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A justiça como parâmetro do governo: o Conselho de Governo e o Conselho Geral na província de Minas Gerais (1825-1834)1 1 A pesquisa que originou este artigo integra a tese de doutorado que defendi no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora com financiamento CAPES.

Justice as a Parameter for Government: Government Council and General Council in the Province of Minas Gerais (1825-1834)

Resumo:

Neste artigo, analisarei as dinâmicas institucionais dos Conselhos de Governo e dos Conselhos Gerais, instituições criadas nas províncias do Império em meio ao processo de emancipação política do Brasil, partindo, para tanto, de suas atuações na província de Minas Gerais entre 1825 e 1834. O objetivo será elucidar as lógicas de funcionamento interno dos Conselhos provinciais e as relações estabelecidas com outros agentes e instituições da administração pública e com a sociedade de maneira mais ampla. A partir da problemática da modulação e do exercício da autoridade, a análise baseou-se em três aspectos inter-relacionados: a composição e a dinâmica do expediente; o modus operandi que sustentava e buscava assegurar a legitimidade de suas resoluções; e, por fim, as relações de ordem-obediência, perpassadas pelo princípio da adesão, estabelecidas entre essas instituições e os empregados públicos e demais agentes destinatários de suas resoluções..

Palavras-Chave
Império do Brasil; Governo; Conselho de Governo; Conselho Geral

Abstract:

This article analyzes the institutional dynamics of the Government Councils and the General Councils, institutions created in the provinces of the Empire in the midst of the process of political emancipation of Brazil, based on their activities in the province of Minas Gerais between 1825 and 1834. My goal will be to elucidate the rules of internal operation in the Provincial Councils and the relations established with other agents and institutions of public administration and with society in general. Departing from the problem of modulation and of the exercise of authority, the analysis were based on three interrelated aspects: the composition and the dynamics of the operations in the councils; the modus operandi that sustained and sought to ensure the legitimacy of its own resolutions and, finally, the order-obedience relations, permeated by the idea of adherence, established between these institutions and the public servants, as well as other agents to whom their resolutions were addressed.

Keywords
Brazilian Empire; Government; Council of Government; General Council

Também não pertence a quem obedece o examinar os motivos, e consequências das ordens que se lhe dão para se decidir executá-la (quando emanam de legítima autoridade, são filhas de lei, e não envolvem responsabilidade do indivíduo que as executa) nem a boa ordem permite que se façam observações em tal caso antes de cumprir; porque - ordem - exige obediência, e não conselhos [...]. Não se presuma, contudo, que pretendemos estabelecer como regra, que as observações sejam sempre criminosas [...] porque a outros casos e sentido podem elas ter lugar, e ser mui convenientes [...]. Resumindo, pois, nossa opinião a tal respeito diremos em geral - que as observações que retardam ou impedem execução de ordens; são ordinariamente criminosas; observações que tem por fim a ilustração dos que governam, para bem se dirigirem na mareia do seu governo, e proveito comum, merecem louvor e atenção.2 2 O Universal. Ouro Preto. Ed. 30 de 23 de setembro de 1825.

Essas palavras integravam uma série de extratos reproduzidos nas folhas d’O Universal em 1825 sobre as primeiras virtudes sociais dos governantes e dos governados. Entre elas, eram enumeradas o “amor da pátria”, a “prudência”, a “modéstia” e a “submissão às leis e às autoridades”. O trecho citado, que tratava dessa última virtude, buscava definir o respeito à autoridade no valor terminante das ordens, que exigiriam “obediência, e não conselhos”. Mas, por outro lado, fazia-se no texto reservas significativas que apontavam para a conveniência do exame dos motivos e das consequências das ordens por parte de quem obedece, seja antes de sua execução - já que, como se depreende, esse exame não competiria apenas caso a ordem emanasse de legítima autoridade, fosse filha da lei e não envolvesse responsabilidade de quem a executa - ou se tivessem como fim “ilustrar” os que governam, o que mereceria mesmo, nesse caso, “louvor e atenção”.

Os enunciados apontavam para alguns dos entendimentos possíveis sobre a modulação e exercício da autoridade política, problemática essencial num contexto de “política generalizada” (PALTI, 2005PALTI, E. J. La invención de una legitimidad: razón y retórica en el pensamiento mexicano del siglo XIX (Un estudio sobre las formas del discurso político). México, D.F.: FCE, 2005., p. 57) como o do processo de emancipação política do Brasil. Quando os valores e normas fundamentais que constituíam a vida comum converteram-se em matéria de discussão e controvérsia, emergiram inúmeros questionamentos sobre os princípios básicos do poder e do ordenamento político que perpassavam, necessariamente, na tarefa de estabelecimento de um novo Estado soberano, pela constituição da autoridade.

Sabe-se que o conceito de autoridade, enquanto um fenômeno social e histórico, possui diferentes definições, muitas delas associadas diretamente aos problemas da governança. De maneira genérica, a autoridade pode ser considerada como um poder legítimo que carece de um mínimo de coerção para se fazer respeitado e obedecido. Como sugerem Opsomer & Ulacco (2016OPSOMER, J.; ULACCO, A. Epistemic authority in textual traditions: a model and some examples from ancient philosophy. In: BOODTS, S.; LEEMANS, J.; MEIJNS, B. (orgs). Shaping authority: how did a person become an authority in Antiquity, the Middle Ages and the Renaissance? Turnhout: Brepols, 2016. ), do ponto de vista ontológico, a autoridade, sempre relacional, se define por aqueles que atribuem autoridade, os que são investidos de autoridade e o domínio em que a atribuição ocorre. As variáveis inscritas nessa tripla relação, por seu turno, comportam, em realidade, diferentes possibilidades epistemológicas.

Considerando essa tríade, mas também a necessidade de recuperar os marcos que orientam e conferem inteligibilidade às práticas políticas e sociais num dado contexto, proponho, neste artigo, discutir a modulação e exercício de um tipo específico de autoridade por duas instituições criadas em meio ao processo de estabelecimento de um novo ordenamento político após a independência do Brasil, situada em uma realidade geográfica particular: a do Conselho de Governo e a do Conselho Geral na província de Minas Gerais e, em decorrência, a do governo provincial de maneira mais ampla.

Os Conselhos de Governo foram instituídos pela lei de 20 de outubro de 1823, que estabelecia provisoriamente uma nova forma de governo para as províncias do Império, criando em cada uma delas um Presidente, executor e administrador da província, cargo de nomeação do Imperador, e um Conselho eletivo encarregado dos “objetos” que demandassem “exame e juízo administrativo”. Seriam compostos por seis membros com no mínimo trinta anos de idade e seis anos de residência na província, e não poderiam ser eleitos o Presidente da província, o Comandante das Armas e o secretário de governo.3 3 BRASIL. Lei de 20 de outubro de 1823. In: BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil: leis da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887. Já os Conselhos Gerais foram criados pela Constituição de 1824 como reconhecimento e garantia do “direito de intervir todo o cidadão nos negócios de sua província”. Também eletivas - e compostas em Minas Gerais por 21 membros - essas instituições tinham por principal função constitucional propor, discutir, e deliberar sobre os negócios “mais interessantes das suas províncias, formando projetos peculiares, e acomodados às suas localidades, e urgências” a serem discutidos pelos Poderes Legislativo e Executivo como projetos de lei.4 4 BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Coleção das leis do Império do Brasil de 1824. Rio de janeiro: Imprensa Nacional, 1886. Longe de estáticos, os Conselhos de Governo e os Conselhos Gerais receberam progressivamente novas e especializadas competências a partir da legislação publicada no Primeiro Reinado e nos anos iniciais da Regência, até que, em 1834, deixaram de existir; os primeiros suprimidos pelo Regimento dos Presidentes de província de 3 de outubro de 1834, enquanto os segundos foram substituídos pelas Assembleias Legislativas provinciais com a promulgação do Ato Adicional de 1834.5 5 Os Conselhos de Governo e Conselhos Gerais foram instalados em todas as províncias do Império, com exceção do Rio de Janeiro.

Na província de Minas Gerais, o Conselho de Governo foi instalado em 1825 e contou com três mandatos (1825-1829, 1830-1833 e 1834). A instituição, juntamente com os Presidentes de província, atuou de maneira sistemática em diferentes áreas, sobretudo nos assuntos de polícia (e.g. a organização interna do território, a economia, a educação e a ordem pública), na verificação de resoluções municipais, nos assuntos de fazenda, nas carreiras dos empregados públicos, no juízo sobre agentes e instituições da “pública administração” e na organização e fiscalização de processos eleitorais. Já o Conselho Geral, instalado em 1828, funcionou por duas legislaturas (1828-1830 e 1830-1834) e tinha sua atuação centrada em duas frentes, uma dedicada à elaboração de propostas e representações de interesse da província, que careciam de encaminhamento dos Poderes Legislativo e Executivo, e outra de emissão de resoluções nas matérias de sua competência. Na província de Minas Gerais, as principais coordenadas de atuação do Conselho Geral compreendiam a recepção e análise de representações das câmaras municipais, a polícia e economia municipal, o exame da pública administração, a polícia (em âmbito provincial), os assuntos de fazenda e a formulação de representações e propostas sobre esses e outros domínios, como o complexo organizacional de governo e de justiça.

Esses Conselhos provinciais, durante o período de suas vigências, desempenharam um papel essencial na discussão e resolução de inúmeras matérias que integravam os domínios, no caso do primeiro, do que então se entendia ser a “pública administração” e, do segundo, dos “negócios mais interessantes” da província. Não sem motivos, acabaram por constituir-se como instâncias fundamentais da esfera de poder provincial no Primeiro Reinado e nos anos iniciais da Regência, verificando-se nas províncias do Império, a partir de suas atuações, um verdadeiro governo por conselhos.

Um governo por conselhos não era propriamente uma novidade do contexto pós-emancipação, pois remontava à longa experiência governativa do Antigo Regime português e a sua característica estrutura sinodal, calcada no princípio da prudentia iuris, que reforçava uma tradicional valoração da ponderação e do equilíbrio, a serem exercidos por semelhantes organismos colegiais, como mecanismos de decisão adequados (HESPANHA, 1994HESPANHA, A. M. Às vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal século XVII. Coimbra: Almedina, 1994., p. 286). Os Conselhos provinciais do Império do Brasil certamente inscreviam-se em uma ordem assentada em princípios constitucionais como o da separação entre os poderes, na valoração de um ideal legicentrista à moda francesa de um Estado baseado em leis concebidas na forma de normas gerais e abstratas enquanto expressões jurídicas da vontade geral. Contudo, muitos desses princípios e valores seriam percebidos, como argumentarei, a partir de uma orientação marcada por concepções jurisdicionais sobre o exercício do poder político cuja cultura institucional acabaria por tornar-se basilar para os entendimentos sobre as funções do governo, para a definição dos mecanismos e procedimentos a serem empregados e, de maneira geral, para a própria formação de suas autoridades.

Composição e dinâmica do expediente

A composição do expediente do Conselho de Governo da província de Minas Gerais se dava tanto a partir da iniciativa interna e individual de conselheiros que, em sessão, elaborassem indicações e requerimentos, quanto do expediente previamente definido, ou seja, da apresentação, pelo Presidente de província e/ou pelo secretário de governo, das demandas a considerar, meio que ocupava a maior parcela da atuação da instituição na província de Minas Gerais. A título de comparação, entre as decisões aprovadas pelo Presidente em Conselho na província, apenas 8,4% eram de origem interna, isto é, haviam partido de uma indicação ou requerimento dos membros da instituição, forma que de modo geral se associava, ainda que não exclusivamente, a iniciativas voluntárias dos conselheiros.6 6 Os dados e informações sobre a composição e dinâmica do expediente do Conselho de Governo são baseados em: MINAS Gerais. Diários do Conselho de Governo da província de Minas Gerais do ano 1825. Ouro Preto: Oficina Patrícia do Universal, 1825 (doravante DCG [1825]); MINAS Gerais. Actas das Sessões do Conselho do Governo da província de Minas Gerais do ano de 1828. Ouro Preto: Typografia de Silva, 1828 (doravante ASCG [1828]); Arquivo Público Mineiro, Fundo Seção Provincial (doravante APM SP) APM SP 33; APM SP 38; APM SP 64; APM SP 76; APM SP 86; APM SP 90; APM SP 93; APM SP 97; APM SP 98; APM SP 100; APM SP 103; APM SP 122; APM SP 123.

O expediente prévio consistia na exposição da necessidade de decisões do Conselho para a positiva execução de determinada lei ou ordem superiores e também da apresentação das inúmeras representações, requerimentos, queixas e solicitações remetidas pelos empregados públicos ou por particulares. A proporcionalidade dessas vias de composição foi variável ao longo do período de vigência do Conselho de Governo. As deliberações relativas propriamente à necessidade de colocar-se em execução as leis e ordens específicas que demandavam resoluções do Presidente em Conselho (como relativas à montagem dos aparatos de fazenda, de justiça e de segurança ou a nomeação de empregados públicos), e as matérias a elas afeitas, foram, como era de se esperar, progressivamente ocupando maiores espaços nos trabalhos da instituição à medida que cada vez mais novas e especializadas competências lhes eram designadas pela legislação imperial. Já a apresentação de demandas, como as queixas, requerimentos e os pedidos de informação, direcionamento e esclarecimento, foram, durante todo o período considerado, uma das principais vias de definição dos trabalhos do Conselho de Governo mineiro.

Para tratar de todas as matérias que compunham seu expediente, o Conselho de Governo da província de Minas Gerais valia-se de duas práticas de ponderação distintas.

Uma delas, de caráter mais individual, consistia na apresentação de votos particulares ou pareceres, opiniões privativas emitidas pelos conselheiros sobre determinada matéria. A princípio, a divisão desses assuntos era realizada no início das sessões ordinárias, quando se distribuíam pelos conselheiros presentes as matérias sobre as quais ficariam encarregados. Essa distribuição, ainda que dificilmente executada fiel e continuamente, buscava obedecer a uma lógica, característica nesse tipo de instituição coletiva, relativa às especialidades de seus membros. Havia, sem configurar-se, contudo, como regra fixa, uma tendência a designar para cada conselheiro os assuntos sobre os quais entendia-se que ele era habilitado. Tais escolhas - que poderiam referir-se a suas localidades de origem (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, C. E. F. de. Construtores do Império, defensores da província: São Paulo e Minas Gerais na formação do Estado nacional e dos poderes locais, 1823-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014., p. 92), à uma experiência específica em determinada área, à atuação profissional ou ao prestígio junto aos outros membros da instituição - não eram, por outro lado, imutáveis e poderiam variar, também, de acordo com suas trajetórias pessoais.

