Acessibilidade / Reportar erro

Fórmulas de Martin, Friedewald e Cordova comparadas com a dosagem direta do LDL-C no sul do Brasil

RESUMO

Introdução:

Recentemente, foi recomendada a flexibilização do jejum para a determinação laboratorial do perfil lipídico. Quando os triglicerídeos (TG) estiverem acima de 400 mg/dl, deve ser utilizada a fórmula proposta por Martin et al. para a estimativa do colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C), contudo, essa fórmula não foi avaliada em nossa população.

Objetivos:

Avaliamos o desempenho da equação de Martin para a estimativa do LDL-C em comparação com as fórmulas de Cordova & Cordova e Friedewald em uma população da região sul do Brasil.

Métodos:

A amostragem foi composta por 10.664 indivíduos brasileiros (5.847 mulheres) com idades entre 1 e 93 anos, com TG, colesterol total (CT), colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-C) e LDL-C medidos diretamente.

Resultados:

A fórmula de Martin apresentou valores significativamente mais altos de LDL-C em pacientes com TG < 300 mg/dl, subestimando os valores quando TG > 400 mg/dl, inclusive com valores negativos; também foi superestimado o LDL-C em todas as faixas de CT, com maior desvio padrão. Ainda apresentou um erro médio maior nos intervalos estratificados e um menor coeficiente de correlação.

Conclusão:

A equação de Martin não tem acurácia para a estimativa do LDL-C em nossa amostragem, a menos que o TG esteja entre 300 e 400 mg/dl. Recomendamos que a fórmula Cordova & Cordova seja utilizada como uma alternativa para determinar o LDL-C quando sua medida direta não estiver disponível e que a fórmula de Martin não seja aplicada indiscriminadamente em outras populações sem ser adequadamente avaliada e comparada com outras equações disponíveis.

Unitermos:
colesterol; LDL-colesterol; fórmulas; aterosclerose; fatores de risco

ABSTRACT

Introduction:

Recently, fasting flexibility for laboratory determination of lipid profile has been recommended. When triglycerides (TG) are above 400 mg/dl, the formula proposed by Martin et al. should be used to estimate the low-density lipoprotein cholesterol (LDL-C). However, this formula has not been evaluated in our population.

Objectives:

We evaluated the performance of Martin’s equation for LDL-C estimation compared to Cordova & Cordova and Friedewald formulas in a population of Southern Brazil.

Methods:

Sampling consisted of 10,664 Brazilian individuals (5,847 women) aged 1 to 93 years, with TG, total cholesterol (TC), high-density lipoprotein cholesterol (HDL-C) and LDL-C directly measured.

Results:

Martin’s formula presented significantly higher LDL-C values in patients with TG < 300 mg/dl, underestimating values when TG > 400 mg/dl, even with negative values; and LDL-C values was also overestimated in all TC ranges, with greater standard deviation. It also presented a higher mean error in the stratified intervals, and a lower correlation coefficient.

Conclusion:

Martin’s equation is not accurate for estimating LDL-C in our sample, unless TG is between 300 and 400 mg/dl. We recommend using the Cordova & Cordova formula as an alternative to determine LDL-C when its direct measurement is not available, and not applying the Martin’s Formula indiscriminately to other populations before it is properly evaluated and compared with other available equations.

Key words:
cholesterol; LDL-cholesterol; formula; atherosclerosis; risk factor.

RESUMEN

Introducción:

Recientemente, se ha recomendado la flexibilización del ayuno para la determinación del perfil lipídico. Cuando los triglicéridos (TG) estén por encima de 400 mg/dl, se debe utilizar la fórmula propuesta por Martin et al. para estimar el colesterol de la lipoproteína de baja densidad (LDL-C); sin embargo, esa fórmula no ha sido analizada en nuestra población.

Objetivos:

Evaluamos el desempeño de la ecuación de Martin para estimar el LDL-C en comparación con las fórmulas de Cordova y Cordova, y Friedewald en una población de la región Sur de Brasil.

Métodos:

La muestra se compuso de 10.664 individuos brasileños (5.847 mujeres) con edades entre 1 y 93 años, con TG, colesterol total (CT), colesterol de la lipoproteína de alta densidad (HDL-C) y LDL-C medidos directamente.

