Acessibilidade / Reportar erro

Estudo comparativo de duas classificações histopatológicas para carcinoma de células escamosas bucal

RESUMO

Introdução:

O carcinoma de células escamosas (CCE) é o tumor mais frequente entre todos os cânceres localizados na cavidade bucal. Apesar dos avanços, o prognóstico dessa neoplasia ainda é um desafio para os cirurgiões. Diante dessa situação, vários estudos tentam associar a análise histopatológica ao prognóstico, a fim de que os planejamentos terapêuticos se tornem mais precisos.

Objetivos:

Esta pesquisa teve como objetivo realizar o estudo epidemiológico dos CCEs e classificá-los histopatologicamente conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o modelo “Budding and Depth of Invasion” (BD). Um estudo retrospectivo foi realizado.

Metodologia:

Foram analisados dados dos prontuários arquivados no Hospital UOPECCAN entre 2009 e 2015. A amostra foi composta por 57 pacientes. Os dados epidemiológicos foram coletados e os blocos resgatados e cortados para análise histopatológica. As associações foram realizadas por meio do teste qui-quadrado, com nível de significância de 5% (p = 0,05) pelo programa GraphPad Prism. As duas análises histopatológicas foram correlacionadas por meio do teste estatístico de Spearman.

Resultados:

Após análise das amostras, verificamos mais prevalência de CCE nos pacientes fumantes do sexo masculino com idade superior a 40 anos. Não houve correlação entre os métodos BD e OMS. A classificação da OMS apresentou associação significante com a idade (p = 0,03) e a sequência de tratamento (p = 0,05). Já o modelo BD associou comprometimento linfonodal (p = 0,005) e estadiamento clínico (p = 0,005).

Conclusão:

A classificação BD foi mais objetiva para a análise histopatológica e pode ser uma importante ferramenta para análise do prognóstico do paciente, auxiliando na decisão do tratamento.

Unitermos:
carcinoma de células escamosas; prognóstico; estadiamento de neoplasias.

ABSTRACT

Introduction:

Squamous cell carcinoma (SCC) is the most common tumor among all cancers in the oral cavity. Despite advances, the prognosis of this neoplasm remains a challenge for professionals. Faced with this situation, several studies try to associate the histopathological analysis with prognosis, so that therapeutic planning becomes more accurate.

Objectives:

This research aimed to conduct an epidemiological study of oral SCC and classify them histopathological assessment according to the World Health Organization (WHO) and the Budding and Depth of Invasion (BD) model. A retrospective research was conducted.

Methodology:

Data from medical records filed at UOPECCAN Hospital between 2009 and 2015 were analyzed. The sample consisted of 57 patients. Epidemiological data were collected and the blocks were rescued and cut for histopathological analysis. Associations were performed using the chi-square test with a significance level of 5% (p = 0.05) by the GraphPad Prism program. The two histopathological analyzes were correlated using Spearman’s statistical test.

Results:

After analyzing the samples, we found a higher prevalence of oral SCC in male smokers aged above 40 years. There was no correlation between the BD and WHO methods. The WHO classification was significantly associated with age (p = 0.03), and follow-up care (p = 0.05). However, the BD model associated lymph node involvement (p = 0.005) and clinical staging (p = 0.005).

Conclusion:

The BD classification was more objective for histopathological analysis and may be an important tool for analyzing patient prognosis, assisting in the treatment decision.

Key words:
squamous cell carcinoma; prognosis; neoplasm staging

RESUMEN

Introducción:

El carcinoma de células escamosas (CCE), denominado además carcinoma epidermoide, es el tumor más común entre todos los cánceres de la cavidad oral. A pesar de los avances, el pronóstico de esta neoplasia sigue siendo un desafío para los cirujanos/profesionales/clínicos. Ante esta situación, varios estudios intentan asociar el análisis histopatológico con el pronóstico, para que la planificación terapéutica sea más precisa.

Objectivos:

Esta investigación tuvo como objetivo realizar un estudio epidemiológico del CCE oral y clasificarlo histopatológicamente de acuerdo con la Organización Mundial de la Salud (OMS) y el modelo Budding and Depth of Invasion (BD). Se realizó una investigación retrospectiva.

