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Aquisição das vogais nasais francesas ɛ̃, ã; e ɔ̃ por Aprendizes Brasileiros: Aspectos Articulatórios

Acquisition of French Nasal Vowels ɛ̃, ã; e ɔ̃ by Brazilian Learners: Articulatory Aspects

Resumo:

Este trabalho se propõe a investigar a aquisição das vogais nasais ɛ̃, ã; e ɔ̃ da Língua Francesa por aprendizes do curso de licenciatura em Letras Português/Francês. Em termos articulatórios, essa classe de segmentos caracteriza-se pelo abaixamento do véu palatino, o que gera o acoplamento dos tubos nasal e oral (SEARA, 2000; MEDEIROS e DEMOLIN, 2006 MEDEIROS, B. R.; DEMOLIN, D. Vogais nasais do Português Brasileiro: um estudo de IRM. Revista da ABRALIN , v. 5, n. 1 e 2, p. 131-142, dez., 2006.; BARBOSA e MADUREIRA, 2015BARBOSA, P. A.; MADUREIRA, S. Manual de fonética acústica experimental. São Paulo: Cortez, 2015.) e, consequentemente, por aspectos acústicos diferentes daqueles encontrados nas vogais orais. Com a passagem livre do ar no trato nasal, o primeiro formante (F1) tende a abaixar e o terceiro (F3) a aumentar (HAWKINS e STEVENS, 1985; DELVAUX, 2003). Há também uma modificação na amplitude de picos espectrais - menor para as nasais -, aparecimento de picos espectrais adicionais e uma maior duração para os referidos segmentos (MORAES e WETZELS, 1992MORAES, J. A.; WETZELS, W. L. Sobre a duração dos segmentos vocálicos nasais e nasalizados em português: um exercício de fonologia experimental. Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 23, p. 153-166, dez. 1992.; SOUSA, 1994STONE, M. A guide to analyzing tongue motion from ultrasound images. Clinical Linguistics and Phonetics, 2005.). Para desenvolver essa pesquisa, foram realizadas coletas de dados articulatórios com três grupos de informantes: Grupo I - dois aprendizes de FLE de semestres distintos (2º e 8º) do curso de licenciatura; Grupo II - uma nativa de francês; e Grupo III - uma nativa de português brasileiro. O instrumento de coleta articulatória consistiu em um teste de produção de logatomas em frase-veículo. As coletas foram realizadas na cabine acústica do Laboratório Emergência da Linguagem Oral (LELO/UFPel). Para a coleta e análise dos dados articulatórios, foi utilizado o software Articulate Assistant Advanced (AAA), versão 2.16.11. A análise dos segmentos dos dois grupos de nativas constatou que: (i) para diferenciar o segmento nasal do oral, a nativa do francês posterioriza seus movimentos de língua, já a do português, eleva-os. Quanto aos dados das aprendizes, foi possível constatar: (i) generalização dos gestos de língua da informante do 2º semestre para as três vogais nasais do FR e (ii) distinção vocálica acurada da informante do 8º semestre. Ainda, a ultrassonografia demonstrou ser uma ferramenta promissora para a realização de pesquisas acerca da nasalidade, evidenciando diferenças estatísticas significativas nos movimentos de língua entre os segmentos orais e nasais.

Palavras-chave:
Vogais nasais; Aquisição de língua estrangeira; Francês

Abstract:

This work aims at investigating the acquisition of the nasal vowels ɛ̃, ã; and ɔ̃ of French by learners in an undergraduate course in Languages (Portuguese and French). In articulatory terms, this class of segments is characterized by a lowering of the velum, which makes a connection between nasal and oral tubes (SEARA, 2000; MEDEIROS e DEMOLIN, 2006; BARBOSA e MADUREIRA, 2015). Consequently, these vowels are characterized by acoustic aspects different from those found in oral vowels. With the free passage of air in the nasal tract, the first formant value (F1) tends to lower and the third formant value (F3) tends to rise (HAWKINS e STEVENS, 1985; DELVAUX, 2003). There is also a change in the width of spectral peaks - which is smaller for nasal vowels -, as well as the appearance of additional spectral peaks and a longer duration for these segments (MORAES e WETZELS, 1992; SOUSA, 1994SOUSA, E. M. G. Para a caracterização fonético-acústica da nasalidade no português do Brasil. Dissertação de Mestrado - Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 1994.). In order to develop this research, sessions of articulatory data collection have been made with three groups of informants: Group I - two learners of French as a Foreign Language (FFL) in different semesters (2nd and 8th) of the course; Group II - a native speaker of French; and Group III - a native speaker of Brazilian Portuguese. The articulatory data collection instrument consisted in a test involving the production of pseudowords in a carrier phrase. The sessions of data collection were made in an acoustic cabin of the Emergence of Oral Language Laboratory (LELO/UFPel). For the purpose of collection and analysis of articulatory data, the software Articulate Assistant Advanced (AAA, version 2.16.11) has been used. The analysis of the segments produced by both groups of native speakers has demonstrated that in order to distinguish the nasal segment from the oral one, the native speaker of French posteriorizes her tongue movements, whereas the speaker of Portuguese elevates them. Regarding the data produced by learners, it was possible to verify: (i) generalization of tongue gestures by the 2nd semester informant for the three French nasal vowels and (ii) accurate vocalic distinction by the 8th semester informant. Additionally, ultrasonography has shown to be a promising tool for research on nasality, evidencing significant statistic differences in tongue movements between oral and nasal segments.

Keywords:
Nasal vowels; Foreign language acquisition; French

1 Introdução

O presente trabalho se propõe a investigar a aquisição das vogais nasais ENT#091;Ɛ̃ENT#093;, ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093; por aprendizes brasileiros de Francês Língua Estrangeira (FLE), de um curso de formação de professores. Para os aprendizes de FLE, é relevante o entendimento sobre o sistema fonético e fonológico da língua alvo, pois, enquanto profissionais, precisarão lançar mão desses conhecimentos para tornarem o ensino e aprendizagem efetivos.

O foco de investigação do presente artigo - vogais nasais do francês -, justifica-se pelo fato de parte expressiva dos trabalhos voltados para a aquisição fonético/fonológica do francês como língua estrangeira por brasileiros, como Alcântara (1998ALCÂNTARA, C.C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português. Dissertação (Mestrado em Letras) Universidade Católica de Pelotas, 1998.), Pompeu (2010POMPEU, A. C. A produção das vogais frontais, arredondadas do francês (L3) por falantes nativos do português brasileiro (L1) com inglês norte-americano como L2. Dissertação (Mestrado em Letras). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2010.), Restrepo (2011RESTREPO, J. C. Percepção e produção de aprendizes brasileiros de francês: o caso das vogais médias anteriores arredondadas. Dissertação (Mestrado em Letras) Universidade Federal de Santa Catarina, 2011.), Rombaldi et. al. (2012ROMBALDI, C. R. M.; MIRANDA, A. R. M.; DAMIANI, M. F. A presença da fonologia na grafia das vogais arredondadas do francês por brasileiros. Letras & Letras, vol. XXVIII, 2012.) e Silva-Pinto (2016SILVA-PINTO, G. Percepção e produção das vogais anteriores arredondadas ENT#091;yENT#093;, ENT#091;qENT#093; e ENT#091;EENT#093; do francês por locutoras nativas do português brasileiro (L1), proficientes em francês (L2). Dissertação (Mestrado em Letras), Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2016.), dentre outros, pesquisarem sobre as vogais arredondadas (y, oe, ᴓ) por se tratarem de fonemas não existentes no sistema fonológico do Português Brasileiro (PB). No entanto, são raros os trabalhos voltados para a aquisição das vogais nasais do Francês (SCARDUELLI e SEARA, 2006SCARDUELLI, J. e SEARA, I. C. A interlíngua: o caso das vogais nasais francesas. Anais do VII Encontro do CELSUL, Pelotas, 18 a 20 de outubro, 2006.). Cabe salientar, ainda, os obstáculos encontrados durante o processo de ensino dessas vogais como língua estrangeira, pois os professores, apesar de compreenderem e observarem dificuldades, por parte dos alunos, na produção dos sons, na maioria das vezes, não conseguem estabelecer estratégias que possam auxiliar efetivamente na aquisição desses segmentos. Pretende-se desenvolver, dessa forma, um estudo que contribua com o processo de ensino em sala de aula, visto que apresentará descrição articulatória das produções dos aprendizes, revelando, assim, os obstáculos encontrados pelos alunos na realização de tais segmentos vocálicos.

Por fim, a relevância desta pesquisa se expressa, ainda, na utilização de uma ferramenta metodológica pouco utilizada no Brasil em investigações da área: o ultrassom. Segundo Ferreira-Gonçalves e Brum-de-Paula (2013), a ultrassonografia é vista como uma técnica não invasiva, segura e “bastante promissora em relação à investigação da arquitetura do conduto vocal, das posições e dos movimentos realizados pelos articuladores durante a produção da fala” (FERREIRA-GONÇALVES; BRUM-DE-PAULA, 2013FERREIRA-GONÇALVES, G.; BRUM-DE‐PAULA, M. Dinâmica dos movimentos articulatórios: sons, gestos e imagens. Pelotas: Editora UFPel, 2013., p.69). Logo, a análise articulatória dos dados recolhidos poderá apresentar resultados e informações relevantes no que concerne à produção das vogais nasais.

