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APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS MEDIADA POR TECNOLOGIAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: RECURSOS DIGITAIS NA APRENDIZAGEM ON-LINE PARA ALÉM DA PANDEMIA

COMPUTER-ASSISTED LANGUAGE LEARNING AND TEACHER EDUCATION: DIGITAL RESOURCES IN ONLINE EDUCATION DURING AND BEYOND PANDEMIC TIMES

Resumo

Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa-ação realizada em uma disciplina de Língua Inglesa no curso de Letras em uma universidade federal na modalidade de Ensino Remoto Emergencial (ERE). A pesquisa teve como objetivo avaliar, sob a perspectiva dos estudantes, a experiência de aprendizagem de língua inglesa mediada por tecnologias digitais, bem como identificar as contribuições dos recursos digitais e metodologia utilizadas no desenho da disciplina para a aprendizagem de L2 no contexto do ERE. A partir do referencial teórico fundamentado no campo CALL (Computer-Assisted Language Learning), o artigo discute diferentes possibilidades de utilização de recursos digitais na aprendizagem de línguas mediada por tecnologias e propõe a formação inicial e continuada de professores de línguas em CALL de maneira que estes recursos possam ser integrados às práticas de ensino-aprendizagem de línguas em contextos presenciais, on-line e híbridos.

Palavras-chave
Aprendizagem de Línguas Mediada por Tecnologias; recursos digitais; aprendizagem de inglês como L2; Ensino Remoto Emergencial

Abstract

This paper presents the results of an action research conducted with English Language Teaching students at a federal university in 2020, when classes were taught totally online (remote teaching). The aim of the study was to evaluate, from students’ perspective, the language learning experience mediated by digital technologies as well as to identify the contributions of the methodology and digital resources used to English language learning in this context. Based on CALL (Computer-Assisted Language Learning) studies, the paper discusses different possibilities of using digital resources in language learning and proposes initial and continuing teacher education practices in CALL so that these resources can be truly integrated into language teaching and learning practices in face-to-face, online and hybrid contexts.

Key words
Computer-Assisted Language Learning (CALL); digital resources; English as a second language; remote teaching

Introdução

A aprendizagem de línguas mediada por tecnologias, ou CALL (Computer-Assisted Language Learning), constitui um campo sólido de pesquisa e prática na Linguística Aplicada (TORSANI, 2016TORSANI, Simone. CALL Teacher Education: language teachers and technology integration. Rotterdam: Sense Publishers, 2016.). Contudo, como nos lembra Kessler (2018)KESSLER, Greg. Technology and the future of language teaching. Foreign language Annuals, v. 51, n. 1, 2018. pp. 205-218. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/323330702_Technology_and_the_future_of_language_teaching> Acesso em: 10 abr. 2021.
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, a integração dessas tecnologias no ensino de línguas é frequentemente esquecida, uma vez que muitos professores ainda desconhecem a extensa produção neste campo, deixando de integrar as tecnologias em suas aulas, ou fazendo um uso superficial dos recursos digitais.

Em 2020, a crise sanitária imposta pela pandemia de COVID-19 obrigou escolas e universidades a fecharem as portas e migrarem para o ambiente digital por meio do que veio a ser chamado de Ensino Remoto Emergencial (ERE). Com isso, muitos professores se viram despreparados para utilizar diferentes recursos digitais, gerando sentimentos de frustração e ansiedade.

Hoje, após um ano da implementação do ensino remoto, podemos dizer que estamos mais familiarizados com a integração de recursos digitais nas práticas de ensino-aprendizagem e, talvez, até que a pandemia acelerou e propiciou esta integração. Contudo, é importante refletirmos sobre o uso desses recursos nas práticas educacionais e sua verdadeira contribuição para o processo de ensino-aprendizagem de segunda língua (L2).

Nesse sentido, este artigo apresenta resultados de uma pesquisa-ação realizada em uma disciplina de Língua Inglesa no curso de Letras em uma universidade federal no Rio de Janeiro realizada na modalidade de ERE no ano de 2020. A pesquisa tem como objetivo avaliar, sob a perspectiva dos estudantes, a experiência de aprendizagem de língua inglesa mediada por tecnologias digitais, bem como identificar as contribuições dos recursos digitais e metodologia utilizadas no desenho da disciplina para a aprendizagem da L2. Para isso, apresento o referencial teórico utilizado para a pesquisa, que se situa no campo do CALL. Em seguida, apresento a metodologia empregada na pesquisa e o contexto do estudo, descrevendo os recursos digitais e metodologia empregados no desenho e implementação da disciplina e discuto os resultados alcançados. Por fim, apresento algumas considerações finais sobre as contribuições da aprendizagem de línguas mediada por tecnologias digitais no contexto do ERE e aponto algumas perspectivas para o futuro do CALL e da formação de professores de línguas estrangeiras após esse período emergencial de pandemia.

1. Aprendizagem de línguas mediada por tecnologias digitais: percurso e perspectivas

O ensino de línguas, e principalmente o ensino de inglês, sempre foi mediado por alguma tecnologia. Paiva (2015)PAIVA, V. M. O. O uso da tecnologia no ensino de línguas estrangeiras: breve retrospectiva histórica. In: JESUS, Dánie Marcelo de.; MACIEL, Ruberval Franco (Orgs.) Olhares sobre tecnologias digitais: linguagens, ensino, formação e prática docente. Coleção: Novas Perspectivas em Linguística Aplicada Vol. 44. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015, pp. 21-34. faz uma breve retrospectiva histórica do uso da tecnologia no ensino de línguas estrangeiras, perpassando por tecnologias analógicas, como o livro e a gramática, tecnologias mais modernas de áudio e vídeo, até o computador e a Internet e as ferramentas da Web 2.0. Similarmente, Finardi e Porcino (2014)FINARDI, Kyria Rebecca.; PORCINO, Maria Carolina. Tecnologia e metodologia no ensino de inglês: impactos da globalização e da internacionalização. Ilha Desterro, n. 66, 2014. p. 239-283. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-80262014000100239&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 10 abr. 2021.
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discutem diferentes metodologias e tecnologias empregadas no ensino de inglês, em linha com a perspectiva de Martins e Moreira, que nos lembram que as tecnologias sempre fizeram parte do cenário de ensino de L2 e afirmam, com base em Warschauer e Meskill (2000)WARSCHAUER, Mark.; MESKILL, Carla. Technology and second language learning. In: Rosenthal, J. (Ed.). Handbook of undergraduate second language education. New Jersey: Lawrence Erlbaum, 2000; pp. 303-318. Disponível em: <http://education.uci.edu/person/ warschauer_m/tslt.html> Acesso em: 10 abr. 2021.
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, que “praticamente cada método ou abordagem de ensino de línguas sempre contou com o suporte de tecnologias próprias” (MARTINS; MOREIRA, 2012MARTINS, Cláudia B. M. J.; MOREIRA, Herivelto. O campo CALL (Computer Assisted Language Learning): definições, escopo e abrangência. Calidoscópio, n. 10 v. 3, 2012, pp. 247-255. Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/ article/view/3254> Acesso em: 10 abr. 2021.
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, p. 250).

Assim, a aprendizagem de línguas mediada por tecnologias digitais não constitui nenhuma novidade ou inovação trazida pela pandemia. Os computadores já são utilizados no ensino de línguas desde a década de 1960, e desde a década de 1980 há um campo específico de pesquisa e prática sobre sua utilização no ensino-aprendizagem de línguas conhecido como CALL (Computer Assisted Language Learning). Apesar de o nome original incluir apenas a tecnologia do computador na aprendizagem de línguas, Levy e Hubbard (2005)LEVY, M.; HUBBARD, P. Why call CALL “CALL”? Computer Assisted Language Learning, n. 18, v. 3, 2005, pp. 143-149. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/ doi/abs/10.1080/09588220500208884?journalCode=ncal20> Acesso em: 10 abr. 2021.
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esclarecem que CALL engloba o uso de diversas tecnologias no ensino-aprendizagem de línguas, ampliando o conceito de CALL para o uso de diferentes tecnologias digitais no ensino de L2.

