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ANÁLISE DIALÓGICA DA CARTILHA INFANTIL “CORONAVÍRUS - VAMOS NOS PROTEGER”: TENSÕES ENTRE DISCURSOS CIENTÍFICO-PREVENTIVOS E POLÍTICO-GOVERNAMENTAIS

Dialogical Analysis of Children’s Booklet “Coronavírus - Vamos nos Proteger”: Tensions between Scientific-Preventive and Political Governmental Discourses

Análisis dialogico de la carleta infantile “Coronavírus - vamos nos proteger”: tensiones entre los discursos científico-preventivo y político-gubernamental

Resumo

Este artigo objetiva analisar o entrelaçamento valorativo de discursos na constituição da “Cartilha para crianças: Coronavírus - vamos nos proteger”, do Ministério da Saúde, a partir de relações dialógicas tensas entre orientações preventivas para enfrentamento da pandemia de Covid-19 e outros discursos político-governamentais. Balizam a discussão os estudos dialógicos da linguagem, à luz dos escritos de Bakhtin e o Círculo, e pesquisas contemporâneas em Análise Dialógica do Discurso (ADD). Os resultados apontam que, em suas dimensões sócio-histórica, cultural, ideológica e verbo-visual, a confluência semântico-axiológica entre o já dito e o porvir na Cartilha engendra um discurso político-governamental legitimado por refrações híbridas das esferas ideológicas pública, científica e cotidiana, num todo valorativo do qual emergem discursos de acessibilidade dos cidadãos à orientação e à assistência médica pelo SUS/governo; eufemização das consequências da doença; negação de sua gravidade; negação da perduração do status pandêmico; proteção familiar e governamental à criança e ao idoso, dentre outros.

Palavras-chave:
Análise Dialógica do Discurso; Relações dialógicas; Valoração; Cartilha; Pandemia

Abstract

This article aims to analyze how different discourses are valuatively intertwined in the constitution of the “Cartilha para crianças: Coronavírus - vamos nos proteger” of the Ministry of Health, based on tense dialogical relationships between the discursive thematization of preventive guidelines for coping with the Covid-19 pandemic and other political government discourses. Dialogical studies of language, in the light of Bakhtin Circle´s writings and contemporary research in Dialogical Discourse Analysis (DDA), have guided the discussion. The results show that, in its socio-historical, cultural, ideological and verbal-visual dimensions, the semantic-axiological confluence between what has already been said and what is to come in the Cartilha engenders political-governmental discourse legitimated by hybrid refractions of the public-scientific-everyday ideological spheres, in a valued whole from which citizens' accessibility discourses emerge into guidance and into medical care by the SUS/government; euphemization of the consequences of the disease; denial of its seriousness; denial of the permanence of its pandemic status; family and governmental protection for children and for the elderly, among others.

Keywords:
Dialogical Discourse Analysis; Dialogical Relationships; Valuation; Cartilha; Pandemic

Resumen

Este artículo objetiva analizar como diferentes discursos se entretejen de modo valorativo en la constitución de la “Cartilha para crianças: Coronavírus - vamos nos proteger”, del Ministerio de la Salud, a partir de relaciones dialógicas tensas entre la tematización discursiva de orientaciones preventivas para enfrentamiento de la pandemia de Covid-19 y otros discursos político-gubernamentales. Los estudios dialógicos del lenguaje, a la luz de las escrituras del Círculo de Bajtín y de investigaciones contemporáneas en Análisis Dialógico del Discurso (ADD), balizan la discusión. Los resultados apuntan que, en sus dimensiones socio-históricas, culturales, ideológicas y verbo-visuales, la confluencia semántico-axiológica entre lo dicho y el porvenir en la Cartilha engendra un discurso político-gubernamental legitimado por refracciones híbridas de las esferas ideológicas público-científico-cotidianas, en un todo valorativo del cual emergen discursos de accesibilidad de los ciudadanos hacia la orientación y hacia la asistencia médica a través de SUS/gobierno; eufemización de las consecuencias de la enfermedad; negación de su gravedad; negación de la perduración de su status pandémico; protección familiar y gubernamental a los niños y a los ancianos, entre otros.

Palabras clave:
Análisis Dialógico del Discurso; Relaciones dialógicas; Valoración; Cartilha; Pandemia

1 INTRODUÇÃO

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou o status de pandemia para a Covid-19, a considerar suas proporções geográficas mundiais. Instaurou-se, oficialmente, um cronotopo1 1 O conceito de cronotopo em Bakhtin (1988[1975]) será apresentado posteriormente no trabalho. que “desestabilizou os modos de ser e viver a vida social” (Rohling, 2020ROHLING, N. Cronotopo pandêmico e a produção de imagens corpóreas: reflexões inacabadas. Fórum Linguístico, v. 17, n. 4, p. 5221-5237, set./dez. 2020., p. 5222) e afetou domínios comportamentais, políticos, culturais, econômicos e outros. Logo, nas mais diversas esferas da comunicação ideológica, este evento no mundo constituiu-se discursivizado em inúmeras cadeias enunciativas tematizadoras de seus impactos (Rohling, 2020).

Esse cronotopo instiga a indagar sua própria força, constitutiva das imagens de sujeitos em relações sociais, a partir de arenas ideológicas instauradas entre a compreensão científica da doença, sua disseminação e negação arbitrária por parte de governos. Fato é que o cronotopo da pandemia obrigou nações à busca de soluções e estratégias de enfrentamento à disseminação da doença, entre as quais está a reeducação pela informação. No Brasil, o Ministério da Saúde do governo Bolsonaro passou a veicular, em seu site oficial2 2 Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus. Acesso em: 28 set. 2023. , materiais informativos, disponibilizados gratuitamente, dentre os quais se destaca a “Cartilha para crianças: Coronavírus - vamos nos proteger” (Brasil, 2020)3 3 Disponível em: https://srefabricianodivep.wordpress.com/cartilha-coronavirus-vamos-nos-proteger/. Acesso em: 18 set. 2020. Em 2022, o governo lançou uma nova edição da cartilha, denominada: “Cartilha para crianças: Novocoronavírus - vamos nos proteger”. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/cartilha-para-criancas-novo-coronavirus-vamos-nos-proteger.pdf/view. Acesso em: 1 out. 2023 (daqui em diante, designada como Cartilha). Neste enunciado de autoria institucional, o governo se dirige aos interlocutores família e crianças, com o intuito discursivo de promover a introdução de novos hábitos preventivos à doença, de cuidado de si e dos outros. Nesse sentido, o discurso da Cartilha é entretecido de diversos discursos ideologicamente orientados e que buscam divulgar um (re)ordenamento econômico, político e social, o qual inclui a negação de algumas recomendações científicas para prevenção da doença. Assim, esse discurso necessita ser analisado em sua constituição valorativa, ideológica.

Para tanto, dentre as diversas alternativas de análise do discurso no âmbito das Ciências da Linguagem, o artigo ancora-se na perspectiva da Análise Dialógica do Discurso (ADD), com o objetivo de analisar relações dialógicas mobilizadas nas fronteiras entre as orientações preventivas para o enfrentamento à pandemia da Covid-19 e outros discursos político-ideológico-governamentais. Logo, a Cartilha é eleita como unidade de análise em suas dimensões sócio-histórica, cultural e ideológica - extralinguísticas, e verbo-visual - material.

Para o desenvolvimento da discussão, numa primeira seção teórica, abordamos pressupostos metodológicos da ADD em ligação a conceitos teóricos dialógicos orientadores, como cronotopo, esfera ideológica, situação de interação, enunciado, relações dialógicas e valoração. Na sequência, situamos o universo de análise e, a partir dele, a unidade eleita, para em seguida, empreender o movimento analítico, a partir do qual emergem as categorias do discurso vivo, na confluência semântico-axiológica entre o já dito e o porvir na construção discursiva.