Dessa forma, com foco em um tema ainda pouco abordado - aquisição das vogais nasais do francês por falantes nativos de português brasileiro -, sob uma perspectiva metodológica diferenciada - emprego da ferramenta de ultrassonografia -, pretende-se verificar as diferenças articulatórias na produção das vogais ENT#091;Ɛ̃ENT#093;, ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093;, nos dados de dois aprendizes de semestres distintos do curso de licenciatura em Letras Português/Francês (2º e 8º) e de duas nativas da Língua Portuguesa e da Língua Francesa.

Para a composição da amostra, foram coletados dados de produção oral para fins de análise articulatória. Embora a análise acústica possa revelar pistas acerca dos movimentos articulatórios envolvidos em uma determinada produção, ferramentas metodológicas outras, como a ultrassonografia, podem ser de grande valia para os estudos linguísticos, pois revelam a movimentação dos articuladores em tempo real (FERREIRA-GONÇALVES & BRUM-DE-PAULA, 2013FERREIRA-GONÇALVES, G.; BRUM-DE‐PAULA, M. Dinâmica dos movimentos articulatórios: sons, gestos e imagens. Pelotas: Editora UFPel, 2013.). Ainda, com tal tecnologia, é possível estabelecer associações entre as pistas acústicas e os movimentos do trato vocal.

A partir do objetivo geral deste trabalho e das escolhas metodológicas feitas, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: (i) descrever as características articulatórias, por meio de imagens ultrassonográficas, das vogais nasais ENT#091;Ɛ̃ENT#093;, ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093; produzidas por aprendizes de FLE, pela informante com francês como língua nativa e pela informante com português como língua nativa; (ii) investigar o papel da influência da língua materna no que diz respeito às estratégias articulatórias utilizadas pelos aprendizes na produção das vogais nasais; (iii) avaliar a importância da variável nível de proficiência1 1 Foram consideradas produções orais de alunos de semestres distintos, ainda que nem sempre a relação entre semestre acadêmico e nível de proficiência possa ser estabelecida. para a apropriação de gestos articulatórios envolvidos na aquisição das vogais ENT#091;Ɛ̃ENT#093;, ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093;, e (iv) verificar se a utilização da ultrassonografia é eficaz para o desenvolvimento de estudos sobre o processo de aquisição das vogais nasais do francês.

O presente artigo está dividido em cinco seções: Introdução, Fundamentação teórica, Metodologia, Descrição e análise dos dados articulatórios e Conclusão. A primeira teve como objetivo apresentar, de uma maneira geral, a proposta de desenvolvimento do trabalho. A segunda está dividida em duas subseções e é destinada a apresentar a fundamentação teórica sobre a qual esta pesquisa se baseou. Inicia com informações a respeito das características acústicas e articulatórias das vogais nasais, apontadas pela literatura como padrões para todas as línguas. Na sequência, uma descrição acústica e articulatória no que concerne especificamente às vogais nasais do português brasileiro e do francês, bem como informações sobre a aquisição das vogais nasais francesas como LE. A terceira seção apresenta o método elaborado para o desenvolvimento deste trabalho e está dividida em três subseções. A primeira apresenta os sujeitos que farão parte desta pesquisa; a segunda e terceira falam sobre as coletas de dados articulatórios. Reportam também os procedimentos a serem realizados, as formas de análise, o número de dados coletados e os corpora selecionados. A quarta seção é destinada à descrição e à análise dos dados da pesquisa, apresentando gráficos, a fim de se ter uma melhor visualização dos resultados articulatórios obtidos. A última seção é dedicada às considerações finais.

2 Fundamentação Teórica

2.1 Sobre a nasalidade

Segundo Ladefoged & Maddieson (1996LADEFOGED, P.; MADDIESON, I. The sound’s of the world’s languages. Massachusetts: Blackwell; 1996.) e Rossato et al. (2006ROSSATO, S.; TEIXEIRA, A.; FERREIRA, L. Les nasales du portugais et du français: un étude comparative sur les données EMMA. 2006.), quase todas as línguas do mundo possuem um som nasal no seu sistema fonético-fonológico; porém, somente 20% delas têm vogais nasais, como o francês. Conforme Moraes (2013MORAES, J.A. Produção e percepção das vogais nasais. In: ABAURRE, M.B. (Org.) Gramática do português culto falado no Brasil: A construção fonológica da palavra. São Paulo: Contexto, v. VII, 2013, p. 95-112.), dentre as línguas do mundo, são pouquíssimas as que têm a nasalização vocálica distintiva. Nas línguas indo-europeias, por exemplo, somente o polonês, francês e português apresentam essa característica.

Sabe-se, de antemão, que as vogais são caracterizadas, de uma maneira geral, pela passagem livre de ar, isto é, sem obstrução no trato vocal, ao contrário das consoantes (FANT, 1960FANT, G. Acoustic theory of speech production. The Hague: Mouton, 1960.; LADEFOGED, 2001LADEFOGED, P. The sounds of consonants. In: Vowels and consonants. Blackwell Publishers, 2001, p. 48-61.; CUKIER, 2006CUKIER, S. Qualidade vocal em indivíduos asmáticos com ou sem disfunção paradoxal de pregas vocais: correlatos perceptivos-auditivos, acústicos e fisiológicos. Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, PUC-SP. São Paulo: 2006.). Essa classe é caracterizada, tradicionalmente, pelos seguintes aspectos articulatórios: abertura da cavidade oral; arredondamento dos lábios; posição da língua na cavidade oral e abertura ou fechamento do segmento velofaríngeo (GREGIO, 2006GREGIO, F. N. Configuração do trato vocal supraglótico na produção das vogais do Português Brasileiro: dados de imagens de ressonância. Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, PUC-SP. São Paulo: 2006.; CAMARGO et al, 2008CAMARGO, Z.A; FONTES, M. A. S.; MADUREIRA, S. Introdução ao estudo do sons da fala.ENT#091;Apostila da disciplina de Fonética e Fonologia I do curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São PauloENT#093;. São Paulo, 2008.). Para as vogais nasais, ocorre o abaixamento do véu do palato, o que condiciona o acoplamento do trato oral ao nasal (SEARA, 2000SEARA, I. C. Estudo acústico-perceptual da nasalidade das vogais do português brasileiro. 270 f. Tese - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000.).

Já acusticamente, segundo Fant (1960FANT, G. Acoustic theory of speech production. The Hague: Mouton, 1960.), esses segmentos podem gerar vários formantes; porém, são dois aqueles mais utilizados para análises. O primeiro deles (F1) diz respeito à altura (abertura) e o segundo (F2), em geral associado à anterioridade e posterioridade da língua.

Segundo Hawkins e Stevens (1985HAWKINS, S.; STEVENS, K.N. Acoustic and perceptual correlates of the non-nasal - nasal distinction for vowels. Journal of the Acoustical Society of America, v. 77, n. 4, p.1560-1575, 1985.), as principais diferenças entre vogais orais e nasais estão calcadas (i) no primeiro formante, que tende a abaixar para a nasal, pois, para a faringe estar mais aberta, permitindo a passagem do ar, é preciso que a posição da língua esteja mais alta e (ii) no aumento da sua largura de banda, o que também está associado à abertura da faringe. Segundo esses autores, pode-se constatar, ainda, mudanças nas frequências de formantes mais altos - como o aumento dos valores de F3 -, modificação na amplitude de picos espectrais - menores para as nasais - e o aparecimento de informações espectrais adicionais, como os antiformantes. Esses últimos, característicos das vogais nasais, aparecem no espectro, pois são consequência do acoplamento de tubos - oral e nasal.

2.2 As vogais nasais do português brasileiro e do francês

Medeiros (2012 MEDEIROS, B. R. Uma proposta sobre a coda do português brasileiro a partir da fonologia gestual, com foco especial na nasal. Revista da ABRALIN, v. XI, p. 89-137, 2012.) aponta cinco vogais nasais constituintes do sistema do português brasileiro: /ã, ẽ, ĩ, õ, ũ/, conforme Figura 1. Segundo a autora, essas vogais podem aparecer em construções do tipo VnCoV, CVnCoV, CVn, onde Co é uma consoante oclusiva ou uma fricativa e Vn corresponde a uma das vogais nasais.

Figura 1
Vogais nasais do português brasileiro (disponível em http://fonticaarticulatria.blogspot.com.br/)

De acordo com alguns estudos, como Machado (1993MACHADO, M.M. Fenômenos de nasalização vocálica em português: estudo cineradiográfico. Caderno de Estudos Linguísticos, Campinas, v.25, 1993.), as vogais nasais são diferentes, quanto à articulação, das suas correlatas orais pelos seguintes aspectos: (i) abaixamento do véu palatino, (ii) diminuição da cavidade bucal, (iii) diminuição da cavidade faríngea para as vogais ENT#091;ĩENT#093;, ENT#091;ẽENT#093; e ENT#091;õENT#093; e aumento para ã; e ENT#091;ũENT#093;; (iv) contração da parede da faringe e (v) maior duração.

Sabe-se que as características articulatórias de uma classe de segmentos, nesse caso, as vogais nasais, refletem diretamente em suas propriedades acústicas. Como já dito, o abaixamento do véu palatino gera, por exemplo, formantes nasais, antiformantes, aumento de duração, bem como alterações nos valores de F1 e F2.

