Acessibilidade / Reportar erro

Constrição de cordão umbilical como causa de morte fetal intrauterina

RESUMO

A constrição de cordão umbilical (CCU) é uma condição infrequente, não bem descrita na literatura, apesar de ser uma importante etiologia observada em fetos natimortos. O objetivo deste estudo foi verificar a ocorrência de CCU como causa de morte fetal e as características etiopatológicas associadas. Para tanto, um estudo retrospectivo transversal foi realizado a partir das informações do banco de dados do Instituto de Patologia de Passo Fundo, durante os anos de 1995 a 2017. Os resultados foram: 1.359 mortes de embriões/fetos, das quais 69 (5,07%) foram devidas a CCU; 60,9% eram do sexo masculino e 39,1%, do feminino. A média de idade das gestantes foi de 27,5 anos; desvio padrão (DP) de ± 7,2 anos. A maioria das mortes ocorreu no segundo trimestre (76,5%), seguido pelo primeiro (14,7%) e terceiro (8,8%). Entre o total de CCU observadas, 87% tiveram ocorrência de apenas uma constrição; 11%, de duas; e 1%, de três ou mais. A presença de malformações congênitas foi encontrada em 20,2% das necropsias; a identificação de sofrimento fetal crônico foi relatada em 71% dos laudos; e características de vasculopatia obstrutiva na análise da microscopia, em 17% dos casos. Em relação às características anatomopatológicas entre os sexos masculino e feminino, nenhuma diferença significativa (p > 0,05) foi encontrada correlacionando idade gestacional dos fetos/embriões, peso ou malformações congênitas. A CCU é uma condição incomum de morte fetal associada a baixo peso fetal e restrição de crescimento. Nossa pesquisa sugere uma possível relação entre a CCU e a vasculopatia obliterativa.

Unitermos:
morte fetal; sofrimento fetal; cordão umbilical

ABSTRACT

The umbilical cord constriction (UCC) is an uncommon condition and an important etiology for stillborn fetuses. The main goal of this study was to verify the UCC occurrence as the cause of intrauterine fetal death, the associated etiology and its pathological characteristics. Therefore, a descriptive retrospective cross-sectional study was developed using the database from a Pathology Institute, in Brazil, from 1995 to 2017. The results presented a total of 1,359 embryo/fetus deaths – 69 (5.07%) due to UCC, 60.9% males and 39.1% females. The average age of pregnant women was 27.5 years ± 7.2 years of standard deviation (SD). The majority of deaths occurred during the second trimester (76.5%), followed by the first (14.7%) and third (8.8%) trimesters, respectively. One constriction alone was found in 87% of cases, 11% had two constrictions and only 1% had three or more. The presence of congenital malformations was detected in 20.2% of necropsies, the identification of chronic fetal distress was described in 71% of the technical reports and 17% of the cases had obstructive vasculopathy characteristics in microscopy analysis. Regarding the anatomopathological characteristics between the male and female sexes, no significant difference was found (p > 0.05) correlating gestational age, weight or congenital malformations. UCC was a cause of fetal death found in 5% of the cases, and it was linked to congenital malformations, fetal distress and obliterative vasculopathy.

Key words:
fetal death; fetal distress; umbilical cord

RESUMEN

La constricción del cordón umbilical (CCU) es una condición infrecuente que no está bien descrita en la literatura, a pesar de ser una importante etiología observada en mortinatos. El objetivo de este estudio fue verificar la ocurrencia de CCU como causa de muerte fetal y las características patológicas asociadas. Para ello, se llevó a cabo un estudio retrospectivo transversal con informaciones de la base de datos de un Instituto de Patología, en Brasil, de 1995 hasta 2017. Los resultados fueron: 1.359 muertes de embriones/fetos, de las cuales 69 (5,07%) se debieron a CCU; 60,9% eran del sexo masculino y 39,1%, del femenino. El promedio de edad de las mujeres embarazadas fue de 27,5 anos; desviación estándar de ± 7,2 anos. La mayoría de las muertes ocurrió en el segundo trimestre (76,5%), seguido del primero (14,7%) y del tercero (8,8%). Entre el total de casos de CCU observados, 87% tuvieron sólo una constricción; 11%, dos; y 1%, tres o más. La presencia de malformaciones congénitas fue encontrada en 20,2% de las necropsias; la identificación de sufrimiento fetal crónico fue reportada en 71% de los informes; y características de vasculopatía obstructiva en el análisis de microscopía, en 17% de los casos. Con respecto a las características anatomopatológicas entre los sexos masculino y femenino, no se encontró ninguna diferencia significativa (p > 0,05) correlacionando edad gestacional de los fetos/embriones, peso o malformaciones congénitas. La CCU es una condición rara de muerte fetal asociada a bajo peso fetal y restricción de crecimiento. Nuestra investigación sugiere una posible relación entre la CCU y la vasculopatía obliterativa.