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA ADD

A Análise Dialógica do Discurso constitui-se a partir de uma proposta interpretativa de interlocutores brasileiros contemporâneos (Brait, 2007BRAIT, B. O discurso sob o olhar de Bakhtin. In: GREGOLIN, M. R. do; BARONAS, R. (Org.). Análise do discurso: as materialidades do sentido. São Paulo: Editora Claraluz, 2007. p. 19-32., 2008; Rohling, 2014ROHLING, N. A pesquisa qualitativa e análise dialógica do discurso: caminhos possíveis. Cadernos de Linguagem & Sociedade, v. 15, n. 2, p. 44-60, jul./dez. 2014.; Pereira; Rodrigues, 2015PEREIRA, R.; RODRIGUES, R. H. Por uma análise dialógica do discurso: reflexões. In: ALVES, M. P. C.; VIAN JR, O (Org.). Práticas discursivas: olhares da Linguística Aplicada. Natal: EDUFRN, 2015.; Sobral; Giacomelli, 2016SOBRAL, A. U.; GIACOMELLI, K. Elementos sobre as propostas de Voloshinov no âmbito da concepção dialógica de linguagem. In: RODRIGUES, R. H.; PEREIRA, R. (Org.). Estudos dialógicos da linguagem e pesquisas em Linguística Aplicada. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016. p. 141-162.; Franco; Pereira, Costa-Hübes, 2019FRANCO, N.; PEREIRA, R; COSTA-HÜBES, T. C. Por uma análise dialógica do discurso. In: GARCIA, D. A.; SOARES, A. S. F. (Org.). De 1969 a 2019: um percurso da/na análise de discurso. Campinas, SP: Pontes Editores, 2019. p. 275-300.; Pereira; Brait, 2020; Destri; Marchezan, 2021) a pressupostos teóricos e metodológicos delineados por Bakhtin (1988BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução: Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Ed. da UNESP, 1988[1975]. p. 211-362.[1975], 2008/1963[1929], 2015[1934-1935]), Volóchinov (2013a, b, c [1930], 2017[1929/1930]) e Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928]). Inscreve-se, portanto, como fazer científico no campo das Ciências Humanas e da linguagem que “se materializa por gestos interpretativos, por contínua atribuição de sentidos” (Faraco, 2009FARACO, C. A. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009., p. 41).

Na visão de autores como Brait (2008BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008. p. 9-32.), o primeiro momento de uma Análise Dialógica do Discurso (ADD) é encontrado em Problemas da poética de Dostoievski (Bakhtin, 2008BAKHTIN, M. M. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução do russo, notas e prefácio de Paulo Bezerra. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008/1963[1929]./1963[1929]), quando é esboçada a proposta de Metalinguística, nova disciplina que avança para além das análises linguísticas abstratas vigentes à época e que não compreendiam a língua como ideologicamente preenchida em seu estatuto enunciativo. Dessa forma, Bakhtin apresenta o termo discurso como objeto complexo e multifacetado, reveste-o de uma compreensão sociológica amparada na dimensão extralinguística da linguagem e define-o como “pertencente simultaneamente à Linguística e à nova disciplina” (Brait, 2008, p. 11), associando-o às relações dialógicas.

Para Brait (2007BRAIT, B. O discurso sob o olhar de Bakhtin. In: GREGOLIN, M. R. do; BARONAS, R. (Org.). Análise do discurso: as materialidades do sentido. São Paulo: Editora Claraluz, 2007. p. 19-32.), no caminho metodológico de Bakhtin e do Círculo, não se aplicam conceitos preestabelecidos à análise de um corpus, mas se estabelece uma atitude dialógica e de embate que permite a emergência de categorias, a (des)revelar o constante diálogo entre a postura teórico-metodológica e a dinâmica da linguagem, visto os enunciados serem entretecidos por relações dialógicas próprias a sua eventicidade e a sua orientação ideológica. A corroborar a mesma visão, Faraco (2009FARACO, C. A. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.) afirma que, ao longo de seus inúmeros textos, Bakhtin e o Círculo buscaram apontar caminhos interpretativos preliminares e sugestivos para compreender a vida socioideológica do discurso sempre diversa, nunca estática.

Desse modo, quanto à “metodologia social de análise da linguagem” (Pereira; Brait, 2020PEREIRA, R.; BRAIT, B. A valoração em webnotícias direcionadas às mulheres. Revista da Anpoll, Florianópolis, v. 51, n. 2, p. 89-107, jul./set. 2020.), a ADD fundamenta-se no método sociológico para estudo da língua/discurso, que prevê a análise das:

formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas;

formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica;

[e] partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin) Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017[1929/1930]. [1929/1930], p. 220).

Pereira (2016PEREIRA, R. A orientação sociológica para a análise da língua: posições metodológicas nos escritos do Círculo de Bakhtin. Letra Magna, v. 19. n. esp., p. 1-18, 2016.) e outros autores esmiúçam cada uma das etapas do método sociológico. Sobre a primeira, o autor considera “o horizonte social [...] [do] enunciado, aspirando à compreensão da esfera onde se produz, circula e se recebe (se interpreta) [...] e de seu cronotopo” (Pereira, 2016, s/p). A isso se adiciona a compreensão da situação sócio-histórica, cultural e ideológica ampla de sua produção e, sobretudo, a imediata, que inclui os interlocutores e seus respectivos horizontes ideológico-valorativos, bem como as relações simétricas/assimétricas que os envolve na vida e na produção-recepção-circulação do discurso (Rohling, 2014ROHLING, N. A pesquisa qualitativa e análise dialógica do discurso: caminhos possíveis. Cadernos de Linguagem & Sociedade, v. 15, n. 2, p. 44-60, jul./dez. 2014.).

A segunda etapa do método corresponde à compreensão dos gêneros, como arcabouços valorativos sócio-históricos mobilizadores do discurso, que “articulam ‘interior’ e ‘exterior’” (Brait; Pistori, 2012BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa, v. 56, n. 2, p. 371-401, jul./dez. 2012., p. 372), de modo a se “explicitar as inter-relações dialógicas e valorativas (entoativas, axiológicas) que o caracterizam enquanto possibilidade de compreender a vida, a sociedade, e a elas responder” (Brait; Pistori, 2012, p. 378). Na análise da dimensão interna do gênero discursivo, nunca apartada de sua dimensão social (Rodrigues, 2001RODRIGUES, R. H. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico: cronotopo e dialogismo. 2001. 347f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., 2005), o analista se depara com o conteúdo temático do enunciado; com seu estilo e suas “projeções dialógico-estilístico-composicionais; sua arquitetônica; entre outras instâncias enunciativo-discursivas” (Pereira, 2016PEREIRA, R. A orientação sociológica para a análise da língua: posições metodológicas nos escritos do Círculo de Bakhtin. Letra Magna, v. 19. n. esp., p. 1-18, 2016., s/p). Por fim, na última e terceira etapa, analisam-se “as formas da língua” ou a materialidade verbo-visual que, por sua vez, refletem relações sociais representadas.

Sobral e Giacomelli (2016SOBRAL, A. U.; GIACOMELLI, K. Elementos sobre as propostas de Voloshinov no âmbito da concepção dialógica de linguagem. In: RODRIGUES, R. H.; PEREIRA, R. (Org.). Estudos dialógicos da linguagem e pesquisas em Linguística Aplicada. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016. p. 141-162.) indicam passos para uma Análise Dialógica do Discurso, como descrever o objeto em termos de sua materialidade linguística e visual, analisar relações estabelecidas entre o plano da língua (nível micro) e o da enunciação (nível macro) e “por fim interpretar que sentidos cria a junção contextual da materialidade e do ato enunciativo” (Sobral; Giacomelli, 2016, p. 1092).