Metodología:

Se analizaron los datos de las historias clínicas archivadas en el Hospital UOPECCAN entre 2009 y 2015. La muestra estuvo formada por 57 pacientes. Se recolectaron datos epidemiológicos y los bloques fueron rescatados y cortados para análisis histopatológico. Las asociaciones se realizaron mediante la prueba de chi-cuadrado con un nivel de significancia del 5% (p = 0.05) por el programa GraphPad Prism. Los dos análisis histopatológicos se correlacionaron mediante la prueba estadística de Spearman.

Resultados:

Tras analizar las muestras, encontramos una mayor prevalencia de CCE oral en varones fumadores mayores de 40 años. No hubo correlación entre los métodos BD y OMS. La clasificación de la OMS se asoció significativamente con la edad (p = 0,03) y seguimiento del del tratamiento (p = 0,05). Sin embargo, el modelo de BD asoció la afectación de los ganglios linfáticos (p = 0,005) y la estadificación clínica (p = 0,005).

Conclusión:

La clasificación BD fue más objetiva para el análisis histopatológico y puede ser una herramienta importante para analizar el pronóstico del paciente, asistiendo en la decisión del tratamiento.

Palabras clave:
carcinoma de células escamosas; pronóstico; estadificación de neoplasias

INTRODUÇÃO

O carcinoma de células escamosas (CCE) bucal é a neoplasia maligna mais comum da cavidade bucal, representando 95% dos cânceres orais(11 De Paz D, Kao H-K, Huang Y, Chang K-P. Prognostic stratification of patients with advanced oral cavity squamous cell carcinoma. Curr Oncol Rep. 2017; 19(10): 65. PubMed PMID: 28799122.). Sua incidência varia de acordo com idade, gênero, hábitos, ocupação, grupos étnicos e localização geográfica. Também existem algumas áreas da cavidade bucal que são geralmente mais afetadas, como o lábio inferior, a língua e o assoalho bucal(22 Bello IO, Soini Y, Salo T. Prognostic evaluation of oral tongue cancer: means, markers and perspectives (II). Oral Oncol. 2010; 46(9): 636-43. PubMed PMID: 20637681.).

Vários fatores parecem estar envolvidos na etiologia dessa doença, entretanto, a discussão dessas questões ainda não é conclusiva; apenas álcool e tabaco já possuem evidências comprovadas(33 Freitas RM, Rodrigues AMX, Matos Jr AF, Oliveira GAL. Fatores de risco e principais alterações citopatológicas do câncer bucal: uma revisão de literatura. RBAC. 2016; 48(1): 13-18.).

O prognóstico do CCE ainda é um desafio para os clínicos, apesar do progresso no diagnóstico e no tratamento nas últimas décadas(11 De Paz D, Kao H-K, Huang Y, Chang K-P. Prognostic stratification of patients with advanced oral cavity squamous cell carcinoma. Curr Oncol Rep. 2017; 19(10): 65. PubMed PMID: 28799122.). Um dos principais parâmetros utilizados para o planejamento da terapia e do prognóstico é o sistema TNM padronizado pela American Joint Committee on Cancer (AJCC) chamado de estadiamento clínico, o qual permite mensurar o tamanho do tumor (T), o envolvimento de linfonodos (N) e as metástases a distância (M)(44 dos Santos MA, Danesi CC, Pinheiro BH. Relação entre sobrevida dos pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade bucal e estadiamento patológico, operados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Rev Bras Cir Cabeça pescoço. 2014; 43(1):23-28.). Recentemente, para melhorar e fortalecer o prognóstico, a oitava edição do AJCC propôs modificações nesse sistema, incluindo a adição de dois fatores patológicos: profundidade de invasão do tumor e extensão extranodal(11 De Paz D, Kao H-K, Huang Y, Chang K-P. Prognostic stratification of patients with advanced oral cavity squamous cell carcinoma. Curr Oncol Rep. 2017; 19(10): 65. PubMed PMID: 28799122.). Assim, o principal papel da análise histopatológica é complementar o sistema TNM e fornecer ao cirurgião informações importantes para a terapia mais adequada(55 Almangush A, Coletta R, Bello I, et al. A simple novel prognostic model for early stage oral tongue cancer. Int J Oral Maxillofac Surg. 2015; 44(2): 143-50. PubMed PMID: 25457829.).