A atuação individual dos conselheiros de governo da província de Minas Gerais, fosse na apresentação de indicações e requerimentos de iniciativa própria ou na emissão de votos pessoais, também variou de acordo com o conselheiro em questão. Para isso contribuíam diferentes fatores, a saber, suas posições dentro da instituição, suas estratégias individuais de participação ou mesmo a assiduidade nas sessões, além dos diferentes entendimentos, não necessariamente excludentes, sobre as funções que deveriam ser desempenhadas pelo Conselho de Governo e, nesse sentido, sobre as próprias finalidades do governo provincial.

Entre os cinquenta e um cidadãos que tomaram assento efetivamente no Conselho de Governo mineiro entre 1825 e 1834, houve aqueles que deixaram seus nomes registrados apenas como assinaturas no final das atas de cada sessão - prática obrigatória à vista da responsabilidade que lhes cabia - já que suas participações se circunscreveram às votações não nominais, pronunciando-se, quando muito, nas discussões coletivas de aprovação ou não das resoluções. Por outro lado, para além daqueles com uma participação individual situada num nível relativamente intermediário, outros conselheiros tiveram performances individuais de destaque, seja na apresentação de votos, na proposição de indicações e requerimentos ou em ambos. Essas participações, não obstante, foram significativamente diversas em suas formas. Exemplar disso é a atuação dos conselheiros Theotônio Álvares de Oliveira Maciel e Bernardo Pereira de Vasconcellos, os dois nomes mais recorrentes nos registros deixados pela instituição. O primeiro emitiu pouco mais que 200 votos, mas, por outro lado, durante as nove reuniões que participou, apresentou menos de uma dezena de indicações de iniciativa interna. Já Bernardo Pereira de Vasconcellos subscreveu por volta de 270 resoluções, mais da metade delas a partir de requerimentos ou indicações, números que refletem seus esforços para projetar e executar um programa próprio no âmbito da instituição.

Não obstante, apesar da expressividade do número de pareceres emitidos pelos conselheiros de governo, bem como de algumas iniciativas internas, o principal procedimento de tomada de resolução do Conselho de Governo mineiro era o de análise e resolução de maneira coletiva e imediata da apresentação da matéria a ser discutida, que, em realidade, caracterizava de maneira bastante concreta os trabalhos da instituição, perfazendo quase 80% das resoluções aprovadas em Minas Gerais entre 1825 e 1834, aspecto que, como indicarei, reflete fundamentos basilares do modus operandi dessa instituição.

Quanto ao Conselho Geral, as formas de composição do expediente eram as mesmas observadas no Conselho de Governo. Ou seja, as decisões e projetos poderiam se originar a partir da iniciativa interna dos conselheiros via indicações ou requerimentos - individualmente ou particularmente recorrente no caso dessa outra instituição a partir das comissões - ou, inversamente, ter origem diretamente associada às demandas externas apresentadas à sua consideração, previstas ou não por lei.7 7 Os dados e informações sobre a composição e dinâmica do expediente do Conselho Geral são baseados em: Arquivo Público Mineiro, Fundo Conselho Geral de Província (doravante APM CGP), Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 1: Presidência da Províncias (notação APM CGP¹1), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07; APM CGP Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 2: Câmaras Municipais (notação APM CGP12), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15; APM CGP Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 3: Governo Imperial e outras províncias (notação APM CGP¹3), cx. 01; APM CGP Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 4: Diversos (notação APM CGP¹4), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06; APM CGP Série 2: Correspondência Expedida (notação APM CGP2), cx. 01; APM CGP Série 3: Documentação Interna, Subsérie 1: Atas (notação APM CGP³1), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06; APM CGP Série 3: Documentação Interna, Subsérie 2: Propostas, pareceres, resoluções, orçamentos, correspondência interna (notação APM CGP³2), cxs. 01, 02, 03, 04, 05; APM CGP 01; APM CGP 04; APM CGP 05; APM CGP 06; APM CGP 07; APM CGP 08; MINAS GERAIS. Collecção dos diários do Concelho Geral da Província de Minas Geraes. Imperial Cidade de Ouro Preto: Typografia do Universal, 1830-1832 (doravante CDCG [1830- 1832]); MINAS Gerais. Collecção dos diários do Concelho Geral da Província de Minas Geraes. Imperial Cidade de Ouro Preto: Typografia do Universal, 1833-1834 (doravante CDCG [1833-1834]).

O regímen de funcionamento do Conselho Geral, contudo, era significativamente distinto daquele observado no Conselho de Governo, aproximando-se, antes, dos protocolos verificados na Assembleia Geral, e atendia, de perto, as determinações constantes na Constituição de 1824 e no Regimento de 27 de agosto de 1828, que regulamentava seus trabalhos. Do ponto de vista do processo de discussão e decisório, o Conselho Geral obedecia, grosso modo, a duas diligências. Na forma dos detalhes protocolares estabelecidos pela Constituição e pelo Regimento, e de sua adaptação à práxis, as propostas e representações, as duas formas diplomáticas de comunicação entre o Conselho Geral e o poder central, deveriam passar obrigatoriamente por duas leituras para entrar na ordem dos trabalhos8 8 Conselho Geral. Sessão de 20 de dezembro de 1828. APM CGP 01. e por três distintas discussões. As decisões associadas a simples indicações e requerimentos ou pareceres que resultavam em resoluções, por sua parte, possuíam particularidades na forma de discussão e aprovação, forjadas pela instituição na província de Minas Gerais - e, ao que parece, também em outras províncias (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, C. E. F. de. Construtores do Império, defensores da província: São Paulo e Minas Gerais na formação do Estado nacional e dos poderes locais, 1823-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, N. de C. G. O Conselho Geral de província: espaço de experiência política na Bahia 1828-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.). Indicações e requerimentos relacionados ao funcionamento e tramitação interna ou direcionados às exigências de informações poderiam obter aprovação imediata a sua apresentação, desde que não houvesse pedido de adiamento por parte de algum conselheiro. O mesmo ocorria com os pareceres das Comissões (e mesmo com indicações ou requerimentos) que continham propostas de resolução. Na prática, essas resoluções ocupavam a maior parte das decisões do Conselho Geral na província de Minas Gerais.

Ainda, uma particularidade essencial para compreensão da dinâmica de funcionamento do Conselho Geral é que ela se dava sobretudo a partir do trabalho das comissões permanentes previstas pelo Regimento e das comissões especiais, frequentes a ponto de se tornarem quase permanentes já que eram criadas ininterruptamente nas sessões dessas instituições em Minas e também nas demais províncias do Império como São Paulo e Bahia (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, C. E. F. de. Construtores do Império, defensores da província: São Paulo e Minas Gerais na formação do Estado nacional e dos poderes locais, 1823-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, N. de C. G. O Conselho Geral de província: espaço de experiência política na Bahia 1828-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.). Considerando-se apenas as resoluções e as representações e propostas aprovadas efetivamente pelo Conselho Geral mineiro que me foi possível consultar, identifiquei que por volta 70% delas o foram a partir dos trabalhos das Comissões e, portanto, pouco menos de 30%, a partir de atuações particularizadas dos conselheiros.

Para o Conselho Geral, convém demarcar uma distinção entre as formas de participação; neste caso, sobretudo, entre a atuação particular (ou seja, aqui, extracomissão) e a atuação via comissões. Se Bernardo Pereira de Vasconcellos frequentou ambas as frentes com destaque, Francisco de Assis de Azeredo Coutinho, individualmente, apresentou menos de duas dezenas de indicações ou requerimentos mas, como membro da Comissão de Contas, de Orçamento, de Poderes, de Polícia, de Representações ou da Comissão Especial de Análise do Discurso da Presidência, subscreveu aproximadamente 234 pareceres, resoluções ou proposições em geral.

Igualmente, a forma de atuação extracomissão, ainda que não abarque a totalidade das iniciativas de origem interna do Conselho Geral, guarda com elas importantes paralelos. Das decisões aprovadas a partir de iniciativas de origem interna, 78,72% são associadas à atuação individual dos conselheiros.

Com isso, pode-se discutir uma questão não menos importante. As decisões qualificadas de iniciativa interna, via de regra, eram apresentadas também no Conselho Geral a partir de indicações e requerimentos. Muitas associavam-se ao funcionamento e à tramitação interna, como as sugestões para criação de comissões. Mas também envolviam simples resoluções, como exigências de informação de alguma autoridade ou emissão de circulares recomendando a observância de uma lei ou procedimento e, num outro nível de atuação, projetos de proposta ou de representação elaborados pelos conselheiros, individualmente ou via comissão, os quais, não raro, eram precedidos, contudo, daquelas exigências de informação prévias.

No âmbito do Conselho Geral, se verificam muito mais iniciativas de origem interna e inclusive voluntária ou espontânea9 9 Convém demarcar que todas as resoluções, propostas ou representações do Conselho Geral (individuais ou via comissões) ou do Conselho de Governo categorizadas como de iniciativa interna nem sempre correspondiam a iniciativas espontâneas, ainda que guardem com elas importantes relações, já que poderiam ter se inspirado em uma demanda externa sem que a vinculação tenha sido demarcada de maneira direta na documentação. em termos comparativos com o Conselho de Governo. Para além das constantes intervenções nas discussões - a partir da elaboração de emendas, aditamentos e supressões, que não foram incluídos nesses valores apresentados - os conselheiros gerais desempenharam uma atuação propositiva significativa. E esse dado coaduna-se perfeitamente com a função fundamental dos Conselhos Gerais na forma da Constituição de 1824, ou seja, a de formar projetos peculiares e acomodados a suas localidades e urgências. Mas talvez justamente por isso seja surpreendente que, embora a atuação de iniciativa interna fosse demarcada no Conselho Geral, ela perfaz apenas 36,8% das decisões aprovadas pela instituição na província de Minas Gerais, o que reflete, também, a importância das funções determinadas por leis posteriores, sobretudo, pela de 1º de outubro de 1828, e da afluência de demandas externas submetidas a sua consideração.

Essa proporcionalidade sobe se considerarmos apenas as representações e propostas. A partir de um cruzamento das correspondências recebidas, atas da instituição, pareceres, avulsos, livros de pareceres, representações, propostas e, principalmente, da análise dos discursos de preâmbulo e das discussões entre os conselheiros, é possível estimar que cerca de 57,59% daquelas aprovadas pelo Conselho Geral da província de Minas Gerais tiveram origem em um requerimento ou indicação de um conselheiro ou de uma comissão, ou das sugestões da presidência da província em seus relatórios quando da instalação do Conselho Geral. Por outro lado, também no campo das propostas e representações, para além da significativa convergência temática entre elas e as demandas apresentadas externamente ao Conselho Geral, é patente a expressividade daquelas que resultaram diretamente da depuração e/ou sistematização de proposições, queixas, requerimentos e informações apresentados pelas demais autoridades - sobretudo, nesse caso, pelas câmaras municipais - ou pelos “Povos” e “cidadãos” da província e por vezes, por ter sido especificamente demandado pela Assembleia Geral ou governo imperial.

O Conselho de Governo e o Conselho Geral possuíam particularidades significativas do ponto de vista protocolar de seus expedientes, sobretudo pela diferenciação quanto ao trabalho via comissões, ritos de discussão e ênfase, no caso do Conselho Geral, na elaboração de propostas e representações. Contudo, nas duas instituições, a recepção e resposta das questões apresentadas a suas considerações pelas autoridades públicas e pelos particulares, especificamente previsto ou não por lei, ocupavam, em muito, os seus esforços. Inúmeros empregados públicos, instituições e também particulares recorriam ao Conselho de Governo e/ou ao Conselho Geral da província para tratar de uma grande variedade de assuntos e questões, refletindo-se, nesses atos, o reconhecimento ou a aquiescência à autoridade dessas instituições como instâncias legítimas, o que acabava por contribuir, além do mais, para a própria constituição da esfera provincial como locus de poder. Também, de maneira significativa, a escolha do Presidente e Conselho de Governo ou do Conselho Geral por parte dos empregados públicos ou dos “povos” e “cidadãos” da província como interlocutores se relacionava a “vazios” institucionais, bem como a uma percepção dessas instituições, na esteira de práticas políticas e sociais arraigadas de longa data, como instâncias superiores e/ou competentes a serem mobilizadas em busca de amparo e garantia de justiça.10 10 Nessa perspectiva, especialmente no caso das petições dos “cidadãos”, ver VIEIRA, 1992 e PEREIRA, 2010.

Modus Operandi

Em que pesem as especificidades indicadas, ao fim, o Conselho de Governo e o Conselho Geral adotavam suas decisões (e proposições) de maneira colegiada sob a égide da composição de pontos de vista enquanto forma privilegiada para definir e alcançar o “bem geral” da província. E, na tomada de suas decisões, prevaleciam práticas de ponderação calcadas em análises circunstanciadas e particularizadas. Esse padrão era observado na grande maioria das áreas de intervenção dessas instituições, sendo escusado apenas em determinadas circunstâncias bem específicas. Trata-se de modus operandi assentado numa prática tradicional dos Conselhos e Tribunais característicos da arte de governar das monarquias corporativas de Antigo Regime, que, a partir das consultas das partes, integrava os sujeitos e corpos na tomada das decisões políticas. Como já destacado por Andréa Slemian (2019SLEMIAN, A. Pelos “negócios da província”: apontamentos sobre o governo e a administração no Império do Brasil (1822-1834). Outros Tempos, v. 16, n. 27, p. 252-275, 2019.), um modelo de governo que encontra um evidente exemplo no Conselho Ultramarino português.