Resultados:

La fórmula de Martin presentó valores notablemente más altos de LDL-C en pacientes con TG < 300 mg/dl, subestimando los niveles cuando TG > 400 mg/dl, incluso con valores negativos; también el LDL-C fue sobrevalorado en todos los rangos de CT, con mayor desviación estándar. Además presentó un error medio mayor en los intervalos estratificados y un menor coeficiente de correlación.

Conclusión:

La ecuación de Martin no tiene exactitud para estimar el LDL-C en nuestra muestra, a menos que el TG esté entre 300 y 400 mg/dl. Recomendamos que la fórmula de Cordova y Cordova sea utilizada como una alternativa para determinar el LDL-C cuando su medida no esté disponible, y que la fórmula de Martin no sea empleada indiscriminadamente en otras poblaciones sin ser adecuadamente evaluada y comparada con otras ecuaciones disponibles.

Palabras clave:
colesterol; LDL-colesterol; fórmulas; aterosclerosis; factores de riesgo

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de mortalidade no mundo, correspondendo a 31% do total de mortes(11 OPAS. Organizacao Pan-Americana de Saude. Doencas cardiovasculares. 2017. Available at: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5253:doencas-cardiovasculares&Itemid=839. [Accessed on: 2018, 31 Oct].
https://www.paho.org/bra/index.php?optio...
). O colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) é um parâmetro laboratorial frequentemente utilizado na avaliação do risco de DCV, uma vez que seu acúmulo nas paredes arteriais contribui para a formação de placas ateroscleróticas, embora o mecanismo da aterosclerose seja complexo e ainda não completamente compreendido(22 Griffin BA. Eggs: good or bad? Proc Nutr Soc. 2016; 75(3): 259-64. doi: 10.1017/S0029665116000215.
https://doi.org/10.1017/S002966511600021...

3 Elshourbagy NA, Meyers HV, Abdel-Meguid, Sherin S. Cholesterol: the good, the bad, and the ugly - therapeutic targets for the treatment of dyslipidemia. Medical principles and practice. Malven. 2013; 99-111.
-44 Colpo A. LDL cholesterol: “bad” cholesterol, or bad science? J Am Physician Surg. 2005; 10(3): 83-9.).

Recentemente, foi publicada uma diretriz nacional atualizada recomendando a flexibilização do jejum na determinação do perfil lipídico para avaliação do risco cardiovascular. Também foi recomendado que a determinação do LDL-C seja realizada por estimativa, utilizando as fórmulas de Friedwald (FF) ou de Martin (FM), quando a determinação direta não for possível. Nos casos de valores em jejum e de triglicerídeos (TG) > 400 mg/dl, que impedem o uso da FF, deve-se utilizar a FM ou a determinação direta(55 Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, et al. Atualizacao da diretriz brasileira de dislipidemias e prevencao da aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2017; 109(2 Supl 1): 1-76. doi: 10.5935/abc.20170121.
https://doi.org/10.5935/abc.20170121...
,66 Scartezini M, Ferreira CEDS, Izar MCO, et al. Positioning about the flexibility of fasting for lipid profiling. Arq Bras Cardiol. 2017; 108(3): 195-7. doi: 10.5935/abc.20170039.
https://doi.org/10.5935/abc.20170039...
).

A FF é rotineiramente utilizada na prática clínica, pois é considerada uma boa alternativa de baixo custo em relação ao método de referência para ultracentrifugação. No entanto, não pode ser aplicada em condições hiperglicêmicas e quando TG for > 400 mg/dl. Em pacientes diabéticos ou em amostras com valores aumentados de TG, os resultados podem ser subestimados, classificando incorretamente o risco de DCV(77 Vieira PL, Araujo GN, Telo GH, et al. Low-density lipoprotein values estimated by friedewald equation are affected by diabetes control. Int J Cardiov Sci. 2016; 29(5): 348-54.

8 Cordova CMM, Schneider, CR, Juttel ID, Cordova MM. Avaliação da dosagem direta do colesterol-LDL em amostras de sangue de 10.664 pacientes em comparação com o uso da fórmula de Friedewald.. Arq Bras Cardiol. 2004; 83(6): 476-81.
-99 Nauck M, Warnick GR, Rifai N. Methods for measurement of LDLcholesterol: a critical assessment of direct measurement by homogeneous assays versus calculation. Clin Chem. 2002; 48(2): 236-54.).

