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FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E LETRAMENTOS LITERÁRIOS: REPRESENTAÇÕES DO AGIR DOCENTE

Initial Teacher Education and Literary Literacies: Representations of Teaching Act

Formación inicial de profesores y literacidades literarias: representaciones de la actuación docente

Resumo

Neste artigo, discute-se a formação para o ensino de literatura a partir de uma análise discursiva de interações entre dois licenciandos em formação inicial no contexto de um projeto de ensino, pesquisa e extensão. A partir do interacionismo sociodiscursivo e dos estudos sobre letramentos literários, são interpretadas as representações do agir docente em relação a oficinas realizadas com estudantes de uma escola de Ensino Fundamental. A análise permite afirmar que os licenciandos estão se apropriando de pré-construídos socialmente disponíveis e passam por processos de tomada de consciência em relação a modelos de agir que privilegiam a comunicação discursiva e as dimensões estéticas e éticas da interação entre os estudantes do Ensino Fundamental e o texto literário. Observa-se que esse tipo de análise durante a formação inicial de professores pode auxiliar na compreensão de como licenciandos constroem discursivamente seus saberes profissionais na atribuição de sentidos ao trabalho docente no ensino de Literatura.

Palavras-chave:
Formação docente; Letramentos literários; Ensino de literatura; Interacionismo sociodiscursivo; Agir docente

Abstract

In this paper, we explore the topic of teacher education focused on teaching literature through a discursive analysis of interactions between two prospective teachers (undergraduate students) in a teaching, research, and extension project. Drawing on Sociodiscursive Interactionism and studies on literary literacies/literature literacy, we interpret the representations of teaching act concerning reading workshops conducted with students in a primary school. The analysis allows us to affirm that the participants are appropriating socially available pre-constructed knowledge and undergoing processes of awareness-raising regarding models of action that prioritize discursive communication and the aesthetic and ethical dimensions of interaction between primary school students and literary texts. We observe that this type of analysis during initial teacher education can help understand how prospective teachers discursively construct their professional knowledge in assigning meaning to teaching literature.

Keywords:
Teacher Education; Literary Literacies; Teaching Literature; Sociodiscursive Interactionism; Teaching Act

Resumen

En este artículo, discutimos la formación para la enseñanza de literatura a partir de un análisis discursivo de las interacciones entre dos estudiantes de licenciatura en formación inicial en el contexto de un proyecto de enseñanza, investigación y extensión. Basándonos en el interaccionismo sociodiscursivo y en los estudios sobre literacidad literaria, interpretamos las representaciones de la actuación docente en relación con los talleres realizados con estudiantes de una escuela de Educación Primaria. El análisis nos permite afirmar que los estudiantes de licenciatura están apropiándose de preconstrucciones socialmente disponibles y atraviesan procesos de toma de conciencia en relación con modelos de actuación que privilegian la comunicación discursiva y las dimensiones estéticas y éticas de la interacción entre los estudiantes de Educación Primaria y el texto literario. Observamos que este tipo de análisis durante la formación inicial de profesores puede ayudar a comprender cómo los estudiantes de licenciatura construyen discursivamente sus conocimientos profesionales al atribuir significados al trabajo docente en la enseñanza de literatura.

Palabras clave:
Formación de profesores; Literacidad literaria; Enseñanza de literatura; Interaccionismo sociodiscursivo; Actuación docente

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como professores e formadores de professores da área de Letras, um dos desafios que nos é colocado é o de ressignificar o espaço que a literatura ocupa na escola no Ensino Fundamental - Anos Finais e no Ensino Médio. Isso porque esse lugar ainda é atravessado por paradigmas educacionais que pouco dialogam com a formação leitora das crianças e dos jovens a que atendemos, sobretudo na escola pública. Essa questão é complexa e multifacetada e não é exatamente um debate novo (Lajolo, 1982LAJOLO, M. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, R. (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.; Zilberman, 1988ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.). Contudo, diversas produções sobre ensino de literatura1 1 Na produção atual, há distinções entre autores que discutem os termos “ensino de literatura”, “ensino de leitura”, “promoção da leitura literária”, “educação literária”, “letramento ficcional”, entre outros, que não cabem em nosso espaço de discussão. Neste artigo, utilizamos “ensino de literatura” como referência à transposição didática realizada por professores ao lidarem com textos literários em sala de aula. se voltam para modos possíveis de os professores organizarem experiências mediadas com repertórios de textos que ensejem a ampliação das práticas de letramento literário dos estudantes.

A área da Linguística Aplicada (LA), com sua vocação indisciplinar (Moita Lopes, 2006), tem feito face também a essa problemática. O campo dos letramentos literários tem se expandido como interesse de pesquisa de base didático-metodológica para o ensino de literatura (Amorim; Silva, 2020AMORIM, M. A.; SILVA, M. R. L. O ensino de literaturas na linguística aplicada brasileira. Revista Raído, v. 14, n. 36, p. 163-189, 2020. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/11695. Acesso em: 9 mar. 2021.
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; Neves, 2021NEVES, C. A. B; BUNZEN JUNIOR, C. S. Apresentação: Letramentos literários na contemporaneidade: criticidade e subversão. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 60, n. 3, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tla/a/j87Ln5DCtLpgZZNJQcmDvDN/?lang=pt. Acesso em: 5 maio 2023.
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). Entendendo que, no âmbito da educação e, sobretudo, das didáticas, a produção acadêmica é vetor potente de possibilidades de ação, consideramos que a formação inicial de professores pode colocar em movimento estratégias de ensino voltadas para a promoção dos letramentos literários na escola - e pesquisas nesse âmbito podem nos ajudar a compreender o processo formativo para esse fim.

Neste artigo, inserimo-nos nesse debate por meio de um movimento analítico de interações verbais com foco no ensino de literatura realizadas em um curso de formação inicial de professores. Partimos do recorte de um conjunto maior de dados gerados na pesquisa de doutorado intitulada “Saberes docentes para a promoção dos letramentos literários: análise discursiva de um processo formativo na licenciatura em Letras”. O contexto da pesquisa é uma instituição de educação profissional e tecnológica situada em território periférico de uma capital da região sul do Brasil. Em um projeto indissociável de ensino, pesquisa e extensão, dois bolsistas, licenciandos do curso, elaboram e executam oficinas de leitura literária voltada para estudantes do Ensino Fundamental - Anos Finais em uma escola municipal da mesma comunidade, orientados por uma professora formadora, que é uma das autoras deste trabalho.