Durante anos, pesquisadores têm apresentado diversos sistemas de graduação histopatológica de malignidade (SGHM) cujo objetivo é fornecer subsídios que possibilitem a interpretação da agressividade da neoplasia. Entre eles, podemos citar os propostos por Broders em 1920, que deram origem ao sistema da Organização Mundial da Saúde (OMS)(66 Broders AC. Squamous-cell epithelioma of the lip: a study of five hundred and thirty-seven cases. J Am Med Assoc. 1920; 74(10): 656-64.), Anneroth et al. em 1987(77 Anneroth G, Batsakis J, Luna M. Review of the literature and a recommended system of malignancy grading in oral squamous cell carcinomas. Eur J Oral Sci. 1987; 95(3): 229-49. PubMed PMID: 3299675.), Bryne et al. em 1992(88 Bryne M, Koppang HS, Lilleng R, Kjærheim Å. Malignancy grading of the deep invasive margins of oral squamous cell carcinomas has high prognostic value. J Pathol. 1992; 166(4): 375-81. PubMed PMID: 1517891.), Brandwein-Gensler et al. em 2005(99 Brandwein-Gensler M, Teixeira MS, Lewis CM, et al. Oral squamous cell carcinoma: histologic risk assessment, but not margin status, is strongly predictive of local disease-free and overall survival. Am J Surg Pathol. 2005; 29(2): 167-78. PubMed PMID: 15644773.) e Almangush et al. em 2015(55 Almangush A, Coletta R, Bello I, et al. A simple novel prognostic model for early stage oral tongue cancer. Int J Oral Maxillofac Surg. 2015; 44(2): 143-50. PubMed PMID: 25457829.).

A classificação mais recente de Almangush et al. (2015)(55 Almangush A, Coletta R, Bello I, et al. A simple novel prognostic model for early stage oral tongue cancer. Int J Oral Maxillofac Surg. 2015; 44(2): 143-50. PubMed PMID: 25457829.), conhecida como classificação Budding and Depth of Invasion (BD), tem como base a profundidade de invasão e os ninhos de células tumorais no fronte do tumor. Basicamente, os pesquisadores demonstraram que células individuais ou pequenos grupos de células indicam um mau prognóstico devido a sua capacidade de invasão. Além disso, estudos recentes demonstram que o estadiamento TNM combinado com o modelo BD de graduação histológica pode ajudar no planejamento terapêutico(1010 Sawazaki-Calone I, Rangel A, Bueno A, et al. The prognostic value of histopathological grading systems in oral squamous cell carcinomas. Oral Dis. 2015; 21(6): 755-61. PubMed PMID: 25825335., 1111 Strieder L, Coutinho-Camillo C, Costa V, da Cruz Perez DE, Kowalski LP, Kaminagakura E. Comparative analysis of three histologic grading methods for squamous cell carcinoma of the lip. Oral Dis. 2017; 23(1): 120-25. PubMed PMID: 27667675.).

O propósito deste estudo foi realizar um levantamento epidemiológico de casos de CCE e classificá-los histopatologicamente de acordo com a OMS (atual classificação histopatológica padrão) e a classificação BD, além de analisar a associação dessas classificações com os dados demográficos e o sistema TNM.

METODOLOGIA

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná e pelo Hospital de Câncer de Cascavel [União Oeste Paranaense de Estudos e Combate ao Câncer (UOPECCAN)] - CEP CCAE: 49204715.1.0000.0107.

Amostra, critérios de inclusão e exclusão

A amostra foi composta por 57 pacientes com diagnóstico de CCE atendidos no Hospital de Câncer de Cascavel UOPECCAN entre 2009 e 2015. Foram incluídos os pacientes que realizaram cirurgia de ressecção total do tumor, associada ou não a quimioterapia e/ou radioterapia pós-operatória. Os critérios de exclusão foram pacientes com CCE de lábio (por sua etiologia ser diferente da do CCE intrabucal); casos em que apenas a biópsia incisional estava disponível; e pacientes que realizaram quimioterapia e/ou radioterapia previamente à cirurgia de ressecção total do tumor.

Coleta de dados

As informações coletadas foram: identificação do paciente e número do registro hospitalar; gênero; idade da detecção do câncer; cor; hábito de fumar ou beber; local e tamanho da lesão; comprometimento linfonodal; metástase no diagnóstico; estadiamento clínico; tratamento realizado; tempo de queixa do tumor; margens cirúrgicas; recidivas; segundo tumor primário e situação atual do paciente. Após a coleta de dados, o contato com os pacientes foi efetuado por telefone para solicitar o envio do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), o qual retornou assinado via correio aos pesquisadores.