Martin et al. (2013)(1010 Martin SS, Blaha MJ, Elshazly MB, et al. Comparison of a novel method vs the Friedewald equation for estimating low-density lipoprotein cholesterol levels from the standard lipid profile. Jama. 2013; 310: 2061-8.) propuseram uma nova equação derivada da FF para a estimativa do LDL-C, com um fator ajustável no cálculo da fração do colesterol da lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL-C) com base no TG (em vez do divisor fixo de cinco na FF), a fim de corrigir as limitações da FF e melhorar a estimativa do LDL-C. No entanto, os pesquisadores aplicaram o fator ajustável da FM em seus estudos e superestimaram os resultados em algumas populações, concluindo que a precisão da equação apresentou pouca melhora em comparação com a FF(1111 Rasouli M, Mokhtari H. Calculation of LDL-cholesterol vs. direct homogenous assay. J Clin Lab Anal. 2017; 31(3). doi: 10.1002/jcla.22057.
https://doi.org/10.1002/jcla.22057...

12 Meeusen JW, Lueke AJ, Jaffe AS, Saenger AK. Validation of a proposed novel equation for estimating LDL cholesterol. Clin Chem. 2014; 60(12): 1519-23. doi: 10.1373/clinchem.2014.227710.
https://doi.org/10.1373/clinchem.2014.22...
-1313 Lee J, Jang S, Son H. Validation of the Martin method for estimating low-density lipoprotein cholesterol levels in Korean adults: findings from the Korea national health and nutrition examination survey, 2009-2011. PLoS One. 2016; 11(1): e0148147. doi: 10.1371/journal.pone.0148147.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.014...
).

Embora as novas diretrizes brasileiras tenham mérito(1414 Izar MCO. Counterpoint: flexibilization of fasting for laboratory determination of the lipid profile in Brazil: science or convenience? Arq Bras Cardiol. 2018; 111(5): 750-2.), elas são questionáveis em vários pontos e em suas possíveis consequências(1515 Cordova CMM, Galgowski C. Flexibilization of fasting for laboratory determination of the lipid profile in Brazil: science or convenience? Arq Bras Cardiol. 2018; 111(5):747-749.). A FM, particularmente, foi recomendada para a estimativa de LDL-C na população brasileira sem ter sido suficientemente validada em nossas condições metabólicas e de estilo de vida.

Considerando que a determinação do perfil lipídico é fundamental para identificar fatores de risco e estabelecer planos terapêuticos adequados, é necessário garantir máxima segurança quanto aos métodos de diagnóstico propostos em nossa população. Assim, neste trabalho, objetivamos avaliar o desempenho da FM em um grande banco de dados laboratoriais de uma população da região sul do Brasil, comparando a FF e a fórmula desenvolvida e a fórmula proposta por Cordova & Cordova (FCOR) (2013)(1616 Cordova CM, Cordova MM. A new accurate, simple formula for LDLcholesterol estimation based on directly measured blood lipids from a large cohort. Ann Clin Biochem. 2013; 50(Pt 1): 13-9. doi: 10.1258/acb.2012.011259. Epub 2012 Oct 29.
https://doi.org/10.1258/acb.2012.011259...
).

MÉTODOS

Amostragem

Este estudo consistiu em um banco de dados de 10.664 indivíduos brasileiros com TG, colesterol total (CT), lipoproteína de alta densidade (HLD-C) e LDL-C medidos diretamente(88 Cordova CMM, Schneider, CR, Juttel ID, Cordova MM. Avaliação da dosagem direta do colesterol-LDL em amostras de sangue de 10.664 pacientes em comparação com o uso da fórmula de Friedewald.. Arq Bras Cardiol. 2004; 83(6): 476-81.). A população foi composta por 5.847 mulheres e 4.817 homens, com idades entre 1 e 93 anos. As amostras de sangue foram coletadas após jejum de 12 horas em um laboratório clínico na região sul do Brasil, de janeiro de 2000 a dezembro de 2002.