No quadro geral da pesquisa, registramos e transcrevemos os textos produzidos durante o processo de planejamento, execução e avaliação das oficinas realizadas em 2022, a fim de acompanharmos o processo de formação desses futuros professores ao vivenciarem atividades de trabalho orientadas para a promoção dos letramentos literários na escola (Cosson, 2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.; 2020; Amorim et al., 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.). Na análise em andamento, inserimo-nos no campo da LA que investiga formação de professores na perspectiva da promoção dos letramentos para o trabalho docente (Kleiman, 2008KLEIMAN, A. B. Os estudos de letramento e a formação do professor de língua materna. Linguagem em (Dis)curso, v. 8, n. 3, p. 487-517, set. 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1518-76322008000300005. Acesso em: 27 abr. 2023.
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), mas partimos de um ângulo ainda pouco explorado: as representações do agir docente relacionadas ao trabalho com textos literários a partir do interacionismo sociodiscursivo (ISD).

Neste artigo, selecionamos dois segmentos de uma reunião em que os licenciandos avaliam o trabalho realizado em uma das oficinas desenvolvidas em 2022. Nosso objetivo é compreender como, no curso do agir linguageiro2 2 Para Bronckart (2006), agir linguageiro ou agir nos discursos é um traço distintivo da espécie humana, a qual, aparentemente, é a única que emprega de modo consciente e intencional a linguagem verbal (ou outros signos) para a produção de sentidos. É por meio desse agir linguageiro, também, que os indivíduos negociam interacionalmente posições, significados e valores atribuídos a determinadas práticas sociais, como o ensino ou o trabalho do professor em sala de aula. , eles (re)constroem representações do agir docente em relação ao trabalho com textos literários. Como resultado preliminar, observamos em nossa análise a emergência de processos de tomada de consciência sobre modelos de agir que podem se tornar recursos relevantes para a promoção dos letramentos literários. Isso nos leva a considerar que a análise discursiva de mediações formativas durante a formação inicial auxilia na compreensão de como licenciandos constroem discursivamente seus saberes profissionais, em um processo dinâmico de atribuição de sentidos ao trabalho docente, que é catalisado no próprio curso discursivo e interpretativo sobre esse trabalho.

Para dar corpo a esse propósito, organizamos este texto com seções que, além desta introdução, apresentem nossos pressupostos teóricos sobre letramentos literários e formação (inicial) de professores, bem como sobre representações do agir docente sob a ótica do interacionismo sociodiscursivo. Na sequência, apresentamos a metodologia empregada e a análise dos dados que selecionamos para este artigo. Por fim, apresentamos as considerações finais deste texto, ensejando que o diálogo se estenda para além dele.

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

O projeto de ensino, pesquisa e extensão em que a geração de dados foi realizada teve como foco, no âmbito das atividades de ensino, o processo formativo dos licenciandos; por isso, entre as atividades propostas pela professora formadora, os licenciandos leram e discutiram textos teóricos ligados ao campo da Literatura e dos letramentos literários (e.g.Amorim et al., 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.; Colomer, 2007COLOMER, T. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007.; Cosson, 2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.; 2020; Filipouski; Marchi, 2009FILIPOUSKI, A. M. R.; MARCHI, D. M. A formação do leitor jovem: temas e gêneros da literatura. Erechim: Edelbra, 2009.; Zilberman, 1988ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.). Partimos, assim, de pressupostos sobre ensino de literatura elaborados por diversos autores que discutem o tema partindo de diferentes pontos, mas cujo principal traço é preconizar mediações planejadas de leitura de textos literários.

No que acreditamos ser relevante para a análise de dados deste artigo, nas interações dos licenciandos com a professora formadora, os aportes teórico-metodológicos dos letramentos literários se mostraram como modelos possíveis de agir para o trabalho em que se engajaram. Na subseção 2.1 sintetizamos essa perspectiva a partir das obras discutidas nos encontros formativos do projeto, como ponto de partida para compreender: (a) a perspectiva formativa assumida; e (b) o objeto principal da análise, que são as representações do agir docente verbalizadas pelos licenciandos. Em seguida, na subseção 2.2, discorremos sobre a interpretação dessas representações no quadro teórico-metodológico do ISD.

2.1 LETRAMENTOS LITERÁRIOS E FORMAÇÃO (INICIAL) DE PROFESSORES

Na esteira dos estudos dos letramentos, formulações sedimentadas no âmbito da academia, mas talvez com ares de novidade para a realidade escolar brasileira mais ampla (como costuma ser a dinâmica das proposições didático-pedagógicas) envolvem os letramentos literários como modo de promover a leitura na escola. Essas produções apresentam aos professores concepções, estratégias, recursos e exemplos de ensino de literatura no enquadramento de uma didática que “privilegie a leitura subjetiva, afetiva, singular da obra literária; [...] que se preocupe em formar jovens estudantes sujeitos-leitores, bem diferente daquele perfil de aluno-leitor “experto” ou “conceitual” comumente almejado pela escola” (Neves, 2021NEVES, C. A. B; BUNZEN JUNIOR, C. S. Apresentação: Letramentos literários na contemporaneidade: criticidade e subversão. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 60, n. 3, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tla/a/j87Ln5DCtLpgZZNJQcmDvDN/?lang=pt. Acesso em: 5 maio 2023.
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, p. 71).

Apesar das dificuldades que se interpõem na relação universidade-escola, essas propostas têm potencial para fazer avançar a democratização da leitura literária, desde que, como afirma Nóvoa (2019NÓVOA, A. Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 44, n. 3, 2019, p.1-15. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edreal/a/DfM3JL685vPJryp4BSqyPZt/. Acesso em: 2 dez. 2022.
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), elas enfoquem a profissionalidade docente e as experimentações pedagógicas a partir de um diálogo propositivo entre pesquisadores, professores em formação e professores em serviço. Nesse sentido, o projeto que sustenta a pesquisa encampou esse desafio, de modo que optamos por tomar os letramentos literários como elemento formativo, seja no ensino superior, seja, com a devida adequação, no Ensino Fundamental - Anos Finais.