Quanto ao francês, possui, em seu sistema fonético-fonológico, quatro vogais nasais - /ã/, /ɛ̃/, /œ̃/, /ɔ̃/. Segundo Léon (2007LÉON, P. Phonétisme et prononciations du français. Paris: Armand Colin, 2007. (5a ed.).), esses segmentos têm uma porcentagem de ocorrência na língua de 3,09% para /ã/, 1,39% para /ɛ̃/, 0,45% para /œ̃/ e 0,63% para /õ/. Logo, a vogal nasal /ã/ é a mais presente na língua, enquanto a vogal nasal /œ̃/ é a menos recorrente. Da mesma forma, em Catach (1995CATACH, N. L’orthographe française. Poitiers: Nathan, 1995.), /ã/ tem frequência de 3,3%, /ɛ̃/ de 1,4%, /õ/ de 2% e /œ̃/ de 0,5 %. Na Figura 2, Landercy e Renard (1977LANDERCY, A.; RENARD, R. Éléments de phonétique. Bruxelles: Didier, 1977.) representam as quatro vogais nasais do francês.

Figura 2
Vogais nasais tradicionais do francês (LANDERCY & RENARD, 1977LANDERCY, A.; RENARD, R. Éléments de phonétique. Bruxelles: Didier, 1977., p.86)

Como visto, a vogal nasal /œ̃/ é a menos usada pelos falantes da língua. O que se tem implicado nesse resultado é, segundo Léon (2007LÉON, P. Phonétisme et prononciations du français. Paris: Armand Colin, 2007. (5a ed.).), o fenômeno de neutralização no francês standard (FS) moderno em relação ao /Ɛ̃/. Logo, as vogais nasais francesas são reduzidas para três, conforme a Figura 3.

Figura 3
Vogais nasais do francês moderno (LÉON, 2007LÉON, P. Phonétisme et prononciations du français. Paris: Armand Colin, 2007. (5a ed.)., p. 116)

Para Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.), existem diferentes graus de nasalidade, que variam de acordo com o grau de abaixamento do véu palatino. A autora mostra, por meio de imagens de ressonância magnética, que o abaixamento do véu varia para cada vogal do sistema francês, ENT#091;ã, Ɛ̃, ɔ̃, œ̃ENT#093;.

Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.) coloca em evidência, ainda, que essas variações no grau de abaixamento do palato variam conforme contexto e informante, havendo diferenças significativas entre homens e mulheres. Verificou que o véu, de uma maneira geral, abaixa-se mais em ã; se comparado com ENT#091;ɔ̃ENT#093; e apresenta posição intermediária em comparação com ENT#091;Ɛ̃ENT#093; e ENT#091;œ̃ENT#093;. No entanto, em seus dados relacionados ao fluxo de ar nasal, verificou que este é maior em ENT#091;õENT#093; do que em ã;.

Em relação às configurações da língua no momento de produção dessas nasais, Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.) verificou diferenças entre as nasais anteriores ENT#091;Ɛ̃ENT#093; e ENT#091;œ̃ENT#093;, visto que essa última parece ser mais centralizada e posterior. Em relação às nasais posteriores, constatou que ENT#091;ɔ̃ENT#093; é nitidamente mais fechado, posterior e arredondado do que ã;.

No que concerne a aspectos acústicos, Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.) observa que, com o acoplamento do tubo nasal ao oral, há uma mudança na região espectral de F1. Dessa forma, as vogais baixas podem sofrer a diminuição do seu primeiro formante, tendo em vista a introdução de ressonâncias extras que podem levar a um alargamento da largura de banda do F1. Ou, então, o primeiro formante das vogais baixas pode ser alterado por conta da influência de um antiformante entre a região de F0 e F1.

De acordo com a autora, ainda, é possível destacar quatro aspectos em relação às características acústicas das nasais do FR: (i) as ressonâncias nasais variam entre as vogais do sistema; (ii) o nível de energia dos formantes é menor do que em suas contrapartes orais; (iii) dependendo da vogal, há perda de energia de Fn1 (formante nasal) ao longo do segmento; e (iv) F2 e F3 apresentam menor intensidade. Segundo Delvaux et al (2002DELVAUX, V.; METENS, T.; SOQUET, A. French nasal vowels: articulatory and acoustic properties. Proceedings of the 7th ICSLP, Denver, 2002.), a nasalidade na língua francesa pode ser descrita por uma diminuição generalizada de energia.

Conforme Hansen (1998HANSEN, A. B. Les voyelles nasales du français parisien moderne. Aspects linguistiques, sociolinguistiques et perceptuels des changements en cours. Copenhagen: Museum Tusculanum Press. University of Copenhagen. Collection Etudes Romanes, vol. 40, 1998.) e Léon (2007LÉON, P. Phonétisme et prononciations du français. Paris: Armand Colin, 2007. (5a ed.).), as principais diferenças entre as vogais orais e nasais do francês se encontram nos dois primeiros formantes. Quanto a isso, Delattre (1953DELATTRE, P. Les modes phonétiques du français. The French Review, XXVIII, 1953. pp. 59-63.) atenta para o fato de haver, para as vogais nasais, forte atenuação do primeiro formante em relação à oral correspondente, enquanto que o F2 apresenta, de uma maneira geral, a mesma intensidade quando comparado à sua contraparte oral.

O Quadro 1, adaptado de Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.), contém os resultados gerais encontrados pela autora, estabelecendo a comparação vogal oral x vogal nasal.

Quadro 1
Resultados acústicos das vogais nasalizadas e nasais comparadas à sua correspondente oral (adaptado de DELVAUX, 2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003., p. 127).

Scarduelli e Seara (2006SCARDUELLI, J. e SEARA, I. C. A interlíngua: o caso das vogais nasais francesas. Anais do VII Encontro do CELSUL, Pelotas, 18 a 20 de outubro, 2006.) analisaram a produção das vogais nasais de três sujeitos brasileiros com diferentes períodos de aquisição do francês. O primeiro e o segundo aprenderam a língua antes dos doze anos de idade e o terceiro aprendeu já na idade adulta, via método formal. Ao compararem os resultados com os de Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.), perceberam que o primeiro sujeito apresentou menos diferenças em relação à produção dos falantes nativos; o segundo mostrou-se intermediário; e o terceiro, por ter aprendido o francês somente na fase adulta, apresentou diferenças significativas. Notaram também que a diferença estava relacionada fundamentalmente a valores do primeiro formante, enquanto que, em relação ao F2, todos os aprendizes mantinham o padrão francês, seguindo o previsto por Llisterri (1995LLISTERRI, J. Relationships between speech production and speech perception in a second language. Proccedings of the XIII International Congress of Phonetic Sciences. Stockholm, Sweden, 1995.).

Outro estudo, de Seara e Berri (2009SEARA, I. C.; BERRI, A. R. Vogais nasais do francês: observações sobre falantes nativos e aprendizes de FLE. Fórum Lingüístico, Florianópolis, v.6, n.1 (91-104), jan-jun, 2009.), cujo objetivo era também investigar a produção das vogais nasais francesas por aprendizes brasileiros, constatou que os aprendizes de Francês Língua Estrangeira (FLE) em nível intermediário apresentaram um espaço acústico vocálico muito mais próximo do PB do que do FR, principalmente em relação à altura (F1).

3 Metodologia

3.1 Os sujeitos

Os sujeitos desta pesquisa estão divididos em três grupos: Grupo I - aprendizes de FLE; Grupo II - nativa de francês (FR); e Grupo III - nativa de português brasileiro (PB). Todas as informantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para participarem da pesquisa.

Tendo em vista que o sexo predominante no curso de Letras Português/Francês da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) é o feminino, foram selecionadas apenas informantes mulheres. Ainda, segundo a literatura, numa coleta articulatória, com base na ultrassonografia - técnica aqui utilizada-, informantes do sexo feminino são capazes de gerar imagens mais claras do contorno da língua (STONE, 2005STONE, M. A guide to analyzing tongue motion from ultrasound images. Clinical Linguistics and Phonetics, 2005.). Foi estabelecida a idade das informantes entre 18 e 25 anos, pois é essa a faixa-etária apontada como esperada, de uma maneira geral, para ingresso e término de ensino superior.

Para o Grupo I, foram selecionadas duas informantes, uma aprendiz do segundo semestre do curso e uma do oitavo, ambas com 22 anos. A justificativa para os semestres distintos se dá pela obtenção de produções que comportem os níveis básico e avançado em relação ao adiantamento do curso. Para a constituição do Grupo II, participou uma nativa francesa, com idade de 24 anos, cursando o ensino superior. Por fim, do Grupo III, como forma de controle dos padrões das vogais orais e nasais do português brasileiro, participou uma informante, com idade de 22 anos.

3.2 O instrumento de coleta

Para a coleta de dados, foi considerada a produção de logatomas em frases-veículo. Julgou-se importante o uso desse instrumento devido ao controle que se pode ter em relação à palavra inventada; isto é, pode-se escolher um padrão para contexto, número de sílabas e tonicidade.2 2 É importante salientar que, entre os logatomas, há algumas palavras, tanto no teste de francês, quanto no de português (“pápa e pampa”). Isso ocorreu porque, após a realização de uma primeira coleta - a qual foi posteriormente descartada -, verificou-se que a informante apresentava dificuldades em pronunciar os logatomas com três sílabas, como por exemplo papápa, para o PB. Assim, suprimiu-se a terceira sílaba de todos os logatomas, de forma que o padrão de tonicidade da língua ainda fosse mantido, logo, paroxítono para o português e oxítono para o francês. Destaca-se que, no caso do francês, as palavras são de baixa frequência, provavelmente desconhecidas para o grupo de aprendizes. É também relevante a quantidade de trabalhos que pesquisam vogais e que lançaram mão de logatomas para melhor compreenderem os fenômenos estudados, como Seara (2000SEARA, I. C. Estudo acústico-perceptual da nasalidade das vogais do português brasileiro. 270 f. Tese - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000.), Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.), Restrepo (2011RESTREPO, J. C. Percepção e produção de aprendizes brasileiros de francês: o caso das vogais médias anteriores arredondadas. Dissertação (Mestrado em Letras) Universidade Federal de Santa Catarina, 2011.) e Svicero (2012SVICERO, M. A. F. Caracterização acústica e de imagens de ultrassonografia das vogais orais do Português Brasileiro. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.).