Na figura 1, ilustramos a organização das dimensões extralinguística e verbo-visual do enunciado, indissociáveis, e, posteriormente, discutimos alguns de seus princípios integrantes.

Figura 1
Dimensões extralinguística e verbo-visual do enunciado

A figura não demonstra uma relação estática, mas dinâmica e recursiva. A considerar as ressonâncias valorativas cumulativas das camadas componentes da dimensão extralinguística do enunciado - o cronotopo, a esfera ideológica e a situação de interação - que organizam o conteúdo do discurso, o pesquisador se dedica a compreender quais sentidos são agenciados no uso de determinadas formas linguísticas ou visuais, composicionais, consubstanciadas no gênero que mobiliza o enunciado.

Sobre o cronotopo4 4 Bakhtin (1988[1975]) toma os romances clássicos como unidades de análise emergentes da esfera ideológica literária e reflete sobre como todas as formas de manifestação discursiva respondem valorativamente às circunstâncias espaciais e temporais. Atualmente, esses postulados se aplicam a discursos emergentes de outras esferas. , representa a relação indissolúvel, mas não fundida, do tempo-espaço, em que se situam os sujeitos e os objetos do discurso. O tempo é seu “princípio condutor” (Bakhtin, 1998[1975], p. 213) e se derrama “no espaço e flui por ele [...]” (Bakhtin, 1998[1975], p. 350), a mediar relações sociais, imagens criadas, índices de identidades, condutas representadas no enunciado. O grande cronotopo forma a atmosfera axiológica dos eventos discursivos. Assim, a emergência dos discursos no tempo-espaço, entretecido de relações dialógicas tensas e/ou harmônicas e constituídas em valorações, dá-se em processo complexo e descontínuo que assimila os aspectos do sujeito histórico e da realidade presente que nele se revela (Rohling, 2020ROHLING, N. Cronotopo pandêmico e a produção de imagens corpóreas: reflexões inacabadas. Fórum Linguístico, v. 17, n. 4, p. 5221-5237, set./dez. 2020.).

Numa relação bilateral, os grandes cronotopos fundamentais e reais do mundo vivido, como o da pandemia, sustentam a emergência dos discursos e, nos enunciados, a representação de vários cronotopos menores reflexos do maior, cada um com seus temas, a interligar a realidade social à vida do discurso. Assim, os pequenos cronotopos “podem se incorporar um ao outro, coexistir, se entrelaçar, permutar, confrontar-se, se opor ou se encontrar nas inter-relações mais complexas” (Bakhtin, 1988BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução: Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Ed. da UNESP, 1988[1975]. p. 211-362.[1975], p. 357) constitutivas do todo do enunciado.

O significado do cronotopo é sempre temático e simbólico, do ponto de vista da orientação interna e externa do enunciado à realidade. Por consequência, o conteúdo temático do enunciado é sempre cronotópico. Logo, o cronotopo se constitui como um dos princípios da existência humana, balizador do registro de práticas e atos de linguagem no interior das esferas ideológicas da comunicação.

As esferas ideológicas, por sua vez, funcionam como princípios organizadores que tipificam situações de interação e conferem certa estabilidade aos enunciados mobilizados em gêneros que delas emergem e nelas circulam. Portanto, legitimam determinadas projeções valorativas e ideológicas no discurso, consubstanciadas pelos gêneros discursivos que lhes são próprios e que, como arcabouços valorativos semiotizados na história, expressam a realidade circundante com meios próprios de visão (Bakhtin, 2003BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003[1979].[1979]; Medviédev, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928]).

Já a situação de interação discursiva, regulariza, cumulativamente, projeções valorativas e ideológicas cronotópicas e da esfera ideológica. A

situação de produção é composta de três “aspectos subentendidos da parte não verbal: o espaço e o tempo em que ocorre a enunciação - o ‘onde’ e o ‘quando’; o objeto ou tema de que trata a enunciação - ‘aquilo de que’ se fala; e a atitude dos falantes face ao que ocorre - ‘a valoração’” (Volochínov, 2013VOLOCHÍNOV, V. N. Palavra na vida e palavra na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica. Tradução: João Wanderley Geraldi. In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013[1926]. p. 71-100.b[1930], p. 172, grifos do autor).

Desse modo, vivências sociais são atualizadas no enunciado por meio de relações dialógicas e suas formas particulares de mobilização em gêneros, a atualizar a historicidade do objeto por meio dos já ditos e ao mesmo tempo consubstanciar a “influência profunda do discurso responsivo antecipável” (Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário: Paulo Bezerra. Organização da edição russa: Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015[1934-1935]. p. 19-167.[1934-1935], p. 52, grifos do autor), pela mediação das relações de alteridade, que marcam as fronteiras do discurso, permitindo o acabamento dos enunciados de diferentes sujeitos do discurso (Amorim, 2004AMORIM, M. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. São Paulo: Musa Editora, 2004.). Na e a partir dessas redes de relações dialógicas amplas, ora mais tensas ora mais distensas, os discursos dos outros e o outro são elementos fundamentais que influenciam “nas noções de sujeito, de autoria, de texto e de discurso” (Brait, 2006BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006., p. 28-29).

Bakhtin (2008BAKHTIN, M. M. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução do russo, notas e prefácio de Paulo Bezerra. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008/1963[1929]./1963[1929]) esclarece que as relações lógicas e sintáticas de natureza léxico-semântica, sobretudo, carregam as ressonâncias da dimensão extralinguística do enunciado, que permitem concretizar na materialidade linguística o reflexo de relações sociais, como ocorre na Cartilha produzida pelo Ministério da Saúde brasileiro, como resposta de uma autoria institucional político-governamental ideologicamente posicionada e interessada na necessidade gerada pelo cronotopo pandêmico de orientar a população quanto à prevenção à Covid e, ao mesmo tempo, compartilhar outros valores, como a própria negação parcial do que representa a doença.

Nos enunciados concretos, a palavra, o gesto, a imagem, aparecem revestidos pela expressividade própria do gênero mobilizador do discurso, ou carregam a expressividade de discursos anteriores (Bakhtin, 2003BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003[1979].[1979]). Assim, ao se introduzir palavras/vozes de outros sujeitos do discurso, de forma reacentuada e revalorada, o autor age para consubstanciar um projeto axiológico de dizer tematicamente orientado. Para Faraco (2009FARACO, C. A. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.), as vozes alheias estão presentes na memória discursiva como palavras do outro, e sendo bivocalizadas nos enunciados dos sujeitos podem ser citadas direta ou indiretamente5 5 Os discursos direto, indireto e suas variantes, e suas formas de introdução valorada no discurso autoral, são discutidos em Marxismo e filosofia da linguagem (Volóchinov, 2017 [1929/1930]), em O discurso no romance (Bakhtin, 2015[1934-1935]) e em Problemas da poética de Dostoiévksi (Bakhtin, 2008/1963[1929]). , constituindo-se como “discurso dentro do discurso [...] discurso sobre o discurso, [...] enunciado sobre o enunciado” (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin) Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017[1929/1930].[1929/1930], p. 249, grifos do autor). Assim, podem ser ironizadas, questionadas, hibridizadas, reforçadas, contestadas etc. A concepção do discurso é dialógica, porque da mesma forma que apreende outros discursos, volta-se

para seu objeto [e] entra nesse meio dialogicamente agitado e tenso [...] de avaliações e acentos alheios, entrelaça-se em suas complexas relações mútuas, funde-se com uns, afasta-se de outros, cruza-se com terceiros; e tudo isso pode formar com fundamento o discurso, ajustar-se em todas as suas camadas semânticas (Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário: Paulo Bezerra. Organização da edição russa: Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015[1934-1935]. p. 19-167.[1934-1935], p. 48).