O termo “letramento literário”, de acordo com Amorim et al. (2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.) e Zappone e Nascimento (2021ZAPPONE, M. H.; NASCIMENTO, S. Letramento ficcional e letramento literário: reflexões sobre usos de textos ficcionais a partir dos estudos de letramento. Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, n. 32, p. 165-188, 2021. Disponível em: https://revistaveredas.org/index.php/ver/article/view/614. Acesso em: 4 dez. 2022.
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), surge nos anos 1990 e aparece na primeira década dos anos 2000 em documentos oficiais. Cosson (2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.; 2020) contribuiu para a área com propostas metodológicas de grande visibilidade, de modo que seu livro que tem o termo como título “se tornou uma das obras acadêmicas mais vendidas, em específico, aos interessados em ensino de literaturas e letramentos literários” (Amorim et al., 2022, p. 92).

Conforme a perspectiva do letramento literário tal como entendida por Cosson (2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.), é função da escola dar a conhecer a tradição literária como capital cultural, mas, em primeiro lugar, mediar atividades com foco na formação do leitor. Essa mediação tem como objetivos a construção de repertório e o desenvolvimento do senso crítico ético e estético dos estudantes por meio de atividades que oportunizem explorar as possibilidades da linguagem literária e refletir sobre situações de produção e recepção. No desenvolvimento do letramento literário, ele propõe substituir a perspectiva escolar do ensino sobre literatura para um ensino de literatura e por meio da literatura, tomando-a “como um processo de comunicação, uma leitura que demanda respostas do leitor, que convida a penetrar na obra de diferentes maneiras, a explorá-la sob os mais variados aspectos” (Cosson, 2006, p. 29). Isso envolve a interação verbal, um ato de imersão discursiva e o reconhecimento do outro a partir do movimento de (des)(re)construção do mundo por meio da experiência literária.

Mais recentemente, observa-se na produção acadêmica um movimento de “compreender os letramentos literários pela lente das práticas sociais de letramentos” (Neves; Bunzen, 2021NEVES, C. A. B; BUNZEN JUNIOR, C. S. Apresentação: Letramentos literários na contemporaneidade: criticidade e subversão. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 60, n. 3, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tla/a/j87Ln5DCtLpgZZNJQcmDvDN/?lang=pt. Acesso em: 5 maio 2023.
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). Amorim et al. (2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.) enquadram a discussão no campo da LA, destacando a elaboração de significações em uma perspectiva que evoca os Novos Estudos dos Letramentos (Street, 2003, 2006), a Pedagogia dos Multiletramentos (Cope e Kalantzis, 2000COPE, B.; KALANTZIS, M. (Eds.). Multiliteracies: Literacy Learning and the Design of Social Futures. Londres. Routledge, 2000., 2009; Rojo, 2012ROJO, R. Pedagogia dos Multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola. In: ROJO, R., ALMEIDA, E. de M. (Orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012., 2013) e a perspectiva do Círculo de Bakhtin (Bakhtin, 2017BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017 [1970-1975]. [1970-1975]; Volochinov, 2021VOLOCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2021 [1929]. [1929]). Fundamentados nisso, os autores buscam ampliar a definição presente nas obras de Cosson (2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.), e, assim, propõem a ressignificação do conceito com o termo letramentos literários3 3 Ao justificar o uso do termo no plural, os autores sublinham a concepção que assumem a partir das perspectivas supracitadas, marcando um afastamento da definição do termo como um conjunto de habilidades. Procuram, ainda, reconhecer a pluralidade linguística e cultural e a diversidade de textos e semioses presentes no que contemporaneamente consideramos como produção literária. Além disso, assumem haver relações de poder nas práticas sociais, resultando em representações plurais e ideológicas dos letramentos, como dominantes, marginalizados ou resistentes, por exemplo (Amorim et al., 2022). . Nesse sentido, entendem

letramentos literários como movimentos contínuos, responsivos e ideológicos, de apropriação do texto literário como construção de sentidos sobre os textos, sobre nós mesmos e sobre a sociedade, o que envolve: 1) a compreensão do texto literário como um tecido em construção ou texto infinito, com significados sempre em debate, abertos a questionamentos e contestações; 2) a possibilidade de construção contínua de atitudes responsivas - sempre ideologicamente guiadas - na integração com textos literários em diferentes contextos; e 3) um movimento exotópico de encontro com o outro e consigo mesmo, de alteridade, pelo estético, numa perspectiva humanizadora do ser humano coisificado (Amorim et al., 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022., p. 96).

Podemos afirmar que a proposta para esse ensino, assim colocado, envolve planejar atividades que se organizem em torno dessa compreensão de texto em debate, proporcionem atitudes responsivas e de integração com os textos e criem oportunidades de experienciar e (re)construir, pelo estético, os sentidos de identidade e alteridade a partir de “movimentos sócio-historicamente situados e de construção de sentidos no texto do ato da leitura literária” (Amorim et al., 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022., p. 97).

Guardadas suas diferenças, essas proposições têm em comum o objetivo de dialogar diretamente com docentes da Educação Básica. Elas reelaboram concepções de literatura e de leitura, trazendo elementos centrais para (re)pensar práticas e projetos de ensino. Além disso, enquadram a discussão no contexto escolar real, consideradas as dificuldades encontradas na escola pública; oferecem exemplos de possibilidades de trabalho nos mais diferentes níveis; e fornecem base para elaboração de atividades com foco na interação com textos. Buscam, portanto, contribuir para o avanço na democratização da leitura literária no espaço escolar e disponibilizam modelos de agir (conforme discorremos na próxima subseção) para o ensino de literatura nesses termos.

A nosso ver, tal democratização passa também pela compreensão de formação inicial de professores que assumimos. Na pesquisa em pauta, dialogando com Tardif e Lessard (2009TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Trad. de João Batista Kreuch. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.), compreendemos formação inicial como a profissionalização docente em nível universitário em curso de licenciatura. Tal profissionalização abrange a vivência da práxis educacional, seja no âmbito das disciplinas cursadas no Ensino Superior, seja, especialmente, na experiência prática em campo, na sala de aula da Educação Básica, em espaço outro que não o de estágio curricular obrigatório. É na vivência articulada entre esses dois espaços (de prática e de formação universitária) que o entrelugar de socialização profissional se delineia específica e interacionalmente em nosso projeto.

A reflexão que se torna socialmente partilhada em encontros formativos, versando sobre a experiência vivida no trabalho empírico com o texto literário em sala de aula, bem como as representações resultantes, dão a ver os significados que professores em formação constroem sobre seu trabalho de ensino. Nas interações produzidas nesse contexto, atuando como formadores, buscamos apresentar esses recursos como possíveis organizadores do trabalho dos licenciandos no espaço escolar. No entanto, a apropriação de modelos de agir envolve múltiplas dimensões - das pessoas e da própria natureza complexa do trabalho docente (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006.). Na concepção advinda do ISD, esse processo é acessível a partir da tomada de consciência que ocorre na atividade linguageira de representar o próprio agir, como discutimos a seguir.