Análise histopatológica

Os respectivos blocos tumorais foram enviados aos laboratórios da cidade de Cascavel [Laboratório Anatom - Instituto de Anatomia Patológica e Citopatologia S/C Ltda e Laboratório de Anatomia Patológica e Citologia (APC)]. A próxima etapa foi a confecção de lâminas histológicas coradas pela técnica de hematoxilina e eosina (HE).

Com as lâminas finalizadas, a análise histopatológica foi realizada com o microscópio Olympus ×71 com auxílio do Olympus DP Controler software 3.2.1.276 de mensuração e captura de imagem, simultaneamente por dois pesquisadores (SCI e LBC); apenas o número do laudo estava disponível no momento da análise histopatológica. A análise foi realizada por meio do modelo da OMS e do modelo BD. O modelo da OMS se baseia na proliferação e na diferenciação das células tumorais, sendo os casos classificados em bem diferenciados (grau 1), moderadamente diferenciados (grau 2) e pobremente diferenciados (grau 3)(66 Broders AC. Squamous-cell epithelioma of the lip: a study of five hundred and thirty-seven cases. J Am Med Assoc. 1920; 74(10): 656-64.). A classificação BD tem como base os ninhos de células tumorais (B) e a profundidade de invasão (D). O ponto de corte para a contagem dos ninhos de células tumorais e a profundidade de invasão foram estabelecidos em cinco ninhos e 4 mm, respectivamente. A profundidade de invasão foi analisada no aumento de 4×, e os ninhos de células tumorais, no aumento de 20×. O resultado da análise dos padrões histopatológicos foram classificados em três grupos(55 Almangush A, Coletta R, Bello I, et al. A simple novel prognostic model for early stage oral tongue cancer. Int J Oral Maxillofac Surg. 2015; 44(2): 143-50. PubMed PMID: 25457829.):

  • escore 0 (baixo risco) - < 4 mm e ninhos de células tumorais < 5 no fronte invasivo;

  • escore 1 (risco intermediário) - o tumor deve ter uma das seguintes características: a) < 4 mm, mas ≥ 5 ninhos ou b) ≥ 4 mm e < 5 ninhos;

  • escore 2 (alto risco) - ≥ 4 mm e ≥ 5 ninhos.

Análise estatística

Testes de associação com base em qui-quadrado com nível de significância de 5% (p = 0,05) foram realizados com o programa GraphPad Prism. As duas análises histopatológicas foram correlacionadas por meio do teste estatístico de Spearman.

RESULTADOS

Os dados epidemiológicos e histopatológicos dos 57 pacientes encontram-se na Tabela 1. A análise da correlação entre a classificação da OMS e a da BD foi realizada pelo teste de correlação de Spearman com resultado de 0,22, mostrando uma baixa intensidade de correlação entre elas.

TABELA 1
Dados epidemiológicos e classificações histopatológicas (n = 57)

Budding and Depth of Invasion

A Tabela 2 demonstra a análise estatística por meio do qui-quadrado entre os dados epidemiológicos e as classificações histopatológicas. Importante ressaltar que os pacientes que não informaram sobre o hábito de fumar ou beber não foram considerados nesta análise, assim como aqueles que foram classificados como “perda de seguimento” na situação atual do paciente. Esse teste mostrou significância entre a classificação OMS com a idade (p = 0,03) e a sequência de tratamento (p = 0,05), enquanto o modelo BD associou comprometimento linfonodal (p = 0,005) e estadiamento clínico (p = 0,005).

TABELA 2
Correlação entre as variáveis e classificação BD e OMS (n = 57)

DISCUSSÃO

De acordo com dados epidemiológicos, a população de Cascavel com CCE tratada de 2009 a 2015 no Hospital UOPECCAN apresentava o mesmo perfil epidemiológico presente na literatura(22 Bello IO, Soini Y, Salo T. Prognostic evaluation of oral tongue cancer: means, markers and perspectives (II). Oral Oncol. 2010; 46(9): 636-43. PubMed PMID: 20637681., 1212 Barnes L, Eveson JW, Reichart P, Sidransky D. Pathology and genetics of head and neck tumours. Vol 9. IARC; 2005.