Em relação aos Grupos I e II, foram criados logatomas dissílabos oxítonos, com as vogais orais e nasais da língua francesa no contexto de /p/, conforme Quadros 2 e 3. Cada logatoma foi repetido cinco vezes pelos sujeitos, inserido na frase veículo “Le mot ______ peut bien coller” (RESTREPO, 2011RESTREPO, J. C. Percepção e produção de aprendizes brasileiros de francês: o caso das vogais médias anteriores arredondadas. Dissertação (Mestrado em Letras) Universidade Federal de Santa Catarina, 2011.).

Quadro 2
Logatomas referentes às vogais orais do francês aplicados aos Grupos I e II

Quadro 3
Logatomas referentes às vogais nasais do francês aplicados aos Grupos I e II

O Grupo I realizou também a coleta de logatomas das vogais orais e nasais do português, juntamente ao o Grupo III. Novamente, os logatomas foram criados com as vogais inseridas no contexto de /p/, todos dissílabos e paroxítonos. Da mesma forma, cada logatoma foi repetido cinco vezes pelos sujeitos na frase veículo “Digo_______ pra você”.

Quadro 4
Logatomas referentes às vogais orais do português aplicados aos Grupos I e III

Quadro 5
Logatomas relativos às vogais nasais do português aplicados aos Grupos I e III

3.3 A coleta articulatória

A ultrassonografia é utilizada para fins de análise de fala desde a década de 60. No Brasil, são poucos os trabalhos que utilizam essa ferramenta, embora já sejam comprovadas as suas contribuições para o estudo de outras línguas em processo de aquisição como LE, como nos trabalhos de Tsui (2005TSUI, H. M. L. Ultrasound speech training for Japanese adults learning English as second language. Doctoral Dissertation. Canada: The University of British Columbia, 2005.). Por meio do ultrassom, tornou-se possível descrever e investigar os movimentos da língua em tempo real. Essa técnica possui muitas vantagens em relação a outras utilizadas em trabalhos científicos, como o raio-X, a eletropalatografia e a articulografia eletromagnética, pois, por ser não invasiva, não desencadeia nenhum tipo de alteração na fonação. Permite, assim, a observação estática e dinâmica da língua, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira.

Para a coleta de dados, foi utilizado um ultrassom modelo Mindray DP 6600 e uma sonda endocavitária, 65EC10EA, com frequência de 6.5 Hz.3 3 No caso de análises linguísticas, o tipo de sonda é selecionado de acordo com o tamanho do trato vocal do informante e com o alvo da pesquisa. Portanto, foram feitos testes a fim de identificar qual melhor se aplicava aos sujeitos e foi identificada a endocavitária como a de maior eficácia.

Uma das desvantagens no uso do ultrassom é a dificuldade de manter a cabeça do informante imobilizada no momento de coleta de imagens, desta forma, foi utilizado um capacete criado pela Articulate Instruments, a fim de estabilizar a cabeça do sujeito e, dessa forma, possibilitar uma posterior análise quantitativa dos dados, conforme modelo disposto na Figura 4.

Figura 4
Modelo de estabilizador de cabeça utilizado para as coletas ultrassonográficas

Outros materiais também se fizeram necessários para a realização da coleta: (i) placa de captura de vídeo, responsável pela ligação entre o ultrassom e o computador; (ii) sincronizador de áudio e imagem Sync Bright Up modelo SBU 1.0; (iii) gravador modelo Zoom H4n; (iv) software AAA - Articulate Assistant Advanced, versão 2.14, para coleta e análise dos dados; (v) computador de mesa; e, por fim, (vi) gel, responsável pelo bloqueio da passagem de ar entre a sonda e a pele do informante, o que prejudicaria a obtenção de imagens.

Na realização das coletas, em um primeiro momento, a pesquisadora explicava os procedimentos à informante e fazia uma etapa de habituação para verificar a compreensão do sujeito acerca dos procedimentos. Em seguida, eram feitos testes com a sonda e o gel para ajustar as configurações do equipamento e, assim, obter a melhor imagem possível da borda da língua. As configurações foram realizadas fundamentalmente em quatro funções:

  1. (i) Depth - segundo Ferreira-Gonçalves e Brum-de-Paula (2013), como a distância entre o queixo e o palato, de uma maneira geral, não ultrapassa 8 cm, ajustar depth entre 7 e 8 cm, para um informante adulto, é adequado;

  2. (ii) Gain - essa função permite aumentar a intensidade na região da superfície da língua e diminuir a intensidade de outras regiões, deixando, então, a primeira mais visível. Esse parâmetro foi ajustado diferentemente para cada informante;

  3. (iii) posição do foco - o posicionamento do foco foi feito na parte superior do palato duro, na região velar da língua, conforme sugere Stone (2005STONE, M. A guide to analyzing tongue motion from ultrasound images. Clinical Linguistics and Phonetics, 2005.), assim, a cada coleta, foi necessário ajustá-lo, e

  4. (iv) IP - configurado como valor de 5.0 para todas as informantes. Segundo Ferreira-Gonçalves e Brum-de-Paula (2013), quanto maior o valor, menor o contraste e melhor a suavização da imagem.

Logo após a realização dos ajustes, o sujeito foi posicionado de forma adequada para a coleta e lhe foi colocado o estabilizador de cabeça. Foi encaixada, no capacete, a sonda com o gel, buscando-se a melhor localização possível para haver uma distribuição equânime entre sombra da mandíbula e sombra do hioide. As imagens foram captadas no modo sagital.

As aprendizes produziram os logatomas das duas línguas, enquanto as nativas somente da respectiva língua materna. Considerando que cada item lexical foi repetido cinco vezes pelo informante, foi obtido um total de 239 produções: Grupo I (2 x 80) = 160; Grupo II = 40 e Grupo III = 39.4 4 Não foi possível visualizar a borda da língua da informante em uma das repetições da vogal [o]. Logo, o dado foi descartado.

Os passos para a realização das análises articulatórias foram os seguintes:

  1. sincronização do áudio e do vídeo, seguindo instruções reportadas em Wrench (2013WRENCH, A. Getting acquainted with ultrasound. In: FERREIRA-GONÇALVES, G.; BRUM-DE-PAULA, M. R. Dinâmica dos movimentos articulatórios: sons, gestos e imagens. Pelotas: Editora UFPel, 2013, p. 189 - 198.), com taxa de sincronização, para todos os dados e informantes, de 59.597;

  2. (ii) criação de etiquetas de anotações;

  3. (iii) delimitação do ponto de análise - para desenhar as bordas das línguas, é necessário estabelecer um frame da produção do segmento. Foi escolhido o PM (ponto médio), ou seja, em 50% do tempo em que transcorre a produção do segmento. Assim, ao ser selecionado o PM, eram feitos os desenhos sobre a borda da língua naquele exato momento da produção;

  4. (iv) contorno das bordas - foram feitos, manualmente, desenhos sobre a borda5 5 As imagens geradas pelo aparelho são transmitidas em escalas de cinza e preto, sendo que a presença de artefatos pode muitas vezes dificultar o aparecimento da borda da língua. Assim, os contornos somente foram feitos quando a imagem era realmente visível. Nesse sentido, apenas um dado - relativo à produção da nativa do PB - foi descartado, o que revela um bom êxito na obtenção das imagens. da língua de cada produção de todas as informantes, considerando o frame correspondente ao ponto médio, conforme Figura 5;

  5. (v) criação de gráficos - no espaço Publisher do software AAA, foi possível gerar gráficos com as bordas das línguas, estabelecendo comparações intrasujeitos. O eixo y foi ajustado para o valor máximo de 8, o x, para 10. Para ambos, o valor mínimo foi 0,5. Os valores foram mantidos em todos os Gráficos.

Figura 5
Desenhos das bordas das línguas por meio do software AAA

A análise estatística dos dados articulatórios foi feita pelo software AAA, utilizado para coleta e análise de dados de ultrassom. Para isso, foi ajustado o valor de p(0,05. Assim, o programa rodava o Teste-t, identificava as regiões de diferença e criava, automaticamente, uma tabela. Foram descartadas as diferenças significativas encontradas no início da ponta da língua e no final da raiz, já que são as regiões de menor visibilidade, tendo em vista as sombras geradas pela mandíbula e pelo osso hioide.

4 Descrição e análise dos dados articulatórios

Nesta seção, primeiramente, serão apresentados os resultados da nativa do português, em seguida, os da nativa do francês e, por fim, os das aprendizes do segundo (S1) e oitavo semestre (S2) do curso de Letras Português/Francês.

4.1 Dados da nativa do PB e da nativa do FR

A informante nativa de português produziu oito vogais do português brasileiro: as orais ENT#091;a, e, ɛ, o, ɔENT#093; e as nasais ENT#091;ã, ẽ, õENT#093;. Na Figura 6, podem ser visualizadas as médias dos contornos das bordas da língua para as cinco repetições de cada vogal.