Palabras clave:
muerte fetal; sufrimiento fetal; cordón umbilical

INTRODUÇÃO

O processo gestacional está associado a mudanças hemodinâmicas uterinas e sistêmicas significativas para atender a demandas metabólicas tanto da mãe quanto do feto em crescimento. Embora o organismo feminino mantenha um equilíbrio dinâmico por mecanismos compensatórios, os limites entre normalidade e doença são pouco claros, e seu desequilíbrio representa riscos elevados de morbidade e mortalidade materno-fetal(11 Salge AKM, Silva RCR, Guimarães JV, Ramalho WS, Abdalla DR, Abdalla GK. Relação entre os aspectos clínicos, placentários, obstétricos e neonatais e o crescimento intrauterino na gestação de alto risco. Texto e Context Enferm. 2017; 26(2): 1-9.

2 Artico LG, Madi JM, Godoy AEG, Coelho CP, Rombaldi RL, Artico GR. Alterações histopatológicas em placentas humanas relacionadas às síndromes hipertensivas. Rev Bras Ginecol Obs. 2009; 31(1): 10-6.
-33 Silva TG, Lima TABCL, Mota AVP, Gueder V. A importância do exame anatomopatológico da placenta em obstetrícia e neonatologia. HU Rev. 2016; 42(3): 171-5.).

O cordão umbilical permite a comunicação placenta-feto, desempenhando um papel importante na vigilância epidemiológica e na tolerância materna ao feto. Em obstetrícia, o cordão umbilical fornece informações valiosas sobre a evolução da gravidez. Desse modo, qualquer alteração pode causar dano ao desenvolvimento fetal, anomalias, complicações perinatais ou mesmo morte fetal intrauterina. Por exemplo, quando a constrição de cordão umbilical (CCU) ocorre perto da parede abdominal fetal, ela causa morte do feto(44 Collins JH. Umbilical cord accidents: human studies. Semin Perinatol. 2002; 26(1): 79-82.

5 Peng HQ, Levitin-Smith M, Rochelson B, Kahn E. Umbilical cord stricture and overcoiling are common causes of fetal demise. Pediatr Dev Pathol. 2006;9(1): 14-19.

6 Hershkovitz R, Silberstein T, Sheiner E, et al. Risk factors associated with true knots of the umbilical cord. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2001; 98(1): 36-9.
-77 Heifetz SA. Strangulation of the umbilical cord by amniotic bands: report of six cases and literature review. Pediatr Pathol. 1984; 2: 285-304.).

A CCU é uma condição infrequente e não bem descrita, além de ainda não ter etiologia formalmente aceita na literatura. Contudo, seu reconhecimento é fácil e fundamentado na identificação macroscópica(11 Salge AKM, Silva RCR, Guimarães JV, Ramalho WS, Abdalla DR, Abdalla GK. Relação entre os aspectos clínicos, placentários, obstétricos e neonatais e o crescimento intrauterino na gestação de alto risco. Texto e Context Enferm. 2017; 26(2): 1-9.,88 Sheppard SJ, Khalil RA. Risk factors and mediators of the vascular dysfunction associated with hypertension in pregnancy. Cardiovasc Hematol Disord Drug Targets. 2011; 10(1): 33-52.

9 Rodríguez JI, Mariño-Enríquez A, Suárez-Aguado J, Lapunzina P. Umbilical cord stricture is not a genetic anomaly: a study in twins. Pediatr Dev Pathol. 2008; 11(5): 363-9.
-1010 Neves C, Medina JL, Delgado JL. Alterações endócrinas e imunomodulação na gravidez. Arq Med. 2007; 21(5-6): 175-82.). Alguns estudos relatam uma prevalência de 10%-20% de mortes fetais associadas à CCU. A estenose do cordão umbilical também pode estar presente, mas geralmente está associada a outras anomalias, como torção ou comprimento excessivo do cordão(22 Artico LG, Madi JM, Godoy AEG, Coelho CP, Rombaldi RL, Artico GR. Alterações histopatológicas em placentas humanas relacionadas às síndromes hipertensivas. Rev Bras Ginecol Obs. 2009; 31(1): 10-6.,88 Sheppard SJ, Khalil RA. Risk factors and mediators of the vascular dysfunction associated with hypertension in pregnancy. Cardiovasc Hematol Disord Drug Targets. 2011; 10(1): 33-52.,1111 Queiroz APS, Costa CFF. Amadurecimento precoce da placenta avaliada pela ultrassonografia e prognóstico perinatal. Rev Bras Ginecol Obs. 2008; 28(3): 165-70.).