13 Rivera C. Essentials of oral cancer. Int J Clin Exp Pathol. 2015; 8(9): 11884.
-1414 Coaracy AEV, Lopes FF, da Cruz MCFN, Bastos EG. Correlação entre os dados clínicos e histopatológicos dos casos de carcinoma espinocelular oral do Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Bello, em São Luís, MA. J Bras Patol Med Lab. 2008; 44(1): 31-35. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442008000100007.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), ou seja, gênero masculino, idade acima de 40 anos e fumantes. Em nossa pesquisa, a maioria (92,98%) dos pacientes apresentava idade superior a 40 anos, dado coerente visto que o CCE é uma doença que aumenta significativamente sua prevalência com o decorrer dos anos (sobretudo na faixa etária acima dos 40 anos)(1414 Coaracy AEV, Lopes FF, da Cruz MCFN, Bastos EG. Correlação entre os dados clínicos e histopatológicos dos casos de carcinoma espinocelular oral do Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Bello, em São Luís, MA. J Bras Patol Med Lab. 2008; 44(1): 31-35. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442008000100007.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Além do tabaco, o álcool também é relatado como um agente cancerígeno. Estudos mostram que as neoplasias na cavidade bucal podem ocorrer devido a alguns hábitos, como beber e/ou fumar; o cenário é mais agravante quando o paciente possui ambos os hábitos(22 Bello IO, Soini Y, Salo T. Prognostic evaluation of oral tongue cancer: means, markers and perspectives (II). Oral Oncol. 2010; 46(9): 636-43. PubMed PMID: 20637681., 1313 Rivera C. Essentials of oral cancer. Int J Clin Exp Pathol. 2015; 8(9): 11884., 1515 Teixeira AKM, Almeida MEL, Holanda ME, Sousa FB, Almeida PC. Carcinoma espinocelular da cavidade bucal: um estudo epidemiológico na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Rev Bras Cancerol. 2009; 55(3): 229-36.). Dos indivíduos que participaram da pesquisa, 75,44% utilizavam tabaco e 33,33% possuíam o hábito de beber. Todos aqueles que consumiam álcool utilizavam o tabaco concomitante.

A localização do CCE também é uma questão relevante. Embora essa neoplasia possa ocorrer em qualquer parte da cavidade bucal, algumas áreas são mais comumente afetadas do que outras, como, por exemplo, o lábio inferior, a língua e o assoalho bucal(22 Bello IO, Soini Y, Salo T. Prognostic evaluation of oral tongue cancer: means, markers and perspectives (II). Oral Oncol. 2010; 46(9): 636-43. PubMed PMID: 20637681., 1313 Rivera C. Essentials of oral cancer. Int J Clin Exp Pathol. 2015; 8(9): 11884., 1616 Rikardsen OG, Bjerkli I-H, Uhlin-Hansen L, Hadler-Olsen E, Steigen SE. Clinicopathological characteristics of oral squamous cell carcinoma in Northern Norway: a retrospective study. BMC Oral Health. 2014; 14(1): 103. PubMed PMID: 25135120.). A língua foi o local de maior incidência neste estudo (49,12%) - associada ou não a outra região que não o assoalho -, seguida por assoalho bucal (22,81%) - associado ou não a outra região que não a língua - e língua e assoalho concomitantes (12,28%). É importante relatar que os pacientes com CCE labial não fazem parte da amostra, pois a etiologia dessa neoplasia está relacionada com a exposição solar, bem como com seu comportamento biológico e seu prognóstico mais favorável(1717 Ganesh D, Sreenivasan P, Öhman J, et al. Potentially malignant oral disorders and cancer transformation. Anticancer Res. 2018; 38(6): 3223-29. PubMed PMID: 29848669.).