As relações dialógicas, assim, compreendem todas as relações de sentido entre enunciados, nem sempre de concordância. Em suas formas de manifestação concreta, podem engendrar-se no âmago de palavras isoladas, estilos de linguagem, dialetos sociais, além de serem possíveis entre outros fenômenos conscientizados de linguagem, como na relação entre imagens, formas (Bakhtin, 2008BAKHTIN, M. M. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução do russo, notas e prefácio de Paulo Bezerra. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008/1963[1929]. [1963]). Sua compreensão permite atribuir inúmeras relações de sentido que se constituem atreladas às situações sócio-históricas, culturais e ideológicas amplas e imediatas de interação discursiva, que amalgamam a historicidade e a novidade própria aos discursos a partir de valorações mobilizadas.

Para Bakhtin (2003BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003[1979].[1979], p. 297), o discurso, em determinada esfera social, é refratado pela ideologia e pela valoração. Logo, o enunciado é concreto, irrepetível, histórico e responsivo, a apresentar uma dimensão avaliativa, construída nas tensões com elos anteriores e posteriores do discurso. Por isso, é organicamente formado de compartilhamentos valorativos, ancorados em partidas ideológicas que balizam atos sociais, políticos.

A valoração corresponde à avaliação social consumada na interação, ou seja, à produção de sentidos. Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928], p. 184) explica que a valoração determina a escolha “do objeto, da palavra, da forma e a sua combinação individual nos limites do enunciado atualizado. Ela determina, ainda, a escolha do conteúdo e da forma, bem como a ligação entre eles”, visto que composição e estilo servem à realização do conteúdo. Dessa forma, a valoração é atualizada pelos sujeitos, possibilitando-lhes, também, constituir-se em projeto discursivo.

Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin) Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017[1929/1930].[1929/1930]) discute a relação entre valoração e ideologia a partir da noção de signo ideológico. Para o autor, os signos são constituídos por índices de valor acumulados na história e compartilhados em dado horizonte social de uma época e de um grupo social. Eles são/estão vinculados às condições sociais de interação e ao desenvolvimento de dada base socioeconômica que regula a vida social, a desencadear apreensão apreciativa e reações/respostas. Na visão do autor, “[...] tudo o que é ideológico possui uma significação: [...] representa e substitui algo encontrado fora dele, ou seja, ele é um signo. Onde não há signo também não há ideologia. [...]” (Volóchinov, 2018, p. 91, grifos do autor). Assim, os enunciados encerram atos a partir de projeções valorativas e ideológicas que visam ao consenso social (Bakhtin, 2014BAKHTIN, M. Freudismo: um esboço crítico. 2. ed. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2014[1927].[1927]).

Volochínov (2013VOLOCHÍNOV, V. N. Palavra na vida e palavra na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica. Tradução: João Wanderley Geraldi. In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013[1926]. p. 71-100.a[1930]) sintetiza seu entendimento de ideologia como “todo o conjunto de reflexos e interpretações da realidade social e natural que se sucedem no cérebro do homem, fixados por meio de palavras, desenhos, esquemas ou outras formas sígnicas (Volochínov, 2013a[1930], p. 138, grifos do autor). Fruto de ações interindividuais, a ideologia materializa-se de forma sígnica, em palavras, sons, gestos, cores etc. (Medviédev, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928]). No caso da Cartilha, enunciado selecionado para análise, empregam-se recursos verbais e visuais que refletem interpretações da realidade, valorações; por exemplo, na imagem do coronavírus, ilustrado com olhos entreabertos e volitivamente apertados, boca com dentes à mostra, como se estivesse com raiva, a constituir o personagem vilão orientado ao perigo que representa na realidade. Ao interlocutor criança, ela parece assustadora, em razão do compartilhamento de valores possíveis, com ancoragem em relações dialógicas que propiciam a produção desses sentidos.

O enunciado pressupõe a existência do falante e do ouvinte, sendo a compreensão do último carregada de elementos avaliativos de resposta de concordância, de discordância, de assimilação de ideias comuns (Volochínov, 2013VOLOCHÍNOV, V. N. Palavra na vida e palavra na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica. Tradução: João Wanderley Geraldi. In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013[1926]. p. 71-100.b[1930]). Desse modo, a valoração se concretiza na entonação, elo de compartilhamentos valorativos que alinhava a produção de sentidos. Na entonação, a valoração encontra sua expressão mais pura; é isso, por exemplo, que nos permite compreender um olhar de raiva, como o representado na imagem esteticamente acabada do coronavírus na Cartilha, para que o interlocutor criança o compreenda como vilão. Orientado ao tema, o personagem serve à expressividade enunciativa, ao todo valorado do enunciado (Medviédev, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928]).

Bakhtin (2003BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003[1979].[1979]) delimita a expressividade, “isto é, a relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido do enunciado” (Bakhtin, 2003[1979], p. 289), como fator de alta influência sobre a composição e o estilo. É justamente a avaliação social que determina seus aspectos representativos, dimensionando para o autor suas escolhas: temática, composicional e estilística, indissoluvelmente formadoras do enunciado.

É com ancoragem no panorama dessas discussões que este artigo busca analisar o(s) discurso(s) que se entrelaça(m) valorativamente na Cartilha, a partir da confluência semântico-axiológica entre o já dito (relações dialógicas com elos anteriores) e o que ainda está por vir na construção discursiva do enunciado (relações dialógicas com elos posteriores).

A partir dos princípios metodológicos da ADD, em que “as etapas de análise transitam do social (as formas e tipos de interação e das enunciações) para o verbal (as formas linguísticas em sua interpretação habitual)” (Pereira, 2016PEREIRA, R. A orientação sociológica para a análise da língua: posições metodológicas nos escritos do Círculo de Bakhtin. Letra Magna, v. 19. n. esp., p. 1-18, 2016., p. 18), encaminhamo-nos para descrição do universo e do corpus eleito e, posteriormente, para o empreendimento da análise dialógica.

3 UNIVERSO E CORPUS DE ANÁLISE

A Cartilha, unidade de análise, compõe o universo dos discursos governamentais sobre a pandemia, a integrar o conjunto de enunciados lançados no sítio do Ministério da Saúde do Brasil até o dia 28 de fevereiro de 2020, às 16h, na área virtual “Campanhas-Coronavírus”6 6 Em “Campanhas-Coronavírus” (https://www.saude.gov.br/campanhas/46452-coronavirus), o leitor encontra o universo virtual que abriga diferentes enunciados da campanha contra a Covid-19. Em 2023, na aba “Guias e Planos” (https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos), o leitor pode ter contato com outros materiais, assim como com a nova edição da Cartilha, denominada “Cartilha para crianças: Coronavírus - Vamos nos proteger”. Tendo em vista o novo governo, a Cartilha passou por reformulação, por exemplo, se na versão de 2020, com 46 páginas, as personagens estavam sem máscaras, na nova edição, com 44 páginas, elas aparecem usando máscaras. . Essa arquitetônica foi organizada pelo então governo Bolsonaro, com o intuito discursivo de oferecer informações sobre Covid-19: o que é; formas de transmissão e de tratamento etc. Nela, portanto, se manifesta o posicionamento axiológico governamental em relação à doença e engendram-se determinadas propostas de configuração da vida social, com ancoragem em partidas ideológicas a serem (des)reveladas na análise7 7 Com a substituição do governo Bolsonaro pelo governo Lula em 2022, a Cartilha sofreu algumas reformulações. Embora o objetivo do artigo não seja estabelecer essa comparação, ao longo da análise informamos ao leitor das modificações efetivadas, para corroborar a compreensão da constituição axiológica da versão analisada. .

Eleita unidade de análise, a Cartilha foi escolhida em função: da temática discursivizada; do acesso gratuito que permite sua ampla disseminação e recepção; de sua direção ao público-alvo infantil, aspecto que incide sobre sua própria constituição; da composição do enunciado verbo-visual; dos elementos de sua construção artística; dos discursos que mobiliza pelas relações dialógicas e que tensionamos em debates para emergirem categorias na análise.