Nessas instituições, antes de emitir-se uma decisão final sobre qualquer assunto, buscava-se obter um detalhado conhecimento de cada caso específico, e se procedia a uma minuciosa investigação e averiguação, solicitando-se informações de diferentes autoridades a eles afeitas ou avaliações de outras que, justamente por estarem apartadas, poderiam emitir juízos não suplantados pelas “paixões” e “interesses particulares”. Com isso, uma parcela considerável das resoluções dos Conselhos na província de Minas Gerais eram exigências de informações junto às instituições e empregados públicos e interpelações daqueles eventualmente envolvidos nos projetos elaborados ou nas contendas e solicitações apresentadas, de modo a dar suas versões do ocorrido ou suas opiniões sobre a conveniência ou não de determinada deliberação. As resoluções do Conselho de Governo e do Conselho Geral - e mesmo suas representações e propostas - buscavam ser, via de regra, pautadas mais no consenso e na negociação do que em uma atuação imperativa, o que se corporificava em uma série de resoluções de consultas e audiências de partes.

Havia neles, decerto, um entendimento do governo provincial no sentido de uma instância de ação voluntária que projeta e satisfaz “interesses próprios”, que formula e realiza programas11 11 Sobre essa concepção de governo e administração e, particularmente, sua vinculação ao “Estado de Polícia” ver MANNORI; SORDI, 2004 e SUBTIL, 2011. , bem como atuações individuais de conselheiros significativamente assim direcionadas, especialmente entre aqueles da “nova guarda”. São inegáveis, a meu ver, os esforços empreendidos pelo Conselho de Governo e pelo Conselho Geral da província de Minas Gerais para se reafirmarem como primeiras instâncias de definição do bem-comum da província, e o desempenho de uma atividade que buscava intervir, a partir de diferentes meios e recursos, em sua projeção e realização, ou seja, de entendimentos sobre as funções do governo que apontavam para uma compreensão mais projetista, imperativa, voluntarista e ativa do governo ou administração enquanto uma atividade de realização do interesse público, que ganhara espaço, desde o século precedente, com o chamado Estado de Polícia (MANNORI; SORDI, 2004; GARRIGA, 2008GARRIGA, C. Gobierno y Justicia: el gobierno de la justicia. Cuadernos de Derecho Judicial, n. 7, p. 45-113, 2008.; SUBTIL, 2011SUBTIL, J. M L. L. Actores, territórios e redes de poder, entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Curitiba: Juruá Editora, 2011.). Do mesmo modo, não pode ser obliterada a importância de uma atuação mais “executiva” do Conselho de Governo, que marcava sobremaneira algumas de suas áreas de competência (como a nomeação e provimento de empregados públicos), bem como aquela do Conselho Geral, voltada mais diretamente para a proposição legislativa.

Mas, em definitivo, arbitrar e resolver conflitos, averiguar os ilícitos e direcionar e disciplinar as demais autoridades públicas para o bom desempenho de suas funções eram atividades entendidas como primordiais para a atuação do governo, e um dos principais mecanismos pelos quais suas ingerências nos “negócios da província” se concretizariam.

Esse aspecto, em certo sentido, associava-se às próprias coordenadas de atuação dos Conselhos provinciais, como dito, sobremaneira fundamentadas na recepção de petições e em seu tratamento. Nesse sentido, cumpre adicionar uma informação não menos relevante. Ainda que fossem múltiplas as demandas apresentadas via petições - que incluíam, por exemplo, a criação de vilas ou de escolas, requerimentos para nomeação de cargos e ofícios, solicitações de recursos financeiros ou de autorização para feitura de uma determinada obra - eram recorrentes as queixas contra atos e/ou agentes da pública administração e, por vezes, até mesmo relativas a conflitos entre particulares, algo observável também nessas instituições em outras províncias (SILVA, 2014SILVA, A. R. C. da. Império, província e periferia. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, v. L, n. 2, p. 34-51, 2014.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, C. E. F. de. Construtores do Império, defensores da província: São Paulo e Minas Gerais na formação do Estado nacional e dos poderes locais, 1823-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; MACHADO, 2015MACHADO, A. R. de A. O Conselho Geral da Província do Pará e a definição da política indigenista no Império do Brasil (1829-31). Almanack, Guarulhos, n. 10, p. 409-464, 2015. ). Era predominante entre os conselheiros o entendimento de que o tratamento dos queixumes demandava a realização das chamadas “audiências de partes” e uma averiguação circunstanciada de cada queixa apresentada, como previa, inclusive, a legislação imperial. Nesses casos, o Conselho de Governo e Conselho Geral mineiros adotavam, muitas vezes, procedimentos que se equiparavam juridicamente às simples querelas, forma significativamente presente nos trabalhos dessas instituições (SLEMIAN, 2019SLEMIAN, A. Pelos “negócios da província”: apontamentos sobre o governo e a administração no Império do Brasil (1822-1834). Outros Tempos, v. 16, n. 27, p. 252-275, 2019., FERNANDES, 2018FERNANDES, R. S. As províncias do Império e o “governo por conselhos”: o Conselho de Governo e o Conselho Geral de Minas Gerais (1825-1834). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018.).

Contudo, esse modus operandi não se restringia ao tratamento das queixas e denúncias. Do ponto de vista dos procedimentos empregados, ainda que se considerando como os primeiros definidores do interesse público, o Conselho de Governo e o Conselho Geral não prescindiam de “técnicas de gestão”12 12 No sentido em que a expressão é empregada por Pedro Cardim (2005, p. 57). arbitrais e negociadas, tidas por fundamento geral de suas práticas institucionais, independente da matéria em questão. No caso das consultas, o procedimento também se associava às possibilidades concretas de aquisição dos saberes necessários em consonância com os novos parâmetros de racionalidade que cada vez mais se impunham à arte de governar. Mas, não menos significativo, nos Conselhos provinciais as consultas assumiam a forma de reconhecimento das mais autoridades públicas - e particularmente das tradicionais corporações - como partícipes natos das definições do bem-comum da província, a serem consultados em sua formulação, assim como encarregados de sua concretização.13 13 Uma constatação semelhante já foi amplamente discutida para o caso da América Espanhola no que toca ao ordenamento gaditano (ANNINO, 1995). A atuação dessas instituições, reafirmo, era sobremaneira direcionada a orientar outros sujeitos públicos no cumprimento de suas funções14 14 Algo que, reforço, se coaduna com preceitos pertinentes àquele “Estado de Polícia” como definem MANNORI ; SORDI, 2004, p. 75. e, mesmo quando relativas à projeção e concretização de programas e projetos próprios, não se furtava da observância daquele modus operandi.

Para compreender esses aspectos, é preciso ter em vista que muitos dos entendimentos correntes nesse contexto sobre as funções do governo (e da administração) estavam arraigados em concepções jurisdicionais sobre o exercício do poder político.

Na cultura do ius commune as manifestações do poder eram concebidas como funções do poder jurisdicional. Como já destacado por autores como Jesus Vallejo e Pedro Cardim, iurisdictio era não apenas o poder exercido no espaço público - distinto do poder privado do espaço doméstico - mas também o poder considerado legítimo (CARDIM, 2005CARDIM, P. “Administração” e “governo”: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, M. F.; FERLINI, V. L. A. (orgs.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império Português, séculos XVI a XIX. 2a. ed. São Paulo: Alameda, 2005., p. 45-68). A jurisdição era a “potestad legítima y pública consistente en decir el derecho y establecer la equidad” (VALLEJO, 2003VALLEJO, J. Derecho como cultura. Equidad y orden desde la óptica del ius commune. In: DE DIOS, S. (org.). Historia de la propiedad. Patrimonio cultural. Madrid: SECR, 2003., p. 63). A centralidade conferida à iurisdictio fazia, nos termos de Pedro Cardim, com que “a atividade do poder fosse entendida como algo que estava orientado para a resolução de um conflito entre esferas de interesse, conflito esse que a autoridade resolvia fazendo justiça” (CARDIM, 2005CARDIM, P. “Administração” e “governo”: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, M. F.; FERLINI, V. L. A. (orgs.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império Português, séculos XVI a XIX. 2a. ed. São Paulo: Alameda, 2005., p. 55).

A função do poder público não era a de estabelecer ou criar a ordem, mas a de fazer Justiça, mantendo a ordem social e política estabelecida e assegurando a cada um o que lhe era devido (HESPANHA, 1993HESPANHA, A. M. Justiça e administração entre o Antigo Regime e a Revolução. In: HESPANHA, A. M. (Org.). Justiça e litigiosidade - História e prospectiva. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1993.; CARDIM, 1998; GARRIGA, 2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007.). Disso decorria que as atividades do poder político fossem sempre mais conservativas e arbitrais do que propriamente executivas. Na tradição do ius commune, o conflito e o processo eram os marcos dentro dos quais as decisões deveriam ser tomadas, pois disso dependia mesmo a legitimidade do exercício da autoridade (MANNORI; SORDI, 2004, p. 71-72), e a iurisdictio vinculava-se umbilicalmente aos “conteúdos da justiça e às formas do juízo” (CARDIM, 2005CARDIM, P. “Administração” e “governo”: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, M. F.; FERLINI, V. L. A. (orgs.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império Português, séculos XVI a XIX. 2a. ed. São Paulo: Alameda, 2005., p. 54).

É preciso lembrar, com Carlos Garriga (2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007.), que a ordem jurídica jurisdicional era tradicional, pluralista e marcada pela preeminência da religião. O direito, entendido como declaração de uma ordem superior e indisponível, estava integrado por diferentes corpos com origens e normatividades diferentes, um pluralismo jurídico caracterizado, como destacado por António Manuel Hespanha (2012HESPANHA, A. M. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Coimbra: Almedina, 2012.), tanto pela multiplicidade de jurisdições como de fontes do direito. Essa também era uma ordem jurídica probabilista, na qual a função do jurista era a “interpretación de un orden dado” e o direito era “construido caso a caso mediante la tópica” (GARRIGA, 2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007., p. 64). Daí também advém a importância da tradição retórica na constituição do gênero judiciário e na própria concepção do direito e do poder político. Nos termos de Elias José Palti, “el régimen veritativo aquí en funcionamiento no es el de epistēmē, sino el de phrōnesis: el conocimiento práctico de las circunstancias relevantes para el tema en cuestión y las condiciones particulares de contención” (PALTI, 2005PALTI, E. J. La invención de una legitimidad: razón y retórica en el pensamiento mexicano del siglo XIX (Un estudio sobre las formas del discurso político). México, D.F.: FCE, 2005., p. 53).15 15 O conjunto de procedimentos retóricos era socialmente compartilhado por meio de práticas escritas e oralizadas presentes em sermões, cartas, falas comemorativas, poesias, etc., ultrapassando o domínio estrito dos juristas. No âmbito do Império Português, por exemplo, o ensino da retórica não se restringia aos estudos superiores e estava presente também nos chamados “estudos menores” (CARVALHO, 2000).

Como se sabe, no universo teológico-político de Antigo Regime, já se esboçara uma separação entre o judicial e o governativo, entre jurisdição e imperium (CARDIM, 2005CARDIM, P. “Administração” e “governo”: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, M. F.; FERLINI, V. L. A. (orgs.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império Português, séculos XVI a XIX. 2a. ed. São Paulo: Alameda, 2005.; GARRIGA, 2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007.; MANNORI; SORDI, 2004). Mas, imperium e iurisdictio mantinham uma íntima relação e, por isso, mesmo os atos de poder compreendidos como imperium permaneciam sujeitos aos requisitos básicos de um iustum iudicium, que abrangia a “audição prévia dos interessados” e “uma averiguação metódica da situação” (HESPANHA, 1993HESPANHA, A. M. Justiça e administração entre o Antigo Regime e a Revolução. In: HESPANHA, A. M. (Org.). Justiça e litigiosidade - História e prospectiva. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1993., p. 386). As atividades do governo eram exercidas de acordo com métodos característicos da ordem judiciária e de um processo de decisão “regulado ou metódico” baseado no iudicium, entendido genericamente como “exame e deliberação”, que se opunha ao arbitrium, assim como a ratio a voluntas (HESPANHA, 1993HESPANHA, A. M. Justiça e administração entre o Antigo Regime e a Revolução. In: HESPANHA, A. M. (Org.). Justiça e litigiosidade - História e prospectiva. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1993., p. 396). Até mesmo porque, como já ressaltou Carlos Garriga, o governativo podia comutar-se em contencioso mediante a simples oposição daqueles que se considerassem agravados e pleiteassem judicialmente uma reparação, o que fazia com que todos os atos de governo tivessem certo caráter provisório, pois podiam ser revistos mediante a justiça. As autoridades governativas, nessa direção, eram orientadas a atuar de forma consensual e não unilateral e imperativamente, e o governo também promovia audiências entre as partes, buscava ouvir os interessados ou aqueles que pudessem informar antes de tomar as decisões (GARRIGA, 2008GARRIGA, C. Gobierno y Justicia: el gobierno de la justicia. Cuadernos de Derecho Judicial, n. 7, p. 45-113, 2008., p. 69). A estrutura sinodal e o governo por conselhos respeitava precisamente a natureza tópica característica dessa concepção jurisdicionalista do poder (GARCIA, 2002GARCIA, A. R. Cambio dinástico en España: ilustración, absolutismo y reforma administrativa. In: BELLO, E. ; RIVERA, A. (orgs.). La Actitud Ilustrada. Valencia: Biblioteca Valenciana, 2002., p. 217).

É assente na literatura especializada que, com as reformas verificadas em diferentes espaços políticos especialmente a partir de meados do século XVIII, a administração cada vez mais se emanciparia da tradicional forma da iurisdictio. Como assinala José Subtil, com a ciência da polícia e com o cameralismo, o governo da economia (da família) deslocou-se para a política (Estado), que passou, assim, a se ocupar dos habitantes, da riqueza do reino, dos comportamentos coletivos, etc. Tratava-se da emergência de uma administração mais ativa que se baseava em um “novo imperativo ético”, não mais assentado apenas na “justiça”, mas também no dever de “zelar pelo bem-estar e a felicidade dos súditos” (SUBTIL, 2011SUBTIL, J. M L. L. Actores, territórios e redes de poder, entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Curitiba: Juruá Editora, 2011., p. 258-261).