A questão da terminologia é bastante recorrente no CALL, com diversas propostas de nomenclaturas alternativas com o objetivo de retirar o foco do computador. No entanto, o CALL constitui um campo consolidado de pesquisa e prática e o acrônimo mais utilizado em publicações e eventos. Por este motivo, optamos por manter o acrônimo CALL neste artigo e a versão em português, Aprendizagem de Línguas Mediada por Tecnologias Digitais.

Ao traçarmos o desenvolvimento histórico desse campo, encontramos diferentes visões e perspectivas. Uma das visões mais difundidas é a perspectiva histórica/didática de Warschauer e Healey (1998)WARSCHAUER, Mark.; HEALEY, Deborah. Computers and language learning: an overview. Language Technology, n. 31, pp. 57-71. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/language-teaching/article/abs/computers-and-language-learning-an-overview/0CF20A4837B377B3A214BF410F4775EB> Acesso em: 10 abr. 2021.
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, que descreve o desenvolvimento do CALL em três estágios relacionados à didática de ensino. Nesta perspectiva, são apresentadas três fases cronológicas: (1) Behaviorista, situada aproximadamente entre as décadas de 50 e 70; (2) Comunicativa, situada entre as décadas de 70 e 90; e (3) Integrativa, com início na década de 90 e que continuaria até os dias de hoje. Nessa perspectiva, o uso do computador e da tecnologia no ensino de línguas é diretamente impactado pelos métodos e práticas de ensino vigentes.

Embora essa perspectiva seja bastante utilizada no campo de pesquisas em CALL, Bax (2003)BAX, Stephen. CALL - past, present and future. System, n. 31, 2003, p. 13-28. Disponível em: <http://u.arizona.edu/~jonrein/internettech10/bax_03.pdf> Acesso em: 10 abr. 2021.
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propõe uma revisão dessas fases, uma vez que não seria possível separar os estágios cronologicamente e que, assim como acontece com os métodos de ensino de línguas, o surgimento de um novo estágio não implica o desaparecimento do estágio anterior. Nesse sentido, o autor propõe três diferentes abordagens relacionadas ao uso da tecnologia nas práticas de ensino-aprendizagem de L2, que chama de: Restrita, Aberta e Integrada. Na abordagem restrita, a tecnologia não é integrada ao currículo, sendo um acessório ao ensino. Também há um foco no modelo estruturalista e na interação entre homem e máquina, que é limitada a atividades de estímulo-resposta. Na abordagem aberta, são utilizadas várias atividades, tais como jogos e simulações, que buscam interações mais abertas, tanto entre homem e máquina quanto entre diferentes sujeitos. Já na abordagem integrada, as tecnologias seriam integradas ao currículo, constituindo uma parte natural do ensino de línguas. Nessa abordagem, a tecnologia atingiria o estágio que Bax chama de “normalização”, ou seja, “quando a tecnologia se torna invisível, incorporada nas práticas cotidianas1 1 Esta e demais traduções foram realizadas pela autora. ” (BAX, 2003BAX, Stephen. CALL - past, present and future. System, n. 31, 2003, p. 13-28. Disponível em: <http://u.arizona.edu/~jonrein/internettech10/bax_03.pdf> Acesso em: 10 abr. 2021.
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, p. 23). No entanto, o autor reconhece que o CALL ainda não havia atingido esse estágio de normalização e a pandemia evidenciou ainda mais esta realidade mesmo tantos anos depois.

Embora possamos perceber a importante relação entre tecnologia e ensino de línguas, Garret nos chama atenção para o fato de que o CALL não se resume ao simples uso da tecnologia, mas “[...] designa um complexo dinâmico no qual tecnologia, teoria e pedagogia estão entrelaçadas de forma inseparável” (GARRET, 2009GARRET, Nina. Computer-Assisted Language Learning Trends and Issues Revisited: Integrating Innovation. The Modern Language Journal, 93, Focus Issue, 2009, pp. 719-740. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1540-4781.2009.00969.x> Acesso em: 10 abr. 2021.
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, p. 719/720). A autora também salienta a diferença entre o uso da tecnologia no ensino e sua real integração nas práticas de ensino-aprendizagem de línguas sendo utilizada de maneira aprofundada e menos limitada.

Torsani reforça essa perspectiva ao afirmar que a integração das tecnologias é peça fundamental para compreender o CALL. O autor também ressalta que a verdadeira integração das tecnologias nas práticas de ensino-aprendizagem de L2 deve ser o maior objetivo do CALL. Para o autor, esta integração prevê o desenho e implementação de um currículo no qual as atividades mediadas por tecnologias “têm um papel claro e oferecem vantagens linguísticas precisas” (TORSANI, 2016TORSANI, Simone. CALL Teacher Education: language teachers and technology integration. Rotterdam: Sense Publishers, 2016., p. 46).

Apesar do longo histórico de utilização de tecnologias no ensino de L2, Torsani, afirma que o uso de tecnologia no ensino de línguas “ainda é fragmentado e periférico” (TORSANI, 2016TORSANI, Simone. CALL Teacher Education: language teachers and technology integration. Rotterdam: Sense Publishers, 2016., p. ix) e que tanto professores quanto alunos geralmente limitam seu conhecimento tecnológico utilizando as tecnologias de maneira passiva, o que acontece devido à falta de formação de professores de línguas neste campo. Para ele, a formação em CALL deve objetivar a habilidade de professores integrarem tecnologias às suas práticas. E para que isso aconteça, é fundamental que futuros professores de línguas vivenciem a integração das tecnologias digitais durante a formação inicial fazendo uso de diferentes recursos digitais e refletindo sobre suas potencialidades e limitações para o processo de aprendizagem de línguas.

2. Recursos digitais no ensino de inglês como L2 e na formação de professores de línguas

O desenvolvimento do campo CALL está intimamente relacionado aos avanços tecnológicos e à disponibilidade de inúmeros recursos digitais para o ensino-aprendizagem de L2 que foram surgindo ao longo das últimas décadas. Em termos de tecnologias empregadas, percebemos que a evolução do CALL envolve um primeiro momento de uso de programas específicos de computador voltados para a prática de áreas como gramática e vocabulário. Esses softwares envolviam geralmente pacotes de programas comprados por instituições de ensino para serem utilizados em laboratórios. Posteriormente, com a expansão do acesso à rede, a integração de novos dispositivos como telefones celulares e tablets e o uso de diferentes ferramentas da Internet e da Web 2.0, uma miríade de tecnologias passou a integrar o repertório do CALL. No artigo “Tecnologia e o futuro do ensino de línguas”, Kessler afirma que

Estamos vivendo em uma época com oportunidades sem precedentes de nos comunicarmos com outras pessoas em domínios autênticos, convincentes e contextualizados linguística e culturalmente. Na verdade, hoje os professores de línguas se deparam com tantas opções fascinantes de uso da tecnologia para aprimorar o aprendizado de línguas que pode ser até assustador. Mesmo para aqueles já acostumados a experimentar novas tecnologias, pode ser desafiador identificar quais recursos, ferramentas ou sites podem se adequar melhor a uma aula, atividade ou objetivo específico

(KESSLER, 2018KESSLER, Greg. Technology and the future of language teaching. Foreign language Annuals, v. 51, n. 1, 2018. pp. 205-218. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/323330702_Technology_and_the_future_of_language_teaching> Acesso em: 10 abr. 2021.
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, p. 205).

O autor discorre sobre as potencialidades de diversas interfaces da Web 2.0 para a aprendizagem de L2, ressaltando questões como motivação, engajamento e autonomia, além de contextos autênticos de aprendizagem e uso da língua em situações reais de comunicação, ressaltando a relevância das mídias sociais e da cultura da participação. O autor também aponta algumas tendências para o futuro do ensino de línguas, tais como o aumento de espaços e ferramentas colaborativas emergentes, automação, realidade virtual e aumentada, inteligência artificial e big data.

