Acessibilidade / Reportar erro

Não conformidades na fase pré-analítica identificadas em um laboratório de saúde pública

RESUMO

Introdução:

As não conformidades detectadas na fase pré-analítica dos exames enviados aos laboratórios centrais (Lacen) do estado culminam em perda de dados epidemiológicos de grande importância para a saúde pública, além de prejudicar a vigilância em saúde.

Objetivos:

Este trabalho teve como objetivo identificar as não conformidades pré-analíticas mais frequentes registradas pelo Lacen/PR e as maiores dificuldades encontradas pelas unidades primárias e regionais de saúde no cadastro dos exames no sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL).

Resultados:

Do total de 132.567 exames realizados no ano de 2017, a análise dos dados do sistema GAL-Paraná identificou 9.723 descartes de amostras em desacordo. As não conformidades mais frequentes foram: requisição cancelada pela gerência do GAL devido à expiração do prazo de triagem (28%) e amostra imprópria para a análise solicitada (28%).

Discussão:

Ao identificar os pontos vulneráveis dessa etapa do processo, a maior dificuldade detectada foi solicitação do exame correto.

Conclusão:

Os dados indicam a necessidade de reforçar as capacitações e a melhoria do processo pré-analítico, a fim de garantir a segurança do paciente e dos dados epidemiológicos.

Unitermos:
fase pré-analítica; saúde pública; laboratório regional de saúde; controle de qualidade

ABSTRACT

Introduction:

The nonconformities detected in the pre-analytical phase of laboratory tests sent to the Central Public Health Laboratories (Lacen) culminate in the loss of epidemiological data of great importance for public health and are detrimental to health surveillance. This study aimed to identify the most frequent pre-analytical nonconformities recorded by Lacen/PR and the major difficulties encountered by the primary and regional health units in the registration of exams in the Laboratory Environment Manager (GAL) system.

Results:

The analysis of data from the Paraná GAL system in 2017 identified 9,723 discards for disagreeing samples in a total of 132,567 tests performed in the same period. The most frequent nonconformities were: request canceled by the GAL management due to expiration of the screening period (28%), and sample unsuitable for the requested analysis (28%).

Discussion:

After identifying the vulnerabilities of this stage of the process, the greatest detected difficulty was requesting the correct test.

Conclusion:

Data indicate the need to strengthen training and improve the pre-analytical process in order to ensure patient safety and epidemiological data.

Key words:
pre-analytical phase; public health; public health laboratory services; quality control

RESUMEN

Introducción:

Las no conformidades detectadas en la fase preanalítica de las pruebas enviadas a los laboratorios centrales (Lacen) del estado culminan en pérdida de datos epidemiológicos de gran importancia para la salud pública, además de perjudicar la vigilancia en salud. Objetivos: Este estudio intentó identificar las no conformidades preanalíticas más frecuentes registradas por el Lacen/PR y las mayores dificultades encontradas por unidades primarias y regionales de salud en el registro de pruebas en el sistema administrador del ambiente de laboratorio (GAL).

Resultados:

Del total de 132.765 pruebas realizadas en 2017, el análisis de datos del sistema GAL-Paraná identificó 9.723 descartes de muestras en desacuerdo. Las no conformidades más frecuentes fueron: solicitud rechazada por la gerencia de GAL pues la muestra está fuera de la fecha de caducidad (28%) y muestra inadecuada para el análisis solicitado (28%).

Discusión:

Al identificar los puntos débiles de esa etapa del proceso, la mayor dificultad detectada fue la solicitud de la prueba correcta. Conclusión: Los datos indican la necesidad de fortalecer las capacidades y la mejora del proceso preanalítico, para garantizar la seguridad del paciente y de los datos epidemiológicos.

Palabras clave:
fase preanalítica; salud pública; servicios laboratoriales de salud pública; control de calidad

INTRODUÇÃO

Laboratórios de saúde pública são aqueles que não operam com fins lucrativos. A rede de laboratórios públicos no Brasil é dividida em: centro colaborador, laboratórios de referência nacional, laboratórios de referência regional, laboratórios de referência estadual, laboratórios de referência municipal, laboratórios locais e laboratórios de fronteiras(11 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância epidemiológica. Reestruturação do sistema nacional de laboratórios de saúde pública. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001.).