Métodos de laboratório

Os ensaios TG e CT foram realizados com reagentes Triglycerides FS (DiaSys Diagnostic Systems GmbH & Co KG, Holzheim, Alemanha) e Cholesterol (BioSystems SA, Barcelona, Espanha), respectivamente, de acordo com as recomendações do fabricante, no equipamento Spectrum CCX II (Abbott Diagnostics, Abbott Park, IL, EUA). Os testes foram calibrados com o CCX Multicalibrator Set (Abbott), com curvas de três pontos. A determinação do LDL-C pelo método homogêneo foi realizada com o reagente LDL-C Select FS (DiaSys), um método que se baseia na tecnologia Wako technology (Richmond, VA, EUA), de acordo com as recomendações do fabricante. A determinação do colesterol das lipoproteínas de alta densidade (HDL-C) foi realizada pelo método homogêneo com o reagente HDL-C Immuno FS (DiaSys/Wako). O coeficiente de variação dos testes foi determinado pela análise dos resultados obtidos por 20 dias consecutivos, utilizando, em duplicado, alíquotas do soro de controle Accumark (Sigma Diagnostics, St. Louis, MO, EUA), lote 111K6403. O coeficiente de variação das dosagens de LDL-C pelo método direto foi de 4%; para CT, TG e HDL-C, de 3%, 4% e 3%, respectivamente. O laboratório onde os testes foram realizados participa do Programa Nacional de Controle de Qualidade, patrocinado pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (PNCQ-SBAC) com excelente avaliação. Os valores obtidos para CT variaram de 73 a 523 mg/l; de 18 a 2.574 mg/l para TG; de 12 a 130 mg/l para HDL-C; e de 24 a 423 mg/l para LDL-C.

Análise de dados

O LDL-C foi estimado pela FF [LDL-C = CT-HDL-C - (Trig/5)] para as amostras com TG < 400 mg/dl(1717 Friedewald WT, Levi RI, Fredrickson DS. Estimation of the concentration of low density lipoproteins cholesterol in plasma without use of the ultracentrifuge. Clin Chem. 1972; 18: 499-502.). Os resultados do LDL-C pela FM(1010 Martin SS, Blaha MJ, Elshazly MB, et al. Comparison of a novel method vs the Friedewald equation for estimating low-density lipoprotein cholesterol levels from the standard lipid profile. Jama. 2013; 310: 2061-8.) foram calculados utilizando o programa Microsoft ExcelTM, de acordo com o modelo fornecido pelos autores (http://www.ldlcalculator.com/). Os valores de LDL-C foram calculados pela FCOR de acordo com a equação LDL-C = (CTHDL- C)*0,7516(1616 Cordova CM, Cordova MM. A new accurate, simple formula for LDLcholesterol estimation based on directly measured blood lipids from a large cohort. Ann Clin Biochem. 2013; 50(Pt 1): 13-9. doi: 10.1258/acb.2012.011259. Epub 2012 Oct 29.
https://doi.org/10.1258/acb.2012.011259...
). A comparação entre os métodos de LDL-C homogêneo e a estimativa de LDL-C pelas fórmulas foi realizada conforme proposta de Passing & Bablok (1984)(1818 Passing H, Bablock W. Comparison of several regression procedures for method comparison studies and determination of sample size. J Clin Chem Biochem. 1984; 22: 431-45.), por meio da análise de correlação, expressa pela equação y = bx + a, onde b é a inclinação da reta que representa o erro proporcional e a, a interseção no eixo y que representa o erro constante. Para melhorar a comparação entre os métodos, as amostras foram estratificadas de acordo com os níveis de CT: 70-150 mg/dl, 151-200 mg/dl, 201-250 mg/dl e > 250 mg/dl, e os níveis de TG: < 150 mg/dl, 151-200 mg/dl, 201-300 mg/dl, 301-400 mg/dl e > 400 mg/dl. A raiz do erro médio quadrático de cada método de determinação do LDL-C e a significância estatística das diferenças também foram calculadas utilizando o teste t-Student e o programa Microsoft ExcelTM Office 365. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos. Os dados também foram analisados visualmente pelo gráfico de diferenças de Bland-Altman(1919 Altman DG, Bland JM. Measurement in medicine: the analysis of method comparison studies. Statistician. 1983; 32: 307-17. doi: 10.2307/2987937.
https://doi.org/10.2307/2987937...
).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores estimados para o LDL-C de acordo com a FM foram, em geral, superiores aos valores estimados pelo método direto utilizado para a FCOR e superiores aos valores estimados pela FF (Tabela 1). Curiosamente, alguns valores estimados pela FM podem retornar resultados negativos, principalmente quando CT > 250 mg/dl ou quando TG > 400 mg/dl. Com os dados estratificados, em média, em todos os intervalos de CT, a FM apresentou resultados mais elevados; o mesmo ocorreu quanto aos valores de TG. Somente no intervalo de TG entre 301-400 mg/dl, os valores de LDL-C retornados pela FM foram semelhantes aos obtidos pelo método direto ou pela FCOR; com TG > 400 mg/dl, os resultados da FM subestimam o LDL-C.