Com a evolução das tecnologias digitais e a ampliação do acesso à Internet e ferramentas gratuitas da Web 2.0, o professor de línguas hoje dispõe de uma vasta gama de recursos digitais para utilização em suas aulas, tais como plataformas simples e gratuitas para a criação de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), como, por exemplo, Edmodo ou Google Classroom2 2 Ver https://classroom.google.com/ e https://new.edmodo.com/ , que possibilitam a construção de uma sala de aula virtual em poucos minutos dispondo apenas de uma conta de e-mail pessoal ou institucional. Os AVAs permitem o compartilhamento de tarefas e materiais, entrega e correção de atividades, bem como a comunicação com estudantes e responsáveis. Outra opção para a criação de AVAs menos estruturados e hierárquicos é a utilização de sites de redes sociais, como Facebook, e aplicativos de mensagens instantâneas, como WhatsApp. Essas plataformas, por já serem utilizadas pela maioria dos estudantes para comunicação nas suas práticas sociais cotidianas, constituem ambientes autênticos para a aprendizagem permitindo a criação de ambientes virtuais para a aprendizagem on-line e/ou híbrida (RABELLO; HAGUENAUER, 2011RABELLO, Cíntia R. L.; HAGUENAUER, Cristina. Sites de Redes Sociais e Aprendizagem: Potencialidades e Limitações. Revista Educaonline, v. 5, pp. 19-43, 2011. Disponível em: < http://www.latec.ufrj.br/revistas/index.php?journal=educaonline&page=article&op=view&path%5B%5D=189> Acesso em: 21 maio 2021.
http://www.latec.ufrj.br/revistas/index....
; RABELLO; TAVARES, 2016RABELLO, Cíntia R. L.; TAVARES, Kátia C. A. Redes sociais e aprendizagem no ensino superior: a perspectiva dos alunos sobre o uso do Facebook em uma disciplina de língua inglesa. VEREDAS – Revista de Estudos Linguísticos, v. 20, pp. 124-136, 2016. Disponível em: < https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/article/view/25433> Acesso em: 21 maio 2021.
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; TAVARES; RABELLO; FRANCO, 2018TAVARES, Kátia C. A.; RABELLO, Cíntia R. L.; FRANCO, Cláudio P. WhatsApp na formação continuada de professores: mais que um aplicativo de mensagens instantâneas?. In: MARQUES-SCHÄFER, Gabriela.; ROZENFELD, Cibele Cecilio de Faria. (Org.). Ensino de Línguas e tecnologias móveis: políticas públicas, conceitos, pesquisas e práticas em foco. São Paulo: Hipótese, 2018, pp. 154-178. Disponível em: < https://www.researchgate.net/publication/330216545_WhatsApp_na_formacao_continuada_de_professores_mais_que_um_aplicativo_de_mensagens_instantaneas> Acesso em: 21 maio 2021.
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).

Plataformas para comunicação síncrona como Zoom e Google Meet3 3 Ver https://meet.google.com/ e https://zoom.us/pt-pt/meetings.html se tornaram muito populares durante a pandemia, possibilitando a interação síncrona entre professores e estudantes por meio de voz e imagem, se assemelhando à comunicação na sala de aula presencial. A combinação de plataformas de comunicação síncrona e assíncrona, como as videoconferências e os AVAs, propiciam ambientes ricos em interação para a aprendizagem colaborativa e o desenvolvimento de práticas educacionais mediadas por tecnologias digitais.

Uma das características marcantes da Web 2.0 é que, além de permitir o acesso à inúmeros conteúdos e materiais autênticos para o ensino-aprendizagem de L2, tais como sites educacionais, sites de notícias, vídeos, podcasts, entre outros, também é possível criar conteúdos e materiais para o processo educacional. Nesse sentido, há uma enorme variedade de interfaces e aplicativos gratuitos (ou parcialmente gratuitos) para a criação de atividades educacionais que podem ser utilizadas nos processos de ensino-aprendizagem de L2. Alguns desses recursos são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Alguns recursos digitais para ensino de inglês como L2

Muitas dessas plataformas permitem não apenas que o professor crie atividades para suas turmas compartilhando um hyperlink para as atividades no AVA, como também reutilize atividades criadas e compartilhadas por outros professores, reduzindo o tempo de preparação de atividades e materiais educativos e ampliando a rede de colaboração. Além disso, muitas dessas interfaces permitem a comunicação entre os estudantes, ampliando as possibilidades de interação entre eles para além do espaço físico da sala de aula.

Outra possibilidade de reutilização de materiais didáticos são os repositórios de Recursos Educacionais Abertos (REA), recursos digitais em diversos formatos (textos, imagens, vídeos etc.) criados para fins educacionais e compartilhados com licença aberta facilitando o acesso a materiais como livros didáticos, planos de aula, exercícios, vídeo aulas, entre outros, de forma aberta e gratuita na web. Os REA permitem uma democratização do acesso a recursos para o ensino-aprendizagem permitindo o download e compartilhamento destes materiais com estudantes, além de, muitas vezes, permitirem a adaptação dos materiais pelo professor, podendo ajustar o material e atividades às necessidades específicas de sua turma e/ou estudantes (UNESCO, 2015UNESCO/COL. Diretrizes para Recursos Educacionais Abertos (REAs) no Ensino Superior. Paris: UNESCO, 2015 Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000232852> Acesso em: 10 abr. 2021.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
).

Além disso, é possível criar tarefas significativas e relevantes utilizando recursos da Web 2.0, tais como webquests, metodologia de aprendizagem que envolve pesquisas na web por parte dos alunos para a criação de produtos, como, por exemplo, apresentações multimídia com as informações encontradas. As webquests constituem uma importante metodologia no ensino de L2, pois além de permitirem a criação de tarefas autênticas, permitem o desenvolvimento de várias habilidades necessárias na sociedade contemporânea, tais como comunicação, colaboração, criatividade e pensamento crítico, além de trabalharem o letramento digital e informacional dos estudantes.

O quadro abaixo apresenta alguns recursos digitais para o ensino de inglês como L2.

Esses são apenas alguns recursos disponíveis para a aprendizagem de línguas mediada por tecnologias. Mais do que nunca, o professor deve conhecer essas tecnologias e suas possibilidades para promover processos de ensino-aprendizagem mais significativos e relevantes, estimulando a autonomia dos estudantes, bem como a interação e colaboração entre eles, seja na educação presencial, híbrida ou totalmente on-line.

3. Ensino de língua inglesa no contexto do ensino remoto emergencial: possibilidades pedagógicas e recursos digitais

Com o surgimento do Ensino Remoto Emergencial em virtude da pandemia, percebemos que, em muitos casos, essa migração para o on-line correspondeu a uma simples transposição do modelo de ensino presencial para o ambiente digital sem que houvesse uma adequação ao novo ambiente e suas características. Ao considerarmos as características da Web 2.0 e as possibilidades que suas tecnologias trouxeram para os processos de aprendizagem, tais como a interação, a colaboração e a construção coletiva de conhecimento, seria um erro concebermos a aprendizagem mediada por tecnologias digitais como meros processos de comunicação unilateral, em que professores replicam o modelo de ensino tradicional pautado na transmissão de conteúdos ou mesmo em modelos massivos de Educação a Distância (EAD) onde o ambiente virtual consiste, muitas vezes, em um grande repositório de materiais instrucionais com pouca interação entre professores e estudantes e estudantes entre si.

Nesse sentido, Pimentel e Carvalho (2020)PIMENTEL, Mariano.; CARVALHO, Felipe da Silva Ponte. Princípios da Educação Online: para sua aula não ficar massiva nem maçante! SBC Horizontes, maio 2020. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/05/23/principios-educacao-online> Acesso em: 10 abr. 2021.
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elencam oito princípios da Educação On-line voltadas para processos comunicacionais característicos da cibercultura e que devem nortear os processos educacionais mediados pelo digital. São eles: (1) conhecimento como “obra aberta”; (2) curadoria de conteúdos on-line; (3) ambiências computacionais diversas; (4) aprendizagem colaborativa; (5) conversação e interatividade; (6) atividades autorais; (7) mediação docente ativa; e (8) avaliação baseada em competências, formativa e colaborativa.