Na esfera estadual, há os laboratórios que dão suporte a hospitais e unidades ambulatoriais e o Laboratório Central do Estado (Lacen)(22 Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública (SISLAB). Brasília, DF; 2018 a.). Como referência estadual, o Lacen é responsável pela coordenação dos laboratórios públicos e privados que realizam exames de interesse em saúde pública em seu respectivo estado(11 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância epidemiológica. Reestruturação do sistema nacional de laboratórios de saúde pública. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001.). O Lacen, no Paraná, está vinculado à Secretaria Estadual de Saúde, com atividades de vigilância epidemiológica, ambiental e sanitária(33 Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Laboratório Central do Estado do Paraná. Institucional; 2018.). Seu principal objetivo é fornecer dados para práticas de vigilância em saúde; o diagnóstico não é sua principal meta, mas a confirmação é consequência dos serviços prestados(44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria nº 33 de 22 de junho de 2017. Define o processo para habilitação dos laboratórios de referência nacional e regional, no âmbito da rede nacional de laboratórios de saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.). Diferentemente de um laboratório clínico de rotina, as unidades de Lacen não realizam exames para diagnosticar doenças não notificáveis(55 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.031, de 23 de setembro de 2004. Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.).

O laboratório de saúde pública também é responsável pela vigilância em saúde, pois gerencia dados epidemiológicos, utiliza metodologias específicas, sinaliza emergências em saúde e proporciona assistência com educação continuada(11 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância epidemiológica. Reestruturação do sistema nacional de laboratórios de saúde pública. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001.).

O processo de trabalho de qualquer laboratório clínico envolve todo o percurso da amostra, desde a requisição médica até a entrega do laudo. Essa sequência é dividida em três fases: pré-analítica, analítica e pós-analítica(66 Costa VG, Moreli ML. Principais parâmetros biológicos avaliados em erros na fase pré-analítica de laboratórios clínicos: revisão sistemática. J Bras Patol Med Lab. 2012; 8(3): 163-8.).

A fase pré-analítica precede a execução do exame; compreende solicitação médica, orientação do paciente, coleta, acondicionamento, transporte e tratamento/preparo da amostra antes da análise. A fase analítica é aquela em que os exames são realizados; é monitorada por programas rigorosos de controle de qualidade. A última fase trata da transcrição do resultado para o laudo e sua entrega ao paciente e/ou médico(77 Lima-Oliveira G, Volanski W, Lippi G, Picheth G, Guidi GC. Pre-analytical phase management: a review of the procedures from patient preparation to laboratory analysis. Scand J Clin Lab Invest. 2017; 77(3): 153-63.,88 Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita MN. A utilidade dos indicadores de qualidade no gerenciamento de laboratórios clínicos. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(3): 201-10.).

Nos últimos 30 anos, houve uma melhoria considerável na qualidade da fase analítica com automação de laboratórios, ensaios de proficiência, controle interno da qualidade e treinamento constante dos analistas clínicos. A fase pré- -analítica, entretanto, ainda é a principal responsável por erros laboratoriais(66 Costa VG, Moreli ML. Principais parâmetros biológicos avaliados em erros na fase pré-analítica de laboratórios clínicos: revisão sistemática. J Bras Patol Med Lab. 2012; 8(3): 163-8.,99 Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Pelloso M, Chiozza ML. Performance criteria and quality indicators for the pre-analytical phase. Clin Chem Lab Med. 2015; e.53-6.). Para os laboratórios de saúde pública, cujo viés é a vigilância epidemiológica, o fator mais importante da fase pré- -analítica é o tempo oportuno para coleta da amostra(66 Costa VG, Moreli ML. Principais parâmetros biológicos avaliados em erros na fase pré-analítica de laboratórios clínicos: revisão sistemática. J Bras Patol Med Lab. 2012; 8(3): 163-8.).

As unidades Lacen recebem amostras de diferentes partes do estado, visto que uma de suas competências é realizar procedimentos laboratoriais mais complexos para diagnóstico complementar(44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria nº 33 de 22 de junho de 2017. Define o processo para habilitação dos laboratórios de referência nacional e regional, no âmbito da rede nacional de laboratórios de saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.). Por esse motivo, garantir a qualidade da fase pré-analítica das amostras recebidas é desafiador.