Contudo, como denotam diferentes autores, essa mudança de paradigma não seria de imediata consumação. Há aqueles, como Mannori & Sordi (2004), que enfatizam que a instituição de uma prática de administração mais ativa - como no chamado Estado de Polícia - se deu no próprio âmbito do “sistema jurisdicionalista”. Inúmeras pesquisas também têm denotado que a tradição jurisdicional continuaria a ecoar, em diferentes sentidos, nos regimes constitucionais oriundos das revoluções que abalaram o mundo ocidental entre finais do século XVIII e princípios do século XIX, não constituindo-se o Império do Brasil, e as instituições provinciais do pós-emancipação, exceção (CLAVERO, 2007; GARRIGA; LORENTE, 2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007.; GARRIGA; SLEMIAN, 2013GARRIGA, C.; SLEMIAN, A. “Em trajes brasileiros”: justiça e constituição na América ibérica (c. 1750-1850). Revista de História, USP, n. 169, p. 181-221, 2013.).

No contexto aqui considerado, as concepções jurisdicionais sobre as funções do poder político ajudam a explicar a grande afluência de queixas, requerimentos e representações submetidos à consideração do Conselho de Governo e do Conselho Geral por empregados públicos e por particulares, e suas importâncias na composição dos expedientes dessas instituições, bem como suas posturas - ao menos em Minas Gerais - de sempre considerar as demandas apresentadas como assuntos legítimos a serem discutidos em suas sessões, ainda quando emitissem sobre elas apenas pareceres meramente formais. O mesmo ocorre com o modus operandi observado nos Conselhos provinciais. Como tradicionalmente característico desse tipo de instituição coletiva, ele centrava-se na natureza tópica, argumentativa e contraditória e, de maneira geral, em lógicas que remetiam a práticas e vocábulos comuns ao gênero judiciário - e aos procedimentos a ele associados como necessários ao exercício do poder público -, que acabavam servindo como referenciais fundamentais para as atuações institucionais dos Conselhos.

Além disso, ainda é preciso ter em vista que, como assinalado por Andréa Slemian e Carlos Garriga (2013GARRIGA, C.; SLEMIAN, A. “Em trajes brasileiros”: justiça e constituição na América ibérica (c. 1750-1850). Revista de História, USP, n. 169, p. 181-221, 2013., p. 205), no Império do Brasil, assim como na América Espanhola, as novas leis e códigos produzidos pelo corpo legislativo se integrariam àquela ordem tradicional e pluralista, competindo mesmo com o conjunto normativo já existente para prevalecer. Uma das implicações disso é que também no âmbito do governo, ao menos como o entendiam os conselheiros mineiros, a consulta às diversas leis, ordens e costumes do “direito tradicional”, às novas disposições legislativas e o esforço de conciliação entre as distintas fontes de direito e os “princípios constitucionais” eram procedimentos necessários para a tomada de suas decisões (e condicionantes de suas observâncias). Ainda mais relevante, por essa vereda, o Conselho de Governo e o Conselho Geral, encarregados de assegurar nas províncias a observância das leis e da Constituição, acabavam por adentrar no tênue campo de definição, para usar termos então correntes, do “espírito” ou “dedução” dos “sentidos” da Constituição e das leis. Com isso, exerciam uma tarefa regulamentar que pretendia garantir suas “boas execuções”, o que lhes permitiria, inclusive, ainda que em meio a controvérsias, emitir resoluções que buscavam até mesmo “interpretar” a Constituição e as leis, suprir eventuais lacunas legais ou decidir a aplicabilidade de uma dada norma diante das questões apresentadas a suas considerações, ainda que, em definitivo, não fossem dotados de Poder Legislativo ou Judicial.

Assim, por exemplo, um Conselho de Governo extraordinário discutiu longamente uma representação da câmara de Ouro Preto que consultava o governo provincial sobre a legalidade da feitura de despesas com a festividade de Corpo de Deus - “como era prática” - face ao art. 74 da lei de 1º de outubro de 1828. Nas discussões, apesar de reconhecer-se que não havia artigo naquela lei que autorizasse despesas com festividades, o conselheiro Joaquim José da Silva Brandão argumentou que, diante da lei de 20 de outubro de 1823, que mandava observar no Império as leis e ordens anteriores à emancipação, considerava que o art. 74 da lei de 1º de outubro não “vedava” mas antes permitia a continuação das despesas com festividades, pois, como afirmava, não haveria nenhuma determinação expressa que as proibissem. Já o conselheiro Manoel José Monteiro de Barros considerava que o art. 90 do regimento das câmaras municipais objetava esse entendimento e que, por isso, seria necessária uma autorização especial para a feitura desses gastos, a qual, contudo, deveria ser dada “merecendo estes atos toda a contemplação”. Ao fim, o Conselho de Governo adotou esses pareceres por não haver tempo de decisão superior. Também resolveu participar tanto ao governo central como à câmara, que o Conselho se conformava inteiramente com a disposição da Constituição de 1824, que declarava competir somente ao Poder Legislativo fazer, interpretar e revogar as leis, e que, em sua decisão, a instituição apenas expusera considerações “deduzidas” da Constituição, que reconhecia a religião católica como a religião do Império, e que a religião católica aprovava as festividades de Corpo de Deus e outras declaradas nas Ordenações do Reino.16 16 Conselho de Governo. Sessão de 5 de junho de 1829. APM SP 64. Há de se notar que esse mesmo entendimento não foi predominante em outras ocasiões e ia ao encontro de inúmeras resoluções do Conselho Geral da província que glosara, mais de uma vez, as despesas camarárias com festas por considerar que elas estavam proibidas pela lei de 1º de outubro, mas que também, por sua parte, em diversas ocasiões, a despeito dessa diretiva, optara por “aliviar” as câmaras municipais de glosas feitas por gastos ilegais.17 17 Ver, por exemplo: Conselho Geral. Sessão de 19 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832].

O modus operandi dos Conselhos provinciais e a prevalência de uma prática de governo mais negociada que imperativa - ou com “energia”, conforme terminologia da época - era, aliás, inventariado como importante fator de avaliação de suas atuações por parte daqueles que compunham o cenário político do período, como a imprensa periódica.18 18 Ver, por exemplo: O Universal. Ouro Preto. Ed. 244 de 5 de fevereiro de 1827; Ed. 262 de 1827 Por exemplo, os redatores do Astro de Minas, ao tratarem de uma resolução expedida pelo Conselho de Governo sobre as escolas de Primeiras Letras, louvavam sua forma de proceder, cuja “serenidade” e “doçura” deveria ser apreciada pelos mineiros. Para os redatores, o Conselho de Governo se esmerava “em persuadir mais, do que em mandar”, e como se depreendia da própria resolução em questão, a instituição “prefere a obediência pela convicção da justiça de suas deliberações, a que não tem outro fundamento, que o medo; e em vez de ordenar passará expender com clareza, e elegância os fundamentos desta sua resolução”. A ocasião era, ademais, uma oportunidade para a exaltação das “novas instituições” provinciais. A partir da operacionalização de uma contraposição entre dois tempos, o anterior, de despotismo e opressão, e um novo tempo, o constitucional - comum na linguagem política propagada a partir do movimento vintista (NEVES, 2003NEVES, L. M. B. P. das. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan: FAPERJ, 2003., p. 120-132) -, os redatores buscavam ressaltar uma “grande diferença” entre a atuação dos “despóticos” e “tiranos” governadores e capitães generais e suas “providências acompanhadas de grande espalhafato, ordenadas de expedições Militares, seguidas de prisões, e deportações”, e a do Conselho de Governo para louvar, assim, os benefícios advindos para o Brasil daquela lei dos governos provinciais da Assembleia Constituinte. E concluíam, “Que glória para os mineiros a de se mostrarem dignos do elogio da obediência voluntária!”.19 19 ASTRO de Minas. São João del Rey. Ed. 59 de 5 de abril de 1828.

Por outro lado, essa mesma forma de proceder era alvo de controvérsias, e convertia-se, em algumas ocasiões (e de acordo com o assunto em questão), em objeto de censuras, especialmente no caso do Conselho de Governo, até mesmo por suas funções. Um exemplo disso são as críticas tecidas pelo periódico mineiro O Universal às decisões do Presidente em Conselho relativas à cessão de uma extensão de terreno, pertencente ao sargento-mor Joaquim Dias Bicalho, necessária para a conclusão das obras do Hospital Militar de Ouro Preto e alinhamento da rua das Mercês. O Presidente em Conselho, ao consultar aquele proprietário para a aquisição de uma pequena parte do terreno, sem a qual não seria possível a feitura das obras necessárias, obtivera uma recusa de Joaquim Dias Bicalho, respaldado por seu direito de propriedade garantido pela Constituição, o que levou a instituição a aventar uma alternativa de “remendo” à obra pelo terreno da igreja de Nossa Senhora das Mercês. Os redatores d’O Universal, apesar de louvarem a “moderação” do governo provincial em todo seu procedimento, julgavam que, diante da recusa, dever-se-ia ordenar que a câmara municipal avaliasse os títulos da posse do terreno (como se havia sido comprado ou aforado) e que, verificada sua legitimidade, o terreno fosse avaliado e pago ao proprietário por um preço “justo”:

[...] pois não é decente, que numa cidade capital da província por uma tão pequena porção de terreno, que pouco ou nada vale, haja de fazer-se uma obra imperfeita; e além disto o templo de N. S. das Mercês fica embaraçado por aquele caminho da parte esquerda, e devendo ele como obra pública ter preferência, parece convir mais a compra daquele terreno, do que o embaraço ao Templo.20 20 O Universal. Ouro Preto. Ed. 86 de 1º de fevereiro de 1826.

Toda argumentação dos redatores d’O Universal salientava a prevalência do “bem público” sobre o “bem particular”, o que justificava uma desapropriação sem que isso se constituísse uma infração ao direito de propriedade. Mas o mais interessante a se notar nesse episódio é que o artigo foi escrito como uma espécie de “lembrete” ao governo provincial de sua virtual competência para adotar extrajudicialmente as medidas necessárias ao “bem público” e, ao mesmo tempo, como um pleito por uma ação mais enérgica, e mesmo impositiva, desde que “justa”, por parte do governo provincial para a conclusão daquela obra.21 21 A “sugestão” acabou sendo concretizada e o governo provincial efetivamente mandou que a câmara procedesse a avaliação do terreno, expedindo, por conseguinte, a ordem para o pagamento do sargento mor. Conselho de Governo. Sessão de 13 de março de 1826. APM SP 33.

Ainda nesse sentido, não é oneroso indicar que, mesmo que este fosse um modus operandi padrão, compartilhado por seus integrantes, havia entre os conselheiros de governo e gerais, em maior ou menor grau, diferentes entendimentos sobre como as instituições deveriam se portar frente a uma determinada questão e, assim, certamente aqueles que, como os redatores d’O Universal, clamavam por uma atuação mais “enérgica”, embora respeitando no mais das vezes, como devia moral e legalmente, as diretrizes básicas desses procedimentos.22 22 O padre José Antônio Marinho, por exemplo, declarava em uma indicação que o Conselho de Governo deveria “processar desde já” o vigário da vila do Curvelo pelo “desprendimento de seus deveres”. Ou seja, sem ouvi-lo antes como era de praxe, já que, como argumentava, ele próprio era uma “testemunha ocular” dos abusos cometidos pelo pároco e que inúmeras queixas nesse mesmo sentido haviam sido submetidas à instituição, o que serviria como “prova”. Para sustentar sua indicação, o conselheiro Marinho argumentava então ser “indispensável, que logo que seja comprovada qualquer prevaricação o Governo se revista da energia possível e sem a mínima contemplação faça cair a espada da mais restrita responsabilidade sobre os que tiverem faltado ao cumprimento de seus deveres”. Conselho de Governo. Sessão de 30 de abril de 1834. APM SP 123. Apesar da assertividade da indicação, ela foi encaminhada para a apreciação de outro conselheiro, Manoel Júlio de Miranda, que já estava encarregado naquela altura de analisar outra queixa contra o pároco do Curvelo. Em seu voto, aprovado pelos demais conselheiros, Manoel Júlio de Miranda considerou ser imprescindível que o pároco acusado fosse ouvido: conforme seu parecer, apenas após a resposta do pároco é que o Conselho de Governo poderia discutir a indicação para verificação de sua responsabilidade. Conselho de Governo. Sessão de 16 de maio de 1834. APM SP 123. Todavia, predominava, em definitivo, uma concepção de que o caminho para o equilíbrio entre a “energia” e a “moderação” era sempre o da justiça. Era mesmo nesses termos que uma publicação da Ástrea, reproduzida n’O Universal, defendia que a justiça seria o único termômetro para a moderação entre a energia e a prudência de modo que a primeira não degenerasse para a tirania e a segunda para a frouxidão.23 23 O Universal. Ouro Preto. Ed. 639 de 29 de agosto de 1831.

Como é de se imaginar, esse modus operandi dos Conselhos Provinciais acabava por fazer com que inúmeros assuntos pendentes de resolução se acumulassem à espera das informações e esclarecimentos exigidos (SILVA, 2014SILVA, A. R. C. da. Império, província e periferia. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, v. L, n. 2, p. 34-51, 2014.). A título de exemplo, na reunião de 1830 do Conselho de Governo, o secretário Luiz Maria da Silva Pinto, por requerimento do conselheiro Manoel Ignácio de Mello e Souza, apresentou à instituição uma relação de questões dependentes de resolução do Conselho relativas às sessões anteriores, que perfaziam, conforme seus cálculos, o número de 80, sendo que 39 delas esperavam por informações já exigidas.24 24 Conselho de Governo. Sessão de 29 de abril de 1830. APM SP 64. Certamente, essas delongas não passavam despercebidas a muitos dos críticos dessas instituições e aos próprios conselheiros, que buscaram, em diferentes momentos, fixar detalhes que possibilitassem acelerar o expediente. É o caso do Conselho de Governo que, na presidência de Manuel Ignácio de Mello e Souza, autorizou o governo provincial a emitir resoluções para ouvir autoridades suplicadas em queixas de modo que, quando das sessões da instituição, essa já dispusesse dos conhecimentos necessários para tomar suas resoluções.

De todo modo, essas delongas também se vinculavam a diferentes fatores que se conjugavam ao procedimento padrão de atuação dessas instituições, como as grandes distâncias existentes entre a capital e outras partes da província e, não menos significativo, com as relações de ordem e obediência verificadas entre os Conselhos provinciais e os destinatários de suas resoluções.

