida profissional. /É uma proposta muito bonita e que funciona perfeitamente, mas somente no papel. É claro aos olhos de qualquer cidadão brasileiro que não existe mercado para novos profissionais./ Uma pesquisa recente do IBGE confirma essa visão, atualmente quase 12 milhões de brasileiros estão desempregados, e se os trabalhadores que já estão no mercado de trabalho estão sendo demitidos, onde os novos, formados pelo Mediotec serão inseridos? É uma pergunta de resposta óbvia, eles ficarão a margem do mercado, sem oportunidades de colocar a sua formação profissional em prática (Brasil, a pátria educadora?, 2016). 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

O tópico do SegT, em (5a), segundo nossa análise, pode ser nomeado Proposta do Ensino Médio: formação técnica profissionalizante. Observe-se que o primeiro conjunto de enunciados, destacado no exemplo nas linhas 1-6, introduz o tema do tópico, questionando a qualidade da educação brasileira, na medida que põe em xeque a “igualdade de direitos” em uma sociedade em que os mais favorecidos têm mais acesso aos bens culturais. Nesse contexto, é, então, apresentada a proposta de reforma do ensino médio. Por essa razão, classificamos esse tópico como uma unidade de suporte do segmento.

O grupo de enunciados nas linhas 7-9, identificado como posição, manifesta de modo direto o centro do SegT. Conforme realçado, este grupo de enunciados aborda a proposta do ensino médio técnico como formação profissionalizante, aludida, nesse SegT, por meio de enunciados que materializam o princípio da centração tópica, como se percebe em “a proposta do ensino médio” (l. 7-8), “uma formação técnica profissionalizante” (l. 8) e “preparados para a vida profissional” (l. 9). Já o trecho compreendido nas linhas 10-17 funciona como suporte, na medida que pormenoriza essa ideia nuclear, afirmando que a formação profissionalizante funcionará apenas no papel, pois, segundo pesquisa, existiriam milhões de desempregados, o que seria indicativo de que, de fato, não haveria mercado de trabalho para os novos profissionais do ensino técnico, de acordo com a concernência dos trechos “não existe mercado para novos profissionais” (l. 11) e “sem oportunidades de colocar a sua formação profissional em prática” (l. 16).

Note-se ainda que, no SegT em pauta, a segunda unidade de suporte (l. 10-17) pode ser interpretada em duas partes, ou seja, também se organiza internamente segundo o princípio posição-suporte. Nesse caso, o tópico do SegT nas linhas 10-12 (a partir da barra) centra-se na ideia de que a profissionalização técnica proposta pela reforma do ensino médio funcionaria apenas no papel, dado que não existiria mercado de trabalho para os novos profissionais, conforme sugerem os trechos sublinhados nessas linhas (até a barra). As linhas 12-17 (depois da barra), por sua vez, elaboram referências que especificam tal ideia, como mostram os trechos “pesquisa recente do IBGE confirma essa visão” (l. 12), “12 milhões de brasileiros estão desempregados” (l. 13) e “sem oportunidades de colocar a sua formação profissional em prática” (l. 16). No âmbito do SegT como um todo, o segmento nas linhas 10-17 assume estatuto de suporte, enquanto que, no âmbito do trecho nas linhas 10-12 (entre as barras) funda-se como uma posição, e as linhas 12-17 (após a barra) como suporte.

Nesse sentido, o SegT mínimo em (5a), pode ser analisado como em (5b).

(5b) Todos somos sabedores que a qualidade da educação brasileira é no mínimo duvidosa, pondo em cheque aquilo que mais se prega em uma sociedade, a igualdade de direitos, isso em relação aqueles que são menos favorecidos por suas condições econômicas, visto que, aqueles que têm essas condições frequentam escolas particulares. Vejo que a reforma proposta pelo governo, visa em sua essência a melhoria da qualidade de nossa educação. No tocante a ela analisaremos o que chamamos de “Mediotec” que é a proposta de o ensino médio já estar integrado a uma formação técnica profissionalizante, fazendo com que os alunos já saiam da escola preparados para a vida profissional. É uma proposta muito bonita e que funciona perfeitamente, mas somente no papel. É claro aos olhos de qualquer cidadão brasileiro que não existe mercado para novos profissionais. Uma pesquisa recente do IBGE confirma essa visão, atualmente quase 12 milhões de brasileiros estão desempregados, e se os trabalhadores que já estão no mercado de trabalho estão sendo demitidos, onde os novos, formados pelo Mediotec serão inseridos? É uma pergunta de resposta óbvia, eles ficarão a margem do mercado, sem oportunidades de colocar a sua formação profissional em prática (Brasil, a pátria educadora?, 2016). 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

Desse modo, instauram-se, no SegT em análise, considerando sua representação em (5a-b), dois domínios de estruturação intratópica: domínio 1 (linhas 1-17), constituído por uma unidade de posição (l. 7-9) e duas unidades de suporte (l. 1-6) e (l. 10-17); e, em (5b), instaura-se o domínio 2 (l. 10-17), formado também por uma unidade de posição (l. 10-11) e uma unidade de suporte (l. 12-15).