A CCU tem uma característica patológica que causa redução da geleia de Wharton (matriz de tecido conjuntivo responsável por proteger os vasos umbilicais), o que predispõe a torções, edema, fibrose e trombose. Portanto, há diminuição no fluxo de sangue fetal, acarretando sofrimento fetal e morte(1212 Kim EN, Shim J, Kim CJ. Wharton jelly hair in a case of umbilical cord stricture and fetal death. J Pathol Transl Med. 2019; 53: 145-7.,1313 Masliah E, Wahl C. Umbilical cord stricture in a 21-week fetus. J Perinatol. 2004; 24: 48-49.).

Essa anomalia foi tradicionalmente considerada esporádica, o que implicava um risco muito baixo de recorrência em gestações subsequentes. Entretanto, alguns estudos mostraram abortos consecutivos devido à estenose umbilical, levantando a questão da presença de um componente genético(1414 Ling S, Hwang J, Huang L. Umbilical cord stricture causing intrauterine fetal death in a 22-week fetus. Taiwan J Obstet Gynecol. 2006; 45(1): 73-5.,1515 Tan SJ, Chen CH, Wu GJ, Chen WHC, Chang CC. Fetal demise by umbilical cord around abdomen and stricture. Arch Gynecol Obs. 2010; 281: 137-9.

16 Reis MR. Alterações macroscópicas do cordão umbilical em gestações de alto risco e suas repercussões [dissertation]. Goiás: Universidade Federal de Goiás; 2014.
-1717 Hasegawa J, Mimura T, Morimoto T, et al. Detection of umbilical venous constriction by Doppler flow measurement at midgestation. Ultrasound Obstet Gynecol. 2010; 36(2): 196-201.).

O presente estudo teve por objetivo verificar a ocorrência de CCU como causa de morte fetal e suas características etiopatológicas.

MÉTODOS

Estudo retrospectivo transversal realizado a partir da base de dados do Instituto de Patologia de Passo Fundo (IPPF). O IPPF localiza-se no norte do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A base de dados continha todas as ocorrências de morte fetal (1.359) de 1995 a 2017, da qual só os casos de CCU foram selecionados, totalizando 69 casos (5,07%).

As variáveis analisadas no estudo foram idade materna, idade gestacional, peso da placenta e do feto/embrião, presença de artéria umbilical única, medidas do cordão umbilical, comprimento total do feto/embrião, sexo, presença ou ausência de sofrimento fetal crônico, malformações congênitas, circular de cordão e vasculopatia obstrutiva de vasos das vilosidades.

A análise estatística foi realizada por meio dos programas GraphPad Prism 6 e Microsoft Excel 2010. As comparações estatísticas entre os anos foram feitas com o teste t de Student para as variáveis paramétricas e o teste Mann-Whitney para as variáveis não paramétricas. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo, sob o número 04477218.1.0000.5342.

RESULTADOS

Do total de 1.359 mortes fetais, somente 69 ocorrências foram causadas por CCU. A idade materna média foi 27,5 anos ± 7,2 anos de desvio padrão (DP). Nenhum caso múltiplo aconteceu com a mesma mulher. No que se refere ao período gestacional, a maioria dos casos aconteceu no segundo trimestre (76,5%), seguido do primeiro (14,7%) e do terceiro (8,8%) (Figura).

FIGURA
Demonstração visual das porcentagens de casos confirmados de constrição de cordão umbilical durante os trimestres de gestação

As características da placenta foram: peso médio de 116 g (DP ± 76), comprimento do cordão umbilical de 20,9 cm (DP ± 10,9) e espessura de 0,87 cm (DP ± 0,37). A diferença entre a espessura do cordão normal e o calibre na área de estenose foi 77%, menor em torno da constrição. Somente 7% dos casos apresentaram artéria umbilical única. Uma constrição foi encontrada em 87%, duas em 11% e três ou mais em apenas 1% de todos os casos (Tabela 1).