Ordem, obediência e adesão

Todas as resoluções - enquanto tais - do Presidente em Conselho de Governo ou do Conselho Geral, nas matérias de suas competências, obrigavam e deveriam ser prontamente observadas pelos empregados públicos e instituições da província, o que, se considerarmos proporcionalmente a quantidade de resoluções emitidas por essas instituições, efetivamente se verificou, ainda que diante de delongas.

Não obstante, haveria diferentes ocasiões em que os destinatários dessas resoluções, apesar de as “obedecerem”, não as “executariam”, e mesmo outras que se configurariam propriamente como casos de desobediência ou resistência. Para compreendê-las, é igualmente necessário recuperar os marcos em que se situavam a relação, no âmbito do poder político, entre ordem e obediência, naquele contexto.

A começar pela constitucionalização de algumas das formas tradicionais de avaliação e julgamento do exercício da autoridade que, como tem sido demarcado por Marta Lorente e Carlos Garriga (2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007.) e Annick Lempériére (2017LEMPÉRIÈRE, A. Constitution, juridiction, codification. Le libéralisme hispano-américain au miroir du droit. Almanack, Guarulhos, n. 15, p. 1-43, 2017.), entre outros, para o caso do mundo hispânico, e por Carlos Garriga e Andréa Slemian (2013GARRIGA, C.; SLEMIAN, A. “Em trajes brasileiros”: justiça e constituição na América ibérica (c. 1750-1850). Revista de História, USP, n. 169, p. 181-221, 2013.) para o do Brasil, estavam pautadas na chave da responsabilidade. A Constituição do Império de 1824 - assim como o fizera a de Cádiz - assegurava no art. 179, § 30 que todo cidadão poderia apresentar por escrito, ao Poder Legislativo e ao Executivo, reclamações, queixas ou petições e até mesmo expor qualquer infração da Constituição “requerendo perante a competente autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores”. Todos os empregados públicos, assim, poderiam ser denunciados por qualquer cidadão ou autoridades à agentes e instituições integrados ao Legislativo, ao Executivo ou ao Judiciário, esse último a quem competia, em última instância, a feitura do processo para a dedução efetiva da responsabilidade (GARRIGA; SLEMIAN, 2013GARRIGA, C.; SLEMIAN, A. “Em trajes brasileiros”: justiça e constituição na América ibérica (c. 1750-1850). Revista de História, USP, n. 169, p. 181-221, 2013.).

Nessa chave, a responsabilidade, como um mecanismo que pretendia proteger a ordem constitucional e garantir a efetiva adesão dos empregados públicos, condicionava a obediência à constitucionalidade, que, nesse sentido, marcava os próprios limites da obrigação. Assim, cada agente poderia desobedecer a uma ordem se a considerasse contrária à Constituição, ficando sujeito, contudo, à responsabilidade. Na mesma direção, se um empregado cumprisse uma ordem inconstitucional, mesmo que por obediência a seu superior, ficava igualmente sujeito à responsabilidade (LORENTE; GARRIGA, 2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007., p. 34-35). A Constituição e as leis eram virtualmente objeto de uma obediência incondicionada, mas, para além, entre outras, da possibilidade de dúvidas sobre suas “inteligências”, os mais atos das autoridades (incluindo-se os das instituições eletivas provinciais), baixo responsabilidade, não deveriam ser obedecidos se infringissem a Constituição (e as leis) e poderiam não ser observados por diferentes motivos, como em virtude de questionamentos sobre a viabilidade de sua execução nos termos ordenados, sobre a competência da autoridade que os emitiu e mesmo sobre os procedimentos adotados em suas formulações.

Outro aspecto da tradição jurisprudencial e casuísta que me interessa ressaltar era o princípio da “obediência” sem “execução” - ou, na famosa fórmula espanhola, “se obedezca pero no se cumpla”. Como destacado por Annick Lempériére (2013LEMPÉRIÈRE, A. Entre Dios y el rey: la ciudad de México de los siglos XVI al XIX. Trad. Ivette Hernández Pérez Vertti. México, D.F.: FCE, 2013., p. 171), no governo jurisdicional a lei era sempre negociável. O cerne desse princípio era a indistinção entre a vontade real e o ideal do bom governo, já que a responsabilidade pelo bem comum e a definição dos meios mais adequados de alcançá-lo estavam repartidos pela totalidade do corpo político (LEMPÉRIÉRE, 2013LEMPÉRIÈRE, A. Entre Dios y el rey: la ciudad de México de los siglos XVI al XIX. Trad. Ivette Hernández Pérez Vertti. México, D.F.: FCE, 2013., p. 170). Como é de se imaginar, um preceito semelhante também se articulava à chave da responsabilidade (LORENTE; GARRIGA, 2007GARRIGA, C.; LORENTE, M. Nuestro Cádiz, diez años después. In: GARRIGA, C.; LORENTE, M. (orgs). Cádiz, 1812: la Constitución jurisdiccional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007., p. 35) e, além disso, corporificava uma dinâmica relação entre ordem e obediência.

Todos esses marcos estiveram presentes no contexto aqui considerado e eram complexificados, ademais, pelo pluralismo jurídico e por inúmeras imprecisões quanto aos limites e as competências de diferentes instâncias do poder público, que se refletiam em inúmeros conflitos de jurisdição intra e entre agentes e instituições afeitos aos novos poderes constitucionais (SLEMIAN, 2012SLEMIAN, A. A administração da justiça como um problema: de Cádis aos primórdios do Império do Brasil. In: BERBEL, M.; OLIVEIRA, C. H. S. de (orgs). A experiência constitucional de Cádis: Espanha, Portugal e Brasil. São Paulo: Alameda, 2012.), o que acabaria por limitar mesmo a eficácia dos esforços empreendidos para o estabelecimento de uma cadeia hierárquica de ordenamento das autoridades nos anos iniciais do Império.

A apropriação e a reformulação no regime constitucional de formas tradicionais de avaliação e julgamento do exercício da autoridade (LEMPÉRIÉRE, 2017LEMPÉRIÈRE, A. Constitution, juridiction, codification. Le libéralisme hispano-américain au miroir du droit. Almanack, Guarulhos, n. 15, p. 1-43, 2017.) e a presença de compreensões marcadas por concepções jurisdicionais sobre as próprias relações de ordem-obediência são imprescindíveis para a compreensão da modulação e exercício da autoridade do Conselho de Governo e do Conselho Geral. Aspectos esses que se encontram no cerne daquelas reservas depreendidas na definição da subordinação e respeito às autoridades presentes no extrato d’O Universal: não pertenceria a quem obedece examinar motivos e consequências das ordens desde que elas emanassem de “legítima autoridade”, fossem filhas da lei e não envolvessem a responsabilidade de quem as executa e, além disso, as observações que tivessem por fim a “ilustração dos que governam” eram dignas de “louvor e atenção”.

Obviamente, nesses termos, as ordens somente obrigavam quando em conformidade com a Constituição e com as leis, o que, em realidade, tornava, no entanto, esse campo significativamente flexível, fazendo com que as decisões fossem sempre passíveis, dentro de certos limites, de questionamentos e discordâncias, especialmente tendo em vista a responsabilidade pessoal do empregado público encarregado de executar a ordem em questão. Assertivas válidas, aliás, para o próprio Conselho de Governo, cujos membros, na forma de sua lei de instituição, seriam “responsáveis pelas deliberações [...] a quem por seus votos for atribuído o prejuízo de algumas resoluções”. Ainda que no caso do Conselho Geral a questão fosse um pouco mais melindrosa, já que inexistia na Constituição de 1824 e no Regimento a declaração explícita de que os conselheiros seriam responsáveis - problemática que, inclusive, esteve no cerne dos longos embates para a aprovação do Regimento (SLEMIAN, 2019SLEMIAN, A. Pelos “negócios da província”: apontamentos sobre o governo e a administração no Império do Brasil (1822-1834). Outros Tempos, v. 16, n. 27, p. 252-275, 2019.) -, ao fim e ao cabo, como a proposta de que os conselheiros gerais fossem invioláveis não foi aprovada, decorria a efetiva possibilidade de que fossem responsabilizados. E, a partir desse caminho, os Conselhos provinciais poderiam também “questionar” ou não executar as decisões tomadas por outras instâncias, incluindo-se, entre elas, o governo imperial e mesmo leis aprovadas pela Assembleia Legislativa, como de fato fizeram em diversas ocasiões na província de Minas Gerais (FERNANDES, 2018FERNANDES, R. S. As províncias do Império e o “governo por conselhos”: o Conselho de Governo e o Conselho Geral de Minas Gerais (1825-1834). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018.).

Nesses termos, a primeira base que sustentava a autoridade do Conselho de Governo e do Conselho Geral, recorrentemente ressaltada em suas resoluções era, em definitivo, a legislação imperial e a reafirmação dessas instâncias como componentes do ordenamento constitucional. E isso não apenas por serem investidos de autoridade e autorizados pelas leis a exercê-la, mas também pelas finalidades de suas instituições como um sustentáculo da Constituição, da legalidade, da Nação e dos interesses da província de Minas Gerais. Para tanto, assumia relevo o caráter eletivo dessas instituições, já que, nessa perspectiva, o Conselho de Governo e o Conselho Geral eram compostos por cidadãos que teriam um conhecimento circunscrito do estado e das necessidades da província, interessados, ademais, na concretização de sua “felicidade”, o que era reconhecido por seus comprovincianos, que os elegeram. No caso do Conselho Geral, particularmente, verifica-se ainda um reforço constante de reiteração de seu papel como “órgão legítimo dos sentimentos da província que representa”25 25 Conselho Geral. Sessão de 9 de janeiro de 1832. APM SP CGP³1, cx. 05; Conselho Geral. Sessão de 9 de dezembro de 1833. APM CGP³1, cx. 06. , aludindo, especificamente, a seu caráter de representante da província.

Mas a autoridade dos Conselhos provinciais era também modelada pela natureza de suas resoluções e pela observância do processo que as amparavam. Parece ter sido particularmente relevante para essas instituições assegurar o reconhecimento de sua autoridade - e a observância de suas resoluções - pelo princípio de sua “imparcialidade”, “prudência” e “justiça”, virtudes que, de maneira geral, respaldavam os próprios princípios em torno da adesão às autoridades. Vem daí a importância daquele modus operandi e da reiteração dos “justíssimos motivos” que sustentavam suas resoluções, e que poderiam estar amparados nos princípios constitucionais, nas leis imperiais ou em outras fontes de direito, mas que também se sustentavam por aquela análise circunstanciada da questão, pelas audiências prévias e consultas e pela composição colegiada, a partir dessas considerações, das melhores decisões para a concretização do “interesse público” da província e, assim, em sequência da “justiça”, por sua “utilidade”. Nas palavras do conselheiro de governo e geral Theotônio Álvares de Oliveira Maciel, “foi sempre desejo seu [referindo ao Conselho de Governo] que as suas ordens fossem obedecidas, e guardadas pelo Povo pela convicção de sua justiça”26 26 Conselho de Governo. Sessão de 2 de abril de 1830. APM SP 76. .

No entanto, no que se refere, sobretudo, ao Conselho de Governo, dada a sua natureza, também havia, certamente, meios de coerção mais diretos. Os mais usuais eram, em definitivo, a ameaça ou ordem para que alguma autoridade judiciária processasse e responsabilizasse o empregado desobediente, a remessa de representações ao poder central para que um determinado empregado fosse substituído (ou demitido) - essa também formulada pelo Conselho Geral e dirigida tanto ao governo central como a presidência da província e Conselho de Governo - ou, ainda, representações para que o governo imperial reconhecesse frente às autoridades que contestavam as resoluções a validade e legalidade das mesmas. Há de se ressaltar, nessa direção, a importância para justificação de semelhantes resoluções do § 29 do art. 179 da Constituição de 1824, que declarava que os empregados públicos eram responsáveis por abusos e omissões e também por não fazerem efetivamente responsáveis seus subalternos, da tipificação dos crimes dos empregados públicos pelo Código Criminal de 1830 e, depois, do Código do Processo, já que essas instituições e, nomeadamente o Conselho de Governo, considerava ser próprio de seu ofício não deixar abusos e omissões “impunes”, fazendo “promover a efetiva responsabilidade”27 27 Conselho de Governo. Sessão de 12 de junho de 1834. APM SP 122. - o que, inclusive, daria lugar, já nas reuniões finais, a discursos de alguns conselheiros de governo no sentido de que a instituição deveria agir nesse sentido sem a necessidade de ser provocada e até mesmo dispensando alguns daqueles requisitos característicos de seu modus operandi.

Com o avanço da legislação imperial, os Presidentes em Conselho de Governo adquiriram, além do mais, competências mais efetivas de punição (e prevenção) - algumas instituídas diretamente nesse sentido, mas também outras que, apesar de não o serem, assim acabariam sendo empregadas. Era de tal modo a ampliação da possibilidade de suspensão de magistrados letrados e a competência de suspensão de juízes de paz, verificada a partir de 1831, ou mesmo a possibilidade de transferir (e também suspender) outros empregados públicos, como os professores e, ainda que em meio a controvérsia, os párocos. Já de maneira mais indireta o controle de alguns dispositivos que possibilitavam ao Presidente em Conselho e ao Conselho Geral certa gerência sobre os recursos financeiros da província (ou das municipalidades), por exemplo, parece ter atuado como importante moeda de coerção especialmente no que se refere às câmaras municipais.

De todo modo, os expedientes de coerção mais assertivos eram reservados para os casos considerados de grande gravidade, extraordinários, e foram mais recorrentes em momentos de acirramento de conturbações políticas na província, como no contexto em torno da Revolta do Ano da Fumaça. Portanto, ainda que o recurso de suspender e mandar responsabilizar empregados públicos - oficiais das forças de segurança, professores, oficiais intermédios, párocos, juízes municipais, entre outros e, sobretudo, juízes de paz28 28 APM SP 64; APM SP 76; APM SP 86; APM SP 93; APM SP 100; APM SP 122; APM SP 123. - tenha sido bastante utilizado pelo Conselho de Governo mineiro, o foi poucas vezes como uma sanção ou punição por uma “desobediência” direta ao governo provincial.

