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DA PROTEÇÃO À PROJEÇÃO: O Associativismo espanhol em Manaus (1901-1919)

From Protection to Projection: The Spanish Associatvism in Manaus (1901-1919)

Resumo

Estudos relacionados ao tema do mutualismo no Brasil são relativamente recentes e, em grande medida, concentrados nas regiões sudeste e sul do país, áreas de grande incidência da imigração estrangeira e de manifestações operárias. No caso do Amazonas, esses estudos são praticamente inexistentes. Analisa-se aqui as associações do tipo mutuais étnicas, que se configuraram como o modelo adotado pela maioria das instituições criadas pela comunidade espanhola radicada em Manaus no início do século XX. A ideia subjacente ao associativismo desses imigrantes é, sobretudo, a do fortalecimento do processo organizativo e de suas lutas por direitos e garantias, através da formalização de instituições que fossem capazes de levar à cabo uma interlocução direta com a sociedade amazonense e suas instâncias políticas decisórias.

Palavras-chave:
Imigração Espanhola; Associativismo; Manaus

Abstract

Studies related to the topic of mutualism in Brazil are relatively recent and largely concentrated in the south-east and south of the country, areas of high incidence of foreign immigration and worker demonstrations. In the case of Amazonas, these studies are practically non-existent. Here we analyze the mutual-ethnic type associations that were the model adopted by most of the institutions created by the Spanish community living in Manaus at the beginning of the 20th century. The idea underlying the associatvism of these immigrants is, above all, the strengthening of the organizational process and its struggles for rights and guarantees through the formalization of institutions that were able to carry out direct dialogue with the Amazon society and its political decision-making institutions.

Keywords:
Spanish Immigration; Associatvism; Manaus

Estudos relacionados ao tema do mutualismo no Brasil são relativamente recentes e em grande medida, concentrados nas regiões sudeste e sul do país, áreas de grande incidência da imigração estrangeira e de manifestações operárias. No caso do Amazonas, esses estudos são praticamente inexistentes, razão pela qual se torna imperiosa a tarefa de refletir sobre o papel desempenhado naquele Estado pelas associações do tipo mutuais étnicas, em especial porque elas se configuraram como o modelo adotado pelas principais comunidades diaspóricas aportadas em Manaus no início do século XX. A ideia subjacente a esse modelo associativo é, sobretudo, a do fortalecimento do processo organizativo e das lutas por direitos e garantias, através da formalização de instituições que fossem capazes de levar à cabo uma interlocução direta com a sociedade amazonense e suas instâncias políticas decisórias.

Como bem demonstrou Cláudia Viscardi (2010VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. O estudo do mutualismo: algumas considerações historiográficas e metodológicas. Revista Mundos do Trabalho, v. 2, 2010, p. 23-39., p. 31), até os anos 1990, os estudos relacionados ao mutualismo possuíam como característica marcante uma abordagem que os vinculava mais diretamente ao sindicalismo reformista, sendo identificado como um estágio inicial do movimento operário brasileiro. Em sua crítica, a autora incorpora abordagens pioneiras, como as de Tania Regina de Luca (1990LUCA, Tania Regina de. O sonho do futuro assegurado: o mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto, 1990.) e Claudio Batalha (1999BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas reflexões em torno da formação da classe operária. Cadernos AEL, Campinas: Unicamp/IFCH, vol. 6, n. 10/11, 1999.), que evidenciaram a fragilidade daqueles argumentos e foram importantes para descontruir esse olhar, demonstrando que as associações mutualistas e sindicais conviveram durante muito tempo, sem necessariamente, haver uma hierarquia temporal entre elas:

A ideia de que as novas sociedades de resistência substituíram definitivamente as velhas sociedades mutualistas é falsa. O processo foi lento e bastante complexo. As sociedades mutualistas puras nunca desapareceram inteiramente. Por outro lado, algumas das velhas sociedades acabaram incorporando funções de resistência, do mesmo modo que algumas das novas sociedades de resistência adotaram práticas assistenciais. (BATALHA, 1999BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas reflexões em torno da formação da classe operária. Cadernos AEL, Campinas: Unicamp/IFCH, vol. 6, n. 10/11, 1999., p. 47).