Erros pré-analíticos ou não conformidades culminam em perda de dados epidemiológicos de grande importância para a saúde pública, gastos desnecessários com acondicionamento, transporte e posterior descarte das amostras biológicas não conformes e não processadas, além de transtornos e gastos adicionais com a busca ativa de pacientes para recoleta, quando aplicável.

Altas taxas de descarte de exames laboratoriais devido a não conformidades na fase pré-analítica justificam a necessidade de identificar os pontos vulneráveis dessa etapa do processo. Portanto, o presente estudo teve como objetivo listar os erros pré-analíticos (não conformidades) identificados com mais frequência pela Seção de Gerenciamento de Amostras do Lacen/PR - Unidade Guatupê (SGA) e, a partir deles, propor medidas para eliminar ou minimizar tais erros, bem como apontar as maiores dificuldades encontradas pelas unidades primárias e regionais de saúde (RS) durante o cadastramento dos exames no sistema informatizado Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL).

MÉTODOS

Para atingir os objetivos deste trabalho, uma análise de dados gerados pelo GAL-Paraná foi realizada em 2017. As não conformidades foram detectadas com base nas orientações do Manual de Coleta e Envio de Amostras Biológicas ao Lacen/PR e nas notas técnicas disponíveis no site do Lacen/PR (http://www.lacen.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=74;http://www.lacen.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=56).

Os dados foram avaliados por meio de análises estatísticas descritivas utilizando as ferramentas do Microsoft Excel(r) 2010.

Por ter utilizado dados secundários, sem envolvimento de seres humanos ou resultados laboratoriais, este estudo não necessitou de avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme a resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 510, de 7 de abril de 2016. Este trabalho teve a aprovação da Direção Geral do Lacen/PR.

RESULTADOS

O não atendimento de um requisito específico para o processamento de uma amostra é considerado uma não conformidade. No ano de 2017, no Gal-Paraná, foram registrados 132.567 exames e 9.723 descartes de análises direcionadas especificamente ao Lacen/PR.

As não conformidades identificadas foram enquadradas nas 31 opções de descarte no sistema GAL. A Tabela 1 destaca a frequência das justificativas de descarte no GAL-Paraná - Lacen/PR, em 2017.

TABELA 1
Frequência das não conformidades registradas no GAL-Paraná, Lacen/PR, em 2017

A Tabela 2 aponta a não conformidade mais frequente em um conjunto de descartes dos exames enviados ao Lacen/PR, considerando cada RS do estado do Paraná em 2017.

TABELA 2
Não conformidade de maior frequência para exames destinados ao Lacen/PR em cada RS do estado do Paraná, em 2017

A Figura 1 destaca as RS do estado do Paraná e a distribuição de ocorrência de não conformidades para os exames destinados à Divisão dos Laboratórios de Epidemiologia e Controle de Doenças (DVLCD) do Lacen/PR e o número de não conformidades em 2017.

FIGURA 1
Distribuição de ocorrência de não conformidades nos exames epidemiológicos destinados ao Lacen/PR por RS do estado do Paraná, no ano de 2017

A Figura 2 revela as unidades de saúde (US) do estado do Paraná com mais registro de não conformidades para análises encaminhadas à DVLCD do Lacen/PR em 2017.

FIGURA 2
US com maior número de registro de não conformidades no ano de 2017. O gráfico expõe as unidades solicitantes com número absoluto de descartes igual ou maior do que 100 registros no ano de 2017

DISCUSSÃO

Em 2008, o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, criou o sistema GAL, que tem como principal objetivo gerenciar as atividades desenvolvidas pela rede estadual de laboratórios de saúde pública no diagnóstico de doenças de interesse de saúde pública(1010 Jesus R, Guimarães RP, Bergamo R, Santos LCF, Matta ASD, Paula Jr FJ. Sistema gerenciador de ambiente laboratorial: relato de experiência de uma ferramenta transformadora para a gestão laboratorial e vigilância em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2013; 22(3): 525-9.). Este é o sistema utilizado pelo Lacen/PR.