O artigo não trata especificamente do ensino de línguas mediado por tecnologias digitais, mas os princípios elencados pelos autores podem ser aplicados no contexto de ensino de L2. Assim, o conhecimento como “obra aberta” é algo que não é entregue pronto pelo professor, mas que vai sendo construído coletivamente no processo de ensino-aprendizagem com base nas trocas realizadas com os estudantes. Considerando a grande gama de recursos digitais e materiais disponíveis na web, o professor de línguas não precisa criar todos os materiais para suas aulas, podendo fazer a curadoria de conteúdos on-line, fazendo a seleção, adequação e compartilhamento desses conteúdos de acordo com as necessidades dos estudantes. O professor também não precisa ficar preso a um único recurso digital, mas pode e deve fazer uso de uma gama de recursos digitais para a construção de atividades que envolvam a aprendizagem colaborativa, pautada na conversação e interatividade entre os participantes e na construção de atividades autorais.

A mediação docente ativa implica que o professor não seja um mero transmissor de conteúdos, mas um mediador do processo de aprendizagem, com presença e participação ativa no AVA, oferecendo auxílio e feedback constantes. Por fim, a avaliação da aprendizagem pode ser realizada por meio de diversas atividades individuais e colaborativas ao longo do período letivo. Nessa perspectiva, diversos recursos digitais podem contribuir para criação de um ambiente rico em interação e colaboração, permitindo a aprendizagem significativa da L2 mediada por tecnologias sob a perspectiva da educação on-line e não da simples prática mecânica de habilidades linguísticas, como observado no estágio inicial do CALL.

Ainda sob a perspectiva da educação on-line e da participação ativa dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias digitais, Tucker (2020)TUCKER, Catlin. Tips for Designing an Online Learning Experience Using the 5Es Instructional Model. In: TUCKER, Catlin. Dr. Catlin R. Tucker, 8 março 2020. Disponível em: <https://catlintucker.com/2020/03/designing-an-online-lesson/> Acesso em: 10 abr. 2021.
https://catlintucker.com/2020/03/designi...
propõe a adaptação do modelo instrucional dos 5 Es, desenvolvido por Bybee (BYBEE et al., 2006BYBEE, Rodger W.; TAYLOR, Joseph A.; GARDNER, April.; VAN SCOTTER, Pamela.; POWELL, Janet Carlson.; WESTBROOK, Anne.; LANDES, Nancy. The BSCS 5 Es Instructional Model: Origins and effectiveness. Colorado: BSCS, 2006. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/242363914_The_BSCS_5E_Instructional_Model_Origins_Effectiveness_and_Applications> Acesso em: 10 abr. 2021.
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), para a construção de experiências de aprendizagem on-line. No modelo adaptado para o ERE, Tucker apresenta diversos recursos digitais que podem ser utilizados na construção das aulas virtuais, tais como Padlet, Google Classroom, Kahoot, entre outros. Apesar de o modelo ter sido originalmente concebido para a Educação Básica, ele se adapta perfeitamente ao ensino de L2, apresentando semelhanças com o modelo ESA (Engage - Study - Activate) proposto por Harmer (2007)HARMER, Jeremy. How to teach English. 2nd. ed. Essex: Pearson Education Limited, 2007..

O modelo dos 5 Es propõe a organização da aula em cinco estágios: (1) Engajar; (2) Explorar; (3) Explicar; (4) Elaborar; e (5) Examinar (Avaliar).O Quadro 2 apresenta os cinco estágios propostos no modelo, bem como exemplos de atividades a serem elaboradas pelos alunos e recursos digitais que podem ser utilizados em cada etapa.

Quadro 2
Modelo dos 5 Es (Adaptado de TUCKER, 2020)

Esse modelo apresenta íntima relação com os princípios da educação on-line ao colocar ênfase no processo ativo e colaborativo de aprendizagem centrado no estudante e nas possibilidades das tecnologias da Web 2.0 para o desenvolvimento da autonomia, interação e comunicação. Ambas as propostas foram integradas no desenho da disciplina, conforme será detalhado na próxima sessão.

4. Metodologia

O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa-ação (TRIPP, 2005TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, 2005, p. 443 - 466. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-97022005000300009&script=sci_abstract&tlng=pt> Acesso em: 10 abr. 2021.
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) que investigou a avaliação da experiência de aprendizagem de língua inglesa mediada por tecnologias digitais no contexto do ERE e as contribuições dos recursos digitais e da metodologia utilizados para o processo de ensino-aprendizagem de inglês como L2, tendo as seguintes perguntas norteadoras: (1) Como os estudantes avaliam a experiência de aprendizagem da língua inglesa mediada por tecnologias digitais no contexto do ERE?; e (2) Como os recursos digitais e a metodologia utilizada contribuíram para a aprendizagem da língua inglesa de estudantes de Letras no contexto do ERE?

Partindo do problema inicial (Como construir uma disciplina de ensino de inglês como L2 no contexto do ERE), as quatro fases do ciclo básico da investigação-ação envolveram:

  1. Planejar: O primeiro passo consistiu no planejamento e desenho das disciplinas. Para fins desta pesquisa, optei por concentrar a análise em apenas uma das disciplinas lecionadas, “Língua Inglesa III”, voltada para o desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas. A disciplina foi desenhada com base na Metodologia dos 5 Es (TUCKER, 2020TUCKER, Catlin. Tips for Designing an Online Learning Experience Using the 5Es Instructional Model. In: TUCKER, Catlin. Dr. Catlin R. Tucker, 8 março 2020. Disponível em: <https://catlintucker.com/2020/03/designing-an-online-lesson/> Acesso em: 10 abr. 2021.
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    ) e nos princípios da aprendizagem on-line (PIMENTEL; CARVALHO, 2020PIMENTEL, Mariano.; CARVALHO, Felipe da Silva Ponte. Princípios da Educação Online: para sua aula não ficar massiva nem maçante! SBC Horizontes, maio 2020. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/05/23/principios-educacao-online> Acesso em: 10 abr. 2021.
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    ), com 30% de atividades realizadas de forma síncrona por meio do Google Meet e 70% das atividades realizadas de forma assíncrona no AVA criado no Google Classroom4 4 O Google Meet e o Google Classroom constituem plataformas institucionais, uma vez que a IES possui convênio com o Google, disponibilizando as ferramentas do G-Suite para o corpo docente e discente. , conforme orientações da Resolução para a Atividades de Ensino Remoto publicada pela instituição de ensino.

  2. Agir: A disciplina foi ministrada no período de setembro a dezembro de 2020. Ao longo do curso, foram utilizados diversos recursos digitais voltados para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e também aprendizagem de itens gramaticais e lexicais da língua inglesa.

  3. Descrever: Os estudantes registraram sua experiência de aprendizagem em atividades semanais de avaliação (dentro da abordagem dos 5Es). A professora-pesquisadora também registrou anotações sobre o andamento da disciplina em um diário de campo de forma a monitorar e descrever a ação realizada e implementar mudanças nas ações seguintes, sempre buscando a melhora da prática pedagógica e aprimorando a experiência de aprendizagem.

  4. Avaliar: Os dados gerados pela observação participante e instrumentos de pesquisa utilizados permitiram a avaliação do desenho da disciplina e a implementação de mudanças do desenho da mesma.

Foram utilizados quatro instrumentos para geração de dados: (1) tickets de saída, diários de aprendizagem, (3) diário de campo da professora-pesquisadora, e (4) questionário de avaliação da disciplina.

Os tickets de saída (exit tickets) foram adaptados de Tucker (2020)TUCKER, Catlin. Tips for Designing an Online Learning Experience Using the 5Es Instructional Model. In: TUCKER, Catlin. Dr. Catlin R. Tucker, 8 março 2020. Disponível em: <https://catlintucker.com/2020/03/designing-an-online-lesson/> Acesso em: 10 abr. 2021.
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e elaborados no Google Forms, sendo postados no AVA a cada 2 semanas e tinham como objetivo que os estudantes realizassem uma autoavaliação da aprendizagem ao longo de cada unidade prevista no material didático. Os diários de aprendizagem (learning logs) também tinham como objetivo a autoavaliação da aprendizagem e identificação de problemas e/ou dificuldades, bem como a identificação da adesão dos estudantes em relação às atividades propostas. A atividade era postada como forma de pergunta no Google Classroom a cada duas semanas (de forma intercalada com os tickets de saída) e os estudantes eram levados a refletir sobre as atividades realizadas. Ambas as atividades compreendiam parte das atividades assíncronas semanais, englobando o quinto E do desenho das aulas, ou seja, examinar (avaliar) e foram realizados na língua inglesa.