Assim, desde o final dos anos 1990, houve um aumento substancial de trabalhos acadêmicos (teses e dissertações) voltados às discussões do mutualismo e do associativismo, consolidando uma produção nesse campo, que têm gerado não apenas o aumento do número de estudos, como também abordagens diferenciadas e inovadoras.1 1 Para Marcelo Mac Cord e Cláudio Batalha (2014, p. 15-16), “alguns desses estudos entenderam as sociedades mutualistas (e até mesmo corporações de ofício) como espaços nos quais a classe trabalhadora construiu e legitimou suas identidades socioculturais na mais longa duração. Outros, críticos dessa primeira vertente, sublinharam as características previdenciárias das entidades de auxílio mútuo da perspectiva da teoria da escolha racional”.

Neste trabalho, pensado a partir dos estudos que temos empreendido acerca da imigração espanhola para o Amazonas, o foco da análise recai sobre as associações mutuais étnicas criadas pela comunidade espanhola radicada em Manaus no início do século XX. Diga-se, desde logo, que esse modelo associativo não foi um fenômeno incomum, já que se espraiou pelos quatro cantos do mundo, imprimindo suas marcas onde quer que aportassem as significativas levas de populações em diásporas. Não sem razão, Fernando Devoto (2003DEVOTO, Fernando. História de la inmigración en la Argentina. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2003., p. 242), em estudo sobre a emigração espanhola para a Argentina, assevera que “el fenómeno del mutualismo era prácticamente universal entre los inmigrantes en todos los países”, o que significa dizer que, onde houvesse uma comunidade étnica numerosa ele estaria presente.

O termo mutuais étnicas é aqui tomado de empréstimo à Viscardi (2004VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. Mutualismo e filantropia. Lócus, Juiz de Fora, v. 18, 2004, p. 99-113., p. 100), que o emprega para identificar associações estrangeiras “criadas com o fim de prestar socorro aos seus próprios membros em momentos de necessidade” e que “funcionavam como organismos cooperativos cuja subsistência dependia da continuidade e regularidade das contribuições de seus membros”. Cabe salientar, no entanto, que o associativismo étnico ia além da prestação de socorro financeira ao associado em casos de doenças, acidentes ou mortes, uma vez que ele ampliava a experiência associativa com a publicação de periódicos, a construção de escolas, de bibliotecas e por meio do entretenimento com fins caritativos (JESUS, 2014JESUS, Ronaldo. Associativismo entre imigrantes portugueses no Rio de Janeiro Imperial. In: MAC CORD, Marcelo; BATALHA, Claudio Henrique de Moraes (Orgs). Organizar e proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014. p. 111-130., p.112-113).

Seja como for, o que se busca neste artigo é investigar e problematizar como se estruturou, no Amazonas das décadas iniciais do século XX, o associativismo étnico posto em marcha pela comunidade espanhola que para lá se direcionou, refletindo sobre o papel por ela desempenhado, tanto no sentido da organização e defesa da comunidade no plano mais amplo da sociedade amazonense, quanto no interior do proletariado urbano, então em formação na capital daquele Estado.

Os anos finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX se constituem enquanto momento rico para o estudo dos processos migratórios, em especial pelo número elevado de pessoas que, na Europa, se viram impelidas a singrar o Atlântico em direção a diferentes áreas do continente americano (KLEIN, 1999KLEIN, Herbert S. Migração internacional na História das Américas. In: FAUSTO, Boris. Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. p. 13-32.). Convém ponderar que os deslocamentos humanos precisam ser compreendidos levando em consideração fatores que atuam, indistintamente, nas duas pontas do processo. Como nossa atenção neste artigo se volta mais diretamente para os deslocamentos que tiveram origem no contexto espanhol, é necessário reconhecer que eles ocorreram por motivos diversos, que iam desde questões políticas-religiosas, até a busca por aventuras. No entanto, também é preciso reconhecer como um dado insofismável, como o fez Ismara Izepe Souza (2006SOUZA, Ismara Izepe. Espanhóis: história e engajamento. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006., p. 3), que “a saída de milhares de espanhóis, que deixaram a segurança de seus lares para seguir rumo a uma terra desconhecida, se insere dentro de um contexto de pobreza e miséria crescente na Europa desse período”.2 2 Com relação à emigração espanhola, é importante reconhecer que o tema conta com um número considerável de boas obras, com destaque para: Herbert Klein (1994); Elda E. Gonzalez Martinez (1999); Nicolas Sanchez-Albornoz (1988); Marília Dalva Cánovas (2009), Lúcia Lippi Oliveira (2002), Ismênia de Lima Martins (2009) e Marilia Ferreira Emmi (2013).