2.2 REPRESENTAÇÕES DO AGIR DOCENTE NO QUADRO DO INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

O interacionismo sociodiscursivo (ISD) parte de uma concepção vigotskiana da interdependência entre linguagem e cognição e de uma perspectiva materialista da relação dialética entre a praxiologia e a gnosiologia (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006.; 2008). Desse lugar, entendemos que as atividades de linguagem criam, planificam, veiculam, regulam e avaliam modos de agir e de conhecer o mundo, e são, portanto, o lugar da morfogênese das capacidades de agir das pessoas. É por meio do agir linguageiro - que comenta as atividades humanas - que as pessoas se apropriam de pré-construídos, isto é, das organizações sociais de atividades práticas e das representações coletivas do mundo. Por isso, a análise discursiva permite compreender esse processo de apropriação no campo do trabalho e da formação para o trabalho, inclusive no âmbito de uma licenciatura em Letras, como é o caso deste estudo.

Quando os trabalhadores (se entendermos que os licenciandos assumem esse papel durante o projeto, com vistas ao desenvolvimento de sua profissionalidade docente) se engajam na avaliação de suas atividades, produzem representações do agir sobre si mesmos. Uma vez que não podemos acessar diretamente a dimensão psicológica dos indivíduos, mas apenas as representações (discursivas) que eles produzem sobre o que está acontecendo internamente, em seus pensamentos, a análise dessas representações nos possibilita compreender os processos de apropriação (e de transformação) de pré-construídos que são elaborados no decorrer da atividade de linguagem por eles experimentada. Nesse enquadramento, nosso ponto de partida é o agir linguageiro, na medida em que fornece “indícios de tomada de consciência acerca das mudanças que o sujeito vivencia ao participar de diferentes situações, especialmente aquelas de caráter formativo” (Carnin; Guimarães, 2016CARNIN, A.; GUIMARÃES, A. M. de M. Agir linguageiro, tomada de consciência e desenvolvimento profissional do professor em formação continuada. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v.6, n. 3, p. 365-385, 2016.Disponível em: https://doi.org/10.1590/1984-6398201610276. Acesso em: 18 nov. 2023.
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, p. 367).

Isso se faz possível, no nível textual, por meio da análise de unidades semióticas de diversos níveis presentes nos discursos, pois “é no nível das unidades linguísticas que se desenvolvem os processos mais fundamentais de formatação semiótica das representações” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006., p. 19). Essa é uma maneira de interpretar o sentido (as motivações, as intenções, as percepções, os efeitos) do fazer humano partindo do agir ou, mais especificamente, da atividade e da ação:

o termo agir designa o dado sob análise, isto é, as diferentes ocorrências de intervenções de seres humanos no mundo, enquanto os termos atividade e ação designam interpretações desse agir, coletivas e individuais respectivamente, e que mobilizam ou explicitam as dimensões motivacionais (razões de agir, retrospectivas) e intencionais (finalidades do agir, prospectivas), assim como os recursos sincronicamente disponíveis para os agentes (Bronckart; Machado, 2004BRONCKART, J.; MACHADO, A. Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho educacional. In: MACHADO, A. O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. p. 131-163., p. 15, grifos no original).

A análise das representações do agir docente é uma das áreas sobre a qual pesquisas no âmbito do ISD se debruçam e na qual nós nos inserimos neste artigo. Partimos da concepção de que ensinar é agir, e que o trabalho do professor é uma atividade com propriedades e dimensões específicas que

[...] resumidamente, consiste em uma mobilização, pelo professor, de seu ser integral, em diferentes situações - de planejamento, de aula, de avaliação -, com o objetivo de criar um meio que possibilite aos alunos a aprendizagem de um conjunto de conteúdos de sua disciplina e o desenvolvimento de capacidades específicas relacionadas a esses conteúdos, orientando-se por um projeto de ensino que lhe é prescrito por diferentes instâncias superiores e com a utilização de instrumentos obtidos do meio social e na interação com diferentes outros que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos na situação (Machado, 2007MACHADO, A. R. Colaboração e crítica: possíveis ações do linguista na atividade educacional. Veredas. Revista de Estudos Linguísticos, v. 11, n. 2, p. 22-40, 2007., p. 93).

Na formação inicial de professores, os instrumentos obtidos do meio social para chegar a esses objetivos e os pré-construídos relacionados a nosso ofício são apropriados em diálogo com representações sobre o trabalho elaboradas ao longo de toda a experiência de escolarização. Daí depreendemos que perspectivas como a dos letramentos literários, que potencialmente diferem daquelas metodologias de ensino de literatura vivenciadas e (re)conhecidas por professores em formação, oferecem recursos profissionais que podem engendrar transformações nas representações das atividades do professor e dar a conhecer maneiras significativas para organização de seu trabalho. Para que isso ocorra, defendemos que a formação inicial proporcione engajamento em atividades que envolvam a complexidade do trabalho real, dado que a profissionalidade docente consiste

[...] na capacidade de conduzir seu projeto didático, considerando múltiplos aspectos (sociológicos, materiais, afetivos, disciplinares, etc.), frequentemente subestimados e que, entretanto, constituem o “real” mais concreto da vida de uma classe (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006., p. 227).

Tendo em vista que os problemas apontados nos estudos sobre ensino de literatura na escola envolvem a reprodução de metodologias que não têm tido êxito na democratização da leitura literária, no estudo aqui descrito objetivamos colocar a perspectiva dos letramentos literários em movimento, isto é, organizar mediações formativas para os licenciandos em conjunto com atividades reais de trabalho para, por meio da análise discursiva dos textos produzidos, acompanhar o processo de apropriação de modelos de agir.