TABELA 1
Resultados da média ± desvio padrão (menor valor encontrado/ maior valor encontrado) de LDL-C (direto), LDL-C (Martin), LDL-C (Cordova & Cordova) e LDL-C (Friedewald) de acordo com os níveis de TG e CT, em mg/dl

Outro aspecto importante a ser analisado é a precisão dos diferentes métodos de determinação do LDL-C. O rMSE é uma boa medida de precisão e é frequentemente utilizado para avaliar diferenças nos valores estimados em um modelo ou como uma estimativa dos valores reais observados pelo modelo(2020 Anderson MP, Woessner WW. Applied groundwater modeling: simulation of flow and advective transport. 2nd ed. San Diego: Academic Press; 1992.).

No geral, a FM tem uma correlação menor e um erro maior na estimativa do LDL-C, em comparação com a FCOR (Tabela 2), entretanto, a FCOR apresenta melhor precisão (rMSE mais baixo) do que o método direto. Com dados estratificados, observamos novamente que a correlação da FM é pior quando TG > 400 mg/dl, e a precisão é consistentemente menor em todos os intervalos de CT e TG, exceto quando TG > 400 mg/dl.

TABELA 2
Desempenho das fórmulas de Martin e Cordova & Cordova em comparação com os valores de LDL-C medidos diretamente na população estudada, estratificados pelos níveis de CT e TG

Utilizando os dados individuais de cada fórmula plotada para a estimativa do LDL-C em comparação com o método direto (Figura 1), observamos que os gráficos de correlação mostram um erro proporcional e negativo constante para os valores estimados pelas FM e FF, enquanto a FCOR apresenta um erro proporcional positivo com um erro negativo constante. À medida que os valores do LDL-C se tornam mais altos, a diferença no LDL-C entre o método direto e a FCOR se torna positiva, ou seja, os valores de LDL-C pela FCOR são mais baixos nos intervalos mais altos.

FIGURA 1
Relação linear e gráficos de Bland-Altman entre a medição direta dos valores de LDL-C (LDL-C-direto) e os valores estimados de Martin para LDL-C (Martin-LDL), utilizando as fórmulas Cordova & Cordova (COR-LDL) e Friedewald na população estudada LDL-C: colesterol de lipoproteína de baixa densidade.

É importante notar que os valores de LDL-C determinados diretamente pelos métodos com base em Wako tendem a superestimar o LDL-C quando o TG e o LDL-C são mais elevados(2121 Miller WG, Myers GL, Sakurabayashi I, et al. Seven direct methods for measuring HDL and LDL cholesterol compared with ultracentrifugation reference measurement procedures. Clin Chem. 2010; 56(6): 977-86. doi:10.1373/clinchem.2009.142810.
https://doi.org/10.1373/clinchem.2009.14...
). No entanto, a FCOR corrige esse viés, apresentando valores mais baixos de LDL-C em intervalos mais altos, o que explica os resultados de maior precisão, o que não ocorre com as FM e FF.

Por outro lado, à medida que os valores de TG aumentam, a FCOR tende a apresentar resultados de LDL-C um pouco mais altos, diminuindo a diferença em relação ao método direto, diferentemente da FF e da FM. Como os valores do CT são mais elevados, a FCOR tende a ter menores resultados de LDL-C, aumentando a diferença em relação ao método direto (Figura 2). De fato, à medida que o CT se torna mais alto, são esperados valores mais elevados de LDL-C e, novamente, é mostrado que a FCOR corrige o viés positivo do método direto nesse intervalo mais alto. Também observamos que a FM subestima significativamente o LDL-C, pois o TG é mais elevado. A Figura 3 demonstra a distribuição dos valores de LDL-C obtidos pelos diferentes métodos.

FIGURA 2
Gráfico mostrando as diferenças entre os valores de LDL-C estimados por Martin (LDL-Martin), em comparação com a medida direta dos valores de LDL-C (LDLC- direto), utilizando as fórmulas de Cordova & Cordova (LDL-COR) e de Friedewald na população estudada, em relação aos valores de TG e CT LDL-C: colesterol de lipoproteína de baixa densidade; TG: triglicerídeos; CT: colesterol total.
FIGURA 3
Distribuição dos valores de LDL-C obtidos pelos diferentes métodos, indicando a mediana, primeiro e terceiro quartis, valores mínimo e máximo. A fórmula de Friedewald para estimativa foi aplicada apenas quando TG < 401 mg/dl LDL-C: colesterol de lipoproteína de baixa densidade; TG: triglicerídeos.