Para esses emigrados, muitos motivos entravam em causa para definir o local de destino de seus respectivos deslocamentos, e estes iam desde a oferta de postos de trabalhos em áreas que passavam por expansões econômicas e da existência de estratégias propagandistas de particulares e de governantes, até a existência de redes de sociabilidades e solidariedades, em especial constituída por familiares. Se para o sul e o sudeste do Brasil a entrada massiva de imigrantes - notadamente portugueses, italianos e espanhóis - se deu sob os auspícios de intenso propagandismo e do imperativo de dotar as fazendas de café e propriedades agrícolas de trabalhadores que substituíssem o braço escravo, na Amazônia, a chegada dos primeiros imigrantes europeus foi basicamente motivada pela dinamização da economia de exportação da borracha que, especialmente após 1880, passou a atrair maior interesse da indústria capitalista em expansão (WEINSTEIN, 1993WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: HUCITEC/Edusp, 1993.).

Uma ponderação necessária é a de que, vista em conjunto, a imigração espanhola para o Amazonas foi pequena, trazendo alguns poucos milhares de indivíduos, enquanto que, para outras áreas do globo esse número chegou à casa dos milhões. Reside aí um perigo a ser evitado, que consiste em atribuir-se legitimidade a certos fenômenos históricos em função unicamente das dimensões mais amplas do dado demográfico a eles associados. Assim, mesmo que exígua - para usar um termo destacado por Juan Andrés Blanco Rodríguez (2009RODRIGUÉZ, Juan Andrés Blanco. Emigración y asociacionismo español en Brasil. In: SOUSA, Fernando; MARTINS, Ismênia, MATOS, Maria Izilda (Coord.). Nas duas margens: os portugueses no Brasil. Porto, Portugal: CEPESE, 2009, p. 189-212., p. 205) -, é necessário afirmar que, em História, nem tudo é uma questão de número, e, nesse sentido, a importância da comunidade espanhola que aportou em Manaus, nos anos iniciais do século XX, extrapola, em muito, o mero dado estatístico, já que impactou sensivelmente a capital amazonense, que então passava por acelerado processo de urbanização modernizadora.

Oscilando entre 1.500 a 3.000 indivíduos na primeira década do século XX, os espanhóis fizeram-se notar em Manaus, cidade que, à época, chegava à casa dos 50.000 habitantes. De acordo com Samuel Benchimol (2009BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: formação social e cultural. Manaus: Valer, 2009.), esses imigrantes eram oriundos, em sua grande maioria, da região da Galícia, em especial das cidades: Coruña, Orense, Pontevedra, Lugo, Santiago de Compostela e também Vigo, cuja localização favoreceu para que se tornasse o principal porto de embarque da maior parte desses emigrados.

Na capital amazonense, a opção por associar-se parece ter se colocado para os membros da comunidade espanhola tão logo esta começou a se formar nos anos iniciais do século XX. Seguiram, assim, um padrão de ação já adotado por outras comunidades diaspóricas - fossem nacionais ou estrangeiras -, inclusive as já estabelecidas em Manaus, uma vez que as primeiras associações mutualistas de caráter étnico começaram a surgir, na cidade, na década final do século XIX. Associações como a Sociedade Beneficente Maranhense (1893), a Sociedade Beneficente Cearense (1896) e a Sociedade Fraternidade Cearense (1898) foram ali estruturadas, trazendo consigo um acentuado cunho assistencialista, que buscava, em geral, “socorrer os associados... em ocasiões de enfermidades, pobreza extrema, ou infortúnio de qualquer natureza” (Diário Oficial, Manaus, 28/01/1897).