As amostras biológicas recebidas no Lacen/PR chegam à DVLCD pela SGA; a partir dessa triagem inicial, elas são distribuídas aos setores que realizam os exames solicitados. Na SGA, os profissionais avaliam se o cadastro foi feito corretamente e se a amostra é adequada para análise, conforme orientações contidas no Manual de Coleta e Envio de Amostras Biológicas ao Lacen/PR e nas notas técnicas, disponíveis no site do Lacen/PR. Após essa verificação, os exames são aprovados e a amostra é encaminhada ao setor responsável, ou os exames são descartados no sistema GAL e a amostra mantida em quarentena(1212 Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Laboratório Central do Estado do Paraná. Sistema de gestão da qualidade e biossegurança. Recebimento de amostras biológicas. Procedimento Operacional Padrão nº 1.3.70.002; 2011.).

Nos casos em que a amostra é adequada, mas o cadastro do teste foi feito errado pela US, a SGA faz a correção necessária no cadastro do GAL para não perder o material. Nos casos de acondicionamento inadequado de líquidos biológicos de difícil obtenção, como o líquido cefalorraquidiano (LCR), a amostra é encaminhada à seção de destino e o descarte fica a critério do profissional responsável pela análise(1313 Coan EW. Implantação de programa de gestão da fase pré-analítica no Lacen/PR - Unidade Guatupê. São José dos Pinhais: Escola de Saúde Pública do Paraná. Secretaria do Estado de Saúde; 2017.,1414 Paraná. Secretaria do Estado de Saúde. Laboratório Central do Estado - Unidade Guatupê. Manual de coleta e envio de amostras biológicas ao Lacen/PR; 2017.). Parâmetros como identificação do paciente, exames adicionais desnecessários ou repetição de exames, qualidade da centrifugação, grau de hemólise e transporte da amostra podem ser classificados em três níveis: ótimo, desejável e insatisfatório. Esses parâmetros são denominados indicadores de qualidade e monitoram e melhoram a qualidade da fase pré-analítica. O não cumprimento de um requisito específico é considerado uma não conformidade(99 Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Pelloso M, Chiozza ML. Performance criteria and quality indicators for the pre-analytical phase. Clin Chem Lab Med. 2015; e.53-6.).

Frequência de não conformidades registradas no GAL-Paraná

Nos laboratórios de saúde pública, assim como em qualquer laboratório, a qualidade dos exames é essencial, e a ocorrência de descartes de amostras indica que há falhas que comprometem a qualidade total do resultado. As amostras recebidas por um laboratório de saúde pública são irrepetíveis, e muitos exames não podem ser realizados posteriormente devido à perda dos dados daquele momento específico(1313 Coan EW. Implantação de programa de gestão da fase pré-analítica no Lacen/PR - Unidade Guatupê. São José dos Pinhais: Escola de Saúde Pública do Paraná. Secretaria do Estado de Saúde; 2017.). É possível verificar que o número de descartes no Lacen/PR (9.723) é relativamente pequeno se comparado com o número total de exames realizados (132.567). Mas, para a rede de saúde pública, a rejeição de uma amostra resulta na perda de dados epidemiológicos referentes a um momento oportuno(1515 Morita MLM, Baldin R, Farias N. Avaliação da qualidade da informação nas requisições e condições das amostras biológicas nos laboratórios de saúde pública Lapa e Ipiranga do município de São Paulo. Bepa. 2010; 79: 12-22.).

Entre as 31 opções de justificativa de descarte disponíveis no sistema GAL, destacam-se, com maior frequência: requisição cancelada pela gerência do GAL devido à expiração do prazo de triagem, amostra imprópria para análise e amostra insuficiente (Tabela 1). As amostras descartadas do sistema GAL são colocadas em quarentena e, após esse período, são descartadas em embalagens para resíduos do grupo E - perfurocortante. Placas, tubos com meio de transporte bacteriano, frascos contendo fezes ou escarro são descartados no lixo hospitalar após serem esterilizados em autoclave(1616 Paraná. Secretaria do Estado de Saúde. Laboratório Central do Estado do Paraná. Sistema de gestão da qualidade e biossegurança. Tratamento de não conformidades na recepção de amostras. Procedimento Operacional Padrão nº 1.3.70.003; 2011.).