Apesar da teórica facilidade de se encontrar lesões em estadios iniciais, a ausência de sintomatologia nessa fase leva o paciente a negligenciá-la. A maioria das lesões de CCE não cicatrizam dentro de três semanas e são indolores(44 dos Santos MA, Danesi CC, Pinheiro BH. Relação entre sobrevida dos pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade bucal e estadiamento patológico, operados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Rev Bras Cir Cabeça pescoço. 2014; 43(1):23-28., 1313 Rivera C. Essentials of oral cancer. Int J Clin Exp Pathol. 2015; 8(9): 11884.)). Um dado importante é que a maior parte dos pacientes desta pesquisa procurou atendimento profissional de um a três meses depois do aparecimento das lesões (31,51%). De acordo com van der Waal (2013)(1818 van der Waal I. Are we able to reduce the mortality and morbidity of oral cancer; some considerations. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2013; 18(1): e33. PubMed PMID: 23229266.), a média de atraso na procura por tratamento é de três a cinco semanas; quanto mais tempo o paciente leva para procurar um tratamento, pior é o seu estadiamento clínico e, consequentemente, seu prognóstico. A maioria dos pacientes foi diagnosticada no estadiamento clínico IV (33,33%). O estadio no qual o câncer bucal é diagnosticado tem um efeito significativo na sobrevida global e no aumento das morbidades relacionadas com o tratamento(1919 Silva SD, Hier M, Mlynarek A, Kowalski LP, Alaoui-Jamali MA. Recurrent oral cancer: current and emerging therapeutic approaches. Front Pharmacol. 2012; 3: 149. PubMed PMID: 23060791.), além de dificultar o sucesso do tratamento(2020 Dionne KR, Warnakulasuriya S, Binti Zain R, Cheong SC. Potentially malignant disorders of the oral cavity: current practice and future directions in the clinic and laboratory. Int J Cancer. 2015; 136(3): 503-15. PubMed PMID: 24482244.).

Quanto à correlação entre as classificações histopatológicas, elas demonstraram baixa intensidade de relação (correlação de Spearman = 0,22). Uma pesquisa realizada em 2015 analisou as mesmas classificações e demonstrou a existência de baixa correlação entre esses sistemas (correlação de Spearman = 0,09)(1010 Sawazaki-Calone I, Rangel A, Bueno A, et al. The prognostic value of histopathological grading systems in oral squamous cell carcinomas. Oral Dis. 2015; 21(6): 755-61. PubMed PMID: 25825335.). Na prática, o modelo da OMS e o modelo BD são analisados com padrões diferentes. Um mesmo corte de tumor que demonstrou um prognóstico bom (bem diferenciado) em uma classificação (OMS), por exemplo, apresentou prognóstico ruim (grau 2) quando analisado em outro modelo de classificação (BD). Além disso, ao realizar a análise estatística, a classificação OMS apresentou associação significante com a sequência de tratamento (p = 0,05). Esse dado é coerente, pois a OMS é o atual modelo padrão de classificação histopatológica e auxilia juntamente ao sistema TNM na decisão do prognóstico e do tratamento do paciente(1313 Rivera C. Essentials of oral cancer. Int J Clin Exp Pathol. 2015; 8(9): 11884.).

Nosso estudo também apresentou associação entre a classificação OMS e a idade (p = 0,03). Acreditamos que esse resultado se deve ao fato de que a idade aumenta as chances de comorbidades, o que leva ao pior prognóstico da doença. Entretanto, a literatura ainda não apresenta associações entre idade, sexo e prognóstico de CCE(2121 Montoro JRMC, Hicz HA, de Souza L, et al. Fatores prognósticos no carcinoma espinocelular de cavidade oral. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008; 74(6): 861-66. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992008000600008.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Dessa forma, sugerimos que novas investigações sejam realizadas entre a classificação OMS e a idade dos pacientes.

A classificação BD apresentou associação com o comprometimento linfonodal (p = 0,005) e o estadiamento clínico (p = 0,005). Tais informações são relevantes, visto que um estudo que avaliou métodos de graduação histológica para o CCE de lábio demonstrou que o estadiamento TNM combinado com o modelo BD pode auxiliar no planejamento terapêutico(1111 Strieder L, Coutinho-Camillo C, Costa V, da Cruz Perez DE, Kowalski LP, Kaminagakura E. Comparative analysis of three histologic grading methods for squamous cell carcinoma of the lip. Oral Dis. 2017; 23(1): 120-25. PubMed PMID: 27667675.), evitando assim o tratamento inadequado para os pacientes. Nossa pesquisa também sugere que a classificação BD pode ser utilizada como subsídio para a determinação do tratamento, mas são são necessários novos estudos para confirmar esse fato.

Já é bem estabelecido há décadas que a presença de comprometimento linfonodal é um importante fator prognóstico no câncer de cabeça e pescoço(2222 Fontan Köhler H, Kowalski LP. O impacto do nível da metástase cervical no prognóstico dos pacientes com carcinoma epidermoide de cavidade oral. Rev Bras Otorrinolaringol. 2012; 78(6). Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-86942012000600003.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...