Figura 6
Em (a), comparação entre médias dos contornos das bordas da língua das vogais orais produzidas pela nativa do PB. Linha preta sólida = ENT#091;aENT#093;; linha vermelha pontilhada = ENT#091;eENT#093;; linha sólida rosa = ENT#091;ɛENT#093;; linha pontilhada azul = ENT#091;oENT#093;; linha pontilhada verde = ENT#091;ɔENT#093;. Em (b), comparação de médias das vogais nasais ENT#091;ã, ẽ, õENT#093; produzidas pela nativa do PB. Linha preta = ã;; linha azul = ENT#091;ẽENT#093;; linha vermelha ENT#091;õENT#093; (à direita de cada gráfico, parte anterior do trato vocal; à esquerda de cada gráfico, parte posterior do trato vocal)

A vogal ENT#091;ẽENT#093;, embora seja da mesma altura de ENT#091;õENT#093;, aparece, aqui, como a de maior elevação da ponta da língua e de parte do dorso. As vogais ã; e ENT#091;õENT#093; apresentaram médias e traçados muito próximos. A vogal ENT#091;õENT#093; se mostra levemente mais posterior do que ã;, sendo que diferenças expressivas entre essas duas vogais parecem residir fundamentalmente no gesto labial presente na produção de ENT#091;õENT#093;.

Para averiguar a presença ou não de pistas articulatórias que tenham relação com a nasalidade, foi rodado o Teste-t, comparando as médias das vogais nasais e de suas contrapartes orais, como pode ser constatado na Figura 7 para o par ã;/ENT#091;aENT#093;.

Figura 7
Em (a), Teste-t do par ã; e ENT#091;aENT#093; produzido pela nativa do PB; em (b), Teste-t do par ENT#091;ẽENT#093; e ENT#091;eENT#093; produzido pela nativa do PB; em (c), Teste-t do par ENT#091;õENT#093; e ENT#091;oENT#093; produzido pela nativa do PB (à direita de cada gráfico, parte anterior do trato vocal; à esquerda de cada gráfico, parte posterior do trato vocal).

Na Figura 7, a linha preta horizontal, na parte superior da imagem, indica a região de diferenças estatísticas. O quadro ao lado mostra os valores de p. Nota-se que a vogal nasal ã; apresenta elevação significativamente maior de dorso, com quatorze pontos de diferença, apresentando valores de p entre 0,02 e 0,001, indicando uma diminuição no valor de F1, em comparação à sua contraparte oral. Para a vogal ENT#091;ẽENT#093;, uma maior elevação da língua para raiz, dorso e ponta, com 24 pontos de diferença - valores de p entre 0,01 e 0,001, com consequente diminuição do valor de F1 para a vogal nasal. Assim, estatisticamente, a parte anterior e a posterior são apontadas como significativamente relevantes, com vários pontos de diferenças em relação à sua contraparte oral. Já a comparação de ENT#091;õENT#093; com ENT#091;oENT#093; não apresenta diferenças significativas entre os gestos de dorso de língua (p > 0,05) envolvidos na produção da vogal nasal e da oral. Para a produção da nasal, verifica-se somente uma leve elevação de altura da raiz da língua, conforme resultados na Figura 7c (p = 0,05).

A informante nativa da Língua Francesa produziu as cinco vogais orais do FR e também as três vogais nasais. Na Figura 8, as médias dos cortornos das bordas da língua das cinco repetições de cada vogal.

Figura 8
Em (a), médias das vogais orais produzidas pela Nativa do FR. Linha sólida preta = ENT#091;aENT#093;; Linha sólida rosa = ENT#091;ɛENT#093;; linha pontilhada vermelha = ENT#091;eENT#093;; linha pontilhada azul = ENT#091;oENT#093;; linha pontilhada verde = ENT#091;ɔENT#093;. Em (b), médias das vogais nasais ENT#091;ã, ɛ̃, ɔ̃ENT#093; produzidas pela nativa do FR. Linha pontilhada preta = ã;; linha pontilhada azul = ENT#091;ɛ̃ENT#093;; linha sólida vermelha = ENT#091;ɔ̃ENT#093; (à direita de cada gráfico, parte anterior do trato oral; à esquerda de cada gráfico, parte posterior do trato oral).

Nota-se que o contorno das bordas da língua de cada uma das três nasais do FR (Figura 8b) corrobora o já reportado pela literatura, ou seja, ã; aparece em posição central com leve movimento posterior, sendo a vogal nasal de menor altura. Já em ENT#091;ɛ̃ENT#093;, evidencia-se seu movimento para a parte frontal e ENT#091;ɔ̃ENT#093; para a parte posterior do trato.

Ao se comparar a média do contorno das bordas da língua da vogal nasal e a média da sua contraparte oral (Figura 8a e b), encontram-se diferenças estatísticas em relação aos contornos das línguas.

Figura 9
Em (a), Teste-t do par ã; e ENT#091;aENT#093; produzido pela nativa do FR; em (b), Teste-t do par ENT#091;ɛ̃ENT#093; e ENT#091;ɛENT#093; produzido pela nativa do FR; em (c), Teste-t do par ENT#091;ɔ̃ENT#093; e ENT#091;ɔENT#093; produzido pela nativa do FR (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

Em relação ao par ã; e ENT#091;aENT#093; (Figura 9a), a nasalidade parece ser caracterizada pela leve posterioridade do dorso, sinalizando para uma diminuição de F2. Léon (2007LÉON, P. Phonétisme et prononciations du français. Paris: Armand Colin, 2007. (5a ed.).) também constatou essa diferença ao comparar vogais nasais e orais francesas. Segundo o autor, “les voyelles nasales du français standard ont une articulation légèrement plus postérieure que celle des voyelles correspondantes”. Essa diferença foi identificada pelo Teste-t, que apresentou, exatamente nesse ponto, valor de p = 0.05.

As diferenças entre as vogais ENT#091;ɛ̃ENT#093; e ENT#091;ɛENT#093;, reveladas por meio da Figura 9b, evidenciam uma maior elevação da vogal oral, com oito pontos de diferença na região anterior, com valores de p entre 0,01 e 0,001, o que corrobora os resultados da literatura (DELVAUX, 2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.), em que as nasais apresentam valores mais altos de F1. Para a vogal nasal, identifica-se, ainda, movimento de elevação da raiz, com mais seis pontos de diferença, com valores de p entre 0,05 e 0,001. Mais uma vez, a nasalidade apresenta um movimento de posterioridade, assim como em ã;. Embora se tratando, agora, de vogais anteriores, a oral, ao ser produzida, tem o seu movimento mais direcionado para a parte frontal da boca, enquanto a nasal para a parte posterior. Pode-se observar também que a vogal nasal ocupa posição mais centralizada quando comparada à oral, o que Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.) também observou em seu estudo.

Os resultados apontados pelo Teste-t revelaram, portanto, diferenças significativas da ponta da língua até o dorso, o que corrobora a utilização da ultrassonografia como metodologia compatível para a diferenciação entre segmentos vocálicos orais e nasais, nesse caso, da língua francesa.

Mesmo para as vogais posteriores (Figura 8c), o recuo da língua é realizado na produção nasal, como pode ser constatado na comparação das médias de ENT#091;ɔ̃ENT#093; e ENT#091;ɔENT#093; - corroborando Delvaux et al (2002DELVAUX, V.; METENS, T.; SOQUET, A. French nasal vowels: articulatory and acoustic properties. Proceedings of the 7th ICSLP, Denver, 2002.). Assim, novamente, a ponta da língua e parte do dorso são mais elevados para a oral (16 pontos de diferença, com valores de p entre 0,05 e 0,001).

Segundo Hansen (1998HANSEN, A. B. Les voyelles nasales du français parisien moderne. Aspects linguistiques, sociolinguistiques et perceptuels des changements en cours. Copenhagen: Museum Tusculanum Press. University of Copenhagen. Collection Etudes Romanes, vol. 40, 1998.) e Léon (2007LÉON, P. Phonétisme et prononciations du français. Paris: Armand Colin, 2007. (5a ed.).), existe um tipo de mutação envolvendo as vogais nasais francesas. Para os autores, no Norte da França, região de onde vem a informante nativa da presente pesquisa, a vogal ã; está sendo substituída por ENT#091;ɔ̃ENT#093;. Léon (2007) diz ainda que a vogal ENT#091;ɛ̃ENT#093; está sendo substituída, aos poucos, por ã;. Nesse sentido, foram lançadas as médias dos contornos das bordas da língua dessas três vogais nasais, a original e aquela pela qual está sendo substituída, a fim de serem constatadas ou não as hipóteses dos autores via análise estatística. Em relação ao Teste-t, envolvendo ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093;, foram encontrados vários pontos de diferenças significativas, com 14 pontos de diferença, com valores de p entre 0,02 e 0,001. As regiões envolvidas, mais precisamente, são a ponta da língua e parte do dorso, isto é, a parte anterior da língua, o que pode indiciar que a informante nativa ainda não está realizando essa substituição.

Figura 10
Em (a), Teste-t entre ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093; produzidas pela nativa do FR; em (b), Teste-t entre ã; e ENT#091;ɛ̃ENT#093; produzidas pela nativa do FR (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

No que concerne a ã; e ENT#091;ɛ̃ENT#093; (Figura 10b), foram encontradas diferenças nas partes anterior, com valores de p entre 0,01 e 0,001, e posterior da língua, com valores de p entre 0,02 e 0,05. Conforme os resultados, portanto, não é possível afirmar que a informante nativa realize as trocas apontadas pela literatura em relação às vogais nasais francesas.