O questionário final de avaliação do curso foi elaborado no Google Forms e postado no AVA na última semana do curso. Ele foi elaborado na língua materna de forma que os estudantes se sentissem mais confortáveis para compartilhar suas ideias e sentimentos. O questionário compreendeu quatro perguntas gerais sobre a experiência de ERE na instituição, sendo destas uma pergunta fechada e três abertas; e três perguntas de avaliação da disciplina, sendo uma pergunta fechada sobre o próprio desempenho na disciplina, outra pergunta aberta para justificativa e uma última sobre o desenho da disciplina, incluindo doze afirmativas no formato de Escala Likert com 5 graus de concordância (concordo totalmente - discordo totalmente). O questionário contou ainda com três perguntas abertas sobre a avaliação geral da disciplina. Dez dos 14 estudantes inscritos na disciplina responderam ao formulário.

Por fim, o diário de campo da professora-pesquisadora incluiu notas de campo realizadas durante a correção das atividades assíncronas, o planejamento das atividades síncronas e assíncronas, além de notas de observações durante os encontros síncronos. As notas foram registradas em um caderno utilizado para planejamento e acompanhamento das atividades.

Os dados qualitativos foram analisados à luz da análise de conteúdo (BARDIN, 2009BARDIN, Laurance. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.), na qual, após a fase de pré-análise dos dados provenientes dos diferentes instrumentos de pesquisa, os dados referentes aos objetivos deste estudo foram organizados em uma planilha eletrônica para facilitar sua exploração, inferência e interpretação. Após este processo, os dados foram organizados em categorias de acordo com os núcleos de significado presentes nos discursos dos participantes e utilizados na análise e discussão dos resultados, conforme apresentado na próxima seção.

Contexto da pesquisa

Os participantes da pesquisa compreendem 14 estudantes5 5 A fim de preservar a identidade dos participantes, ao longo desse artigo foram utilizados nomes fictícios. de Licenciatura em Letras (Português-Inglês) de uma universidade federal no Rio de Janeiro, que participaram da disciplina “Língua Inglesa III” no ano de 2020 na modalidade de ERE, além da professora-pesquisadora, autora deste artigo.

A carga horária total da disciplina (60 horas) foi organizada ao longo de 12 semanas em um encontro síncrono semanal com 1 hora e meia de duração na plataforma de videoconferência Google Meet e atividades assíncronas na sala de aula virtual criada no Google Classroom. Essas atividades foram desenhadas para terem a duração de 3 horas semanais e poderiam ser realizadas em diferentes dias e horários, de acordo com a disponibilidade e/ou preferência dos alunos. As atividades assíncronas eram corrigidas semanalmente pela professora-pesquisadora com envio de feedback aos alunos e solução de dúvidas durante o encontro síncrono ou no próprio AVA. Além disso, durante o encontro síncrono, estava prevista a realização de atividades orais, tais como discussões e debates. Embora os encontros síncronos constituíssem um importante momento para interação e comunicação entre os estudantes e a professora, a participação nos encontros não foi exigida como requisito para aprovação na disciplina (previsto na Resolução da universidade), uma vez que muitos alunos tinham dificuldade de acesso à internet de qualidade para participar dessa atividade.

As atividades assíncronas realizadas no Google Classroom foram desenhadas a partir dos princípios da educação on-line (PIMENTEL; CARVALHO, 2020PIMENTEL, Mariano.; CARVALHO, Felipe da Silva Ponte. Princípios da Educação Online: para sua aula não ficar massiva nem maçante! SBC Horizontes, maio 2020. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/05/23/principios-educacao-online> Acesso em: 10 abr. 2021.
http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2...
) e do Modelo dos 5Es (TUCKER, 2020TUCKER, Catlin. Tips for Designing an Online Learning Experience Using the 5Es Instructional Model. In: TUCKER, Catlin. Dr. Catlin R. Tucker, 8 março 2020. Disponível em: <https://catlintucker.com/2020/03/designing-an-online-lesson/> Acesso em: 10 abr. 2021.
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), conforme descrito anteriormente. Os principais recursos digitais utilizados ao longo da disciplina foram: Google Classroom, Google Meet, Google Forms, Google Jamboard, Google Docs, Google Slides, vídeos com explicações de pontos gramaticais e de escrita acadêmica disponibilizados por educadores no YouTube, sites com explicações de itens gramaticais, sites com exercícios sobre itens gramaticais, TEDEd, Ted Talks (site), Edpuzzle, livro didático disponibilizado como REA, Padlet, Creately, Meme Generator, entre outros6 6 Muitos desses recursos foram descritos no Quadro 1. . Os critérios utilizados na seleção desses recursos foram: (1) serem gratuitos; (2) serem de fácil utilização; (3) permitirem a interação e colaboração entre os estudantes.

Dessa forma, as atividades de cada semana eram organizadas de acordo com as cinco etapas previstas pelo modelo dos 5Es, com uma primeira atividade de engajamento, que tinha como objetivo apresentar o tema da aula, acionar o conhecimento prévio dos alunos e engajá-los para a realização das etapas seguintes.

Na segunda etapa, explorar, geralmente havia uma atividade de leitura de texto ou um vídeo sobre o tema da aula de forma a trabalhar as habilidades de compreensão leitora e auditiva na L2, além de fornecer input linguístico. Os textos eram provenientes do material didático utilizado (PATTISON, 2018PATTISON, Tania. College Skills: Intermediate English. Colúmbia Britânica: Coast Mountain College, 2018. Disponível em: <https://openlibrary-repo.ecampusontario.ca/ xmlui/handle/123456789/479> Acesso em: 10 abr. 2021.
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), que já trazia atividades voltadas para o desenvolvimento de estratégias de leitura em L2, bem como o desenvolvimento de conhecimentos lexicais e pensamento crítico com base na atividade de leitura.

Na terceira etapa, explicar, geralmente era trabalhado um tópico de uso da língua (Language Use) que envolvia revisão ou ensino de itens gramaticais ou de habilidades de produção escrita. Na quarta etapa, elaborar, os estudantes eram estimulados a aplicar os conhecimentos construídos ao longo das fases anteriores na produção escrita em forma de murais colaborativos com memes criados por eles, por exemplo, ou na escrita de parágrafos acadêmicos voltados para a temática da aula e dos itens trabalhados previamente.

Por fim, a última etapa do modelo, examinar, tinha como objetivo obter uma avaliação dos estudantes sobre a própria aprendizagem (autoavaliação), bem como uma avaliação do processo de ensino-aprendizagem, identificando pontos para melhoria no processo educacional e no planejamento de ensino. Estas atividades foram realizadas no formato de tickets de saída e diários de aprendizagem.

Todas as atividades realizadas de forma assíncrona no AVA foram utilizadas para a avaliação formativa dos estudantes, além de algumas atividades de avaliação somativa, tais como a escrita de parágrafos acadêmicos e Quick Tests para verificação de aprendizagem de itens gramaticais e lexicais ao longo do semestre. Além disso, a principal atividade de avaliação somativa consistiu em um projeto final em grupo elaborado na forma de Webquest que foi apresentado de forma oral e escrita pelos grupos ao final do curso. Os grupos criaram sites no Google Sites e perfis no Instagram para divulgarem os resultados encontrados na pesquisa e apresentaram seus produtos autorais em apresentação oral síncrona por meio do Google Meet ou por meio de vídeos gravados e disponibilizados por links do YouTube no Google Classroom ao final do semestre.