Como “peça de campanha” em arquivo tipo PDF (Portable Document Format), com 46 páginas, a Cartilha busca orientar crianças sobre o vírus causador e sobre a própria Covid-19, bem como sobre os cuidados necessários à sua prevenção. Do ponto de vista da orientação temática dos personagens, a cartilha apresenta três deles, que dialogam entre si: um avô, uma criança e uma médica. Quanto à composição teleológico-arquitetônica (Rojo, 2005ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo, SP: Parábola Editorial, 2005. p. 184-207.)8 8 Rojo (2005) salienta que a forma composicional é teleológica, enquanto a arquitetônica é valorativa. , o material é organizado em “seções” deflagradas por perguntas da criança, como: “O que é esse tal de coronavírus?; Como saber se alguém que conheço está doente?” etc. Essas são respondidas pela cientista e/ou o avô, dando sequência ao discurso.

As relações dialógicas com os discursos de outras esferas, a responsividade marcada pela direção antecipável ao interlocutor, os diálogos, entretecidos e marcados pelos discursos do avô, da criança e da médica na materialidade, dentre outros aspectos que participam da constituição dialógica e valorativa dos discursos mobilizados nesse enunciado verbo-visual, formam o todo valorativo orientado à realidade, conforme passamos a analisar.

4 A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DA “CARTILHA”

A tematização discursiva do enfrentamento da pandemia de Covid-19 pela informação e prevenção, que desfecha na reconfiguração de hábitos de adultos e crianças no isolamento social recomendado, constitui o discurso aparente que orienta socialmente a produção da Cartilha (Figura 2), do Ministério da Saúde, como elo enunciativo refratário do acontecimento maior que perpassa a realidade social: o cronotopo da pandemia da Covid-19.

Figura 2
Capa da Cartilha

A capa apresenta o título injuntivo: “Coronavírus, vamos nos proteger”, no topo superior da página, num fundo marcado pela cor roxa. Nessa parte, a relembrar a estilização de um arco-íris próprio dos discursos infantis, aparecem replicadas imagens de coronavírus artisticamente orientadas à caracterização de seu papel de vilão em vigília. Com expressões de mau, vários coronavírus orbitam no tempo-espaço amplo, em ameaça potencial às personagens que aparecem na parte inferior. A partir do signo coronavírus, seguido da expressão “vamos nos proteger”, o cronotopo pandêmico é refletido no enunciado. Assim, os discursos começam a ganhar vida na Cartilha.

Na composição geral da imagem, o arco transita do roxo para o amarelo escuro e, depois, para o mais claro, a conferir noção de profundidade, cujo efeito de sentido sugere a dimensão e a abrangência da proliferação do vírus no mundo, a partir de um universo representado mais amplo para um mais restrito de convivência social. Como indica Bakhtin (1988BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução: Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Ed. da UNESP, 1988[1975]. p. 211-362.[1975]), o significado do cronotopo é temático e por meio dele abre-se a porta para que a vida entre no discurso e o discurso novamente se oriente para a vida.

Num cronotopo interno menor, que parece ser uma sala pública, representa-se uma situação de interação entre o avô, a médica e a criança, numa relação de proximidade e intimidade, sem o uso de máscaras. O engajamento em ações protetivas é ensejado ao leitor no título, a partir do uso da forma verbal “vamos”, na primeira pessoa do plural, e da expressão “nos proteger”, na voz reflexiva, mas, em contraposição a isso, a ausência das máscaras, cujo uso constitui uma das principais orientações preventivas à disseminação da doença, (des)revela o posicionamento axiológico governamental resistente às orientações científicas consolidadas.

Já na capa, a Cartilha estabelece e anuncia uma refração entre discursos oriundos das esferas da ciência, do cotidiano e artística, ao representar a convivência harmônica e natural entre o avô, a criança e a médica, o que se confirma na materialidade visual pela proximidade e intimidade sugeridas, pelo semblante sereno dos personagens, com bocas arcadas para cima, em possível sorriso.

Em oposição às personagens humanas, que convivem harmonicamente, está concretizada a personagem coronavírus:

Figura 3
Imagens representativas do Coronavírus (Brasil, 2020, p. capa; p. 7; p. 18)

O vírus é ilustrado em formato redondo, na cor roxa, com hastes vermelhas ao redor que parecem estar em movimento, lembrando coroas (assim como divulgado pela mídia9 9 Exemplo de imagem do vírus, disponível em: https://www.pfizer.com.br/noticias/ultimas-noticias/o-que-saber-sobre-coronavirus-covid-19-explicado. Acesso em: 10 out. 2020. ). Como vilão configurado bivocalmente ao interlocutor e ao tema (Medviédev, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928]), olha fixamente de frente para o leitor, com braços e pernas flexionados que sugerem movimento de ataque.

Quanto ao interlocutor, a tomar como exemplo o que se dispõe nas páginas 4, 9 e 22, é recorrente o emprego da relação dialógica a seu engajamento à posição de aliado. Assim, nas vozes de personagens humanas, o interlocutor é incluído, como se “falassem de uma mesma posição valorativa, em [..] concordância” (Rodrigues, 2001RODRIGUES, R. H. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico: cronotopo e dialogismo. 2001. 347f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo., p. 210):

“Corona Vírus - vamos nos proteger? (capa, grifo nosso);

MEU NOME É DOUTORA CARLA E EU ESTOU AQUI PARA EXPLICAR DIREITINHO TODA ESSA HISTÓRIA E PEDIR A SUA AJUDA. VAMOS LÁ? (p. 4, grifo nosso);

[...] mudou muito nossa vida [...] (p. 4, grifo nosso);

[...] A gente fica com tosse e febre [...] (p. 9, grifo nosso);

É muito importante aprendermos todas as formas de nos proteger desse vírus perigoso e, assim, cuidar da nossa saúde e da saúde da nossa família e de todas as pessoas que vivem no Brasil” (Brasil, 2020, p. 10, destaque nosso).

Chegamos à parte mais importante da nossa conversa [...] (p. 22, grifo nosso).

A orientação valorativa do autor da Cartilha se manifesta em traços estilísticos do gênero, como o verbo (vamos) e o pronome em primeira pessoa do plural (nós), assim como no emprego da locução pronominal (a gente), equivalente coloquial do pronome nós. Da mesma forma, funciona a forma verbal “aprendermos”, correspondente à primeira pessoa do singular (nós). A partir de ressaltos valorativos como os mencionados, busca-se o engajamento entre autor e leitor, de modo que ambos são instituídos como responsáveis pelo cuidado com a saúde. Segundo Boch (2013BOCH, F. Former les doctorants à l’écriture de la thèse en exploitant les études descriptives de l’écrit scientifique. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão-SC, v. 13, n. 3, p. 543-568, set./dez. 2013.), o “nós” englobaria a ideia do autor e do interlocutor do texto, atribuindo ao material lido a noção de universalização das ideias. Em adição, constitui-se a discursivização de uma imagem de médica: como pessoa gentil, disponível, próxima da população e como autoridade para falar sobre o tema.

Em outros excertos da cartilha, a interação autor-leitor é mediada pela interpelação avaliativa, com indicadores modais: “é importante”, “devem mostrar”, e por verbos no imperativo: “cantem, dancem, façam atividades [...]”. Essa mensagem parece apresentar a verdade a que o leitor/os pais devem aderir, no cuidado com os filhos. O mesmo movimento é constatado quando a Cartilha destaca os cuidados a serem tomados pelas crianças: “Lave as mãos com água e sabão sempre, sempre, sempre [...]; não use as mãos para cobrir a boca” (Brasil, 2020, p. 23-24). Aqui estão alguns valores que podem ser atribuídos como efeitos expressivos próprios ao gênero discursivo “Cartilha”, cujo intuito é informar, ensinar, o que reverbera em seu estilo de linguagem, ao mesmo tempo que se orienta para a realidade na busca dos atos de engajamento do leitor. Por isso, Medviédev (2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928]) defende que os gêneros do discurso expressam de maneira própria e única uma realidade, constituindo-se em forma de agir social.