A vogal ã; é no FR a de menor altura, o que não acontece no PB, em que os traçados das médias de ã; e ENT#091;õENT#093; (Figura 10a) são bastante próximos. Para a nativa francesa, ã; é bastante central, enquanto para a brasileira, a vogal tem movimento levemente posterior, exatamente ao contrário do que é verificado com a sua contraparte oral. No PB, ENT#091;õENT#093; ainda aparece mais posterior quando comparado à ã;, conforme esperado. A comparação das vogais nasais com suas contrapartes orais evidencia que o aspecto nasal é caracterizado nos dados do FR, de uma maneira geral, pela posterioridade dos movimentos de língua. Em contrapartida, nos dados da nativa do PB, a elevação da língua é o que parece caracterizar a nasalidade de uma vogal via análise ultrassonográfica. O par ã; e ENT#091;aENT#093; do PB, além da altura, diferencia-se também pelo aspecto encontrado nos dados da nativa do FR: a nasal do PB apresenta movimento levemente mais posterior.

Em relação ao par ã; - ENT#091;aENT#093;, nos dados da nativa do FR, há apenas um ponto de diferença estatística, com p = 0.05, na parte posterior do dorso. Esse par é, para essa informante, o de maior número de semelhanças entre nasal-oral. No entanto, nos dados da nativa do PB, ã; e ENT#091;aENT#093; têm, quando comparadas, 14 pontos de diferenças estatísticas. O dorso da nasal, aqui, tem significativa elevação quando comparado à oral. Já no FR, as vogais parecem ter a mesma altura.

Em relação aos pares das nasais anteriores, constataram-se muitas diferenças significativas para ambas as línguas: 14 pontos no francês com p = 0.001, 0.01, 0.002 e 0.05; 12 pontos no português, a maioria deles com p = 0.001. Embora sejam da mesma altura, segundo a literatura, no FR, a oral tem maior elevação de movimento de língua; já no PB, como dito anteriormente, a nasal se sobressai em altura de língua.

Quanto aos pares das posteriores, para o FR, foi a comparação com maior número de pontos de diferenças significativas, ou seja, 16. Já para o PB, foi o par com menor número de diferenças significativas, somente 3 pontos com p = 0,05. Ou seja, as médias-baixas posteriores são aquelas, nos dados da nativa do FR, que mais se diferenciam articulatoriamente quando presente a nasalidade. Já as médias-altas posteriores são, nos dados da nativa do PB, as mais semelhantes; isto é, pouco mudam, no que concerne ao movimento de língua, ao terem a presença da nasalidade.

Os dados da nativa do FR indiciam, pela análise aqui realizada, maiores diferenças dos movimentos de língua para a produção de vogais nasais e orais. No FR, o eixo horizontal é o mais relevante, pois mostra o aumento da posterioridade; já no PB, relevância maior é dada ao eixo vertical.

A seção a seguir discorrerá acerca dos dados das aprendizes. Primeiramente, aqueles referentes ao teste de PB e, após, aqueles referentes ao FR.

4.2 Dados articulatórios das aprendizes

Nesta seção, serão descritos os dados articulatórios das duas aprendizes: uma do segundo semestre do curso de Letras Português/Francês (S1) e outra do oitavo semestre (S2). As duas aprendizes produziram as oito vogais, orais e nasais, de cada língua - ENT#091;a, e, ɛ, o, ɔ, ã, ɛ̃/ẽ, ɔ̃/õENT#093;, totalizando 160 produções.

4.2.1 Dados do português

Na Figura 11, são apresentados gráficos das médias dos contornos das bordas da língua das produções das vogais orais e nasais.

Figura 11
Em (a), médias das vogais orais do PB produzidas por S1. Linha preta sólida = ENT#091;aENT#093;; linha vermelha pontilhada = ENT#091;eENT#093;; linha sólida rosa = ENT#091;ɛENT#093;; linha pontilhada azul = ENT#091;oENT#093;; linha pontilhada verde = ENT#091;ɔENT#093;. Em (b), médias das vogais nasais do PB produzidas por S1. Linha pontilhada preta = ã;; linha pontilhada azul = ENT#091;ẽENT#093;; linha sólida vermelha = ENT#091;õENT#093;. Em (c), médias das vogais orais do PB produzidas por S2. Linha preta sólida = ENT#091;aENT#093;; linha vermelha pontilhada = ENT#091;eENT#093;; linha sólida rosa = ENT#091;ɛENT#093;; linha pontilhada azul = ENT#091;oENT#093;; linha pontilhada verde = ENT#091;ɔENT#093;. Em (d), médias das vogais nasais do PB produzidas por S2. Linha pontilhada preta = ã;; linha pontilhada azul = ENT#091;ẽENT#093;; linha sólida vermelha = ENT#091;õENT#093; (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

As vogais ã; e ENT#091;aENT#093; do PB apresentam traçados similares; no entanto, a nasal tem mais elevação no gesto de dorso, sinalizando para uma diminuição no valor de F1. Essa constatação vai ao encontro dos resultados obtidos por meio dos dados da nativa do PB. O Teste-t encontrou 5 pontos com diferenças significativas, no que concerne a S1, conforme Figura 12a, e 14 pontos no que concerne a S2, conforme 12b. O valor de p variou entre 0.01, 0.02 e 0.05.

Figura 12
Em (a), Teste-t entre as vogais ã; e ENT#091;aENT#093; do PB produzidas por S1 do Grupo de Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; Linhas vermelhas = produções das vogais nasais. Em (b), Teste-t entre as vogais ã; e ENT#091;aENT#093; do PB produzidas por S2 do Grupo de Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; Linhas vermelhas = produções das vogais nasais (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

Quanto ao par ENT#091;ẽENT#093; - ENT#091;eENT#093; do PB, o resultado das médias dos contornos das bordas da língua obtido para as aprendizes está disposto na Figura 13.

Figura 13
Em (a), Teste-t entre as vogais ENT#091;ẽENT#093; e ENT#091;eENT#093; do PB produzidas por S1 do Grupo de Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; linhas vermelhas = produções das vogais nasais. Em (b), Teste-t entre as vogais ENT#091;ẽENT#093; e ENT#091;eENT#093; do PB produzidas por S2 do Grupo de Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; linhas vermelhas = produções das vogais nasais (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

Da mesma forma como em ã;, a vogal nasal ENT#091;ẽENT#093; tem maior elevação no gesto de dorso quando comparada à ENT#091;eENT#093;, indicando, novamente, uma redução no valor do primeiro formante; ENT#091;ẽENT#093; apresenta também traçado um pouco mais anterior. O Teste-t mostrou, para essas vogais, 18 pontos de diferença significativa, nos dados de S1, com valores de p sendo menores do que 0,001, 0,01, 0,02. Esses pontos perpassam todo o traçado, isto é, da ponta à raiz. Já para S2, em alguns pontos, próximos à raiz, os traçados se sobrepõem; isto é, as vogais têm movimentos de língua muito similares. O Teste-t encontrou somente um ponto de diferença estatística, com valor de p=0.05. Esse ponto encontra-se na região de elevação do dorso para a nasal, conforme pode ser observado na Figura 13b. O ponto está marcado na seta.

Por fim, na Figura 14, é exibida a comparação entre a vogal nasal ENT#091;õENT#093; e a oral ENT#091;oENT#093; do PB, apenas no que concerne aos dados de S2, pois, para S1, o Teste-t não encontrou diferenças significativas entre essas duas vogais, corroborando, assim, os resultados encontrados para a nativa do PB.

Figura 14
Teste-t entre as vogais ENT#091;õENT#093; - ENT#091;oENT#093; do PB produzidas por S2. Linhas azuis = produções das vogais orais; linhas vermelhas = produções das vogais nasais (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

Conforme a Figura 14, para S2, as vogais ENT#091;õENT#093; - ENT#091;oENT#093; se encontram na mesma posição e têm vários pontos de traçado que se sobrepõem. Nota-se, somente, maior altura para a oral na raiz e parte final final do dorso. O Teste-t encontrou 6 pontos estatisticamente relevantes na região de maior elevação da raiz para a oral, todos com p = 0.05.

Foi possível constatar, para os dados do português de S1, que a inserção do traço nasal no segmento vocálico provoca, articulatoriamente, maior elevação do gesto de dorso. Para essa informante, assim como para as nativas do PB, as imagens ultrassonográficas se mostram adequadas para a caracterização das vogais nasais, principalmente no que concerne aos pares ENT#091;ẽENT#093; - ENT#091;eENT#093; e ã; - ENT#091;aENT#093;. Para o par ENT#091;õENT#093; - ENT#091;oENT#093;, as imagens ultrassonográficas não evidenciaram diferenças significativas. Ao contrário de S1 e das duas nativas do PB, não foi possível identificar, claramente, para S2, a característica articulatória do segmento nasal.

Na próxima seção, a descrição das produções articulatórias das aprendizes para os segmentos vocálicos franceses.

4.2.2 Dados do francês

Na Figura 15, estão exibidas as médias dos contornos das bordas da língua das vogais orais e nasais francesas produzidas por S1 e S2.