5. Discussão dos resultados

Enquanto pesquisa-ação, o estudo aqui apresentado buscou um aprimoramento da prática educativa e do desenho e implementação da disciplina realizada na modalidade de ERE, descrevendo e avaliando os resultados da ação para o planejamento de melhorias na disciplina e, consequentemente, na ação formativa dos licenciandos em Letras. Para isso, foram analisados dados tanto das autoavaliações semanais quanto do questionário de avaliação da disciplina e as notas de campo da professora-pesquisadora. Apresento e discuto os resultados encontrados de acordo com as perguntas norteadoras.

5.1 Avaliação da experiência de aprendizagem

Ao avaliarem seu desempenho na disciplina de língua inglesa, quatro estudantes avaliaram seu desempenho como muito bom, quatro como bom e dois como mediano (numerações 5, 4 e 3 respectivamente na Escala Likert). Na justificativa para essa avaliação, vários estudantes acabaram por avaliar elementos da disciplina em si e como estes contribuíram para a sua aprendizagem. Dentre as respostas dos alunos, os elementos que mais se destacaram foram: (1) o uso de diferentes recursos digitais, tais como vídeos, sites e diferentes mídias; (2) o material didático utilizado (Student’s Book), e o planejamento das atividades. Apresento abaixo alguns excertos que ilustram esta avaliação positiva.

A disciplina de Inglês foi uma das melhores do semestre, as atividades assíncronas foram bem criativas e as aulas síncronas eram bem descontraídas. Nas primeiras semanas a carga de atividades ficou pesada, mas depois foi se ajustando e curti muito aprender através de vários vídeos, sites e mídias interessantes.

(Fabiano)

Os mecanismos da aula, a didática da professora, que procurava sempre inovar a cada aula e atividade, foram contribuintes para o meu aprendizado, da melhor forma possível.

(Alberto)

O conteúdo foi muito bom, pude ver um avanço no conhecimento do inglês. Foi a matéria com mais atividades assíncronas, mas também a mais completa e bem planejada, bem detalhada.

(Andréa)

Os alunos ressaltaram a organização das atividades assíncronas para sua aprendizagem, e, nesse sentido, a aplicação da metodologia dos 5 Es contribui bastante para esta percepção de organização. As atividades assíncronas foram organizadas no AVA com uma atividade para cada etapa da metodologia, devendo ser realizadas em ordem, o que gerou um sentimento de organização e conexão entre as atividades.

Os alunos também destacaram o grande volume inicial de atividades assíncronas, que foi ajustado ao longo do curso com base nas avaliações dos estudantes realizadas semanalmente. A esse respeito, destaco a importância do contato constante com os estudantes e da autoavaliação para a identificação de problemas ou dificuldades e a adaptação do planejamento de forma a permitir a participação e o engajamento dos estudantes.

Para a avaliação geral da disciplina, foi solicitado aos estudantes que respondessem a três perguntas visando ao aprimoramento da experiência de aprendizagem mediada por tecnologias digitais no contexto do ERE: (1) O que você gostaria que mudasse neste curso para o próximo semestre?; (2) O que você manteria neste curso para o próximo semestre?; e (3) Você gostaria de acrescentar algum comentário sobre esta disciplina? A última pergunta foi opcional e contou com seis respostas, enquanto as outras, obrigatórias, tiveram dez respostas cada uma.

Em relação às mudanças que os estudantes gostariam que fossem implementadas na disciplina, a principal proposta foi a diminuição da quantidade de atividades e exercícios (quatro respostas). Apesar da diminuição do volume de atividades ao longo do semestre conforme o constante feedback dos estudantes, alguns alunos ainda consideraram a quantidade de atividades alta. Tal fato pode ter relação com os fatores externos impostos pela pandemia, mas também por uma falta de familiaridade com a educação on-line, que demanda requisitos como administração do tempo e autonomia. Muitos alunos, por acreditarem que a educação on-line seria “mais fácil” que a presencial, se inscreveram em diversas disciplinas e acabaram impactados com o grande volume de atividades assíncronas, que muitas vezes acabavam por acumular. Por outro lado, três estudantes indicaram que não mudariam nada e que a disciplina havia sido adequada. Três outros estudantes mencionaram o sistema de avaliação, a metodologia dos encontros síncronos e a divisão entre atividades síncronas e assíncronas.

Já em relação ao que eles gostariam que fosse mantido, a maior parte dos estudantes mencionou os recursos digitais utilizados, destacando o material didático, os vídeos do YouTube e TEDTalks, a didática utilizada nas atividades síncronas e assíncronas e o uso do AVA. Alguns excertos que ilustram a opinião dos alunos são incluídos abaixo:

Tudo! Os materiais que a professora disponibiliza para nós são impecáveis, além dos vídeos complementares.

(Natália)

Manteria as atividades assíncronas criativas, que exploraram Ted Talks, textos interessantes, atividades em dupla, e ótimos vídeos do youtube que ajudaram bastante no aprendizado.

(Beatriz)

As atividades presentes no Google Classroom. Acredito por já estarmos acostumados, desde o primeiro período, houve um bom rendimento.

(Manoela)

O material didático, as palestras do TED, as apresentações colaborativas das aulas síncronas e, principalmente, a professora.

(Míriam)

Esses resultados demonstram a grande adesão dos estudantes aos recursos digitais utilizados na aprendizagem de línguas mediada por tecnologias digitais, reconhecendo suas contribuições para a aprendizagem da L2. Outro ponto destacado pelos estudantes foi a criatividade da professora na utilização dos recursos e sua integração no processo de ensino-aprendizagem, reforçando a importante ligação entre tecnologia, teoria e pedagogia, conforme destacado por Garret (2009)GARRET, Nina. Computer-Assisted Language Learning Trends and Issues Revisited: Integrating Innovation. The Modern Language Journal, 93, Focus Issue, 2009, pp. 719-740. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1540-4781.2009.00969.x> Acesso em: 10 abr. 2021.
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e Torsani (2016)TORSANI, Simone. CALL Teacher Education: language teachers and technology integration. Rotterdam: Sense Publishers, 2016. e a importância da formação de professores em CALL.

Os comentários adicionais reforçaram a importância dos recursos digitais e da metodologia utilizada, como ilustrado abaixo:

[...] Mesmo com algumas dificuldades relacionadas a tecnologia aprendi muito. Senti falta das aulas e das trocas presencias (sic), mas foi muito bom aprender e praticar inglês com materiais inspiradores!

(Beatriz)

[...] Além disso, todas as atividades, tanto assíncronas como síncronas, ela buscou sempre explorar diversas ferramentas na internet que acrescentaram muito, tanto no conhecimento da disciplina, como também no nosso conhecimento tecnológico. [...]

(Jéssica)

A fala de Jéssica ressalta uma questão fundamental para os cursos de Letras, que é a formação de professores em CALL. É essencial que os cursos de Letras trabalhem, além dos conhecimentos linguísticos e pedagógicos, o conhecimento tecnológico dos futuros professores, desenvolvendo o conhecimento tecnológico pedagógico e de conteúdo (TPACK - Technological Pedagogical And Content Knowledge), conforme proposto por Koehler e Mishra (2008)KOEHLER, Mathew. L.; MISHRA, Punya. Introducing TPCK. In: AACTE Committee on Innovation and Technology (ed.). Handbook of Technological Pedagogical Content Knowledge (TPCK) for Educators. New York: Routledge, 2008. pp. 3-29.. Futuros professores de línguas devem experimentar diferentes tecnologias digitais ao longo de sua formação vivenciando a aprendizagem de línguas mediada por tecnologias digitais durante sua formação inicial.

5.2 Contribuições dos recursos digitais e da metodologia utilizada para a aprendizagem de L2

As contribuições dos recursos digitais e da metodologia utilizada foram observadas na análise dos dados provenientes de três questões específicas do questionário de avaliação da disciplina voltadas para (1) a avaliação do material didático utilizado; (2) os recursos digitais; e (3) o sistema de avaliação, bem como dados dos tickets de saída e do diário de campo da professora-pesquisadora.