Vejamos agora, em pormenor, algumas ocasiões em que as resoluções do Presidente em Conselho ou do Conselho Geral da província não foram prontamente acatadas e executadas por seus destinatários, casos excepcionais que nos ajudam, não obstante, a elucidar aspectos importantes das relações de ordem e obediência então correntes. De antemão, pode-se indicar que elas ocorreram no que se refere a algumas das primeiras autoridades da província, mas também, de maneira significativa, estiveram presentes em outras consideradas como indiscutivelmente suas subordinadas. E, em geral, seriam particularmente verificadas quanto a agentes e instituições que dispunham, desde muito, de poderes públicos legítimos exercidos até então de maneira significativamente autônoma, e que veriam mesmo, em determinadas situações, algumas das resoluções emitidas pelos Conselhos provinciais como uma interferência (e mesma afronta) a suas respectivas jurisdições.

Como questionamentos propriamente à autoridade do Conselho Geral, as incidências concentram-se nas câmaras municipais, suas principais instituições de diálogo. Exemplar, nesse sentido, foi o embate verificado com a câmara de Mariana, ou melhor, com alguns de seus vereadores, associado à avaliação das contas de receita e despesa camarárias, que, na forma da lei de 1º de outubro de 1828, deveriam ser aprovadas pelo Conselho Geral.

A instituição na província de Minas Gerais, ao avaliar as contas apresentadas pela câmara de Mariana, além de identificar inúmeros problemas de escrituração, constatou uma série de ilegalidades em pagamentos feitos ao arrematante da obra da ponte dos Monsus, efetuados sem que as condições estabelecidas no contrato tivessem sido cumpridas29 29 Conselho Geral. Sessão de 26 de janeiro de 1831. APM SGP³1, cx. 03. . Em um primeiro momento, o Conselho Geral mineiro resolveu “estranhar” - vocábulo insistentemente utilizado nessas instituições - a câmara e recomendar-lhe zelo na conclusão da obra a partir de uma série de medidas a serem observadas bem como lhe declarar a responsabilidade de vereadores que aprovassem gastos ilegais. Apesar disso, as contas subsequentes daquela câmara apresentaram problemas similares e, ao que parece, as resoluções do Conselho relativas à arrematação da ponte dos Monsus não foram observadas, verificando-se, antes, novas “ilegalidades”. Para o Conselho, o procedimento da câmara quanto aquela obra “não pode ter outro nome, senão o de formal rebeldia às resoluções do Conselho Geral, e de perfeita indiferença pelas coisas públicas!”.30 30 Conselho Geral. Sessão de 12 de dezembro de 1831. CDCG [1830-1832].

A declaração e as decisões que lhe acompanhavam não agradaram em nada um dos vereadores de Mariana, José Justino Gomes Pereira que, na câmara, quando da discussão do assunto, sugeriu uma emenda ao ofício a ser remetido ao Conselho que asseverava, entre outras coisas, que:

A Câmara de Mariana é pelo Conselho Geral arguida de muitos defeitos em sua administração e, sobretudo, increpada de proceder com formal rebeldia. Esta odiosa tacha que o Conselho impõe à Câmara é injuriosa, é injusta e degradante da ordem, por isso que à Câmara não compete: injuriosa porque desacredita e menoscaba a sua força moral, cujos membros têm em seu favor a Opinião Pública, pois que pela maioria de votos e aprazimento geral de todos os habitantes deste município foram eleitos; injusta porque estão gratuitamente servindo à Pátria e ao Público com sacrifício de seus particulares interesses, e tem de muito boa fé apurado quanto é compatível com suas fracas luzes e escassas rendas do município; degradante da ordem porque faltando a boa inteligência aos empregados que devem cooperar a um mesmo fim em beneficio geral da Pátria, cessam os interesses públicos. Na aplicação pois desses invariáveis princípios de justiça será decoroso que esta Câmara sem justificadas causas seja com tanta acrimônia, servilismo, azedume tratada pelo Conselho sempre decidido a reprovar todos os seus atos como tão positivamente no seu ofício afirma? Isto prova um espírito de prevenção contra esta Câmara que se acha na necessidade de reivindicar a sua liberdade, e independência legal para poder preencher os importantes fins para que foi criada. A Câmara não deve obediência cega e absoluta ao Conselho, sua subordinação inteira é à primeira autoridade administrativa da província em Conselho ou fora dele, artigo 78 da Lei regulamentar das Câmaras, ao Conselho Geral, cujas atribuições são consultivas, deve sim subordinação, mas nos casos marcados na mencionada Lei, quais: alienação de bens imóveis; criação, revogação ou alteração de uma lei peculiar, aplicação extraordinária de rendas, participação de mau tratamento de escravos. Sobre os mais objetos de sua competência é independente do Conselho a Câmara pela sua lei que tão positivamente marcou suas atribuições dando-lhe voto de resolução e discussão nas matérias. Ultimamente a Câmara não tem termos assaz enérgicos e expressivos para significar aos senhores do Conselho Geral quão pesada foi a sensação que lhes causou o seu ofício de 14 deste corrente mês de dezembro. 31 31 APM CGP¹ 2, cx. 05.

O vereador ressentia-se da forma pela qual o Conselho Geral repreendera a câmara de Mariana, impondo-lhe uma “injuriosa”, “injusta” e “degradante” “tacha” de “rebelde”. Para ele, a vista dos “invariáveis princípios de justiça” que enumerava, o Conselho Geral teria sido, sem justa causa, indecoroso e “azedo” ao reprovar “tão positivamente” àquela câmara, que deveria, em contrapartida, “reivindicar a sua liberdade”. E mais, o vereador, além de sugerir a injustiça e imparcialidade do Conselho Geral, insinuava que a instituição ultrapassara suas atribuições, já que as câmaras deviam “subordinação inteira” apenas ao Presidente da província, “em Conselho [de Governo] ou fora dele”, ao passo que, ao Conselho Geral, essa subordinação seria pertinente “apenas” nos casos marcados pela lei, sendo as câmaras em todos os mais independentes.32 32 APM CGP¹ 2, cx. 05.

A emenda do vereador não foi aprovada, e houve aqueles que se declararam contra o pronunciamento, afirmando mesmo que ele continha expressões contrárias à lei. Por outro lado, a câmara de Mariana, no ofício dirigido ao Conselho Geral, mostrou-se de fato “sensibilizada” pela glosa e se “abalançara” “a notar de deslocada a resolução do Conselho”. Esse, por sua parte, resolveu declarar à câmara o fundamento legal de sua autoridade, especialmente em matérias de contas, e argumentou, entre outras coisas, que os artigos da lei de 1º de outubro evocados pela câmara em seu ofício “em nada favorecem a sua conduta, pois que outorgando-lhe eles, os poderes de discutir e deliberar sobre objetos de sua atribuição, é sempre com respeito ao que for a bem do Município, e nunca para pôr em perigo as rendas do mesmo [...]”. Mais uma vez a instituição provincial decidiu “estranhar” a câmara de Mariana, agora também pela “expressão de que se serviu, taxando de deslocada a resolução do Conselho” e lhe advertiu “que para o futuro não consentirá que seja menoscabado, mas fará impor-lhe a pena do Código”33 33 Conselho Geral. Sessões de 03 e 05 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832]. .

A câmara de Mariana, em um novo ofício com o reenvio dos livros de receita e despesa que esperava obter aprovação, já empregara outro tom, expondo ao Conselho “faltarem algumas medidas para satisfazer as dúvidas sobre o acabamento da ponte dos Monsus” e apresentando uma proposta para obrigar o arrematante da obra “a concluí-la, com a pena de meter obreiros a sua custa”. Nessa ocasião, o Conselho Geral - ainda que reafirmando as “ilegalidades com que a câmara têm procedido na feitura desta ponte” e que nenhuma conta obteria aprovação enquanto a ponte não fosse “completamente acabada, e com a segurança, que demanda uma obra tão importante” - sinalizava sua disposição para negociação. Isso porque, “desejoso de ver acabada uma obra tão necessária à comodidade pública”, “não duvidaria” aprovar quantias adiantadas, ainda que ilegais, desde que elas não excedessem o preço da arrematação e de que o fiador do arrematante se obrigasse a dar por acabada a ponte dentro de um prazo razoável com pena de, se não cumprido, ficar “responsável pelos seus bens a indenização das quantias ilegalmente dispendidas, e não aprovadas pelo Conselho Geral”.34 34 Conselho Geral. Sessão de 17 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832].

A postura do Conselho, não obstante, foi significativamente diversa diante das declarações pronunciadas na sessão camarária, cuja ata foi exigida por requerimento do conselheiro José Pedro de Carvalho.35 35 Conselho Geral. Sessão de 17 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832]. A opinião da instituição foi terminante. Competia à câmara de Mariana apenas “representar o que julgasse conveniente sem, todavia, suspender o determinado pelo Conselho”, cujas resoluções, nas matérias competentes, “formam leis no munícipio, a cujo cumprimento as câmaras se não podem recusar; salvo quando forem opostas as leis em vigor”. E quanto à fala do vereador, o posicionamento era ainda mais enérgico:

A Comissão perdoaria este desabafo, se o vereador não ousasse acusar o Conselho de tratar a câmara com a acrimonia, servilismo, e azedume, e com espírito de prevenção. [...] Querer agora de um membro dela escurecer os seus defeitos, e chamar o odioso sobre o Conselho que não tem outra norma de conduta que a mesma restrita imparcialidade, é sobremaneira intolerável! Não para aqui o vereador arguente: no excesso de seu desvario ele declara que a câmara não deve obediência cega e absoluta ao Conselho; mas que a sua inteira subordinação é ao Presidente da província. Não admiram tantos disparates em quem conhece tão pouco a índole do sistema representativo; o vereador está perfeitamente enganado, pois nem o Conselho Geral exige das câmaras essa obediência cega, e absoluta, mas somente o cumprimento da lei [...].36 36 Conselho Geral. Sessão de 3 de fevereiro de 1832. CDCG [1830-1832].

Nesses termos, para o Conselho Geral, o vereador, com apoio de outros, chamara o “odioso” sobre o Conselho “que não tem outra norma de conduta que a mesma restrita imparcialidade”. De fato, se a instituição até então resolvera apenas repreender a câmara de Mariana (ainda que afirmando a responsabilidade dos vereadores por gastos ilegais e não aprovando em definitivo suas contas), dispondo-se mesmo a encontrar uma via conciliatória para a conclusão daquela obra apesar das ilegalidades, o posicionamento de alguns dos vereadores foi considerado “intolerável”. Por isso, o Conselho Geral resolveu que deveriam ser responsabilizados, oficiando, para tanto, para a presidência da província para que essa adotasse as diligências convenientes.

Esse era um caso problemático, que envolvia interesses diretos de vereadores que haviam afiançado a arrematação. E também era, em definitivo, uma disputa em torno da tradicional autonomia - ou nos termos usados então, “independência” - das câmaras municipais. Não obstante, ele dá notas de algumas práticas e valores que circunscreviam as relações de ordem-obediência mediadas então por outros elementos que o da simples “obediência” irrestrita.

Tratando-se especificamente do Conselho de Governo que, por suas funções e atuação, mantinha um diálogo direto com um repertório mais amplo autoridades da província, os maiores questionamentos propriamente à sua autoridade em determinado domínio, que assumiriam por vezes a forma de conflitos de jurisdição, seriam verificados com a primeira autoridade eclesiástica da província, o Bispo de Mariana, e com magistrados, que, por mais de uma vez se recusaram a atender as ordens do governo provincial mineiro por considerá-las como uma interferência direta de um “poder estranho” em suas jurisdições. É o caso do ouvidor interino de Paracatu, Manoel Carneiro Mendonça, que, num conflito de jurisdição com a câmara de Paracatu sobre a realização de pelouros das justiças ordinárias que serviriam entre 1832 e 1834, não cumpriu as ordens do governo provincial de incumbir a câmara da guarda do cofre. O episódio foi tratado no Conselho de Governo como uma verdadeira “resistência” ilegítima daquele magistrado, que foi duramente censurado por suas declarações de que a presidência da província “nenhuma autoridade tinha” para emitir semelhante ordem, e que o ouvidor:

faz crescer de ponto a sua resistência quando diz abertamente que lhe não importava o ofício de 5 de março do ex-Presidente. A insubordinação deste magistrado, é sobremaneira inconstitucional, e incivil porquanto o ex-Presidente em nada ofendeu a legislação existente [...].37 37 Conselho de Governo. Sessão de 3 de abril de 1832. APM SP 76.

Apesar disso, a instituição manteve suas resoluções anteriores sobre o assunto, ainda que censurando o ouvidor pelos termos empregados em sua exposição dos motivos pelos quais considerava que lhe competia a abertura e guarda dos pelouros. O mesmo posicionamento não teve o Conselho de Governo quanto ao ouvidor antecedente da comarca de Paracatu, Francisco Garcia Adjuto, que foi reiteradamente repreendido pelo Conselho de Governo por sua postura, incluindo-se a de não aquiescer às resoluções da instituição (sem a apresentação de razões) sobre o conflito entre ele, o ouvidor, e a câmara de Paracatu quanto à jurisdição sobre os Julgados. Das queixas apresentadas contra o ouvidor pelos abusos por ele cometidos de “decidir a inteligência de uma lei”, “lançar mão de medidas violentas para fazer cumprir sua vontade, devendo antes consultar o governo para não errar precipitadamente”, de ingerir-se em negócios que não era de sua competência e de, além disso, manter preso sem culpa formada um cidadão que fora nomeado pela câmara de Paracatu como procurador, resultaria, já em 1832, uma ordem do Conselho de Governo para que Francisco Garcia Adjuto fosse processado e responsabilizado, uma vez que, naquela altura, não tinha mais lugar a suspensão por ele já se achar demitido (demissão também feita por requisição do Conselho de Governo).38 38 Conselho de Governo. Sessão de 28 de janeiro de 1832. APM SP 76.