A análise dos indicadores de qualidade do sistema GAL permitiu identificar as não conformidades mais comuns na fase pré-analítica dos exames realizados no Lacen/PR. Dados apontam erros de identificação, coleta, armazenamento e processamento inadequados da amostra, além de erros com o formulário de solicitação como as não conformidades mais frequentes em laboratórios de rotina(1515 Morita MLM, Baldin R, Farias N. Avaliação da qualidade da informação nas requisições e condições das amostras biológicas nos laboratórios de saúde pública Lapa e Ipiranga do município de São Paulo. Bepa. 2010; 79: 12-22.,1717 Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Padoan A, Chiozza ML. Quality indicators to detect pre-analytical errors in laboratory testing. Clin Chim Acta. 2014; 15: 432-44.). Nossos resultados corroboram esses dados, apesar de serem oriundos de serviço laboratoriais públicos com características epidemiológicas.

A não conformidade "requisição cancelada pela gerência do GAL devido à expiração do prazo de triagem" ocorre devido ao mau uso do sistema GAL. Esse sistema informatiza a rede de laboratórios públicos e possibilita um maior controle da qualidade dos resultados dos exames, fornecendo dados para a vigilância epidemiológica nas três esferas de governo(1818 Paula Jr FJ, Matta ASD, Jesus R, Guimarães RP, Souza LRO, Brant JL. Sistema gerenciador de ambiente laboratorial - GAL: avaliação de uma ferramenta para vigilância sentinela de síndrome gripal, Brasil, 2011- 2012. Epidemiol Serv Saude. 2017; 26(2): 339-48.). Porém, muitas US o utilizam apenas como um agendador de exames.

O cadastro no GAL deve ser feito após a coleta do material biológico; no entanto, a maioria dos usuários cadastrou os exames antes da coleta do material biológico. Como resultado, várias requisições ficam no sistema, sem que a amostra chegue ao Lacen/PR. Isso acontece porque, apesar de a coleta ser agendada, muitos pacientes não comparecem na data marcada.

A segunda justificativa mais utilizada, "amostra imprópria para análise solicitada", apresenta duas hipóteses: deficiência dos usuários ao consultar o Manual de Coleta e Envio de Amostras Biológicas ao Lacen/PR, as notas técnicas e todas as informações disponíveis no site da instituição; e falha na interpretação das justificativas por parte dos técnicos do Lacen/PR.

Vale destacar que há alguns fatores complicadores detectados pela SGA, principalmente no que tange o descarte de amostras biológicas que não foram adequadas à pesquisa desejada. Isso significa que as estatísticas das não conformidades podem não refletir a realidade. Para exemplificar, usamos o caso de uma unidade que envia amostra de LCR para pesquisa de citomegalovírus por sorologia. A amostra é adequada, mas o cadastro no GAL está errado, pois a metodologia utilizada para pesquisa de citomegalovírus em amostra de LCR é a reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real, não a sorologia. A SGA rejeita o cadastro incorreto no GAL, mas não despreza a amostra, apenas a direciona para o processamento na seção correta. O descarte, portanto, deveria ter duas justificativas no sistema GAL: "amostra imprópria para a análise solicitada" e "cadastro incorreto da amostra", mas isso não acontece.

Dificuldades encontradas pelas US e RS do Paraná

A rede estadual de laboratórios do estado do Paraná é dividida em 22 RS; há laboratórios que realizam exames e outros que encaminham as amostras para exames específicos no Lacen/PR(1919 Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Resolução SESA nº 0610/2010. Dispõe sobre a organização do Sistema Estadual de Laboratórios de Saúde Pública do Estado do Paraná - SESLAB/PR, inserido no contexto do Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública - SISLAB. 2010.). Por meio do relatório "Amostras e exames em desacordo 2017", produzido pelo GAL, foi possível verificar qual erro pré-analítico era mais recorrente para cada RS. A segunda, terceira e décima RS se destacam por terem o maior número de exames descartados.