No questionário de avaliação da disciplina, nove estudantes avaliaram o material didático como muito bom, e um como bom (números 5 e 4, respectivamente). A mesma avaliação foi feita para os recursos digitais complementares, tais como o uso de vídeos, sites educacionais, murais colaborativos, entre outros. Esse resultado demonstra que os estudantes avaliaram positivamente os recursos digitais utilizados ao longo da disciplina, e esses dados são corroborados com outras menções nos tickets de saída, conforme veremos mais adiante.

Já em relação ao sistema de avaliação utilizado na disciplina, sete estudantes o avaliaram como muito bom e três como bom (números 5 e 4 respectivamente). A esse respeito, as anotações do diário de campo da professora-pesquisadora demonstram o engajamento dos estudantes com o projeto final:

Quase todos os estudantes participaram do encontro síncrono e realizaram a apresentação oralmente compartilhando suas telas e abrindo suas câmeras. Os alunos estavam animados demonstrando seus sites e páginas de redes sociais e demonstraram vasta pesquisa dos temas escolhidos, compartilhando diversos recursos on-line, tais como jogos, sites e aplicativos voltados para a temática dos projetos.

(Anotação do diário de campo)

O envolvimento dos estudantes com a realização do projeto final chamou a atenção, pois, apesar das dificuldades impostas pelo ERE, os alunos foram capazes de se organizar e realizar um trabalho colaborativo de pesquisa, aprofundando conhecimentos sobre as temáticas escolhidas e compartilhando diferentes recursos em sites e perfis do Instagram criados para a atividade de avaliação. Neste momento também, de acordo com as notas de campo, os estudantes abriram as câmeras durante o encontro síncrono, o que não era muito comum ao longo do semestre. A esse respeito, Paiva (2020)PAIVA, V. M. O. Ensino Remoto ou Ensino à Distância: efeitos da pandemia. Estudos Universitários: revista de cultura, v. 37, n. 1 e 2, 2020, pp. 58-70. Disponível em: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/estudosuniversitarios/article/view/249044/0> Acesso em: 10 abr. 2021.
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destaca que as câmeras desligadas durante os encontros síncronos no ERE foram uma das principais dificuldades encontradas pelos professores, uma vez que a falta do contato visual dificulta a percepção de engajamento dos estudantes durante a realização das aulas remotas.7 7 Cabe ressaltar que há vários motivos para o desligamento das câmeras por parte dos estudantes no ERE, tais como a fraca conexão com a Internet, a falta de um ambiente de estudo adequado, entre outros. Por compreender essas questões, a professora-pesquisadora, apesar de estimular a abertura das câmeras durantes os encontros síncronos, não exigia esta condição deixando os estudantes à vontade para abrir ou não as mesmas.

Por outro lado, uma estudante destacou a dificuldade da realização de trabalhos em grupo no contexto do ERE. Segundo ela:

Acredito que a soma das atividades avaliativas poderia ser a nota final definitiva, sem a necessidade de fazer um trabalho final, visto que é muito difícil fazer um trabalho em grupo nas condições de pandemia e até mesmo virtualmente, devido a disponibilidade de cada um.

(Jéssica)

Apesar das dificuldades relatadas pela estudante, o projeto final em grupo consiste em um elemento importante na perspectiva da aprendizagem colaborativa. A opção pela utilização da Webquest como avaliação final teve o objetivo de propiciar maior interação entre os estudantes no desenvolvimento de habilidades essenciais na sociedade digital, tais como o letramento digital e letramento em pesquisa, além da comunicação, colaboração, pensamento crítico e criatividade.

Embora o questionário não apresentasse uma pergunta específica sobre a metodologia utilizada, ao questionar os estudantes sobre a relevância das atividades síncronas e assíncronas para a aprendizagem, sete estudantes reportaram que as atividades assíncronas (planejadas dentro da metodologia dos 5 Es) foram interessantes e contribuíram muito para a aprendizagem (número 5 na Escala Likert). Dois estudantes avaliaram as atividades assíncronas como boas e um estudante como medianas (números 4 e 3 respectivamente). Outras contribuições da metodologia utilizada foram percebidas na avaliação da experiência de aprendizagem de línguas mediada por tecnologias digitais mencionadas anteriormente.

Além do questionário final, as autoavaliações semanais identificaram diversas contribuições dos recursos digitais e da metodologia utilizados no desenho da disciplina. Ao final da terceira semana, quando questionados sobre as atividades que mais gostaram de realizar, os estudantes relataram diferentes atividades e recursos, tais como a criação de memes para a prática de orações condicionais, o uso de quizzes com Google Forms e atividades de compreensão oral, destacando o uso de vídeos do TED Talks, como nos excertos abaixo:

The one that we had to create a meme, I found it a brilliant way to exercise our learnings.

(Jéssica)

I like all TED Talk activities because I can simultaneously practice listening and writing.

(Manoela)

Ao questionar os estudantes sobre sugestões para melhoria das aulas remotas durante a terceira semana do curso, os estudantes demonstram estarem satisfeitos com o desenho das aulas, atividades e recursos digitais utilizados. A esse respeito, destaco os excertos abaixo que ressaltam a importância do uso de recursos digitais para a aprendizagem com a utilização de diferentes ferramentas e atividades, além da disponibilização de recursos digitais extras para a prática linguística, disponibilizados para os alunos no AVA como materiais complementares para autoestudo.

I just would like to say that I'm really enjoying the way that the teacher is using the internet in our favor, exploring all the tools available and bringing the exercises to our daily routines.

(Jéssica)

I have liked the way we are viewing these contents, the proposed activities, and all the other materials you share for us to practice and study.

(Manoela)

Na quinta semana, os estudantes demonstraram interesse no uso de plataformas colaborativas, tais como Padlet, Google Jamboard e Creately. Duas atividades que os estudantes destacaram como suas favoritas foram a construção de um mapa mental colaborativo com vocabulário relacionado ao tema comida (food) utilizando o software Creately, e a criação de um mural colaborativo com opiniões sobre o provérbio “You are what you eat” utilizando o Google Jamboard, conforme destacado nos excertos abaixo:

I am enjoying the playful activities on platforms like Google Jamboard, Creately, Padlet.

(Beatriz)

I liked so much the activity "You are what you eat"

(Luíza)

Neste ticket de saída, foi acrescentada uma pergunta de avaliação da disciplina, na qual os estudantes foram convidados a completar três orações de forma a indicar o que estavam gostando e também sugerir mudanças no planejamento da disciplina. Considerando as respostas relacionadas ao uso de recursos digitais e metodologia utilizada, identificamos os recursos de vídeo como um dos favoritos dos estudantes, principalmente os vídeos do site TED Talks, mencionados por vários alunos como um dos recursos digitais que mais contribuía para seu aprendizado e desenvolvimento de habilidades de compreensão oral e produção escrita. Uma estudante também sugeriu o uso de recursos digitais para a gravação de áudios pelos estudantes que não podiam participar dos encontros síncronos.

Continue doing activities that we practice listening, understanding, and writing simultaneously, as are, for example, TED Talk activities. Besides, continuing to bring videos of other English teachers on YouTube helped me a lot in practice.

(Beatriz)

Consider asking for some videos in English so the classmates that usually don't speak at class could create something to present. For example explaning (sic) a topic that we've already studied.

(Laura)

No ticket de saída da oitava semana do curso, quando questionados novamente sobre as atividades de que mais gostaram de realizar, os estudantes destacaram novamente o uso de TED Talks e atividades colaborativas na fase de engajamento, conforme ilustrado nos excertos abaixo:

I enjoyed activities 1 and 2 of the seventh week, as I think it is essential to take advantage of these platforms to discuss such an important and relevant topic in the environments (sic). I am also waiting for the discussion of activity 1 of this week.

(Manoela)

My favorite one was the TEDtalk because I felt inspired. It was really good to listen and thinking (sic) about that. I also liked the videos and exercises about compound sentences because I needed them so much.

(Andréa)

As atividades mencionadas nos excertos correspondem a uma atividade colaborativa no Google Docs em que os estudantes tinham que elencar profissões tradicionalmente consideradas como masculinas e femininas (brainstorming) e uma atividade de compreensão oral desenvolvida no Google Forms a partir de uma palestra de Sheryl Sanders no TED Talks intitulada “Why we have too few women leaders”. Manoela demonstra ainda seu engajamento com o tópico e atividades ao afirmar que está ansiosa pela discussão da primeira atividade durante o encontro síncrono.