Figura 15
Em (a), médias das vogais orais do FR produzidas por S1 do Grupo Aprendizes de FR. Linha preta sólida = ENT#091;aENT#093;; linha vermelha pontilhada = ENT#091;eENT#093;; linha sólida rosa = ENT#091;ɛENT#093;; linha pontilhada azul = ENT#091;oENT#093;; linha pontilhada verde = ENT#091;ɔENT#093;. Em (b), médias das vogais nasais francesas produzidas por S1 do Grupo Aprendizes do FR. Linha pontilhada preta = ã;; linha pontilhada azul = ENT#091;ɛ̃ENT#093;; linha sólida vermelha = ENT#091;ɔ̃ENT#093;. Em (c), médias das vogais orais do FR produzidas por S2 do Grupo Aprendizes de FR. Linha preta sólida = ENT#091;aENT#093;; linha vermelha pontilhada = ENT#091;eENT#093;; linha sólida rosa = ENT#091;ɛENT#093;; linha pontilhada azul = ENT#091;oENT#093;; linha pontilhada verde = ENT#091;ɔENT#093;. Em (d), médias das vogais nasais francesas produzidas por S2 do Grupo Aprendizes do FR. Linha pontilhada preta = ã;; linha pontilhada azul = ENT#091;ɛ̃ENT#093;; linha sólida vermelha = ENT#091;ɔ̃ENT#093; (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

Nota-se semelhança entre o traçado das três vogais nasais francesas produzidas por S1, principalmente entre ã; e ENT#091;ɛ̃ENT#093;. Nas produções do PB da mesma aprendiz, notou-se semelhança entre os traçados de ã; e ENT#091;õENT#093;, embora a primeira ainda se mostrasse mais central; no entanto, ENT#091;ẽENT#093; assumiu claramente a posição anterior. Aqui, não foi possível estabalecer diferenças quanto à anterioridade e posterioridade no que concerne às três vogais nasais do FR. Tal fato parece indiciar que a informante faz uso, provavelmente, da mesma constelação gestual da produção de ENT#091;ɔ̃ENT#093; para as demais vogais nasais francesas, ainda que haja uma maior elevação de dorso na sua produção.

Na comparação das médias dos contornos das bordas da língua das três vogais nasais produzidas pela aprendiz do oitavo semestre, S2, nota-se muita semelhança entre as vogais ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093;. O Teste-t rodado para essas duas vogais não apresentou diferença significativa. No entanto, parece que ENT#091;ɛ̃ENT#093; é bem distinguida por S2, pois ocupa a posição anterior no trato e tem traçado bastante diferente das outras duas nasais, o que não ocorreu com S1, do segundo semestre, em que todas as vogais nasais do francês ocupavam posição posterior. Observa-se também semelhança entre as vogais ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093; na produção da nativa de FR; porém, para ENT#091;ɛ̃ENT#093;,em S2, salientam-se aspectos relativos à anterioriedade, o mesmo não sendo constatado nos dados da nativa do FR. Tal fato pode indiciar uma tentativa da aprendiz de distinguir as vogais nasais, embora a tarefa não tenha sido cumprida com êxito em relação à vogal nasal central e à posterior.

Ao comparar a vogal nasal francesa e a sua contraparte oral, foi obtido o o resultado para o par ã; - ENT#091;aENT#093;, mostrado na Figura 16.

Figura 16
Em (a), Teste-t entre as vogais ã; e ENT#091;aENT#093; do FR produzidas por S1 do Grupo Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; linhas vermelhas = produções das vogais nasais. Em (b), Teste-t entre as vogais ã; e ENT#091;aENT#093; do FR produzidas por S2 do Grupo Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; linhas vermelhas = produções das vogais nasais (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

Conforme Figura 16a, a vogal nasal ã; se mostra com maior elevação de movimentos quando comparada à sua contraparte oral; também se apresenta mais posterior em relação à ENT#091;aENT#093;, o que indicia diminuição no valor de F1 e aumento no valor de F2. S1, nesse par, faz uso das duas estratégias encontradas nos dados das nativas e também nos seus próprios dados do PB: maior altura e maior posterioridade para a nasal. O Teste-t encontrou 14 pontos de diferença significativa, envolvendo dorso e ponta. Os valores de p variaram entre 0.001, 0.01 e 0.05. É importante salientar que, nesse mesmo par, os dados da nativa de FR apresentaram somente uma diferença estatística de 0.05, enquanto nos da nativa do PB foram também constatados 14 pontos, embora em regiões diferentes. Para S2 (Figura 16b), o Teste-t encontrou somente dois pontos de diferença estatítica, ambos na ponta da língua, com valores de p = 0.02 e p = 0.05.

Ao comparar o par ENT#091;ɛ̃ENT#093; - ENT#091;ɛENT#093;, foi obtido o resultado disposto na Figura 17.

Figura 17
Em (a), Teste-t entre as vogais ENT#091;ɛ̃ENT#093; e ENT#091;ɛENT#093; do FR produzidas por S1 do Grupo Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; linhas vermelhas = produções das vogais nasais. Em (b), Teste-t entre as vogais ENT#091;ɛ̃ENT#093; e ENT#091;ɛENT#093; do FR produzidas por S2 do Grupo Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções das vogais orais; linhas vermelhas = produções das vogais nasais (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

Quanto aos dados de S1 (Figura 17a), o Teste-t encontrou 15 pontos de diferença significativa, com valores de p variando entre 0.001, 0.01, 0.02 e 0.05. Quanto aos dados de S2 (Figura 17b), na raiz e em parte do dorso, como pode ser visto na imagem, os traçados se sobrepõem. Assim como no par ã; - ENT#091;aENT#093;, a ponta da língua da nasal é mais baixa quando comparada à oral. Nota-se, sutilmente, maior elevação de dorso para a nasal. Para S2, o Teste-t encontrou, na região da ponta da língua, cinco pontos de diferença significativa, com p variando entre 0.001 e 0.01.

De modo geral, em relação ao par ENT#091;ɔ̃ENT#093; - ENT#091;ɔENT#093;, conforme Figura 18, novamente, a vogal nasal é mais posterior do que a oral, embora esta última também tenha seu movimento direcionado para a parte de trás da boca. O dorso da vogal nasal tem maior elevação do que na vogal oral. Aqui, mais uma vez, parece que temos as duas estratégias para a produção de nasalidade: posterioridade e altura.

Figura 18
Em (a), Teste-t das vogais ENT#091;ɔ̃ENT#093; e ENT#091;ɔENT#093; do FR produzidas por S1 do Grupo de Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções da vogal oral; linhas vermelhas = produções da vogal nasal. Em (b), Teste-t das vogais ENT#091;ɔ̃ENT#093; e ENT#091;ɔENT#093; do FR produzidas por S2 do Grupo de Aprendizes do FR. Linhas azuis = produções da vogal oral; linhas vermelhas = produções da vogal nasal. (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral).

O Teste-t, para S1 (Figura 18a), apresentou 15 pontos com diferença estatística, com valores de p variante entre 0.001, 0.02, 0.01. O par das posteriores correspondentes no PB, no caso ENT#091;õENT#093; e ENT#091;oENT#093;, para a mesma informante, não apresentou diferença estatística. Em relação a S2 (Figura 18b), novamente, nota-se maior elevação do gesto de ponta de língua e parte do dorso para a vogal oral. Na raiz, observam-se pontos no traçado que se sobrepõem. O Teste-t encontrou 9 pontos com diferença significativa, com os valores de p variando entre 0.001, 0.01, 0.02 e 0.05. As regiões em que esses pontos estão são justamente aquelas de maior elevação para a oral: ponta e parte do dorso.

Foi possível constatar, a partir da análise dos dados do teste de FR de S1, que, para diferenciar a vogal nasal da oral, a informante lança mão da posterioridade, isto é, as vogais nasais são produzidas com movimentos direcionados para a parte de trás da boca, assim como a nativa do FR e como os resultados encontrados na tese de Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.). Os pares ENT#091;ɔ̃ENT#093; - ENT#091;ɔENT#093; e ã; - ENT#091;aENT#093; também apresentaram maior elevação de dorso.

Em relação aos dados de S2, observou-se, diferentemente do que aponta a literatura, ENT#091;aENT#093; e ã; com movimento posterior, ao invés de central. Nos dois casos, as vogais tinham traçados semelhantes aos de ENT#091;oENT#093;, ENT#091;ɔENT#093; e ENT#091;õENT#093;. Ao compararmos as vogais nasais e suas contrapartes orais, buscávamos pelas pistas articulatórias encontradas nas nativas, isto é, maior posterioriedade e/ou elevação de dorso para a nasal. No entanto, somente se encontrou padrão na diminuição da altura da ponta da língua quando presente a nasalidade. Assim, em todos os pares, a ponta da língua da vogal oral era mais alta. Os pares ENT#091;ɔ̃ENT#093; - ENT#091;oENT#093; e ã; - ENT#091;aENT#093; foram aqueles de menores diferenças, isto é, as vogais com movimentos articulatórios mais semelhantes. É importante ressaltar que, para a nativa francesa, o par ã;-ENT#091;aENT#093; também foi aquele com menos pontos de diferença estatística. Em todos os pares, as vogais tinham traçados muito semelhantes, o que dificultou um pouco a nossa análise.

4.3 Dados do PB X FR

Para se observar mais claramente as diferenças entre as vogais nasais do FR e do PB, foram comparadas as médias dos contornos das bordas da língua dos pares ã;/ã;, ENT#091;ẽENT#093;/ENT#091;ɛ̃ENT#093; e ENT#091;õENT#093;/ENT#091;ɔ̃ENT#093;.