Mas nem todos os casos de não execução das resoluções dos Conselhos provinciais relacionavam-se a uma falta de reconhecimento de suas autoridades em determinado domínio, situação que, a bem da verdade, foi poucas vezes verificada. De maneira geral, muitas autoridades públicas da província - seja por inciativa própria ou por requisição dessas instituições em seu procedimento padrão de atuação - apresentaram decorosamente as razões nas quais se fundavam para não cumprir prontamente as resoluções sem que isso implicasse necessariamente em uma recusa ao reconhecimento de suas autoridades. As mais frequentes seriam as de que elas eram contrárias às disposições legais (ou a Constituição), a de que seu cumprimento feriria direitos, e a da impossibilidade ou mesmo falta de competência do destinatário para cumprir a ordem. Nesses casos, o Conselho de Governo mineiro e o Conselho Geral, quando anuíam com as escusas e motivos apresentados para a não observância de suas determinações, chegavam mesmo a revê-las. Já quando não consideravam pertinentes ou atendíveis, apresentavam às autoridades envolvidas as razões em que se fundavam para exigir o cumprimento da resolução em questão - e, quando necessário, empregavam aquelas medidas mais “enérgicas”.

A câmara da Vila do Príncipe, por exemplo, expôs ao Conselho de Governo as razões pelas quais considerava que não deveria cumprir a resolução da instituição sobre um conflito de jurisdição entre a câmara e o procurador fiscal pela nomeação de um juiz municipal interino. Para tanto, se fundava em diferentes artigos do Código do Processo e em um aviso do ministério da justiça de 9 de julho de 1834. Tais motivos foram considerados “atendíveis” pelo Conselho, que acabou declarando ficar sem efeito sua deliberação anterior.39 39 Conselho de Governo. Sessão de 27 de outubro de 1834. APM SP 122. Por seu turno, a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Caeté, num ofício remetido à instituição pelo juiz de paz do distrito, que, como os mais da província, havia sido encarregado de fazer uma relação das pratas das igrejas, expunha ao Conselho de Governo “os motivos pelos quais se julga com direito a não cumprir a resolução deste Ex.mo Conselho” de 21 de fevereiro de 1832. A irmandade argumentava, entre outras razões, que, conforme as disposições de seus estatutos, sua “honra” seria ofendida se confiasse “a mãos estranhas o depósito sagrado que até o presente tem sido por ela zelado, e defendido com todo o respeito e devoção cristã”. Por conseguinte, o juiz de paz, anuindo a “tão ponderosas razões”, recorria “prudentemente” ao Conselho de Governo, conforme informava o parecer do conselheiro Gomes Freire de Andrade, requerendo que se fosse de seu dever “infalivelmente executar a supradita resolução” que a mesma fosse a ele explicada pela instituição “de maneira que ele não cometa algum ato contrário aos Sagrados Cânones”. Em resposta, o Conselho resolveu esclarecer ao magistrado leigo que não deveria ficar sob sua posse as alfaias, já que a ordem era apenas para que os juízes de paz fizessem seus inventários, remetendo as cópias à Tesouraria da Fazenda com os recibos devidamente assinados pelos tesoureiros das irmandades. O Conselho ainda decidiu declarar àquela irmandade, e a outras que igualmente haviam-lhe representado “prudentemente” com razões similares, “que este Conselho muito longe de prejudicar os seus direitos, ou de ofender sua devoção, outra coisa não pretende se não prevenir as vendas ilegais [...]”.40 40 Conselho de Governo. Sessão de 12 de fevereiro de 1833. APM SP 86.

Pelo exposto, fica claro que, para compreendermos a autoridade do Conselho de Governo e do Conselho Geral - e suas condições de instâncias de poder público legítimo -, não é possível prescindir das concepções sobre o exercício do poder presentes naquele contexto, no qual os limites entre a “obediência”, o “cumprimento” e a “pronta execução” e a “desobediência”, a “resistência” e a “insubordinação” ilegítimas (e mesmo criminosas) perpassavam, necessariamente, pela prudência, pela imparcialidade, pela moderação, pela justiça, pelo decoro e, sobretudo, pela adesão.

A principal questão, nesse sentido, não era propriamente quanto à execução da ordem, mas quanto a sua obediência e adesão, o que se comutava, concretamente, nas manifestações de “consideração” e “respeito” às instituições e as autoridades. Daí a importância não apenas de responder aos Conselhos provinciais e apresentar as razões para não executar uma determinada ordem, mas também a de o fazer de maneira decorosa, ou seja, sem o emprego de “termos insolentes e descomedidos”41 41 Conselho de Governo. Sessão de 4 de fevereiro 1833. APM SP 33. , sem “menoscabar” suas autoridades42 42 Conselho Geral. Sessão de 03 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832]. , sem faltar com a verdade - prestando razões e informações “revestidas da exatidão e imparcialidade, que se devia esperar das autoridades”43 43 Conselho de Governo. Sessão de 22 de maio de 1834. APM SP 122. -, entre outras ações que poderiam denotar o comprometimento com as resoluções “justas” e “legais”44 44 Conselho de Governo. Sessão de 19 de fevereiro 1833. APM SP 93. e a adesão às instituições legitimamente constituídas.

Considerações Finais

Com estas palavras, pronunciadas na década de 1860, Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, avaliava o arranjo institucional das províncias do Império do período pós-emancipação e, particularmente, o funcionamento e atuação dos Conselhos de Governo (e presidência da província) e dos Conselhos Gerais de província:

Palavrões, e nada de positivo e prático. Eram como diz Camões: ‘Nomes com que se o povo néscio engana’ Engana-se, mas desengana-se depois, e a decepção desmoraliza as instituições.

Conselhos organizados por semelhante modo não podiam ser e não foram de utilidade alguma. Em épocas de partidos e de paixões políticas sobretudo, filhos da eleição popular ou estorvavam a marcha do Presidente, agente do Poder Executivo, ou serviam-lhe de escudo para se acobertar da responsabilidade, ou eram convocados depois de tomada a medida, para a desmoralizarem, se lhe eram avessos. | E tinham esses Conselhos atribuições políticas, e puramente executivas [...]. | Essas instituições desacreditaram-se, e, como todas as que não são práticas, positivas e aplicáveis, não produziram fruto e caíram na nulidade. (SOUZA, 1997SOUZA, Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai. Ensaio sobre o direito administrativo.Brsília: Ministério da Justiça, Brasília, 1997 [1862]., p. 131-132)

Havia nas ideias e aspirações dessa época um fundamento exagerado, porém de fundo verdadeiro. A instituição dos Conselhos Gerais, segundo a Constituição, não repartia com as províncias aquela quantidade de ação indispensável para que pudessem prover eficazmente a certas urgentes necessidades administrativas locais. Nada se aviava por si nas províncias, como que condenadas ao suplício de Tântalo [...]. Os Conselhos Gerais limitavam-se a fazer projetos peculiares e acomodados às suas localidades e urgências [...]. eram meros projetos os quais, para serem exequíveis, deviam ser aprovados pela Assembleia Geral [...]. Isto explica a esterilidade efetiva da instituição dos Conselhos Gerais, cujas propostas, aliás eram em grande parte, pela sua inexperiência, falta de conhecimentos e prática administrativos, e de meios próprios, inaplicáveis ou inexequíveis. (SOUZA, 1997SOUZA, Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai. Ensaio sobre o direito administrativo.Brsília: Ministério da Justiça, Brasília, 1997 [1862]., p. 369-370)

As percepções veiculadas pelo Visconde do Uruguai em seu Ensaio sobre o direito administrativo reiteravam, em realidade, um parecer que constava em suas Bases para uma melhor Organização das Administrações Provinciais - e elas eram decididamente negativas.

Como se sabe, sua obra, mais que uma interpretação pretensamente neutra sobre a história e o ordenamento do Império do Brasil, estava inscrita diretamente nas disputas políticas e institucionais travadas no Segundo Reinado - e que divergiam, naquele momento, sobre a possibilidade de (re)criação de Conselhos provinciais como órgãos de contencioso administrativo. Sua posição nesse debate, associado às discussões em torno da “centralização” e “descentralização” política e administrativa, já era reafirmada na época, e foi objeto de importantes estudos, assim como as polêmicas intelectuais e políticas a que se reportavam. Como um nome dos conservadores, o Visconde do Uruguai controvertia-se nesses escritos com os liberais, que contavam, em suas fileiras, com nomes como o de Aureliano Cândido Tavares Bastos, também ator político e autor da importante obra A província. Mas, apesar de suas divergências políticas e projetos distintos sobre o ordenamento imperial, em comum, Visconde do Uruguai e Tavares Bastos consideravam os Conselhos Gerais do período pós-emancipação “sementes” daquele que viria a ser o ordenamento instituído em 1834, assim como vituperavam os Conselhos de Governo de 1823 e, de maneira geral, ainda que de formas distintas, eram críticos aos Conselhos provinciais do Primeiro Reinado e anos iniciais da Regência.

Os debates políticos e literários em que se inscrevem obras como as citadas - retroalimentado por diversos outros autores e panfletos - possui diferentes nuances, e são, de um lado, importantes fontes históricas para a compreensão do período a que se reportam assim como, enquanto exercícios de escrita da história, oferecem interpretações e indícios que podem contribuir para as pesquisas do campo. Por outro lado, seguindo a famosa síntese de José Justiniano da Rocha, Ação, Reação e Transação - com a qual se alinhavam ou, inversamente, abertamente polemizavam - essas interpretações sobre o Império, situadas ainda no século XIX, ajudaram a forjar uma ampla tradição historiográfica que, mesmo com propostas de datações e explicações sobremaneira díspares, tenderam a apresentar uma explicação do processo de construção do Estado e da Nação no Brasil do século XIX arraigada em uma contínua luta entre “centralização” e “federalismo” ou, se assim se preferir, entre o “elemento monárquico” e o “elemento democrático” (GUIMARÃES, 2006GUIMARAES, L. M. P. União negociada. Novos estudos CEBRAP, São Paulo, n. 74, p. 197-199, 2006.), ou, ainda, numa outra matriz, entre o “Antigo Regime” - e o “despotismo” de D. Pedro I - e o “verdadeiro liberalismo” do período regencial e do Segundo Reinado.

Também há muito, é verdade, a historiografia alerta para os perigos de ler essas obras como enunciadoras de verdades incontestes, assim como, por certo, enquanto meros falseamentos intelectuais (PARRON, 2016PARRON, T. Introdução. In: ROCHA, J. J. Ação; Reação; Transação: Duas palavras acerca da atualidade política do Brasil. Estudo Introdutório, notas e estabelecimento do texto por Tâmis Parron. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.). E, de fato, diferentes pesquisas têm contribuído para romper com os enquadramentos interpretativos sobre o Império modulados pelos debates políticos e intelectuais do Segundo Reinado, possibilitando, com isso, a emergência de novos temas e problemas, além de reinterpretações de objetos de análise clássicos.

Nessa direção, uma das principais problemáticas na história do processo de construção de uma “unidade” nacional no Brasil a despertar a atenção dos historiadores, e que já se apresentava enquanto questão central para os publicistas oitocentistas, é a do governo dos territórios e da relação entre eles e o “centro de poder”, considerado como ponto nevrálgico para o entendimento do Império do Brasil. A temática tem sido revisitada, e os olhares cada vez mais se voltam para as províncias e para as localidades (DOLHNIKOFF, 2005DOLHNIKOFF, M. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005.; GOUVÊA, 2008GOUVÊA, M. de F. O Império das Províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008). No bojo desse movimento, a organização provincial no Primeiro Reinado e na Regência, e de maneira geral, o ordenamento imperial no contexto em torno da emancipação política, também se converteu em objeto privilegiado de estudo, verificando-se, nos últimos anos, investigações centradas especificamente nos Conselhos provinciais (SLEMIAN, 2006SLEMIAN, Andréa. Sob o Império das Leis: constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1824-1834). Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.; LEME, 2006LEME, M. S. São Paulo no I Império: poderes locais e governo central. OLIVEIRA, C. H. de S.; PRADO, M. L. C.; JANOTTI, M. de L. M. (orgs.). A história na política, a política na história. São Paulo: Alameda, 2006; SILVA, 2014SILVA, A. R. C. da. Império, província e periferia. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, v. L, n. 2, p. 34-51, 2014.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, C. E. F. de. Construtores do Império, defensores da província: São Paulo e Minas Gerais na formação do Estado nacional e dos poderes locais, 1823-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; MACHADO, 2015MACHADO, A. R. de A. O Conselho Geral da Província do Pará e a definição da política indigenista no Império do Brasil (1829-31). Almanack, Guarulhos, n. 10, p. 409-464, 2015. ; CIRINO, 2015CIRINO, R. G. V. Pelo bem da “pátria” e pelo Imperador: O Conselho Presidial do Maranhão na construção do Império (1825 - 1831). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2015; OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, N. de C. G. O Conselho Geral de província: espaço de experiência política na Bahia 1828-1834. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.).

As contribuições dos trabalhos voltados para o ordenamento provincial no Primeiro Reinado e nos anos iniciais da Regência e, especificamente, para análise dos Conselhos provinciais nas diferentes realidades regionais, são inegáveis, e têm mostrado resultados frutíferos para a compreensão do período. Contudo, ainda não é raro nos depararmos, em maior ou menor escala, com considerações marcadas por juízos de valor sobre a projeção e atuação concreta dessas instituições que, em realidade, remetem àqueles “vereditos” posteriores.

E as consequências disso são muitas. A ênfase na compreensão dos Conselhos de Governo a partir de seus papéis políticos de contrapesos dos “chefes do Poder Executivo”; o dimensionamento excessivo da atuação dos Conselhos Gerais em termos de um “embrião do legislativo” - e, por conseguinte, de seu “insucesso” e “fracasso”, mediado pelo número de projetos convertidos em leis; a premissa de que essas instituições não detinham “de fato” autoridade ou sequer capacidade decisória. Por fim, de maneira associada, a sensação que perpassa inúmeras abordagens de que a experiência dessas instituições seria uma “etapa” na consolidação da verdadeira “autonomia provincial” e do verdadeiro “Estado constitucional”, cuja conquista, nessa perceptiva, se daria a partir do Ato Adicional. Nesses processos interpretativos salienta-se, em suma, uma suposta ineficiência e mesmo incoerência do arranjo provincial anterior a 1834, seja em termos de autonomia e participação política ou de adequação ao regime constitucional.