Figura 4
Imagens das vozes representativas da Cartilha (p. 25; 28; 41)

Conforme a Cartilha é desenvolvida, ocorre a predominância do movimento de “assimilação” (Rodrigues, 2001RODRIGUES, R. H. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico: cronotopo e dialogismo. 2001. 347f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.), que se confere na harmonização das vozes das três personagens, em recuperação plural de discursos de diferentes esferas da comunicação ideológica, os quais são postos em relação para produção de sentidos, como se analisa a partir da figura 4, composta pelas imagens da Cartilha.

Na figura da página 25, temos a voz da criança que, por sua vez, engendra, no enunciado, os discursos da esfera do cotidiano e legitima projeções valorativas e ideológicas ancoradas no horizonte apreciativo comum da personagem e do interlocutor leitor/criança, que compartilham avaliações sociais próprias do universo cultural infantil. Por isso, no conteúdo da cartilha, enquadra-se a voz da criança na forma de questionamento: E se eu sair correndo bem rápido, para fugir do coronavírus? Funciona? A indagação simplista e inocente, ainda, suscita efeito de humor próprio das histórias em quadrinhos.

Já na voz do avô, constitui-se uma mensagem de esperança e conscientização da criança sobre a importância de não se ter contato com os mais velhos, em razão da vulnerabilidade desse grupo. Os signos mobilizados na voz do avô, como vovô, vovó, netinhos, saudade, beijos, abraços expressam carinho, proximidade, afeto e permitem que a esfera cotidiana adentre o universo das relações familiares. Assim, a família é configurada na cartilha a partir de relações afetivas harmônicas, idealizadas.

No discurso de conforto do avô, reforça-se o valor de que é triste estar longe de quem se ama, mas que é algo necessário, havendo outras formas de se comunicar: “Eu tenho matado a saudade dos meus netinhos conversando pelo telefone” (Brasil, 2020, p. 28). Assim, as possíveis reações-resposta de objeção que o leitor poderia contrapor a seu discurso são abafadas, a silenciar enunciados prefigurados como contrapalavras possíveis (Rodrigues, 2001RODRIGUES, R. H. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico: cronotopo e dialogismo. 2001. 347f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.). A personagem avô, ainda, é um dos responsáveis pelo discurso de atenuação da gravidade da pandemia e de negação da possibilidade de seu prolongamento, o que se constrói nas tensões entre o discurso de conforto e de esperança de que a doença vai passar, como em “[...] Já, já, quando tudo passar, vou enchê-los de beijos e abraços” (Brasil, 2020, p. 28, destaques do original) ou “Fique tranquilo porque tudo vai voltar ao normal e você logo vai encontrar seus amiguinhos, o vovô e a vovó” (Brasil, 2020, p. 31, destaques do original). Esse discurso de atenuação da gravidade e negação das possibilidades de prolongamento da pandemia ocorre em outros momentos da cartilha, como retomamos em curso.

Já a esfera científica refrata-se ao enunciado por meio da voz da médica/cientista, que medeia a composição do discurso entre o cotidiano e a ciência, apresentando informações de forma acessível ou validando a introdução de explicações por parte de outras personagens. O discurso científico, no entanto, em alguns momentos, é acionado a partir de expressões de caráter dialógico sugestivo, dispersos, em expressões como “Algumas palavras para você aprender” (Brasil, 2020, p. 44-45), e em escolhas vocabulares como “propagação”, “diagnóstico” etc., a aproximar o universo cotidiano infantil do científico. Essa junção do cotidiano e da ciência faz-se pela mediação de elementos próprios da esfera artística, que reveste as projeções de todas as outras de uma estética artístico-infantil orientada à vida social.

Assim, o discurso político-governamental, que lança sua voz institucional na Cartilha do Ministério da Saúde, é atravessado por “hibridismos discursivos, portanto, valorativos, balizados entre fronteiras” (Pereira; Brait, 2020PEREIRA, R.; BRAIT, B. A valoração em webnotícias direcionadas às mulheres. Revista da Anpoll, Florianópolis, v. 51, n. 2, p. 89-107, jul./set. 2020., p. 98) de diferentes esferas. No plano verbo-visual, portanto, entre o cotidiano, o científico e o artístico, a cartilha constrói um discurso de proteção familiar e governamental à criança e ao idoso, ao suscitar que todos juntos, amparados e se amparando, conseguirão vencer a propagação da doença. As personagens são construídas segundo a orientação da temática discursivizada (Medviédev, 2019MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. São Paulo: Contexto, 2019[1928].[1928]), cuidam-se e protegem-se contra o vilão coronavírus, sob orientação médica cuidadosa e próxima.

Na Figura 5, a relação de proximidade entre as personagens é confirmada. Porém, no momento de tecer orientações científico-objetivas sobre formas de prevenção da doença, a voz da médica não é acionada de forma direta. Esse papel é posto à incumbência do avô, cuja voz é validada pela médica, como se analisa:

Figura 5
Papel social da pessoa idosa (p. 22-23)

A representação do avô como herói com sabedoria e autoridade contrapõe-se ao discurso de vilanismo do coronavírus, anteriormente constituído na Cartilha. A imagem (senhor de cabelos e barba grisalhos, que faz uso de bengala para se locomover) remete a sua experiência. Sua voz de sabedoria e autoridade é confirmada pela médica, em enquadramento valorativo positivo que se efetiva na oração explicativa “vou chamar o vovô Hermes, que sabe muito sobre o assunto”. Assim, institui-se um discurso em que a voz de autoridade familiar se sobrepõe à voz de autoridade médico-científica, já que “a parte mais importante da conversa”, na qual se tecem as recomendações para prevenção da doença, é conduzida pelo avô. Dessas recomendações, mais uma vez, exclui-se a orientação para o uso de máscaras.

Se é postulado que as esferas saturam os enunciados de projeções ideológicas, valorativas e de sentido (Bakthin, 2003[1979]; Pereira; Rodrigues, 2010PEREIRA, R. A.; RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso sob perspectiva da Análise Dialógica de Discurso do Círculo de Bakhtin. Revista Letras, Santa Maria, v. 20, n. 40, p. 147-162, jul./dez. 2010.) e que podem se hibridizar (Pereira, Brait, 2020), o fenômeno observado na Cartilha pode ser constatado em outros enunciados de nossa realidade social/midiática, em que os discursos político-governamentais confrontam o discurso científico ou aderem a ele, em maior ou menor grau, a depender do intuito discursivo enunciado, do mesmo modo que mobilizam valores do discurso cotidiano, porque isso aproxima as instituições e/ou políticos das vivências sociais, do povo. Esse hibridismo de projeções ideológicas e valorativas das esferas cotidiana, científica e artística se manifesta na Cartilha na forma de projeções que (des)revelam um discurso político-governamental que se reflete na materialidade linguística e semiótica proposta de relações sociais estáveis.

Na segunda página da Cartilha, por exemplo, apresenta-se uma “Mensagem aos pais, mães, responsáveis e cuidadores de crianças”, que aborda, ao longo de seus quatro parágrafos, a necessidade de: os pais conversarem com os filhos a respeito da pandemia; os adultos mostrarem que cada um deve se proteger; os adultos brincarem com as crianças para sua diversão conjunta; os adultos entreterem as crianças e, também, usarem a informação como meio de proteção de seus familiares (cf. Figura 6).

Figura 6
Mensagem aos pais e responsáveis (Brasil, 2020, p. 3).