Figura 19
Em (a), Teste-t da vogal ã; do FR e do PB produzido por S1 do Grupo Aprendizes do FR. Linha azul: nasal do FR; Linha vermelha: nasal do português. Em (b), Teste-t da vogal ã; do FR e do PB produzido por S2 do Grupo Aprendizes do FR. Linha azul: nasal do francês; Linha vermelha: nasal do PB. Em (c), Teste-t entre as vogais ENT#091;ẽENT#093; do PB e ENT#091;ɛ̃ENT#093; do FR produzidas por S1.Linha azul: nasal do FR; Linha vermelha: nasal do português. Em (d), Teste-t entre as vogais ENT#091;ẽENT#093; do PB e ENT#091;ɛ̃ENT#093; do FR produzidas por S2. Linha azul: nasal do FR; Linha vermelha: nasal do PB. Em (e), médias das vogais nasais ENT#091;õENT#093; do PB e ENT#091;ɔ̃ENT#093; do FR produzidas por S2. Linha azul: nasal do FR; Linha vermelha: nasal do PB. (à direita, parte anterior do trato oral; à esquerda, parte posterior do trato oral)

Quanto à vogal ã;, para S1(Figura 19a), a parte anterior da língua tem maior elevação para a nasal do FR, o que indica valores menores de F1. O Teste-t apresentou diferença estatística somente na região da ponta da língua, com oito pontos de p = 0.001 e 0.05. Conforme a Figura 19b, para S2, a vogal nasal do PB tem dorso e ponta mais elevados. A do PB parece tomar uma posição mais anterior, enquanto a da lingua estrangeira mais central. O Teste-t encontrou oito pontos com diferença significativa entre essas vogais, também na parte anterior da língua.

Quanto à vogal nasal anterior, no PB ENT#091;ẽENT#093; e no FR ENT#091;ɛ̃ENT#093;, as diferenças são bem mais expressivas, como esperado. Nas Figuras 19c, fica bastante clara a posterioridade da vogal nasal francesa, nas produções de S1, embora, segundo a literatura da área, seja uma vogal anterior, assim como a do PB. Na língua estrangeira, conforme já averiguado, a aprendiz parece não saber exatamente os gestos envolvidos na produção de ENT#091;ɛ̃ENT#093;, tornando-a muito parecida com ENT#091;ɔ̃ENT#093;. Tendo em vista a diferença de altura entre uma vogal média baixa e uma vogal média alta, o Teste-t encontrou 18 pontos de diferenças estatísticas, com valores de p entre 0,01 e 0,001, para as produções de S1, e 11 pontos para as produções de S2, com valores de p entre 0,05 e 0,001.

O par ENT#091;õENT#093; do PB e ENT#091;ɔ̃ENT#093; do FR parece ser o de traçados mais semelhantes entre as vogais nasais das duas línguas. Estatisticamente, não foi encontrada diferença significativa para os dados de S1. Já para S2 (Figura 19e), o Teste-t identificou 10 pontos de diferença significativa, todos na região do dorso, onde a nasal do PB tem maior elevação. Os valores de p variaram entre 0.001, 0.01 e 0.02.

Por fim, para S1, foram encontradas muitas semelhanças de traçado no par ã; do PB e ENT#091;ɛ̃ENT#093; do FR. Esta última, como já dito, tem posição bastante posterior e ã; do PB também, conforme pode ser observado na Figura 20.

Figura 20
Médias das vogais ã; do PB e ENT#091;ɛ̃ENT#093; do FR produzidas por S1. Linha azul: nasal do francês; Linha vermelha: nasal do português

O Teste-t não acusou diferenças significativas entre essas vogais, o que indicia que a aprendiz (S1), para a produção de ENT#091;ɛ̃ENT#093;, está utilizando a mesma configuração gestual da vogal nasal ã;, de sua língua materna.

6 Conclusão

Por meio da análise dos dados articulatórios de duas nativas, uma do PB e outra do FR, foi possível constatar que, para diferenciar vogais nasais de suas contrapartes orais, a nativa do FR posterioriza os segmentos vocálicos em suas produções; isto é, o eixo horizontal é determinante para se diferenciar uma vogal oral de uma nasal na língua francesa. No entanto, a nativa do PB realiza movimentos diferenciados de elevação da língua (raiz, dorso e ponta) quando produz uma vogal nasal; isto é, o eixo vertical é decisivo na inserção da nasalidade nas vogais do PB.

Os dados articulatórios das aprendizes mostraram que, para S1, do segundo semestre, existe ainda certa confusão em relação aos gestos articulatórios envolvidos na produção das vogais nasais. ã;, ENT#091;ɛ̃ENT#093; e ENT#091;ɔ̃ENT#093; parecem ter movimentos em direção à região posterior da boca; isto é, não é possível estabalecer diferenças quanto à anterioridade e posterioridade. Infere-se, assim, que a informante generaliza os gestos; ou seja, faz uso, provavelmente, da mesma constelação gestual da produção de ENT#091;ɔ̃ENT#093; para todas as vogais nasais francesas. Ao serem comparadas as vogais ã; do PB e ENT#091;ɛ̃ENT#093; do FR, foi possível notar muitas semelhanças de traçado e nenhuma diferença estatística; ou seja, talvez exista a possibilidade de a aprendiz usar os mesmos gestos envolvidos na produção da nasal central da língua materna para produzir a anterior da LE. Foi possível constatar, a partir da análise dos dados do FR dessa informante, que, assim como a nativa do FR e como os resultados encontrados na tese de Delvaux (2003DELVAUX, V. Contrôle et connaissance phonétique: les voyelles nasales du français. Tese de doutorado, Université Libre de Bruxelles, 2003.), para diferenciar a vogal nasal da oral francesas, a informante lança mão da posterioridade; isto é, as vogais nasais são produzidas com movimentos direcionados para a parte de trás da boca.

Quanto aos dados de S2, do oitavo semestre, nota-se muita semelhança entre as vogais ã; e ENT#091;ɔ̃ENT#093;, assim como ocorre com as produções da nativa do francês. No entanto, parece que ENT#091;ɛ̃ENT#093; é bem distinguida, pois ocupa a posição anterior no trato e tem traçado bastante diferente das outras duas vogais, o que não ocorreu com S1, do segundo semestre, em que todas as vogais nasais do francês ocupavam posição posterior. A francesa também não distinguiu tão claramente ENT#091;ɛ̃ENT#093; como a aprendiz; porém, foi possível observar leve anterioridade da vogal. Pode-se pensar que é uma tentativa da informante de distinguir a vogal nasal anterior, já que é considerada, segundo os professores e relatos das próprias informantes, a de mais difícil aquisição e, portanto, de produção. De uma maneira geral, essa informante, ao realizar as vogais nasais, apresentou menor altura da ponta de língua; isto é, há um abaixamento da ponta quando produzidas as vogais nasais francesas e uma elevação quando produzidas as orais. Essa aprendiz pareceu diferenciar as nasais da sua língua materna e da estrangeira, fazendo uso de estratégias como maior elevação de dorso e maior anterioridade dos movimentos.

A coleta articulatória trouxe achados interessantes sobre a nasalidade do PB e do FR via análise ultrassonográfica. A configuração do traçado da língua, no FR e no PB, é capaz de distinguir, significativamente, os segmentos orais de suas contrapartes nasais. Desta forma, a análise ultrassonográfica pode lançar novas luzes aos estudos de aquisição das vogais nasais francesas e contribuir, assim, com o ensino-aprendizagem dessa língua estrangeira.

Agradecimento

Agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento em Pesquisa (CNPq), por auxílio obtido por meio de Bolsa de Produtividade em Pesquisa e por meio do Processo n. 472225/2014-6.

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  • 1
    Foram consideradas produções orais de alunos de semestres distintos, ainda que nem sempre a relação entre semestre acadêmico e nível de proficiência possa ser estabelecida.
  • 2
    É importante salientar que, entre os logatomas, há algumas palavras, tanto no teste de francês, quanto no de português (“pápa e pampa”). Isso ocorreu porque, após a realização de uma primeira coleta - a qual foi posteriormente descartada -, verificou-se que a informante apresentava dificuldades em pronunciar os logatomas com três sílabas, como por exemplo papápa, para o PB. Assim, suprimiu-se a terceira sílaba de todos os logatomas, de forma que o padrão de tonicidade da língua ainda fosse mantido, logo, paroxítono para o português e oxítono para o francês. Destaca-se que, no caso do francês, as palavras são de baixa frequência, provavelmente desconhecidas para o grupo de aprendizes.
  • 3
    No caso de análises linguísticas, o tipo de sonda é selecionado de acordo com o tamanho do trato vocal do informante e com o alvo da pesquisa. Portanto, foram feitos testes a fim de identificar qual melhor se aplicava aos sujeitos e foi identificada a endocavitária como a de maior eficácia.
  • 4
    Não foi possível visualizar a borda da língua da informante em uma das repetições da vogal [o]. Logo, o dado foi descartado.
  • 5
    As imagens geradas pelo aparelho são transmitidas em escalas de cinza e preto, sendo que a presença de artefatos pode muitas vezes dificultar o aparecimento da borda da língua. Assim, os contornos somente foram feitos quando a imagem era realmente visível. Nesse sentido, apenas um dado - relativo à produção da nativa do PB - foi descartado, o que revela um bom êxito na obtenção das imagens.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2017
  • Aceito
    05 Jul 2017
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