Sumarizando, podemos assegurar que a organização intratópica dos artigos analisados caracteriza-se como unidade linguístico-textual altamente regular, posto que reflete uma regra geral de estruturação interna segundo a relação de duas unidades intratópicas - posição e suporte. Consoante o que discutimos, essas duas unidades podem se subdividir no âmbito do SegT, fundadas na mesma relação manifestada no interior do SegT como um todo, provocando, assim, a constituição de SegTs com um ou dois domínios, com predominância deste último caso.

Demonstramos, também, que os conjuntos de enunciados com estatuto de posição e aqueles com estatuto de suporte podem se organizar de diversas formas no interior de cada um dos domínios, motivando combinações como posição-suporte, suporte-posição-suporte, suporte-suporte-posição, entre outras. Essas possibilidades de formação de variadas combinações com base nas mesmas unidades de estruturação intratópica também evidenciam que o princípio posição-suporte encontra-se na base da organização intratópica dos SegTs nos textos produzidos por estudantes universitários.

5 CONCLUSÃO

Retomamos aqui, resumidamente, os resultados mais significativos do trabalho, já delineados no curso do artigo. Com base na análise evidenciamos que os dois níveis de funcionamento da Topicalidade se realizam como processos altamente regulares.

No que tange à organização intertópica, a análise dos dados apontou a sistematicidade desse processo, materializada nas seguintes particularidades: divisão do tópico discursivo global em dois, cinco, seis e sete SbTs mínimos, com preferência por uma divisão que envolva três e quatro (principalmente) SbTs mínimos; subdivisão do tópico discursivo global em tópicos mais específicos organizados em um ou dois QTs por artigo (com predominância de um QT), e, por fim, predominância exclusiva da continuidade tópica na linearização dos tópicos. Relativamente à organização intratópica, os textos apresentaram traços regulares na estruturação interna de seus SegTs mínimos, visto que internamente esses SegTs se organizam consoante a combinação potencialmente recursiva das unidades de organização intratópica posição e suporte.

Podemos inferir, com base nessas constatações, que os textos produzidos pelos estudantes da UFAC atendem às características da organização intertópica e da organização intratópica do gênero artigo de opinião. Essa apuração sugere, então, que os estudantes em questão detêm bom conhecimento do gênero em pauta, no que diz respeito ao processo de construção textual aqui investigado: eles apresentam o domínio das propriedades fundamentais do funcionamento desse gênero.

Por ser a GTI, como vertente da Linguística Textual, uma teoria que envolve tanto aspectos textuais quanto interacionais da construção de texto, acreditamos estar diante de uma abordagem capaz de viabilizar não somente a análise do gênero, mas sua aplicação prática a questões relativas ao processo de ensino e aprendizagem. Trata-se de uma teoria que pode contribuir, significativamente, para a tarefa de estudo do texto, tanto como objeto de análise textual quanto como objeto de ensino de língua, pois os textos dão

[...] a possibilidade de se tornar o conhecimento explícito, de segmentá-lo, diferenciá-lo, pormenorizá-lo, de inseri-lo em novos contextos, permitir sua reativação, de testá-lo, avaliá-lo, corrigi-lo, reestruturá-lo, tirar novas conclusões a partir daquilo que já é compartilhado e de representar linguisticamente, de forma nova, novas relações situacionais e sociais (Koch, 2001, p. 7).

Sustentamos, portanto, a ideia que envolveria, de um lado, oferecer o aprofundamento e a difusão dos conhecimentos teórico-metodológicos advindos da Linguística Textual, em especial da GTI, e, de outro, propor a aplicação prática por meio de uma sequência didática (cf. Dolz; Schneuwly, 2004SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. In: SCHNEUWLY, B. et al. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. São Paulo: Mercado de Letras, 2004.; Casseb-Galvão, Duarte, 2018), a partir do estudo dos gêneros textuais (por exemplo, o gênero artigo de opinião) alinhados aos objetivos propostos nos documentos oficiais norteadores do ensino no Brasil.