Concebemos que as atividades de linguagem que envolvem a avaliação do trabalho são sempre qualificadas como “procedimentos de reflexão” (Bulea, 2010BULEA, E. Linguagem e efeitos desenvolvimentais da interpretação da atividade. Campinas: Mercado de Letras, 2010., p. 27) porque promovem um debate interpretativo sobre o agir. Esse debate é produto da seleção e mobilização de diferentes (e muitas vezes conflitantes) avaliações sociais internalizadas quando o indivíduo, no curso do agir linguageiro, constrói uma interpretação da validade e dos efeitos de suas ações. Por isso, essas atividades ensejam processos de tomada de consciência sobre os sentidos do agir. Logo, têm um caráter formativo, na medida em que podem gerar novas representações e possibilitar o desenvolvimento, compreendido como (re)organizações de conhecimentos e condutas (Bronckart; Fraga-Leurquin, 2010BRONCKART, J-P. FRAGA-LEURQUIN, E. Prefácio. In: BULEA, E. Linguagem e efeitos desenvolvimentais da interpretação da atividade. Campinas: Mercado de Letras, 2010. p. 9-22.), que se consolidam como reestruturações psíquicas positivas (Almeida, 2016) relacionadas a modelos de agir. No âmbito deste artigo, em que nos deteremos em dois momentos de verbalização dessas avaliações, tomamos como categoria principal as seguintes dimensões do agir postuladas no ISD, descritas no quadro 1.

Quadro 1
Dimensões do agir

Cumpre destacar que tais noções, especialmente os recursos para o agir que são mobilizados discursivamente, permitem interpretar as representações em termos de modos de chegar ao efeito esperado. Já as dimensões das razões e da intencionalidade permitem compreender a interpretação que é construída em relação ao que foi/deveria ser feito e quais eram os efeitos esperados. Entendemos que, no nível dos recursos, a transformação de artefatos em instrumentos é complexa e é o que caracteriza o desenvolvimento. De acordo com Machado e Lousada (2010MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ld/a/C4dChVcyCfGBgbyLCFMkrVv/. Acesso em: 27 abr. 2023.
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, p. 616):

“apropriar-se de alguma coisa” é adaptar alguma coisa a um uso ou a uma finalidade determinada; atribuir alguma coisa a si mesmo, fazer com que ela seja SUA (algumas vezes, até mesmo de modo indevido). De fato, segundo Rabardel (1995), o artefato nunca é apropriado em sua totalidade, mas em parte, de acordo com as necessidades dos sujeitos, de suas capacidades, da situação etc. Em outras palavras, não se trata de simplesmente utilizar o artefato como mandam as prescrições, mas de usá-lo de modo que ele seja útil para o próprio trabalhador e adaptado por ele mesmo às diferentes situações em que precisa utilizá-lo. Assim, é só quando algum artefato é apropriado pelo sujeito que ele passa a ser verdadeiro instrumento psicológico, na concepção da teoria vigotskiana.

Portanto, nossa análise não parte de uma perspectiva linear e progressiva de “apropriação” de modelos de agir ideais: buscamos compreender como artefatos simbólicos ligados aos letramentos literários podem reorganizar representações do agir na formação inicial e interpretar como ocorre a tomada de consciência para que modelos de agir disponíveis possam se tornar instrumentos para promoção dos letramentos - quer na formação desses professores, quer, especialmente, nos contextos de ensino na Educação Básica.

3 METODOLOGIA

Os textos que nos servem de base foram produzidos por dois licenciandos em Letras, aqui nomeados ficticiamente como Murilo e Breno4 4 Este estudo conta com registro na Plataforma Brasil e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Unisinos, sob o nº 58726622.6.0000.5344, e a participação dos licenciandos se deu de modo voluntário, registrada em TCLE assinado por eles. , em interação entre si e com a professora formadora (apresentados em detalhe no quadro 2, mais adiante), durante as reuniões semanais do projeto. Elas foram realizadas via Google Meet em 2022. Nosso conjunto de dados totaliza 15 reuniões, cada uma apresentando entre uma e duas horas de duração, de modo que comporta 27 horas de gravação ao todo. Além do registro audiovisual desses encontros, também era utilizado o Google Docs como ferramenta de elaboração do planejamento.

Essas reuniões envolveram as seguintes atividades coletivas, não necessariamente sequenciais: (a) leitura do documento de planejamento e avaliação dos objetivos elaborados para a oficina anterior, momento em que eram retomadas as atividades já realizadas; (b) planejamento de objetivos de aprendizagem da oficina subsequente, envolvendo a discussão precedente, uma análise das características do conto a ser trabalhado e suas potencialidades; (c) elaboração das atividades e divisão de responsabilidades de condução.

Quadro 2
Perfil dos participantes da pesquisa

Na estrutura das interações, essas atividades se materializam por verbalizações que introduzem ou iniciam um tema, denominadas no ISD como segmentos de orientação temática (SOT) e por segmentos produzidos em resposta a um SOT, identificados como segmentos de tratamento temático (STT). Por isso, foram realizados os seguintes procedimentos analíticos:

  • a) identificação do conteúdo temático principal, de SOT e STT por meio de leitura da transcrição (elaborada de acordo com as convenções propostas por Mira [2016MIRA, C. A construção de objetos de discurso nas práticas conversacionais de um grupo de convivência de afásicos. Fórum Linguístico (Online), v. 13, p. 1131-1146, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/article/view/1984-8412.2016v13n2p1131. Acesso em: 5 maio 2023.
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/for...
    ] e a partir da perspectiva da Análise da Conversação, proposta por Marcuschi [1986MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. São Paulo: Editora Ática, 1986.]);

  • b) identificação de SOT e STT de avaliação do trabalho realizado;

  • c) interpretação das dimensões do agir verbalizadas nos segmentos de avaliação: razões, intencionalidade e recursos; e

  • d) análise das modalizações e sua relação com a morfogênese do agir docente em relação ao trabalho com letramentos literários. Por meio desses procedimentos, foram identificados os SOT e STT descritos no quadro 3, apresentado na página seguinte.

Dessa sistematização selecionamos o excerto 1, correspondente aos SOT4 e SOT5, para análise do STT4 e do STT5, e o excerto 2, correspondente ao SOT7, para análise do STT7, uma vez que eles comentam o mesmo conjunto de atividades e materializam avaliações sobre o trabalho realizado. Interpretamos essas verbalizações como potencialmente significativas para compreender o processo de tomada de consciência no agir linguageiro em relação a modelos de agir relacionados aos letramentos literários. São representativas, também, da formação de que Murilo e Breno fizeram parte, evidenciando o caráter dialogado e não expositivo/diretivo da construção de sentidos sobre o trabalho docente com o texto literário em sala de aula.