Alguns pontos devem ser considerados ao avaliar as dificuldades encontradas por cada US e, consequentemente, a quantidade de não conformidades de cada uma. Logo, é preciso ponderar que a porcentagem de descartes é influenciada pela quantidade de exames encaminhados ao Lacen/PR. Ao analisar as US com maior registro de não conformidades em 2017 (Figura 2), notamos que, apesar da proximidade com o Lacen e por ser a capital do estado, com facilidades de comunicação e treinamentos, Curitiba é o município da segunda RS que possui o maior número de não conformidades.

A maioria das solicitações de exames da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Curitiba tem como objetivo investigar vírus respiratórios e leptospirose. A principal não conformidade dessa US é o cadastro incorreto dos casos suspeitos de leptospirose. Para tal cenário, há uma explicação: existem três pesquisas no GAL envolvendo leptospirose (Tabela 3), o que pode causar confusão no momento do cadastro. Dependendo da evolução da doença, é possível realizar a cultura e a pesquisa do material genético da bactéria ou pesquisar a resposta imunológica produzida (anticorpos). Para que o resultado do exame seja adequado, é imprescindível assegurar que a coleta, a escolha adequada da metodologia e o cadastro sejam realizados corretamente.

TABELA 3
Cadastro da pesquisa para leptospirose

Outro fator importante nesse contexto é a característica epidemiológica local. Existem diferenças entre as não conformidades das regionais, pois algumas têm prevalência de determinada doença na localidade. Por exemplo, existe a possibilidade de maior número de casos suspeitos de dengue de acordo com o risco climático da região. Consequentemente, pode ocorrer maior número de não conformidades relacionadas com a confirmação desse diagnóstico em regiões mais afetadas pela doença(2020 Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Superintendência de Vigilância em Saúde. Centro de informações e respostas estratégicas de vigilância em saúde - CIEVS. Informe epidemiológico CIEVS - Paraná/Semana Epidemiológica 51 e 52/2017 (17/12/2017 a 30/12/2017). 2017.).

Medidas para evitar não conformidades

O Lacen/PR disponibiliza em seu site manuais e notas técnicas que orientam sobre a forma correta de envio de amostras biológicas para o Lacen/PR. O Manual de Coleta e Envio de Amostras Biológicas é revisado anualmente e descreve todas as etapas para que seja realizado o cadastro correto no sistema GAL e o envio da amostra adequada para a realização do exame pretendido.

É possível que a complexidade do manual seja um fator impactante na ocorrência de não conformidades. Há uma grande dificuldade na utilização do manual, e isso pode justificar, por exemplo, a porcentagem dos descartes devido à amostra imprópria para a análise solicitada. Uma alternativa para esse problema seria a produção de notas técnicas para o envio de amostras para pesquisas mais frequentes de acordo com a característica de cada RS.

Outro motivo para explicar o número de descartes de exames/amostras registrados no GAL-Paraná em 2017 pode ser o fato de os envolvidos na preparação e no envio de amostras serem, em sua maioria, profissionais sem conhecimento técnico sobre o trabalho do laboratório, como os da área de enfermagem e administração. Além disso, a dificuldade de capacitação dos diversos profissionais envolvidos na execução da fase pré-analítica (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e técnicos administrativos, entre outros), seja pelas diferentes áreas de formação, seja pela dificuldade de implantação de um programa específico de capacitação contribui para o número de descartes.

Erros pré-analíticos causam um impacto financeiro negativo pela repetição de exames, perda da utilidade do exame como auxílio diagnóstico e perda de dados para fins epidemiológicos. Ações para melhorar esse cenário seriam capacitações, priorizando as áreas onde a incidência dos erros é maior(2121 Campana GA, Oplustll CP, Faro LB. Tendências em medicina laboratorial. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(4): 399-408.).