Outros autores(1313 Lee J, Jang S, Son H. Validation of the Martin method for estimating low-density lipoprotein cholesterol levels in Korean adults: findings from the Korea national health and nutrition examination survey, 2009-2011. PLoS One. 2016; 11(1): e0148147. doi: 10.1371/journal.pone.0148147.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.014...
,2222 Dinovo EC, Howard T, Dinovo E. Calculated nonHDL cholesterol - na alternative to LDL? Clin Chem. 2010; 56(Suppl): A128.) já haviam mostrado que os valores de TG não se correlacionam com os valores de LDL-C. Portanto, não surpreende que a equação não utiliza valores de TG para a estimativa de LDL-C, como a FCOR, retornando resultados mais precisos. Embora a FM tenha feito um esforço matemático significativo para corrigir o fator que relaciona os valores de TG com o cálculo, não foi possível melhorar o desempenho da FF em nossa amostra, mesmo piorando algumas situações, com resultados negativos. Vários profissionais de laboratórios clínicos do país já começaram a perceber, empiricamente, que a FM não é adequada em nosso ambiente.

No entanto, já foi demonstrado que a FM ou a FCOR pode ser a melhor escolha, dependendo da população em que for aplicada(2323 Mendes de Cordova CM, de Santa Helena ET, Galgowski C, et al. Evaluation of a new equation for LDL-c estimation and prediction of death by cardiovascular related events in a German population-based study cohort. Scand J Clin Lab Invest. 2018; 78(3): 187-96.). É possível supor que diferenças genéticas, metabólicas, de estilo de vida e talvez até epigenéticas influenciem a relação dos diferentes parâmetros laboratoriais utilizados pelos diferentes métodos de estimativa do LDL-C. Assim, é evidente que não é possível aplicar indiscriminadamente uma equação específica para a estimativa do LDL-C em uma população diferente daquela em que a respectiva fórmula foi desenvolvida sem avaliação cuidadosa e adequada.

Em suma, observamos que a FM não é adequada para a nossa população, principalmente nos casos de CT e TG elevados. Portanto, especialmente em pacientes sem jejum, seu uso na estimativa do LDL-C não deve ser aplicado indiscriminadamente, a menos que possa ser adequadamente avaliada e comparada com outras equações disponíveis. Sugerimos que a FCOR seja validada por métodos que se baseiam em ultracentrifugação, avaliada em outras populações brasileiras e então oficialmente recomendada para a estimativa do LDL-C, quando não for possível determinar diretamente essa concentração.