TABELA 1
Descrição das características anatomopatológicas da placenta e do cordão umbilical

O peso médio do embrião/feto foi 235 g [intervalo de confiança (IC) 95%, 178-285], com comprimento total de 19,65 cm (DP ± 6,5); 60,9% eram do sexo masculino e 39,1% do sexo feminino. A presença de malformações congênitas foi descrita em 20,2% das necropsias; muitas foram sincrônicas no mesmo indivíduo. A malformação mais prevalente ocorreu nos membros inferiores (8,6%): metade delas afetou os pés dos embriões. Outras malformações foram: artéria umbilical única (7%), má-rotação do cólon (4,3%) e agenesia renal (4,3%). A identificação de sofrimento fetal crônico foi relatada em 71% dos casos, cordão nucal em 10% e características de vasculopatia obstrutiva na análise microscópica em 17% (Tabela 2).

TABELA 2
Descrição das características anatomopatológicas de embriões/fetos

Em relação às características anatomopatológicas entre fetos masculinos e femininos, nenhuma significância foi encontrada correlacionando idade gestacional, peso ao nascimento ou malformações congênitas.

DISCUSSÃO

A idade materna geralmente se associa a vários desfechos durante a gestação. Entretanto, como apresentado no presente estudo, não há correlação entre idade materna e CCU(99 Rodríguez JI, Mariño-Enríquez A, Suárez-Aguado J, Lapunzina P. Umbilical cord stricture is not a genetic anomaly: a study in twins. Pediatr Dev Pathol. 2008; 11(5): 363-9.,1818 Radulescu L, Ferechide D, Popa F. The importance of fetal gender in intrauterine growth restriction. J Med Life. 2013; 6: 320-4.,1919 Ragonesi S, Bertini A, Camano L. Crescimento intrauterino retardado: aspectos atuais. Rev Assoc Med Bras. 1997; 43: 173-8.).

Corroborando a literatura, o estudo mostrou um aumento na probabilidade de nova estenose em uma gravidez subsequente em casos de gestações previamente diagnosticadas com CCU. Contudo, a ausência dessa recorrência ainda é questionada, levantando dúvidas sobre o envolvimento de um componente genético que pode permitir a recidiva(99 Rodríguez JI, Mariño-Enríquez A, Suárez-Aguado J, Lapunzina P. Umbilical cord stricture is not a genetic anomaly: a study in twins. Pediatr Dev Pathol. 2008; 11(5): 363-9.,1212 Kim EN, Shim J, Kim CJ. Wharton jelly hair in a case of umbilical cord stricture and fetal death. J Pathol Transl Med. 2019; 53: 145-7.,1313 Masliah E, Wahl C. Umbilical cord stricture in a 21-week fetus. J Perinatol. 2004; 24: 48-49.,1515 Tan SJ, Chen CH, Wu GJ, Chen WHC, Chang CC. Fetal demise by umbilical cord around abdomen and stricture. Arch Gynecol Obs. 2010; 281: 137-9.). Muitos casos de CCU foram relatados, mas só alguns estudos investigaram a possibilidade de um componente genético associado elevando o risco de recorrência em gestações vindouras. Entre eles, o maior estudo realizado concluiu que há um componente genético mínimo ou nulo na CCU (1,5%) em gestações depois de malformação anterior(99 Rodríguez JI, Mariño-Enríquez A, Suárez-Aguado J, Lapunzina P. Umbilical cord stricture is not a genetic anomaly: a study in twins. Pediatr Dev Pathol. 2008; 11(5): 363-9.).

Em relação ao período de envolvimento durante a gravidez, a taxa mais alta de diagnóstico de estenose do cordão ocorre no segundo trimestre, seguido do primeiro e terceiro trimestres(2020 Marsál K. Intrauterine growth restriction. Curr Opin Obs Gynecol. 2002; 14(2): 127-35.,2121 Kupferminc MJ. Mid-trimester severe intrauterine growth restriction is associated with a high prevalence of thrombophilia. BJOG. 2002; 109: 1373-6.), o que coincide com os dados do presente estudo.