As não conformidades que ocorrem na fase pré-analítica do exame laboratorial representam cerca de 60% dos erros laboratoriais(1515 Morita MLM, Baldin R, Farias N. Avaliação da qualidade da informação nas requisições e condições das amostras biológicas nos laboratórios de saúde pública Lapa e Ipiranga do município de São Paulo. Bepa. 2010; 79: 12-22.,1717 Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Padoan A, Chiozza ML. Quality indicators to detect pre-analytical errors in laboratory testing. Clin Chim Acta. 2014; 15: 432-44.). Embora os laboratórios criem estratégias de controle de qualidade para reduzir essas não conformidades, o problema persiste, como destacado neste trabalho. Não há dados nacionais publicados sobre a frequência de rejeição/descarte de amostras no sistema GAL. Entretanto, sabe-se que algumas não conformidades encontradas neste estudo são frequentes também em estudos similares que avaliaram os processos de laboratórios de rotina(2222 Tapper MA, Pethick JC, Dilworth LL, McGrowder DA. Pre-analytical errors ate the chemical pathology laboratory of a teaching hospital. J Clin Diagn Res. 2017; 11(8): BC16-8.). Podem ocorrer falhas na identificação das amostras, na seleção da amostra biológica a ser coletada para determinada pesquisa, no volume de amostra coletado nos tubos, no acondicionamento correto da amostra, na ocorrência de hemólise e na falta de informações sobre o paciente, com formulários de requisição incompletos ou preenchidos incorretamente(2323 Sciacovelli L, Lippi G, Sumarac Z, et al. Quality Indicators in Laboratory Medicine: the status of progress of IFCC Working Group "Laboratory Errors and Patient Safety" project. Clin Chem Lab Med. 2017; 55(3): 348-57.).

Sistemas de gerenciamento de informação como o GAL permitem a identificação de indicadores de qualidade, ferramentas fundamentais para apontar os erros e as não conformidades mais frequentes e, com base neles, implantar medidas corretivas e educativas necessárias, além de melhorar a qualidade do serviço prestado(2424 Noble MA, Resrelli V, Taylor A, Cochrane D. Laboratory error reporting rates can change significantly with year-over-year examination. Diagnosis (Berl). 2018; 5(1): 15-9.).

Para aprimorar periodicamente a fase pré-analítica, o Lacen/PR realiza capacitações nos 399 municípios do estado. Os pontos abordados mais relevantes nesses treinamentos são: i) principais problemas encontrados no preenchimento do sistema GAL; ii) treinamento para o preenchimento correto da requisição de exames; iii) acondicionamento e envio corretos das amostras.

Incentivar a participação de todos os profissionais envolvidos no processo e disseminar informações nos locais de trabalho por meio de agentes multiplicadores são desafios importantes a serem enfrentados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em 2017, foram registrados 9.723 descartes no Lacen/PR devido a não conformidades; as justificativas mais frequentes foram: requisição cancelada pela gerência do GAL por conta do prazo de triagem expirado (28%) e amostra imprópria para a análise solicitada (28%). As dificuldades mais comuns encontradas pelas US e RS foram relacionadas com a solicitação correta dos exames. A segunda, terceira e décima regionais foram as que apresentaram maior número de não conformidades.

Para um laboratório de saúde pública, a amostra é única e, apesar de toda tecnologia empregada na fase analítica, a fase que a antecede é essencial para garantir a qualidade dos resultados e das informações epidemiológicas. Os indicadores de qualidade nessa fase também são uma importante ferramenta para a melhoria do processo. Os resultados encontrados neste estudo apontam a necessidade de reforçar medidas direcionadas para melhorar o processo pré-analítico, a fim de garantir a segurança do paciente e dos dados epidemiológicos.