Quadro 3
Segmentos de Orientação Temática e de Tratamento Temático do Encontro 6

4 ANÁLISE DOS DADOS

A gravação da reunião online de 25 de agosto totaliza uma hora e trinta e oito minutos. Os licenciandos iniciam a reunião tratando de questões organizativas da oficina ocorrida na semana anterior para a formadora, que não estava presente (SOT1). A formadora, em seguida, pergunta se os licenciandos avaliam que os objetivos de aprendizagem foram atingidos (SOT2) e como foi o trabalho com as perguntas de leitura (SOT3). Murilo e Breno relatam algumas questões relacionadas à interação de alguns estudantes com eles. Aos 4min20s inicia o primeiro excerto analisado (SOT4).

4.1 “SERIA MELHOR SE ELES TIVESSEM DISCUTIDO EM GRUPOS”: ATITUDES RESPONSIVAS E IMERSÃO/COMUNICAÇÃO DISCURSIVA

No excerto 1, apresentado na página seguinte, a formadora pergunta sobre a compreensão dos estudantes acerca do papel narrativo dos personagens no conto trabalhado na oficina realizada. A obra eleita foi o livro de contos Vila Sapo, do escritor José Falero, e os dados se referem ao texto que abre o livro, Atotô (Falero, 2019FALERO, J. Vila Sapo. Porto Alegre: Venas Abertas, 2019.)5 5 A obra do escritor portoalegrense tem sido celebrada pela crítica nacional e, esgotada em sua primeira edição por uma editora independente, foi reeditada em versão estendida pela Todavia, em 2022. Não é possível, por restrição de espaço, discorrer sobre seu conteúdo linguístico e literário, embora seja relevante para uma compreensão mais ampla do itinerário formativo que a escolha da obra possibilitou no contexto. Nos limites deste artigo, essa caracterização nos parece suficiente: “Vila Sapo é a periferia contada pela periferia, livre da concepção romântica e infiel com a qual é costumeiramente representada; uma espécie de autorretrato sincero, que nos conta sobre uma vida dura, mas também sobre o amor e a esperança”. Disponível em: https://bit.ly/3sM0oJS. Acesso em: 20 nov. 2023. . Os objetivos das atividades haviam sido elaborados na reunião anterior e envolviam debater elementos da estrutura narrativa, posicionar-se sobre a recepção da variedade linguística periférica urbana utilizada pelo narrador, sobre os temas tratados (como violência policial e religiosidade afrobrasileira) e sobre o final do conto (que deixava elementos do desfecho em aberto), além de fazer inferências em pausas de leitura. Para isso, foram elaboradas perguntas de mediação de leitura para serem feitas nas pausas, cards para serem discutidos pelos estudantes depois da leitura e uma atividade de escrita de criação dos personagens em diálogo com o contexto do conto lido.

A pergunta da formadora se refere à atividade que consistia na distribuição de cards contendo perguntas de leitura para discussão em grupos sobre, entre outros elementos, os efeitos das ações dos personagens no desenvolvimento do enredo. Em seguida, seria realizada uma produção de texto com foco na criação de um personagem para aquele mundo narrativo. No entanto, houve um impedimento, que foi o número pequeno de estudantes presentes naquele dia, e que é indiretamente tematizado por Murilo, como veremos a seguir. Notamos que ambos verbalizam uma avaliação negativa em relação aos efeitos e as consequentes readequações do curso da ação por eles pretendido.

Quando a formadora pergunta sobre a mudança no curso da ação em relação ao planejado, Murilo responde elencando o motivo dessa readequação (porque na real ficou meio… abstrato), de modo que sua avaliação parte da observação que ele faz das reações dos estudantes. Ao interpretar que os estudantes não conseguiam identificar os papéis de narrador e personagem a partir dessa nomenclatura, isto é, que havia um impedimento para a continuidade de suas ações (que envolvia introduzir a atividade de produção textual nesses termos), ele tematiza o curso da ação no sentido de perguntar sobre a materialidade do conto para contextualizar a atividade de escrita na sequência (e aí eu disse assim bá galera se faltasse um deles, se a gente tirasse um deles, como é que ia ficar essa história?). Esse trecho deixa ver como o processo interpretativo no agir linguageiro parece fomentar/enseja a elaboração de recursos, mais especificamente, processos mentais (a identificação de um impedimento) e atitudes (a evocação da materialidade do texto) considerando aspectos relevantes ao trabalho docente - nesse caso, a dificuldade de integração dos estudantes com uma das dimensões estéticas do literário (Amorim, 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.), que é a estruturação de um mundo ficcional e os efeitos de sentido que ela provoca.

Excerto 1:
atitudes responsivas e imersão/comunicação discursiva

Além disso, os movimentos contínuos de apropriação do texto literário (Amorim, 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.) por meio de atitudes responsivas é o aspecto da promoção dos letramentos literários tematizada; Breno elabora cursos de ação para si mesmo tendo como referência modelos de agir e recursos a partir dessa concepção de atividade. Em uma perspectiva bakhtiniana, a elaboração de sentidos a partir dos textos implica uma “índole responsiva” e uma “construção ativa”, ou seja, há construção de sentido quando há respostas a perguntas construídas a partir da interação entre leitor-texto e do diálogo entre sujeitos históricos que surge dessa interação (Bakhtin, 2017BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017 [1970-1975]. [1970-1975]). Nesse sentido, ele demonstra mobilizar e testar recursos para incitar a imersão discursiva (Cosson, 2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.) dos estudantes em relação ao que era objeto de ensino naquele momento, tentando manter a estrutura do planejamento, porém situando-o na interação com o conteúdo do texto.

No entanto, ambos os licenciandos avaliam que as atividades não alcançaram os efeitos esperados, como Breno expressa (não fluiu), confrontando intenções do trabalho planejado com o real (quanto a gente achou que ia fluir). No final desse trecho, Breno elabora um motivo para essa disjunção (porque um ficou com cada pergunta/mas foi aquilo aquele negócio, não teve os grupos pra discutir). A partir disso, mobiliza recursos iniciados com modalização de valor psicológico com algum grau de incerteza (eu acho que essa… seria melhor se eles tivessem discutido em grupos assim mesmo, sabe?) relacionados à dinâmica de sala de aula, uma vez que o instrumento de mediação da interpretação do texto literário, que seria a interação dos estudantes a partir das perguntas, foi substituído no curso da ação, já que cada estudante ficou com uma pergunta. O que está em jogo aqui parece ser a “imersão discursiva” que era o efeito esperado (Cosson, 2006COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.) ou a “comunicação discursiva” que enseja diálogos de diferente natureza: pode ser de fato uma interação face a face entre pessoas, uma reação organizada por escrito ou, ainda, uma réplica interior no nível do discurso interno ou do pensamento consciente (Volochinov, 2021VOLOCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2021 [1929]. [1929]). O que Breno verbaliza é que a réplica interior e subsequente resposta ao questionamento não parece ser um recurso suficiente para suscitar os efeitos esperados. Assim, ele parece passar por uma tomada de consciência de que a interação entre pares seria um instrumento mais efetivo para alcançá-los, colocando no centro de sua representação modelos de agir relacionados à construção coletiva de sentidos.