23 Woolgar JA. Histopathological prognosticators in oral and oropharyngeal squamous cell carcinoma. Oral Oncol. 2006; 42(3): 229-39. PubMed PMID: 16150633.
-2424 Shimizu S, Miyazaki A, Sonoda T, et al. Tumor budding is an independent prognostic marker in early stage oral squamous cell carcinoma: with special reference to the mode of invasion and worst pattern of invasion. PLoS One. 2018; 13(4): e0195451. PubMed PMID: 29672550.) em estágio inicial(2424 Shimizu S, Miyazaki A, Sonoda T, et al. Tumor budding is an independent prognostic marker in early stage oral squamous cell carcinoma: with special reference to the mode of invasion and worst pattern of invasion. PLoS One. 2018; 13(4): e0195451. PubMed PMID: 29672550.). Um estudo realizado por Almangush et al. (2018), por meio da classificação BD com biópsias pré-operatórias e os correspondentes espécimes pós-operatórios de CCE de língua de 100 pacientes, mostrou a relação estatisticamente significativa entre os escores pré e pós- -operatórios de BD, sugerindo dessa forma que essa classificação poderia ser utilizada a partir de biópsias para o planejamento do tratamento(2525 Almangush A, Leivo I, Siponen M, et al. Evaluation of the budding and depth of invasion (BD) model in oral tongue cancer biopsies. Virchows Arch. 2018; 472(2): 231-36. PubMed PMID: 28766010.). Com isso, com base nos dados encontrados em nossa pesquisa, sugerimos que a classificação BD pode fornecer dados importantes quanto ao prognóstico do paciente, além de ser uma classificação mais objetiva e com parâmetros bem definidos.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa apresenta resultados que revelam a prevalência de CCE em homens fumantes com idade superior a 40 anos na população pesquisada. A área mais acometida da cavidade bucal foi a língua. Observamos que os métodos de análise histopatológica BD e OMS não apresentaram correlação entre si. O modelo da OMS mostrou associação com a sequência de tratamento. Esse dado é relevante pois esse modelo é o padrão universal de classificação histopatológica para CCE. Já o modelo BD associou dois reconhecidos fatores prognósticos: comprometimento linfonodal e estadiamento clínico. Esse método de classificação foi considerado o de maior facilidade de execução pelos pesquisadores devido aos seus padrões mais objetivos.