Na mensagem, as crianças e os adultos são instituídos interlocutores da cartilha a partir do que se confirma um discurso governamental sugestivo de vivências familiares harmônicas idealizadas e de cuidado mútuo em situação de isolamento social.

Na quarta página da Cartilha, a personagem médica, doutora Carla, apresenta-se, em primeira pessoa, a reforçar sua proximidade e disponibilidade para orientar. Ela veste camisa e calça em tons de verde, com o guarda-pó branco sobreposto, com a identificação do Sistema Único de Saúde (SUS), em azul. Para marcar sua fala, emprega-se o balão de diálogo como convenção gráfica, o que novamente remete às relações dialógicas com o estilo das histórias em quadrinhos, tiras etc., gêneros discursivos que circulam e são bem recebidos no universo infantil.

Figura 7
Imagem da apresentação da médica (Brasil, 2020, p. 4)

A voz da doutora é bivocalmente direcionada aos adultos e às crianças. A marcar seu papel social de “doutora” com a função social de explicar “direitinho toda essa história e pedir ajuda [da criança]” (Brasil, 2020, p. 4, destaque nosso), o direcionamento antecipável ao interlocutor infantil, marca-se no diminutivo, a partir de um efeito enunciativo de aproximação. Assim, a médica é representada como pessoa próxima da família, que se dirige carinhosamente e com linguagem acessível e própria à compreensão da criança, o que constitui um reforço ao discurso de disponibilidade médica e, por outro lado, de acessibilidade à assistência médico-governamental, pelo SUS, já que a logomarca do Sistema Único de Saúde compõe seu jaleco. Portanto, desde a composição artística da capa, estendendo-se ao restante da cartilha, mobilizam-se os discursos: (a) de vilania do coronavírus; (b) de união familiar sob orientação médico-científica; (c) de disponibilidade médica e de (d) ampla acessibilidade dos cidadãos à orientação e à assistência médica pelo SUS/governo.

No discurso da médica, a expressão “toda essa história” forma-se a partir do efeito de totalidade afirmativa de “toda”, do emprego do pronome demonstrativo “essa”, a indicar que há discursos anteriores sobre tema, que são assimilados valorativamente por ela. Vozes alheias são apropriadas na voz da médica e, por estarem presentes na memória discursiva dos leitores, são bivocalizadas na apreensão apreciativa do discurso, sendo o pronome anafórico “essa” responsável por instituir as relações dialógicas com já ditos.

Os interlocutores criança e família são configurados como personagens sociais ativos do processo de prevenção à doença, pois a médica pede ajuda a eles, para o combate à disseminação do vírus causador da doença, de modo que a expressão da inter-relação hierárquico-valorativa de três ingredientes constitutivos de sua forma - autor, personagem, ouvinte (Volóchinov, 2013c[1930]) - configura a “orientação social como a dependência do enunciado em relação ao peso sócio-hierárquico do auditório, isto é, do pertencimento de classe dos interlocutores” (Volóchinov, 2019[1930], p. 307, grifos do autor). Por isso, a fala da médica termina com o pedido de ajuda à criança, engajando-a a seu discurso, em primeiro plano e, posteriormente, seguindo-se de interpelação retórica: “vamos lá?”.

Na relação composicional-estilística, as falas da médica aparecem dentro de balões, sempre integradas a outra fala, por um fundo colorido que sugere bivocalidade. Os efeitos da integração e da continuidade entre voz da médica, inserida no balão, e a voz que a sucede, constituem a voz que aqui nominamos de discurso bivocal médico-governamental. Este efeito é aplicado no desenvolvimento de boa parte da composição da Cartilha, em movimento que alterna relação dialógica com discursos da esfera científica e da cotidiana, à verticalização da resposta antecipável ao interlocutor criança.

No excerto, a aproximação entre as esferas cotidiana e científica é concretizada no discurso médico-governamental, organizado pelo autor institucional, a estreitar o diálogo com a criança, por meio de adequação da linguagem. Na voz médico-governamental, ainda, valora-se que “o assunto É SÉRIO”. Material e linguisticamente, tal efeito predicativo é grafado em caixa alta, na cor branca (diferente do restante do texto que está em azul) (p. 4), a ensejar a compreensão da gravidade e dos cuidados em relação à doença enfrentada “no Brasil e no mundo”. Logo após, situa-se a criança sobre os reflexos e as mudanças que a pandemia insculpiu nos hábitos e discursos que circulam no cronotopo interno da casa.

A constituição do dialógo alteritário entre as personagens perpassa toda a constituição da cartilha. As páginas seis e sete, por exemplo, são tomadas pelas imagens da criança e da médica, em um laboratório, junto com questionamento, diagramado com letras em caixa alta: “O que é esse tal de coronavírus?”, com destaque, em roxo e negrito, para o nome do vírus. Conforme a criança questiona, a médica responde; é nesse movimento clássico de divisão do discurso, demarcando a forma de alteridade pergunta e resposta, que a Cartilha se desenvolve a contemplar: “o que é o coronavírus? Como saber se alguém que eu conheço está doente? Qual é a forma de contágio? Como se proteger do vírus? É normal sentir medo do coronavírus?”. A forma de alteridade instituída entre a médica e a criança pela relação de proximidade aproxima o governo da população, pela representação de uma assistência social governamental idealizada.

Ao responder, por exemplo, “O que é o coronavírus”?, a voz médico-governamental recupera a voz da ciência, sem deixar de buscar a adequação para o universo da criança, a partir de recursos como o uso de diminutivo: “É UM TIPO DE VÍRUS, um micro-organismo tão pequenininho que é quase invisível [...]” (Brasil, 2020, p. 9, destaques do original). Já no balão branco de resposta, configuram-se, na voz da médica, discursos avaliativos e informativos muito próximos do universo infantil. Em, “NOME BEM ESQUESITO, NÉ”? (p. 9), por exemplo, uma pergunta retórica é dirigida ao interlocutor criança. Pela contração de “não é” em “né”, expressão gramaticalizada no uso oral da linguagem, estabelece-se uma visada valorativa de direcionamento (Pereira, 2013PEREIRA, R. As relações dialógico-valorativas no gênero Carta de conselhos em revistas online. Work. Pap. Linguíst., v. 1, n. 13, p. 1-24, Florianópolis, jan./mar. 2013.) à criança, tanto pelo teor retórico da pergunta quanto pelo uso da linguagem cotidiana. Já em: “A DOENÇA NÃO É NADA LEGAL” (p. 9), o emprego dos advérbios de negação e do adjetivo exprimem valorativamente uma compreensão compartilhada do vírus entre a médica e a criança.

No entanto, ao passo que o discurso se mostra próximo da criança e de fácil compreensão na voz da médica, os sintomas da doença são informados em concomitância ao apagamento de suas consequências mais severas, conforme excerto: “A gente fica com tosse e febre e, às vezes, com dificuldade de respirar quando está doente” (Brasil, 2020, p. 9). No caso, a dificuldade de respirar, sintoma que pode levar à internação e à intubação, é atenuada pela locução adverbial temporal “às vezes”, que configura o sintoma como muito esporádico. Assim, entretecem-se os discursos sobre a seriedade da doença e os de eufemização de possibilidade de suas consequências e gravidade nos casos sintomáticos. Em parte, isso se deve ao interlocutor constituído - a criança -, no entanto, em nenhum momento a Cartilha informa que a doença pode levar à morte ou sequelas, ou que ainda as máscaras podem ser utilizadas como medida protetiva.