Os diários de aprendizagem, pelo seu caráter mais reflexivo sobre a aprendizagem em si, não apresentaram dados significativos em relação aos recursos digitais ou metodologia utilizada na disciplina, destacando mais o que os alunos haviam aprendido e o que ainda tinham dúvidas e gostariam de praticar mais. Já o diário de campo da professora-pesquisadora evidenciou algumas anotações sobre recursos digitais a serem integrados ao plano de ensino, tais como o uso do Flipgrid para atividades de prática oral, conforme sugerido por uma estudante, e a utilização mais frequente da ferramenta teste no Google Forms para a criação de atividades de compreensão oral e escrita com correção e feedback automático a fim de facilitar a correção das atividades. Um ponto interessante para destaque é a anotação de campo após a terceira semana do curso:

“Simplificar! Diminuir a quantidade de atividades.

Evitar muitas perguntas discursivas. Usar mais autocorreção → feedback imediato!”

A sobrecarga de atividades relatada pelos estudantes nas autoavaliações foi percebida também pela professora-pesquisadora no volume de atividades para correção e feedback individual. A partir dessa constatação, o planejamento das atividades foi adaptado para incluir um volume menor de perguntas dentro de cada atividade e a professora também passou a utilizar mais a ferramenta de testes do Google Forms, mesclando questões objetivas (corrigidas automaticamente pela ferramenta) e questões discursivas com feedback automático, indicando possibilidades de respostas para que os estudantes pudessem trabalhar de forma mais autônoma e fazer a autocorreção.

6. Considerações finais

A presente pesquisa-ação buscou avaliar a experiência de aprendizagem mediada por tecnologias e identificar as contribuições dos recursos digitais e metodologia utilizados ao longo de uma disciplina de língua inglesa no curso de Letras realizada no contexto do ERE. Por ser a primeira vez que a disciplina era ministrada no contexto totalmente on-line, julgou-se necessária uma investigação da eficácia da metodologia e recursos digitais utilizados a fim de aprimorar o planejamento das aulas ministradas de forma remota ao longo do semestre em curso e também para futuros cursos na mesma modalidade.

Dessa forma, a partir da avaliação dos estudantes, foi possível identificar problemas no planejamento da disciplina e fazer ajustes ainda durante a realização do curso e também ao seu final. Após o ciclo da pesquisa-ação, outros ajustes foram realizados nos planejamentos das disciplinas em 2021, tais como a diminuição da complexidade e quantidade de atividades assíncronas e a inclusão de atividades assíncronas de produção oral por meio da utilização de softwares como Flipgrid, Padlet e Vocaroo. Os resultados aqui apresentados permitiram, assim, um aprimoramento da prática educativa e do desenho e implementação de novas disciplinas realizadas na modalidade de ERE, e, consequentemente, na ação formativa dos licenciandos em Letras.

De acordo com os resultados, a avaliação da experiência de aprendizagem de língua inglesa mediada por tecnologias digitais na perspectiva dos estudantes foi bastante positiva, a despeito dos fatores externos relativos à pandemia e às dificuldades de conexão para realização das atividades síncronas e assíncronas. Os estudantes destacaram a metodologia empregada no desenho da disciplina e os recursos digitais utilizados como fatores que contribuíram para a aprendizagem ao longo do curso, em especial os vídeos disponibilizados no site TED Talks e o material didático disponibilizado no formato de e-book como REA. Os estudantes também relataram terem gostado de realizar atividades colaborativas e em pares utilizando recursos digitais colaborativos como Padlet, Jamboard, Creately, e Google Docs. Esses resultados podem contribuir para o desenho de novas experiências de aprendizagem de L2 mediadas por tecnologias digitais, bem como para a seleção de recursos digitais para contextos presenciais e híbridos no pós-pandemia.

Muitos estudantes reconheceram a importância da integração de diferentes recursos digitais para a aprendizagem de L2 e também para o desenvolvimento do seu letramento e competência digitais, desenvolvendo o conhecimento tecnológico, que é um conhecimento fundamental para o ensino de línguas estrangeiras na sociedade digital. Autores como Garret (2009)GARRET, Nina. Computer-Assisted Language Learning Trends and Issues Revisited: Integrating Innovation. The Modern Language Journal, 93, Focus Issue, 2009, pp. 719-740. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1540-4781.2009.00969.x> Acesso em: 10 abr. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
, Levy (2009)LEVY, Mike. Technologies in Use for Second Language Learning. The Modern Language Journal, 93, Focus Issue, 2009. pp. 769-782. Disponível em: <https://www.jstor.org/ stable/25612273?seq=1> Acesso em: 10 abr. 2021.
https://www.jstor.org/ stable/25612273?s...
, Torsani (2016)TORSANI, Simone. CALL Teacher Education: language teachers and technology integration. Rotterdam: Sense Publishers, 2016. e Kessler (2018)KESSLER, Greg. Technology and the future of language teaching. Foreign language Annuals, v. 51, n. 1, 2018. pp. 205-218. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/323330702_Technology_and_the_future_of_language_teaching> Acesso em: 10 abr. 2021.
https://www.researchgate.net/publication...
ressaltam a necessidade da formação de professores de línguas em CALL, de forma que esses professores sejam capazes de integrar as tecnologias digitais em suas práticas pedagógicas de maneira crítica e criativa, permitindo processos de ensino-aprendizagem significativos e inovadores. Nesse sentido, é fundamental que os cursos de Letras incluam disciplinas específicas de CALL nos seus currículos, desenvolvendo o conhecimento tecnológico pedagógico e de conteúdo (TPACK) dos futuros professores.

Em “CALL - past, present and future”, Bax (2003)BAX, Stephen. CALL - past, present and future. System, n. 31, 2003, p. 13-28. Disponível em: <http://u.arizona.edu/~jonrein/internettech10/bax_03.pdf> Acesso em: 10 abr. 2021.
http://u.arizona.edu/~jonrein/internette...
questiona o futuro do CALL. Na sua previsão, naquela época, caminhávamos para a “normalização”. Quase vinte anos depois, a pandemia evidenciou o quanto não havíamos, ainda, alcançado o estágio de normalização das tecnologias digitais na educação e no ensino de L2, embora essas tecnologias já estivessem normalizadas em muitas de nossas práticas cotidianas.

Após um período inicial de estranhamento e de integração forçada dessas tecnologias nas práticas de ensino-aprendizagem de línguas, acredito que a pandemia deixará um legado importante no ensino de inglês como L2 com práticas mais normalizadas de aprendizagem de línguas mediada por tecnologias. Contudo, para que a integração dessas tecnologias seja efetiva e permanente, são necessárias ações de formação inicial e continuada de professores de línguas em CALL, e pesquisas sobre possibilidades e limitações de diferentes tecnologias e recursos digitais para a aprendizagem de línguas de maneira que mais professores se sintam motivados e seguros para incorporarem recursos digitais em suas práticas docentes e inovarem suas práticas de ensino.

Notas

  • 1
    Esta e demais traduções foram realizadas pela autora.
  • 2
  • 3
  • 4
    O Google Meet e o Google Classroom constituem plataformas institucionais, uma vez que a IES possui convênio com o Google, disponibilizando as ferramentas do G-Suite para o corpo docente e discente.
  • 5
    A fim de preservar a identidade dos participantes, ao longo desse artigo foram utilizados nomes fictícios.
  • 6
    Muitos desses recursos foram descritos no Quadro 1.
  • 7
    Cabe ressaltar que há vários motivos para o desligamento das câmeras por parte dos estudantes no ERE, tais como a fraca conexão com a Internet, a falta de um ambiente de estudo adequado, entre outros. Por compreender essas questões, a professora-pesquisadora, apesar de estimular a abertura das câmeras durantes os encontros síncronos, não exigia esta condição deixando os estudantes à vontade para abrir ou não as mesmas.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2021
  • Aceito
    17 Maio 2021
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