Nessa direção, os conceitos vistos na seção 3 poderiam ser transformados em alguns tipos de atividades de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa que passamos, agora, a especificar e exemplificar. Essas atividades alicerçadas no estudo dos gêneros textuais, como o artigo de opinião, focariam, principalmente, habilidades linguístico-discursivas dos alunos do Ensino Fundamental e Médio, promovendo, assim, o desenvolvimento de sua competência escritora.

Tomamos como ponto de partida a proposta desenvolvida por Travaglia (2011TRAVAGLIA, L. C. Gramática no nível textual e ensino: organização tópica, leitura e produção de textos. In: CABRAL, A. L. T.; SANTOS, S. S. B. (Org.). Discurso em diálogo: leitura, escrita e gramática. São Paulo: Terracota, 2011. p. 67-95.)4 4 Travaglia (2011), nessa proposta, discute o ensino da gramática no nível textual focalizando um aspecto da coerência, a saber, a Topicalidade do texto. Nela, o autor trabalha somente o nível da organização intertópica, aludindo a essa noção como “macroestrutura, tópico discursivo ou tema do texto” (Travaglia, 2011, p. 69). Para especificar e ilustrar as possíveis atividades de leitura e de produção, o autor lança mão de um gênero narrativo, a crônica Vale por dois, de Fernando Sabino. Tais atividades incidem primordialmente na leitura e compreensão de textos, mas a produção de texto não deixa de ser evidenciada também. Em conformidade com o autor, cremos que a fase da leitura e compreensão seja indispensável na medida em que servirá de referência e suporte para a etapa seguinte, que se encerra na produção dos alunos. centrada na Topicalidade. Em consonância com os pressupostos defendidos pelo autor, acreditamos ser esse um aspecto a trabalhar, por exemplo, nas atividades de leitura e compreensão de textos. Os alunos identificariam o ST, os SbTs e os respectivos SegTs do texto, extraindo, assim, a ideia central de cada um, de modo a desenvolver progressivamente sua capacidade cognitiva de abstração; e poderiam perceber, entre outros aspectos, que a identificação dessas partes e subpartes decorre sempre de uma relação de sentido estabelecida entre elas, assim como no interior de cada uma.

Desse modo, ao identificar a Topicalidade do texto, pressupomos que o aluno desenvolveria a percepção de que todo texto tem uma estrutura e que ele, antes de produzir qualquer texto, poderia preestabelecer essa estrutura. Ao visualizar essa parte do processo de construção textual, é possível que muitos estudantes atentem, por exemplo, para a possibilidade de instauração de estruturas tópicas mais complexas do que aquelas que produziriam sem maior reflexão sobre a questão.

Assim seria possível conectar a organização tópica ao planejamento dos propósitos interacionais, visto que, a partir do momento em que o aluno desenvolveu sua capacidade de apreender a dinâmica da estruturação tópica de um gênero, ele seria capaz, a um só tempo, de perceber a definição de tópicos como uma etapa que se estabelece antes da construção de um texto e de evitar que esse texto seja produzido ao acaso, pois presumiria que cada tópico exibiria uma intenção na comunicação da ideia a desenvolver e na defesa do ponto de vista que se assume.

Nesse contexto, é importante realçar, no entanto, que uma abordagem como a apontada aqui só será produtiva, útil e inspiradora se for aplicada mediante a construção de um modelo didático, isto é, uma sequência didática, cujo foco assente-se no nível de análise do gênero, possibilitando ao professor a especialização em seu objeto de ensino, ao mesmo tempo que o torna seu instrumento. Trata-se de um instrumento didático que prioriza o estudo da língua em uso e a reflexão a respeito desse uso. Na base desse instrumento está a concepção de texto como prática de linguagem e a proposta de um estudo de gramática em função do texto.

Acreditamos, enfim, que esse seja um caminho viável para um ensino significativo e produtivo de língua portuguesa e, por conseguinte, para a construção de um novo cenário de ensino com protagonistas proficientes em sua língua nas mais diversas situações de interação. Nesse sentido, o presente estudo pretende constituir-se, de alguma maneira, como uma ferramenta auxiliar do professor, na medida em que lhe possa proporcionar conhecimentos teórico-metodológicos para atuar como interlocutor colaborativo, mediando os processos de produção de texto para que os estudantes se tornem cada vez mais seguros em seus projetos de texto5 5 Segundo a cartilha de correção da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o projeto de texto se configura como “um esquema geral da estrutura de uma texto, no qual se estabelecem os pontos principais pelos quais deve passar a argumentação a ser desenvolvida”; consiste, pois, num planejamento que se deixa perceber pela organização dos argumentos presentes no texto. Isto é, o projeto de texto auxilia na organização das ideias na medida em que define a melhor ordem para apresentá-las, garantindo a articulação entre as partes do texto, sua clareza e sua coerência. Desse modo, pode-se dizer que o projeto de texto colabora para a progressão textual e a construção de uma argumentação consistente em defesa de um ponto de vista. e possam desenvolvê-los de modo bem-sucedido.