REFERENCES

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Vigilância epidemiológica. Reestruturação do sistema nacional de laboratórios de saúde pública. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública (SISLAB). Brasília, DF; 2018 a.
  • 3
    Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Laboratório Central do Estado do Paraná. Institucional; 2018.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria nº 33 de 22 de junho de 2017. Define o processo para habilitação dos laboratórios de referência nacional e regional, no âmbito da rede nacional de laboratórios de saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.031, de 23 de setembro de 2004. Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
  • 6
    Costa VG, Moreli ML. Principais parâmetros biológicos avaliados em erros na fase pré-analítica de laboratórios clínicos: revisão sistemática. J Bras Patol Med Lab. 2012; 8(3): 163-8.
  • 7
    Lima-Oliveira G, Volanski W, Lippi G, Picheth G, Guidi GC. Pre-analytical phase management: a review of the procedures from patient preparation to laboratory analysis. Scand J Clin Lab Invest. 2017; 77(3): 153-63.
  • 8
    Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita MN. A utilidade dos indicadores de qualidade no gerenciamento de laboratórios clínicos. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(3): 201-10.
  • 9
    Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Pelloso M, Chiozza ML. Performance criteria and quality indicators for the pre-analytical phase. Clin Chem Lab Med. 2015; e.53-6.
  • 10
    Jesus R, Guimarães RP, Bergamo R, Santos LCF, Matta ASD, Paula Jr FJ. Sistema gerenciador de ambiente laboratorial: relato de experiência de uma ferramenta transformadora para a gestão laboratorial e vigilância em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2013; 22(3): 525-9.
  • 11
    Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Laboratório Central do Estado. Gerenciador de ambiente laboratorial. Amostras e exames em desacordo de 01/01/2017 a 31/12/2017. São José dos Pinhais; 2018.
  • 12
    Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Laboratório Central do Estado do Paraná. Sistema de gestão da qualidade e biossegurança. Recebimento de amostras biológicas. Procedimento Operacional Padrão nº 1.3.70.002; 2011.
  • 13
    Coan EW. Implantação de programa de gestão da fase pré-analítica no Lacen/PR - Unidade Guatupê. São José dos Pinhais: Escola de Saúde Pública do Paraná. Secretaria do Estado de Saúde; 2017.
  • 14
    Paraná. Secretaria do Estado de Saúde. Laboratório Central do Estado - Unidade Guatupê. Manual de coleta e envio de amostras biológicas ao Lacen/PR; 2017.
  • 15
    Morita MLM, Baldin R, Farias N. Avaliação da qualidade da informação nas requisições e condições das amostras biológicas nos laboratórios de saúde pública Lapa e Ipiranga do município de São Paulo. Bepa. 2010; 79: 12-22.
  • 16
    Paraná. Secretaria do Estado de Saúde. Laboratório Central do Estado do Paraná. Sistema de gestão da qualidade e biossegurança. Tratamento de não conformidades na recepção de amostras. Procedimento Operacional Padrão nº 1.3.70.003; 2011.
  • 17
    Plebani M, Sciacovelli L, Aita A, Padoan A, Chiozza ML. Quality indicators to detect pre-analytical errors in laboratory testing. Clin Chim Acta. 2014; 15: 432-44.
  • 18
    Paula Jr FJ, Matta ASD, Jesus R, Guimarães RP, Souza LRO, Brant JL. Sistema gerenciador de ambiente laboratorial - GAL: avaliação de uma ferramenta para vigilância sentinela de síndrome gripal, Brasil, 2011- 2012. Epidemiol Serv Saude. 2017; 26(2): 339-48.
  • 19
    Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Resolução SESA nº 0610/2010. Dispõe sobre a organização do Sistema Estadual de Laboratórios de Saúde Pública do Estado do Paraná - SESLAB/PR, inserido no contexto do Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública - SISLAB. 2010.
  • 20
    Paraná. Secretaria do Estado da Saúde. Superintendência de Vigilância em Saúde. Centro de informações e respostas estratégicas de vigilância em saúde - CIEVS. Informe epidemiológico CIEVS - Paraná/Semana Epidemiológica 51 e 52/2017 (17/12/2017 a 30/12/2017). 2017.
  • 21
    Campana GA, Oplustll CP, Faro LB. Tendências em medicina laboratorial. J Bras Patol Med Lab. 2011; 47(4): 399-408.
  • 22
    Tapper MA, Pethick JC, Dilworth LL, McGrowder DA. Pre-analytical errors ate the chemical pathology laboratory of a teaching hospital. J Clin Diagn Res. 2017; 11(8): BC16-8.
  • 23
    Sciacovelli L, Lippi G, Sumarac Z, et al. Quality Indicators in Laboratory Medicine: the status of progress of IFCC Working Group "Laboratory Errors and Patient Safety" project. Clin Chem Lab Med. 2017; 55(3): 348-57.
  • 24
    Noble MA, Resrelli V, Taylor A, Cochrane D. Laboratory error reporting rates can change significantly with year-over-year examination. Diagnosis (Berl). 2018; 5(1): 15-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2019
  • Revisado
    19 Ago 2019
  • Aceito
    20 Ago 2019
  • Publicado
    8 Abr 2020
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: jbpml@sbpc.org.br