REFERENCES

  • 1
    De Paz D, Kao H-K, Huang Y, Chang K-P. Prognostic stratification of patients with advanced oral cavity squamous cell carcinoma. Curr Oncol Rep. 2017; 19(10): 65. PubMed PMID: 28799122.
  • 2
    Bello IO, Soini Y, Salo T. Prognostic evaluation of oral tongue cancer: means, markers and perspectives (II). Oral Oncol. 2010; 46(9): 636-43. PubMed PMID: 20637681.
  • 3
    Freitas RM, Rodrigues AMX, Matos Jr AF, Oliveira GAL. Fatores de risco e principais alterações citopatológicas do câncer bucal: uma revisão de literatura. RBAC. 2016; 48(1): 13-18.
  • 4
    dos Santos MA, Danesi CC, Pinheiro BH. Relação entre sobrevida dos pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade bucal e estadiamento patológico, operados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Rev Bras Cir Cabeça pescoço. 2014; 43(1):23-28.
  • 5
    Almangush A, Coletta R, Bello I, et al. A simple novel prognostic model for early stage oral tongue cancer. Int J Oral Maxillofac Surg. 2015; 44(2): 143-50. PubMed PMID: 25457829.
  • 6
    Broders AC. Squamous-cell epithelioma of the lip: a study of five hundred and thirty-seven cases. J Am Med Assoc. 1920; 74(10): 656-64.
  • 7
    Anneroth G, Batsakis J, Luna M. Review of the literature and a recommended system of malignancy grading in oral squamous cell carcinomas. Eur J Oral Sci. 1987; 95(3): 229-49. PubMed PMID: 3299675.
  • 8
    Bryne M, Koppang HS, Lilleng R, Kjærheim Å. Malignancy grading of the deep invasive margins of oral squamous cell carcinomas has high prognostic value. J Pathol. 1992; 166(4): 375-81. PubMed PMID: 1517891.
  • 9
    Brandwein-Gensler M, Teixeira MS, Lewis CM, et al. Oral squamous cell carcinoma: histologic risk assessment, but not margin status, is strongly predictive of local disease-free and overall survival. Am J Surg Pathol. 2005; 29(2): 167-78. PubMed PMID: 15644773.
  • 10
    Sawazaki-Calone I, Rangel A, Bueno A, et al. The prognostic value of histopathological grading systems in oral squamous cell carcinomas. Oral Dis. 2015; 21(6): 755-61. PubMed PMID: 25825335.
  • 11
    Strieder L, Coutinho-Camillo C, Costa V, da Cruz Perez DE, Kowalski LP, Kaminagakura E. Comparative analysis of three histologic grading methods for squamous cell carcinoma of the lip. Oral Dis. 2017; 23(1): 120-25. PubMed PMID: 27667675.
  • 12
    Barnes L, Eveson JW, Reichart P, Sidransky D. Pathology and genetics of head and neck tumours. Vol 9. IARC; 2005.
  • 13
    Rivera C. Essentials of oral cancer. Int J Clin Exp Pathol. 2015; 8(9): 11884.
  • 14
    Coaracy AEV, Lopes FF, da Cruz MCFN, Bastos EG. Correlação entre os dados clínicos e histopatológicos dos casos de carcinoma espinocelular oral do Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Bello, em São Luís, MA. J Bras Patol Med Lab. 2008; 44(1): 31-35. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442008000100007
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442008000100007
  • 15
    Teixeira AKM, Almeida MEL, Holanda ME, Sousa FB, Almeida PC. Carcinoma espinocelular da cavidade bucal: um estudo epidemiológico na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Rev Bras Cancerol. 2009; 55(3): 229-36.
  • 16
    Rikardsen OG, Bjerkli I-H, Uhlin-Hansen L, Hadler-Olsen E, Steigen SE. Clinicopathological characteristics of oral squamous cell carcinoma in Northern Norway: a retrospective study. BMC Oral Health. 2014; 14(1): 103. PubMed PMID: 25135120.
  • 17
    Ganesh D, Sreenivasan P, Öhman J, et al. Potentially malignant oral disorders and cancer transformation. Anticancer Res. 2018; 38(6): 3223-29. PubMed PMID: 29848669.
  • 18
    van der Waal I. Are we able to reduce the mortality and morbidity of oral cancer; some considerations. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2013; 18(1): e33. PubMed PMID: 23229266.
  • 19
    Silva SD, Hier M, Mlynarek A, Kowalski LP, Alaoui-Jamali MA. Recurrent oral cancer: current and emerging therapeutic approaches. Front Pharmacol. 2012; 3: 149. PubMed PMID: 23060791.
  • 20
    Dionne KR, Warnakulasuriya S, Binti Zain R, Cheong SC. Potentially malignant disorders of the oral cavity: current practice and future directions in the clinic and laboratory. Int J Cancer. 2015; 136(3): 503-15. PubMed PMID: 24482244.
  • 21
    Montoro JRMC, Hicz HA, de Souza L, et al. Fatores prognósticos no carcinoma espinocelular de cavidade oral. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008; 74(6): 861-66. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992008000600008
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992008000600008
  • 22
    Fontan Köhler H, Kowalski LP. O impacto do nível da metástase cervical no prognóstico dos pacientes com carcinoma epidermoide de cavidade oral. Rev Bras Otorrinolaringol. 2012; 78(6). Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-86942012000600003
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-86942012000600003
  • 23
    Woolgar JA. Histopathological prognosticators in oral and oropharyngeal squamous cell carcinoma. Oral Oncol. 2006; 42(3): 229-39. PubMed PMID: 16150633.
  • 24
    Shimizu S, Miyazaki A, Sonoda T, et al. Tumor budding is an independent prognostic marker in early stage oral squamous cell carcinoma: with special reference to the mode of invasion and worst pattern of invasion. PLoS One. 2018; 13(4): e0195451. PubMed PMID: 29672550.
  • 25
    Almangush A, Leivo I, Siponen M, et al. Evaluation of the budding and depth of invasion (BD) model in oral tongue cancer biopsies. Virchows Arch. 2018; 472(2): 231-36. PubMed PMID: 28766010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2020
  • Revisado
    02 Mar 2020
  • Aceito
    02 Mar 2020
  • Publicado
    20 Jul 2021
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, Rua Dois de Dezembro,78/909 - Catete, CEP: 22220-040v - Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 - 3077-1400 / 3077-1408, Fax.: +55 21 - 2205-3386 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: jbpml@sbpc.org.br