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  • 1
    No âmbito dos estudos da Topicalidade, comumente, os SegTs mínimos, de modo resumido, se caracterizam como unidades que equivalem a trechos de textos correspondentes, geralmente, a um, dois ou três parágrafos, no caso de um gênero escrito como o artigo de opinião.
  • 2
    Assinalamos o reconhecimento do caráter argumentativo da linguagem, cuja materialização se dá em qualquer gênero textual (Cavalcante et al., 2019CAVALCANTE, M. M. et al. O texto e suas propriedades: definindo perspectivas para análise. Revista (Con)Textos Linguísticos, v. 13, n. 25, p. 25-39, set./out. 2019.). Nessa direção, ao assumirmos o artigo de opinião como um gênero primordialmente argumentativo, o consideramos como um gênero fundamentalmente reservado à finalidade de argumentar, diferentemente de outros gêneros que, embora apresentem uma orientação argumentativa, têm outra finalidade principal ou explícita.
  • 3
    Em alguns momentos, utilizamos a expressão “SbTs mínimos”, e não “SegTs mínimos”, porque, nesse caso, estamos no domínio da hierarquização tópica, que diz respeito a relações entre tópicos (assuntos, temas), isto é, entre STs, SbTs (incluindo os SbTs mínimos). No que concerne à linearidade textual, ou seja, organização intertópica sequencial, falamos não de “SbTs mínimos”, mas de “SegTs mínimos”. É claro que “SbTs mínimos” e “SegTs mínimos” são conceitos correspondentes. Um SbT mínimo, que é um tópico, é desenvolvido em um segmento textual (um conjunto de enunciados), segmento este que, então, constitui um SegT mínimo. Ou seja, o SegT mínimo é o trecho textual que desenvolve um SbT mínimo. Porém, dependendo de qual aspecto do processo de organização tópica se está focalizando, é adequado falar em “SbT mínimo” (organização intertópica hierárquica) ou em “SegT mínimo” (organização intertópica linear e/ou organização intratópica) (Hanisch, 2019HANISCH, C. V. O processo de organização tópica em artigos de opinião de alunos da Universidade Federal do Acre - Câmpus Floresta. 2019. 467f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São José do Rio Preto, 2019.).
  • 4
    Travaglia (2011TRAVAGLIA, L. C. Gramática no nível textual e ensino: organização tópica, leitura e produção de textos. In: CABRAL, A. L. T.; SANTOS, S. S. B. (Org.). Discurso em diálogo: leitura, escrita e gramática. São Paulo: Terracota, 2011. p. 67-95.), nessa proposta, discute o ensino da gramática no nível textual focalizando um aspecto da coerência, a saber, a Topicalidade do texto. Nela, o autor trabalha somente o nível da organização intertópica, aludindo a essa noção como “macroestrutura, tópico discursivo ou tema do texto” (Travaglia, 2011, p. 69). Para especificar e ilustrar as possíveis atividades de leitura e de produção, o autor lança mão de um gênero narrativo, a crônica Vale por dois, de Fernando Sabino. Tais atividades incidem primordialmente na leitura e compreensão de textos, mas a produção de texto não deixa de ser evidenciada também. Em conformidade com o autor, cremos que a fase da leitura e compreensão seja indispensável na medida em que servirá de referência e suporte para a etapa seguinte, que se encerra na produção dos alunos.
  • 5
    Segundo a cartilha de correção da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o projeto de texto se configura como “um esquema geral da estrutura de uma texto, no qual se estabelecem os pontos principais pelos quais deve passar a argumentação a ser desenvolvida”; consiste, pois, num planejamento que se deixa perceber pela organização dos argumentos presentes no texto. Isto é, o projeto de texto auxilia na organização das ideias na medida em que define a melhor ordem para apresentá-las, garantindo a articulação entre as partes do texto, sua clareza e sua coerência. Desse modo, pode-se dizer que o projeto de texto colabora para a progressão textual e a construção de uma argumentação consistente em defesa de um ponto de vista.

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Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2022
  • Aceito
    23 Nov 2023
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