O discurso de eufemização da doença se confirma, mais uma vez, na voz médico-governamental, que responde à segunda pergunta: “Como saber se alguém que eu conheço está doente?”. Informações sobre os sintomas, além das já disponibilizadas em resposta à primeira pergunta, são acrescentadas: “Às vezes, dor no corpo, dor de garganta e nariz entupido” (Brasil, 2020, p. 12). O discurso da médica se distancia do universo científico e pende para o discurso cotidiano e, em seu entretecer semântico-axiológico, deixa escapar uma refração de atenuação, de negação em “às vezes”, cujo sentido indica possibilidade remota. Assim, a realidade, as consequências da doença e seus sintomas são minimizados, o que institui, ainda que em nível sutil, o discurso de apagamento e negação da gravidade da doença, como se fosse uma gripezinha10 10 A expressão “gripezinha” foi inúmeras vezes utilizada nos discursos do então presidente da República, Jair Bolsonaro, como forma de atenuar a gravidade da Covid-19. .

À página 19, a Cartilha informa verbalmente, do lado esquerdo, as formas de disseminação e de transmissão do vírus pelo ar, pelo espirro e pela tosse. A imagem de um abraço entre duas pessoas, com o coronavírus em torno, é disposta para a constituição do discurso de distanciamento físico para prevenção à transmissão.

Figura 8
Imagem para tratar da transmissão do vírus (Brasil, 2020, p. 19)

Ao se encaminhar para o final, a Cartilha reforça, mais uma vez, a instituição da participação cívica da criança no combate à disseminação da doença - “o Brasil precisa de vocês nessa missão” - a convidá-la para participar da “missão contra o coronavírus” (cf. Figura 9). Não se faz reforço a outras medidas preventivas. Só há reforço quanto ao ato de lavar as mãos.

Figura 9
Imagem da “convocatória” do avô (BRASIL, 2020, p. 36)

A Cartilha é finalizada com a mensagem positiva das personagens, a buscar o engajamento do leitor: “Vamos nos proteger contra o coronavírus! Contamos com você!”; finalizando com um glossário: “Epidemia”; “Diagnóstico”; “Pulmões” etc.; e com a página final que traz o site do Ministério da Saúde e o telefone 136, canal de ouvidoria geral do Sistema Único de Saúde.

À luz do que postula o Círculo, Faraco (2009FARACO, C. A. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.) afirma que a autoria é compreendida como posição axiológica, como modo de conceber o mundo que norteia a construção da temática discursivizada. Na Cartilha, entrelaçam-se posições valorativas na dinâmica de inter-relações responsivas. Logo, no material se entretecem, em diálogo fronteiriço, discursos de união familiar sob orientação médico-científica; de disponibilidade médica; de heroísmo (família/bem) versus vilania (vírus/mal); de acessibilidade dos cidadãos à orientação e à assistência médica pelo SUS/governo; de vivências familiares harmônicas idealizadas e de cuidado mútuo para isolamento social; de proteção familiar e governamental à criança e ao idoso; de eufemização das consequências da doença nos casos sintomáticos; de apagamento e de negação de sua gravidade; de supressão de algumas recomendações científicas para a prevenção, de atenuação da gravidade da pandemia e de negação da possibilidade de seu prolongamento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como a análise dialógica da Cartilha aponta, o cronotopo da pandemia mobiliza a convergência de espaços sociodiscursivos, havendo relações entre as esferas e a intersecção entre discursos. A partir de relações dialógicas, mobilizam-se “projeções de valor com pretensões ao consenso social” (Pereira, 2013PEREIRA, R. As relações dialógico-valorativas no gênero Carta de conselhos em revistas online. Work. Pap. Linguíst., v. 1, n. 13, p. 1-24, Florianópolis, jan./mar. 2013., p. 22) nos enunciados. Assim, a cartilha de combate à Covid-19 é marcada e orientada pelo horizonte social desta época. Além disso, a análise (des)revelou discursos apreciativos em diálogo representativos de relações sociais, reafirmando a impossibilidade de entender o enunciado à parte de seus valores e sem se entender sua orientação apreciativa (Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário: Paulo Bezerra. Organização da edição russa: Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015[1934-1935]. p. 19-167.[1934-1935]), que no caso, engendra no conteúdo da cartilha algumas orientações ideológicas do governo vigente.

Ela é um enunciado que dialoga com a problemática atual da doença (já dito), ao mesmo tempo que há enquadramentos que tendem aos discursos posteriores. Essas relações estão materializadas linguístico-composicionalmente, tendo em vista a linguagem verbal escrita e a visual da Cartilha, de modo a envolver o leitor-criança como agente responsável pelo combate à pandemia. Este é um dos principais efeitos que o discurso da Cartilha pode ocasionar em seus leitores, já que pode levá-los a acreditar que é sua função exclusiva combater a doença, desresponsabilizando outros setores sociais como o político-governamental.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    O conceito de cronotopo em Bakhtin (1988BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução: Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Ed. da UNESP, 1988[1975]. p. 211-362.[1975]) será apresentado posteriormente no trabalho.
  • 2
    Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus. Acesso em: 28 set. 2023.
  • 3
    Disponível em: https://srefabricianodivep.wordpress.com/cartilha-coronavirus-vamos-nos-proteger/. Acesso em: 18 set. 2020. Em 2022, o governo lançou uma nova edição da cartilha, denominada: “Cartilha para crianças: Novocoronavírus - vamos nos proteger”. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/cartilha-para-criancas-novo-coronavirus-vamos-nos-proteger.pdf/view. Acesso em: 1 out. 2023
  • 4
    Bakhtin (1988BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução: Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Ed. da UNESP, 1988[1975]. p. 211-362.[1975]) toma os romances clássicos como unidades de análise emergentes da esfera ideológica literária e reflete sobre como todas as formas de manifestação discursiva respondem valorativamente às circunstâncias espaciais e temporais. Atualmente, esses postulados se aplicam a discursos emergentes de outras esferas.
  • 5
    Os discursos direto, indireto e suas variantes, e suas formas de introdução valorada no discurso autoral, são discutidos em Marxismo e filosofia da linguagem (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin) Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2017[1929/1930]. [1929/1930]), em O discurso no romance (Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário: Paulo Bezerra. Organização da edição russa: Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015[1934-1935]. p. 19-167.[1934-1935]) e em Problemas da poética de Dostoiévksi (Bakhtin, 2008/1963[1929]).
  • 6
    Em “Campanhas-Coronavírus” (https://www.saude.gov.br/campanhas/46452-coronavirus), o leitor encontra o universo virtual que abriga diferentes enunciados da campanha contra a Covid-19. Em 2023, na aba “Guias e Planos” (https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos), o leitor pode ter contato com outros materiais, assim como com a nova edição da Cartilha, denominada “Cartilha para crianças: Coronavírus - Vamos nos proteger”. Tendo em vista o novo governo, a Cartilha passou por reformulação, por exemplo, se na versão de 2020, com 46 páginas, as personagens estavam sem máscaras, na nova edição, com 44 páginas, elas aparecem usando máscaras.
  • 7
    Com a substituição do governo Bolsonaro pelo governo Lula em 2022, a Cartilha sofreu algumas reformulações. Embora o objetivo do artigo não seja estabelecer essa comparação, ao longo da análise informamos ao leitor das modificações efetivadas, para corroborar a compreensão da constituição axiológica da versão analisada.
  • 8
    Rojo (2005ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo, SP: Parábola Editorial, 2005. p. 184-207.) salienta que a forma composicional é teleológica, enquanto a arquitetônica é valorativa.
  • 9
    Exemplo de imagem do vírus, disponível em: https://www.pfizer.com.br/noticias/ultimas-noticias/o-que-saber-sobre-coronavirus-covid-19-explicado. Acesso em: 10 out. 2020.
  • 10
    A expressão “gripezinha” foi inúmeras vezes utilizada nos discursos do então presidente da República, Jair Bolsonaro, como forma de atenuar a gravidade da Covid-19.

ANEXO

Figura 10
Capa da Cartilha (versão 2022).

Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    19 Out 2023
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