REFERENCES

  • 1
    OPAS. Organizacao Pan-Americana de Saude. Doencas cardiovasculares. 2017. Available at: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5253:doencas-cardiovasculares&Itemid=839 [Accessed on: 2018, 31 Oct].
    » https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5253:doencas-cardiovasculares&Itemid=839
  • 2
    Griffin BA. Eggs: good or bad? Proc Nutr Soc. 2016; 75(3): 259-64. doi: 10.1017/S0029665116000215.
    » https://doi.org/10.1017/S0029665116000215
  • 3
    Elshourbagy NA, Meyers HV, Abdel-Meguid, Sherin S. Cholesterol: the good, the bad, and the ugly - therapeutic targets for the treatment of dyslipidemia. Medical principles and practice. Malven. 2013; 99-111.
  • 4
    Colpo A. LDL cholesterol: “bad” cholesterol, or bad science? J Am Physician Surg. 2005; 10(3): 83-9.
  • 5
    Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, et al. Atualizacao da diretriz brasileira de dislipidemias e prevencao da aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2017; 109(2 Supl 1): 1-76. doi: 10.5935/abc.20170121.
    » https://doi.org/10.5935/abc.20170121
  • 6
    Scartezini M, Ferreira CEDS, Izar MCO, et al. Positioning about the flexibility of fasting for lipid profiling. Arq Bras Cardiol. 2017; 108(3): 195-7. doi: 10.5935/abc.20170039.
    » https://doi.org/10.5935/abc.20170039
  • 7
    Vieira PL, Araujo GN, Telo GH, et al. Low-density lipoprotein values estimated by friedewald equation are affected by diabetes control. Int J Cardiov Sci. 2016; 29(5): 348-54.
  • 8
    Cordova CMM, Schneider, CR, Juttel ID, Cordova MM. Avaliação da dosagem direta do colesterol-LDL em amostras de sangue de 10.664 pacientes em comparação com o uso da fórmula de Friedewald.. Arq Bras Cardiol. 2004; 83(6): 476-81.
  • 9
    Nauck M, Warnick GR, Rifai N. Methods for measurement of LDLcholesterol: a critical assessment of direct measurement by homogeneous assays versus calculation. Clin Chem. 2002; 48(2): 236-54.
  • 10
    Martin SS, Blaha MJ, Elshazly MB, et al. Comparison of a novel method vs the Friedewald equation for estimating low-density lipoprotein cholesterol levels from the standard lipid profile. Jama. 2013; 310: 2061-8.
  • 11
    Rasouli M, Mokhtari H. Calculation of LDL-cholesterol vs. direct homogenous assay. J Clin Lab Anal. 2017; 31(3). doi: 10.1002/jcla.22057.
    » https://doi.org/10.1002/jcla.22057
  • 12
    Meeusen JW, Lueke AJ, Jaffe AS, Saenger AK. Validation of a proposed novel equation for estimating LDL cholesterol. Clin Chem. 2014; 60(12): 1519-23. doi: 10.1373/clinchem.2014.227710.
    » https://doi.org/10.1373/clinchem.2014.227710
  • 13
    Lee J, Jang S, Son H. Validation of the Martin method for estimating low-density lipoprotein cholesterol levels in Korean adults: findings from the Korea national health and nutrition examination survey, 2009-2011. PLoS One. 2016; 11(1): e0148147. doi: 10.1371/journal.pone.0148147.
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0148147
  • 14
    Izar MCO. Counterpoint: flexibilization of fasting for laboratory determination of the lipid profile in Brazil: science or convenience? Arq Bras Cardiol. 2018; 111(5): 750-2.
  • 15
    Cordova CMM, Galgowski C. Flexibilization of fasting for laboratory determination of the lipid profile in Brazil: science or convenience? Arq Bras Cardiol. 2018; 111(5):747-749.
  • 16
    Cordova CM, Cordova MM. A new accurate, simple formula for LDLcholesterol estimation based on directly measured blood lipids from a large cohort. Ann Clin Biochem. 2013; 50(Pt 1): 13-9. doi: 10.1258/acb.2012.011259. Epub 2012 Oct 29.
    » https://doi.org/10.1258/acb.2012.011259
  • 17
    Friedewald WT, Levi RI, Fredrickson DS. Estimation of the concentration of low density lipoproteins cholesterol in plasma without use of the ultracentrifuge. Clin Chem. 1972; 18: 499-502.
  • 18
    Passing H, Bablock W. Comparison of several regression procedures for method comparison studies and determination of sample size. J Clin Chem Biochem. 1984; 22: 431-45.
  • 19
    Altman DG, Bland JM. Measurement in medicine: the analysis of method comparison studies. Statistician. 1983; 32: 307-17. doi: 10.2307/2987937.
    » https://doi.org/10.2307/2987937
  • 20
    Anderson MP, Woessner WW. Applied groundwater modeling: simulation of flow and advective transport. 2nd ed. San Diego: Academic Press; 1992.
  • 21
    Miller WG, Myers GL, Sakurabayashi I, et al. Seven direct methods for measuring HDL and LDL cholesterol compared with ultracentrifugation reference measurement procedures. Clin Chem. 2010; 56(6): 977-86. doi:10.1373/clinchem.2009.142810.
    » https://doi.org/10.1373/clinchem.2009.142810
  • 22
    Dinovo EC, Howard T, Dinovo E. Calculated nonHDL cholesterol - na alternative to LDL? Clin Chem. 2010; 56(Suppl): A128.
  • 23
    Mendes de Cordova CM, de Santa Helena ET, Galgowski C, et al. Evaluation of a new equation for LDL-c estimation and prediction of death by cardiovascular related events in a German population-based study cohort. Scand J Clin Lab Invest. 2018; 78(3): 187-96.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2019
  • Aceito
    04 Ago 2019
  • Revisado
    11 Abr 2019
  • Publicado
    14 Jan 2020
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: jbpml@sbpc.org.br