De acordo com a literatura, a presença de uma artéria umbilical única não se relaciona com aumento de mortalidade fetal(2222 Luo X, Zhai S, Shi N, Li M, Cui S, Xu Y. The risk factors and neonatal outcomes of isolated single umbilical artery in singleton pregnancy: a meta-analysis. Sci Reports. 2017; 7: 7396.), confirmando os achados do nosso estudo, já que somente 7% dos 69 casos apresentaram tal anormalidade. Em relação a peso da placenta, comprimento do cordão umbilical e número de constrições, a escassez de dados na literatura impede comparações com os achados neste estudo. Mesmo assim, este trabalho é o primeiro a mostrar dados significativos sobre peso da placenta, comprimento do cordão umbilical e número de constrições, permitindo que futuras correlações sejam investigadas.

Baixo peso fetal e baixo peso total observados nos laudos anatomopatológicos do presente estudo podem indicar CCU como uma das etiologias da restrição de crescimento intrauterino (RCIU)(1919 Ragonesi S, Bertini A, Camano L. Crescimento intrauterino retardado: aspectos atuais. Rev Assoc Med Bras. 1997; 43: 173-8.,2020 Marsál K. Intrauterine growth restriction. Curr Opin Obs Gynecol. 2002; 14(2): 127-35.,2323 Khoury M, Erickson J, Cordero J. Congenital malformations and intrauterine growth retardation: a population study. Pediatrics. 1988; 82: 830-90.).

A RCIU é identificada quando o peso fetal se situa abaixo do percentil 10 para idade gestacional, sendo um problema clínico comum associado a elevadas taxas de morbidade e mortalidade perinatal. Outro achado que corrobora essa hipótese é o sofrimento fetal crônico, identificado em 71% dos fetos incluídos na amostra, um achado frequentemente associado com alterações feto-placentárias em pacientes com RCIU. Além disso, a presença de malformações congênitas em 20,2% das amostras ratifica a RCIU como possível etiologia, já que há associação entre malformação fetal e RCIU(2323 Khoury M, Erickson J, Cordero J. Congenital malformations and intrauterine growth retardation: a population study. Pediatrics. 1988; 82: 830-90.).

Nosso estudo apontou uma prevalência de constrição de cordão no sexo masculino. Esse achado contradiz estudos anteriores de RCIU que indicavam prevalência maior no sexo feminino(1818 Radulescu L, Ferechide D, Popa F. The importance of fetal gender in intrauterine growth restriction. J Med Life. 2013; 6: 320-4.). No entanto, é importante destacar que não há distinção no que diz respeito a sexo entre as possíveis etiologias de restrição de crescimento na literatura. Esse pode ter sido o motivo pelo qual a prevalência da estenose de cordão apresentou tantas discrepâncias com os dados previamente existentes.

Outro fato que pode corroborar uma possível associação entre as condições é que os fetos com RCIU, especificamente após o segundo trimestre, podem ter seu crescimento restringido por trombofilia, embora os estudos ainda sejam controversos(2121 Kupferminc MJ. Mid-trimester severe intrauterine growth restriction is associated with a high prevalence of thrombophilia. BJOG. 2002; 109: 1373-6.,2424 Rodger M, Paidas M, Claire M. Inherited thrombophilia and pregnancy complications revisited. Obs Gynecol. 2008; 112: 320-4.). Além do mais, a presença de vasculopatia obliterativa em 17% das amostras pode indicar associação entre condições como trombofilia e CCU, já que a vasculopatia obstrutiva é achado comum em laudos histopatológicos de pacientes com trombofilia(2424 Rodger M, Paidas M, Claire M. Inherited thrombophilia and pregnancy complications revisited. Obs Gynecol. 2008; 112: 320-4.). Entretanto, estudos adicionais são necessários para elucidar a possível associação entre esses fatores.

CONCLUSÃO

CCU foi causa de morte fetal em 5% dos casos do presente estudo. Uma ligação com malformações congênitas foi estabelecida em 20% da amostra, sofrimento fetal em 71% e vasculopatia obliterativa em 17%. O achado de vasculopatia obliterativa, relatado na trombofilia, sugere uma possível correlação entre as duas condições.