4.2 “ELES CONSEGUEM FAZER A CONEXÃO ENTRE O LITERÁRIO E O MUNDO REAL”: DIMENSÕES ÉTICAS E ESTÉTICAS DA LEITURA LITERÁRIA

Depois do segmento analisado, a formadora e os licenciandos elencam atividades que poderiam ser feitas. Aos 7min15s inicia-se o excerto 2, quando Murilo (re)orienta a interação para a avaliação dos objetivos de aprendizagem (SOT7). A partir dessa orientação, ambos tematizam a apropriação dos estudantes em relação à linguagem empregada no conto (que apresenta papel central na construção do mundo ficcional a partir de uma variedade linguística da periferia da capital) e as relações que estabeleceram sobre suas experiências (relacionadas a vivências nas periferias urbanas) (STT7), colocando no centro da avaliação as dimensões ética e estética do texto literário no contexto das atividades que propuseram (ver excerto 2, na página seguinte).

Os licenciandos interpretam que as respostas dadas pelos estudantes materializam sua compreensão, e ambos avaliam, a partir das atividades (eles deram respostas/eles falaram da linguagem/aí falaram que acharam que não, que era legal porque aproximava porque aproximava eles mais do conto), o grau de apropriação desses aspectos. Novamente, é destacado o papel de Murilo na construção da interação dos estudantes com o texto (o Murilo fez uma pergunta boa lá) desta vez na avaliação de Breno, e o recurso verbalizado como razão dessa avaliação é uma pergunta de leitura. A identificação da entrada dos estudantes em um debate interpretativo a partir de suas ações (ali eles discutiram bastante, conversaram, falaram,) presentifica que o que eles elencam como relevante para a avaliação de suas próprias ações nesse momento é, justamente, a interação dos estudantes sobre o texto. Além disso, eles avaliam diretamente suas próprias ações como encadeadoras desse processo de interpretação.

Excerto 2:
debate interpretativo e letramento literário

Na segunda parte do segmento, quando Murilo tematiza e avalia positivamente a interação com o conteúdo literário do conto, uma estudante é representada como exemplo (A Ângela (nome fictício) trouxe uma reflexão da vida dela de como…), e ele identifica o motivo (porque eu disse, eu perguntei assim) a partir de sua intervenção. A atividade envolvida nesse episódio é narrada como evidência de efeito positivo (eles conseguem fazer a conexão entre o literário e o mundo real) e a avaliação ainda evoca um recurso simbólico (chama-se letramento literário isso inclusive). Desse modo, o estudante presentifica no texto a representação da teoria a partir do movimento interpretativo que permite, na interação com os textos literários, reconstruir o sentido de identidade (Amorim et al., 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.). Nesse sentido, ao tematizar a apropriação da linguagem utilizada e essa identificação pessoal, Murilo parece passar por uma tomada de consciência acerca dos sentidos dos letramentos literários, na perspectiva de uma leitura literária em que

diante do texto, (social, política e historicamente situado), o leitor (igualmente situado) consegue reconstruir elementos que abrangem as dimensões cognitiva, ética e, também, estética de sua existência em sociedade. [...] Decorre, assim como outros tipos de leitura, de uma integração sócio e historicamente situada, mas tem como diferencial o alcance da dimensão estética da pessoa (Amorim et al., 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022., p. 73).

Em ambos os segmentos, interpretamos que os licenciandos colocaram no centro das atividades, de fato, “a possibilidade de construção contínua de atitudes responsivas” a partir da leitura literária, seja quando avaliaram negativamente os efeitos do trabalho planejado, seja quando avaliaram positivamente. As ações que tematizaram se voltaram para perguntas de mediação em ambos os excertos, o que pode indicar que a representação do agir que está em construção nesses textos envolve esse modelo de agir. Além disso, essa representação parte de aspectos específicos de textos literários (estrutura narrativa, linguagem, relações intersubjetivas entre texto e leitores) e as intenções e motivos são representados tendo como origem a avaliação que fazem das respostas dos estudantes, readequando seu curso de ação a partir disso.

4.3 O AGIR LINGUAGEIRO COMO PROCESSO FORMATIVO E DE TOMADA DE CONSCIÊNCIA

No agir linguageiro de avaliação do trabalho nos dois segmentos, Murilo e Breno representam suas atividades se colocando no papel de organizadores da integração entre estudantes e texto, com o objetivo de que os estudantes reconstruíssem os sentidos da leitura a partir de diferentes aspectos, colocando-os como centro da experiência com o texto literário. Posto isso, procuramos construir uma síntese do que foi observado em cada segmento anteriormente analisado em um esquema geral apresentado no quadro 4, que é apresentado na página seguinte.

Consideramos essas atividades de linguagem como “lugares de emergência e de morfogênese (verbal e/ou comportamental) do agir e seus objetivos [...]”, e buscamos destacar “as dimensões do agir que são levadas em conta [...] do mesmo modo como as dimensões são apresentadas e organizadas” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006., p. 195-196). Desse modo, compreendendo que parece existir um descompasso entre as mediações formativas relacionadas ao ensino de literatura na escola e os estudos e propostas sobre promoção da leitura literária, entendemos que a reflexão sobre a atividade docente na formação inicial pode contribuir para a consolidação ou para modificação das representações que os trabalhadores fazem sobre seu próprio trabalho (Machado et al., 2004), sendo uma possibilidade para mitigar esse descompasso.