Explico. Não se trata propriamente de ignorar ao menos alguns desses aspectos. Por exemplo, desde os primeiros embates em torno do processo de emancipação política do Brasil, a instituição de um arranjo que assegurasse, nas províncias, um “contrapeso” à atuação dos Presidentes esteve presente e, de fato, essa foi uma importante função dos Conselhos de Governo. Do mesmo modo, desde um primeiro momento, estiveram presentes demandas e anseios que se aproximavam de pleitos pela “autonomia provincial” e mesmo pela “soberania provincial” que as associava ao exercício do Poder Legislativo - especialmente a partir de uma matriz de tipo “federativo” ou “confederativo”. Contudo, é preciso, todavia, mediá-los lançando mão de uma série de outras problemáticas não menos relevantes, de modo a considerar essas instituições provinciais em suas especificidades. Em suma, os Conselhos de Governo (e presidentes da província) e os Conselhos Gerais não podem ser compreendidos se não ultrapassarmos o télos daquilo que lhes seguiu pois, se assim descritos, ficam fadados, de antemão, à “esterilidade” e “nulidade” ou, talvez ainda mais grave, ao papel de preâmbulos, e as territorialidades condenadas ao suplício de Tântalo. É preciso, portanto, recuperar a historicidade daquele ordenamento institucional e das práticas nele verificadas - tarefa que implica, a meu ver, matizar a antinomia entre Antigo Regime e constitucionalismo liberal, aspecto primordial para compreender a afirmação da autoridade dos Conselhos provinciais e a própria legitimação do novo arranjo institucional (e constitucional) do Império.

Os Conselhos provinciais, é indiscutível, integravam um ordenamento assentado em princípios oriundos do constitucionalismo moderno e reafirmavam seus papéis de sustentáculos da Constituição e das leis imperiais. Não obstante, na confluência de uma atuação relevante que se dava significativamente através da apresentação de demandas externas à consideração dessas instituições, do procedimento padrão de atuação - um modus operandi que correspondia mesmo a uma lógica de exame e deliberação - e suas afirmações como autoridades legítimas, situa-se uma cultura institucional marcada, em diferentes sentidos, por concepções jurisdicionais sobre o exercício do poder público, entendidas não como uma imposição direta de “valores e normas”, mas como marcos que conferiam inteligibilidade às práticas políticas e sociais e como ferramentas disponíveis para a própria constituição de “novos” valores e normas (HESPANHA, 2012HESPANHA, A. M. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Coimbra: Almedina, 2012.). Afirmação, aliás, que considero válida para compreensão da atuação dos Presidentes de província sem a cooperação da instituição eletiva já que, ao menos em Minas Gerais, todos esses procedimentos e práticas parecem ter sido por eles observados bem de perto - e, é provável, também o foram, em maior ou menor escala, de maneira mais ampla no âmbito do ordenamento imperial do período.

Nessa direção, me parecem particularmente relevantes as assertivas de Carlos Garriga e Andréa Slemian sobre o peso, na constituição do Império do Brasil, da “tradição jurídica” jurisdicional, “tradição jurídica” entendida como um conjunto de valores e categorias compartilhados conflitivamente que não prescindiam para sua perpetuação, contudo, de um ato voluntário dos agentes históricos (GARRIGA; SLEMIAN, 2013GARRIGA, C.; SLEMIAN, A. “Em trajes brasileiros”: justiça e constituição na América ibérica (c. 1750-1850). Revista de História, USP, n. 169, p. 181-221, 2013., p. 188).

Ao analisar a atuação institucional dos Presidentes em Conselho de Governo e do Conselho Geral na província de Minas Gerais ficam evidentes as imprecisões de classificar suas competências e práticas institucionais a partir da lógica da divisão de poderes, segundo um “modelo ideal” de Estado liberal. O Conselho de Governo e o Conselho Geral, mais do que um organismo propriamente executivo (Conselho de Governo) ou propositivo e deliberativo no sentido de um “embrião do legislativo” (Conselho Geral), constituíam-se, acima de tudo, como instâncias de governo que, em diferentes sentidos, encarnavam verdadeiramente o papel de grandes corporações provinciais. Mais que isso, uma categorização mais precisa de suas atuações recobre não apenas a noção de governo, mas também a de práticas governativas que reproduziam lógicas de avaliação e exercício da autoridade jurisdicionais, mobilizadas, contudo, para instituir, defender e assegurar o novo ordenamento constitucional.

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Notas

  • 1
    A pesquisa que originou este artigo integra a tese de doutorado que defendi no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora com financiamento CAPES.
  • 2
    O Universal. Ouro Preto. Ed. 30 de 23 de setembro de 1825.
  • 3
    BRASIL. Lei de 20 de outubro de 1823. In: BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil: leis da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887.
  • 4
    BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Coleção das leis do Império do Brasil de 1824. Rio de janeiro: Imprensa Nacional, 1886.
  • 5
    Os Conselhos de Governo e Conselhos Gerais foram instalados em todas as províncias do Império, com exceção do Rio de Janeiro.
  • 6
    Os dados e informações sobre a composição e dinâmica do expediente do Conselho de Governo são baseados em: MINAS Gerais. Diários do Conselho de Governo da província de Minas Gerais do ano 1825. Ouro Preto: Oficina Patrícia do Universal, 1825 (doravante DCG [1825]); MINAS Gerais. Actas das Sessões do Conselho do Governo da província de Minas Gerais do ano de 1828. Ouro Preto: Typografia de Silva, 1828 (doravante ASCG [1828]); Arquivo Público Mineiro, Fundo Seção Provincial (doravante APM SP) APM SP 33; APM SP 38; APM SP 64; APM SP 76; APM SP 86; APM SP 90; APM SP 93; APM SP 97; APM SP 98; APM SP 100; APM SP 103; APM SP 122; APM SP 123.
  • 7
    Os dados e informações sobre a composição e dinâmica do expediente do Conselho Geral são baseados em: Arquivo Público Mineiro, Fundo Conselho Geral de Província (doravante APM CGP), Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 1: Presidência da Províncias (notação APM CGP¹1), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07; APM CGP Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 2: Câmaras Municipais (notação APM CGP12), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15; APM CGP Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 3: Governo Imperial e outras províncias (notação APM CGP¹3), cx. 01; APM CGP Série 1: Correspondência recebida, Subsérie 4: Diversos (notação APM CGP¹4), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06; APM CGP Série 2: Correspondência Expedida (notação APM CGP2), cx. 01; APM CGP Série 3: Documentação Interna, Subsérie 1: Atas (notação APM CGP³1), cxs. 01, 02, 03, 04, 05, 06; APM CGP Série 3: Documentação Interna, Subsérie 2: Propostas, pareceres, resoluções, orçamentos, correspondência interna (notação APM CGP³2), cxs. 01, 02, 03, 04, 05; APM CGP 01; APM CGP 04; APM CGP 05; APM CGP 06; APM CGP 07; APM CGP 08; MINAS GERAIS. Collecção dos diários do Concelho Geral da Província de Minas Geraes. Imperial Cidade de Ouro Preto: Typografia do Universal, 1830-1832 (doravante CDCG [1830- 1832]); MINAS Gerais. Collecção dos diários do Concelho Geral da Província de Minas Geraes. Imperial Cidade de Ouro Preto: Typografia do Universal, 1833-1834 (doravante CDCG [1833-1834]).
  • 8
    Conselho Geral. Sessão de 20 de dezembro de 1828. APM CGP 01.
  • 9
    Convém demarcar que todas as resoluções, propostas ou representações do Conselho Geral (individuais ou via comissões) ou do Conselho de Governo categorizadas como de iniciativa interna nem sempre correspondiam a iniciativas espontâneas, ainda que guardem com elas importantes relações, já que poderiam ter se inspirado em uma demanda externa sem que a vinculação tenha sido demarcada de maneira direta na documentação.
  • 10
    Nessa perspectiva, especialmente no caso das petições dos “cidadãos”, ver VIEIRA, 1992 VIEIRA, B. M. D. O problema político português no tempo das primeiras Cortes Liberais. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1992.e PEREIRA, 2010PEREIRA, V. Ao soberano congresso: direitos do cidadão na formação do Estado Imperial brasileiro (1822-1831). São Paulo: Alameda, 2010..
  • 11
    Sobre essa concepção de governo e administração e, particularmente, sua vinculação ao “Estado de Polícia” ver MANNORI; SORDI, 2004 e SUBTIL, 2011SUBTIL, J. M L. L. Actores, territórios e redes de poder, entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Curitiba: Juruá Editora, 2011..
  • 12
    No sentido em que a expressão é empregada por Pedro Cardim (2005CARDIM, P. “Administração” e “governo”: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, M. F.; FERLINI, V. L. A. (orgs.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império Português, séculos XVI a XIX. 2a. ed. São Paulo: Alameda, 2005., p. 57).
  • 13
    Uma constatação semelhante já foi amplamente discutida para o caso da América Espanhola no que toca ao ordenamento gaditano (ANNINO, 1995ANNINO, A. Cádiz y la revolución territorial de los pueblos mexicanos, 1812-1821. In: ANNINO, A. (org.). Historia de las elecciones en Iberoamérica. Siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1995.).
  • 14
    Algo que, reforço, se coaduna com preceitos pertinentes àquele “Estado de Polícia” como definem MANNORI ; SORDI, 2004, p. 75.
  • 15
    O conjunto de procedimentos retóricos era socialmente compartilhado por meio de práticas escritas e oralizadas presentes em sermões, cartas, falas comemorativas, poesias, etc., ultrapassando o domínio estrito dos juristas. No âmbito do Império Português, por exemplo, o ensino da retórica não se restringia aos estudos superiores e estava presente também nos chamados “estudos menores” (CARVALHO, 2000CARVALHO, J. M. de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, n. 1, p. 123-127, 2000.).
  • 16
    Conselho de Governo. Sessão de 5 de junho de 1829. APM SP 64.
  • 17
    Ver, por exemplo: Conselho Geral. Sessão de 19 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832].
  • 18
    Ver, por exemplo: O Universal. Ouro Preto. Ed. 244 de 5 de fevereiro de 1827; Ed. 262 de 1827
  • 19
    ASTRO de Minas. São João del Rey. Ed. 59 de 5 de abril de 1828.
  • 20
    O Universal. Ouro Preto. Ed. 86 de 1º de fevereiro de 1826.
  • 21
    A “sugestão” acabou sendo concretizada e o governo provincial efetivamente mandou que a câmara procedesse a avaliação do terreno, expedindo, por conseguinte, a ordem para o pagamento do sargento mor. Conselho de Governo. Sessão de 13 de março de 1826. APM SP 33.
  • 22
    O padre José Antônio Marinho, por exemplo, declarava em uma indicação que o Conselho de Governo deveria “processar desde já” o vigário da vila do Curvelo pelo “desprendimento de seus deveres”. Ou seja, sem ouvi-lo antes como era de praxe, já que, como argumentava, ele próprio era uma “testemunha ocular” dos abusos cometidos pelo pároco e que inúmeras queixas nesse mesmo sentido haviam sido submetidas à instituição, o que serviria como “prova”. Para sustentar sua indicação, o conselheiro Marinho argumentava então ser “indispensável, que logo que seja comprovada qualquer prevaricação o Governo se revista da energia possível e sem a mínima contemplação faça cair a espada da mais restrita responsabilidade sobre os que tiverem faltado ao cumprimento de seus deveres”. Conselho de Governo. Sessão de 30 de abril de 1834. APM SP 123. Apesar da assertividade da indicação, ela foi encaminhada para a apreciação de outro conselheiro, Manoel Júlio de Miranda, que já estava encarregado naquela altura de analisar outra queixa contra o pároco do Curvelo. Em seu voto, aprovado pelos demais conselheiros, Manoel Júlio de Miranda considerou ser imprescindível que o pároco acusado fosse ouvido: conforme seu parecer, apenas após a resposta do pároco é que o Conselho de Governo poderia discutir a indicação para verificação de sua responsabilidade. Conselho de Governo. Sessão de 16 de maio de 1834. APM SP 123.
  • 23
    O Universal. Ouro Preto. Ed. 639 de 29 de agosto de 1831.
  • 24
    Conselho de Governo. Sessão de 29 de abril de 1830. APM SP 64.
  • 25
    Conselho Geral. Sessão de 9 de janeiro de 1832. APM SP CGP³1, cx. 05; Conselho Geral. Sessão de 9 de dezembro de 1833. APM CGP³1, cx. 06.
  • 26
    Conselho de Governo. Sessão de 2 de abril de 1830. APM SP 76.
  • 27
    Conselho de Governo. Sessão de 12 de junho de 1834. APM SP 122.
  • 28
    APM SP 64; APM SP 76; APM SP 86; APM SP 93; APM SP 100; APM SP 122; APM SP 123.
  • 29
    Conselho Geral. Sessão de 26 de janeiro de 1831. APM SGP³1, cx. 03.
  • 30
    Conselho Geral. Sessão de 12 de dezembro de 1831. CDCG [1830-1832].
  • 31
    APM CGP¹ 2, cx. 05.
  • 32
    APM CGP¹ 2, cx. 05.
  • 33
    Conselho Geral. Sessões de 03 e 05 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832].
  • 34
    Conselho Geral. Sessão de 17 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832].
  • 35
    Conselho Geral. Sessão de 17 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832].
  • 36
    Conselho Geral. Sessão de 3 de fevereiro de 1832. CDCG [1830-1832].
  • 37
    Conselho de Governo. Sessão de 3 de abril de 1832. APM SP 76.
  • 38
    Conselho de Governo. Sessão de 28 de janeiro de 1832. APM SP 76.
  • 39
    Conselho de Governo. Sessão de 27 de outubro de 1834. APM SP 122.
  • 40
    Conselho de Governo. Sessão de 12 de fevereiro de 1833. APM SP 86.
  • 41
    Conselho de Governo. Sessão de 4 de fevereiro 1833. APM SP 33.
  • 42
    Conselho Geral. Sessão de 03 de janeiro de 1832. CDCG [1830-1832].
  • 43
    Conselho de Governo. Sessão de 22 de maio de 1834. APM SP 122.
  • 44
    Conselho de Governo. Sessão de 19 de fevereiro 1833. APM SP 93.
  • Nota do Editor

    A revista História (São Paulo) agradece à FAPESP pelo apoio financeiro, na modalidade Auxílio à Pesquisa - Publicações/Periódicos (Processo n. 2020/04324-9), para a publicação deste artigo.
  • Declaração de Financiamento

    Este trabalhou contou com o auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Programa de Demanda Social (CAPES DS). Atualmente conta com o auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), número de processo 2019/00456-0.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    5 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2019
  • Aceito
    03 Nov 2019
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