REFERENCES

  • 1
    Salge AKM, Silva RCR, Guimarães JV, Ramalho WS, Abdalla DR, Abdalla GK. Relação entre os aspectos clínicos, placentários, obstétricos e neonatais e o crescimento intrauterino na gestação de alto risco. Texto e Context Enferm. 2017; 26(2): 1-9.
  • 2
    Artico LG, Madi JM, Godoy AEG, Coelho CP, Rombaldi RL, Artico GR. Alterações histopatológicas em placentas humanas relacionadas às síndromes hipertensivas. Rev Bras Ginecol Obs. 2009; 31(1): 10-6.
  • 3
    Silva TG, Lima TABCL, Mota AVP, Gueder V. A importância do exame anatomopatológico da placenta em obstetrícia e neonatologia. HU Rev. 2016; 42(3): 171-5.
  • 4
    Collins JH. Umbilical cord accidents: human studies. Semin Perinatol. 2002; 26(1): 79-82.
  • 5
    Peng HQ, Levitin-Smith M, Rochelson B, Kahn E. Umbilical cord stricture and overcoiling are common causes of fetal demise. Pediatr Dev Pathol. 2006;9(1): 14-19.
  • 6
    Hershkovitz R, Silberstein T, Sheiner E, et al. Risk factors associated with true knots of the umbilical cord. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2001; 98(1): 36-9.
  • 7
    Heifetz SA. Strangulation of the umbilical cord by amniotic bands: report of six cases and literature review. Pediatr Pathol. 1984; 2: 285-304.
  • 8
    Sheppard SJ, Khalil RA. Risk factors and mediators of the vascular dysfunction associated with hypertension in pregnancy. Cardiovasc Hematol Disord Drug Targets. 2011; 10(1): 33-52.
  • 9
    Rodríguez JI, Mariño-Enríquez A, Suárez-Aguado J, Lapunzina P. Umbilical cord stricture is not a genetic anomaly: a study in twins. Pediatr Dev Pathol. 2008; 11(5): 363-9.
  • 10
    Neves C, Medina JL, Delgado JL. Alterações endócrinas e imunomodulação na gravidez. Arq Med. 2007; 21(5-6): 175-82.
  • 11
    Queiroz APS, Costa CFF. Amadurecimento precoce da placenta avaliada pela ultrassonografia e prognóstico perinatal. Rev Bras Ginecol Obs. 2008; 28(3): 165-70.
  • 12
    Kim EN, Shim J, Kim CJ. Wharton jelly hair in a case of umbilical cord stricture and fetal death. J Pathol Transl Med. 2019; 53: 145-7.
  • 13
    Masliah E, Wahl C. Umbilical cord stricture in a 21-week fetus. J Perinatol. 2004; 24: 48-49.
  • 14
    Ling S, Hwang J, Huang L. Umbilical cord stricture causing intrauterine fetal death in a 22-week fetus. Taiwan J Obstet Gynecol. 2006; 45(1): 73-5.
  • 15
    Tan SJ, Chen CH, Wu GJ, Chen WHC, Chang CC. Fetal demise by umbilical cord around abdomen and stricture. Arch Gynecol Obs. 2010; 281: 137-9.
  • 16
    Reis MR. Alterações macroscópicas do cordão umbilical em gestações de alto risco e suas repercussões [dissertation]. Goiás: Universidade Federal de Goiás; 2014.
  • 17
    Hasegawa J, Mimura T, Morimoto T, et al. Detection of umbilical venous constriction by Doppler flow measurement at midgestation. Ultrasound Obstet Gynecol. 2010; 36(2): 196-201.
  • 18
    Radulescu L, Ferechide D, Popa F. The importance of fetal gender in intrauterine growth restriction. J Med Life. 2013; 6: 320-4.
  • 19
    Ragonesi S, Bertini A, Camano L. Crescimento intrauterino retardado: aspectos atuais. Rev Assoc Med Bras. 1997; 43: 173-8.
  • 20
    Marsál K. Intrauterine growth restriction. Curr Opin Obs Gynecol. 2002; 14(2): 127-35.
  • 21
    Kupferminc MJ. Mid-trimester severe intrauterine growth restriction is associated with a high prevalence of thrombophilia. BJOG. 2002; 109: 1373-6.
  • 22
    Luo X, Zhai S, Shi N, Li M, Cui S, Xu Y. The risk factors and neonatal outcomes of isolated single umbilical artery in singleton pregnancy: a meta-analysis. Sci Reports. 2017; 7: 7396.
  • 23
    Khoury M, Erickson J, Cordero J. Congenital malformations and intrauterine growth retardation: a population study. Pediatrics. 1988; 82: 830-90.
  • 24
    Rodger M, Paidas M, Claire M. Inherited thrombophilia and pregnancy complications revisited. Obs Gynecol. 2008; 112: 320-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2019
  • Revisado
    12 Nov 2019
  • Aceito
    15 Jan 2021
  • Publicado
    27 Out 202020
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: jbpml@sbpc.org.br