Quadro 4
Síntese da análise realizada

Nesse sentido, entendemos que “a ação enquanto mobilizadora de representações conscientes e ativas do agente não pode ser objeto de uma explicação causal [...], ela só pode ser objeto de uma interpretação ‘compreensiva’” (Bronckart, 2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006., p. 48). O que interpretamos nessa perspectiva é que as atividades de linguagem envolvidas no trabalho do projeto (o planejamento, a execução e avaliação das oficinas) fundam e organizam saberes, conhecimentos e capacidades de agir. Nos momentos em que Breno verbaliza que a interação entre pares poderia ter gerado efeitos mais positivos, e que Murilo tematiza o que para ele é central no letramento literário, são representados modelos de agir que estão sendo continuamente construídos a partir de ressignificações positivas de cursos de ação por eles experimentados e refletidos. Essa construção compõe a tomada de consciência sobre como conduzir a mediação da leitura literária; nesse aspecto, a elaboração e a organização de perguntas de leitura, bem como a avaliação de seus efeitos por meio das respostas dos estudantes, parece ser um recurso central para a promoção de novas formas de pensar e produzir espaços de formação inicial de professores para o trabalho com letramentos literários na escola.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos neste artigo construir uma interpretação das representações do agir docente em relação a textos literários produzidas por dois professores em formação inicial em Letras, em interação com a professora formadora durante encontro formativo realizado no âmbito de um projeto de ensino, pesquisa e extensão. Partimos do entendimento de que a linguagem tem papel fundador na compreensão da atividade e é no agir linguageiro que é possível interpretá-la e, portanto, chegar mais próximo da apropriação de conhecimentos e modelos de agir, ou, como nomeia Bronckart (2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006.), da morfogênese do agir docente. Ainda, a própria atividade de linguagem funda processos de adequação de conhecimento e elaboração de cursos de ação.

Na leitura literária, há um exercício de ampliação das possibilidades humanas de vivência, pois ela proporciona identificação, distanciamento, desestabilização, transformação e/ou acolhimento de identidades a partir da mobilização das dimensões cognitiva, ética e estética das pessoas. No entanto, para que essa elaboração simbólica esteja acessível ao leitor, é necessário considerar a construção de sentidos estéticos e éticos e os recursos de que os professores podem lançar mão para esse fim levando em conta os letramentos dos estudantes.

O projeto de pesquisa-ensino-extensão que constitui o contexto deste trabalho visou atuar nesse sentido, pois acreditamos que, imersos em uma organização política, social e econômica cindida e excludente, é imprescindível que pesquisas e intervenções no âmbito da formação de professores partam de concepções que considerem a complexidade dos processos que circundam o ensino de literatura. Acreditamos que isso é válido para a educação brasileira de modo geral; mas de modo ainda mais significativo no projeto em que essa pesquisa se insere: os dois contextos educacionais envolvidos na pesquisa (a instituição de ensino superior e a escola) estão situados em um território geográfica e simbolicamente periférico de uma grande cidade, onde essa luta desigual assume contornos ainda mais concretos nas trajetórias de letramentos dos indivíduos que ali habitam.

Murilo e Breno, colaboradores da pesquisa, produzem representações sobre sua própria ação a partir de objetos de ensino que são específicos de textos do campo literário e do ensino de literatura; verbalizam suas intenções e seus motivos relacionando suas atividades de trabalho com a construção de sentidos por meio de atitudes responsivas; e elaboram novos cursos de ação para si mesmos tendo como referência modelos de agir e recursos a partir dessa concepção de atividade. Nesse sentido, a análise permitiu compreender que modelos de agir orientados pela perspectiva dos letramentos literários, também amplamente discutidos pelos participantes da pesquisa com a formadora, contribuíram para orientar as reflexões verbalizadas pelos licenciandos, coconstruindo sentidos para o agir docente em sala de aula no trabalho com textos literários. Do mesmo modo, a análise evidenciou os momentos em que se tornava mais saliente a tomada de consciência de Murilo e Breno sobre seu agir (passado) e a possibilidade de novos sentidos para seu agir (futuro). Tal processo de atribuição de sentidos à experiência vivida, catalisado no próprio processo discursivo e interpretativo, nos permite considerar que há abertura para novos trabalhos nesse ínterim e, especialmente, para a disseminação de experiências e possibilidades de trabalho docente que tornem cada vez mais presente e significativo o trabalho com literatura na Educação Básica.

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  • ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.
  • 1
    Na produção atual, há distinções entre autores que discutem os termos “ensino de literatura”, “ensino de leitura”, “promoção da leitura literária”, “educação literária”, “letramento ficcional”, entre outros, que não cabem em nosso espaço de discussão. Neste artigo, utilizamos “ensino de literatura” como referência à transposição didática realizada por professores ao lidarem com textos literários em sala de aula.
  • 2
    Para Bronckart (2006BRONCKART, J.-P; MACHADO, A. R.; MATENCIO, M. L. M. (Org.). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006.), agir linguageiro ou agir nos discursos é um traço distintivo da espécie humana, a qual, aparentemente, é a única que emprega de modo consciente e intencional a linguagem verbal (ou outros signos) para a produção de sentidos. É por meio desse agir linguageiro, também, que os indivíduos negociam interacionalmente posições, significados e valores atribuídos a determinadas práticas sociais, como o ensino ou o trabalho do professor em sala de aula.
  • 3
    Ao justificar o uso do termo no plural, os autores sublinham a concepção que assumem a partir das perspectivas supracitadas, marcando um afastamento da definição do termo como um conjunto de habilidades. Procuram, ainda, reconhecer a pluralidade linguística e cultural e a diversidade de textos e semioses presentes no que contemporaneamente consideramos como produção literária. Além disso, assumem haver relações de poder nas práticas sociais, resultando em representações plurais e ideológicas dos letramentos, como dominantes, marginalizados ou resistentes, por exemplo (Amorim et al., 2022AMORIM, M. A.; DOMINGUES, D.; KLAYN, D. V.; SILVA, T. C. Literatura na escola. São Paulo: Contexto, 2022.).
  • 4
    Este estudo conta com registro na Plataforma Brasil e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Unisinos, sob o nº 58726622.6.0000.5344, e a participação dos licenciandos se deu de modo voluntário, registrada em TCLE assinado por eles.
  • 5
    A obra do escritor portoalegrense tem sido celebrada pela crítica nacional e, esgotada em sua primeira edição por uma editora independente, foi reeditada em versão estendida pela Todavia, em 2022. Não é possível, por restrição de espaço, discorrer sobre seu conteúdo linguístico e literário, embora seja relevante para uma compreensão mais ampla do itinerário formativo que a escolha da obra possibilitou no contexto. Nos limites deste artigo, essa caracterização nos parece suficiente: “Vila Sapo é a periferia contada pela periferia, livre da concepção romântica e infiel com a qual é costumeiramente representada; uma espécie de autorretrato sincero, que nos conta sobre uma vida dura, mas também sobre o amor e a esperança”. Disponível em: https://bit.ly/3sM0oJS. Acesso em: 20 nov. 2023.

Editado por

Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2023
  • Aceito
    23 Nov 2023
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