Dentro do período abrangido pela pesquisa - as primeiras décadas do século XX - foram localizadas diversas associações animadas pela comunidade espanhola na capital amazonense, todas elas assumindo perspectivas mais claramente ligadas à beneficência e/ou aos socorros mútuos. No entanto, convém asseverar, com base nos estudos de Tânia Regina de Luca (1990LUCA, Tania Regina de. O sonho do futuro assegurado: o mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto, 1990., p. 389), acerca do contexto do sudeste do país, que essas associações também assumiam como função “minorar as consequências da superexploração da força de trabalho prestando aos seus membros os tradicionais serviços de caráter previdenciário comum a todas as sociedades de autoajuda”. Seja como for, pelo menos seis associações espanholas foram criadas em Manaus nas duas primeiras décadas do século XX, sendo elas: Centro Español: Sociedad de Socorro, Instrucción y Recreo (1902); Sociedad La Unión Española (1905); Sociedad Española de Beneficencia Cervantes (1905); Sociedad Española de Beneficencia (1909); Centro Español de Socorros Mutuos (1914); Sociedad Española de Socorros Mutuos (1916) e Sociedade Espanhola Recreativa e de Beneficência (1919).4 4 Infelizmente, não foi possível localizar parte da documentação referente a essas sociedades. Entretanto, tivemos acesso a dois de seus estatutos, localizados no Diário Oficial do Estado do Amazonas e no periódico El Hispano Amazonense. Mesmo da associação mais longeva, a Sociedad Española de Socorros Mutuos, somente conseguimos localizar os estatutos.

Um dado que chama a atenção é o fato de tais associações, em sua maior parte, terem se caracterizado pela efemeridade. O processo é complexo, incluindo interrupções no funcionamento - posteriormente retomados - e, também, mudanças na denominação original. Seja como for, a única que parece ter experienciado uma atuação mais longeva foi a Sociedad Española de Socorros Mutuos, fundada em 1916, já que estendeu suas atividades até 1966.

Além das sociedades de cunho assistencialistas, cabe assinalar a existência da União Sportiva Hespanhola, criada em 1918 e ativa até aproximadamente 1919, que se diferenciava das demais por ser, como se percebe, voltada exclusivamente para a prática da recreação esportiva, com destaque para o futebol, que então se expandia pela cidade, atraindo a atenção e a simpatia popular e animando as comunidades estrangeiras ali estabelecidas.5 5 A crônica esportiva da imprensa amazonense nos informa essa atuação: “As dezesseis e meia horas, no campo Coronel Ramalho, haverá um match de foot-ball entre o terceiro team do Luso Sporting Club e a União Sportiva Hespanhola. (Jornal do Comércio, Manaus, 15 de set., 1918.) Uma observação mais atenta, não apenas aos títulos das associações, mas também aos seus estatutos, tornará perceptível que a preocupação com as atividades recreativas, de lazer e desporto, estavam presentes em alguma delas, embora essa dimensão recreativa não aparecesse como um elemento central de suas preocupações.

Se é correto argumentar que o associativismo foi prática corrente entre comunidades diaspóricas, resta inquirir o que despertava esse interesse associativo e mobilizava centenas de membros da comunidade em reiteradas reuniões preparatórias. A resposta não é tão simples quanto parece, já que o processo associativo podia articular interesses bastante diferenciados entre os membros de uma mesma comunidade. Assim, enquanto para muitos, irmanados por uma condição de existência precária e frágil, a estruturação de uma associação despertava esperanças de proteção e, com ela, a expectativas de dias melhores; para outros, situados mais confortavelmente no topo da pirâmide social, a associação abria possibilidades de conquista e/ou ampliação de uma projeção social já alcançada ou pretendida.6 6 No vértice da pirâmide social, poucos espanhóis, dotados de algum capital, estabeleceram-se como proprietários e comerciantes no abastado comércio de importação e exportação. Outros, em posições intermediárias, abriram pequenos empreendimentos, como mercearias, padarias, armarinhos e lojas de ferragens, enquanto outros ainda se espraiaram pelos setores médios urbanos, ocupando cargos técnicos na burocracia estatal ou atuando como profissionais liberais.

Em Manaus das décadas iniciais do século XX, a proteção e o amparo pareciam ser os elementos legitimadores subjacentes a todo o processo associativo, já que se mostravam mais intimamente ligados à inércia e à omissão de um Estado que não atuava de forma efetiva na seguridade social e às condições materiais de existência assumidas pela imensa maioria dos membros da comunidade espanhola no contexto de sua inserção à sociedade amazonense. Quanto ao primeiro fator, convém lembrar, como fez Antônio Gasparetto Júnior (2013, p. 16), que “as mutuais ocupavam a lacuna deixada pelo Estado brasileiro, prestando serviços médicos ou auxílio com pensões em caso de doenças, acidentes, aposentadoria e falecimento, concedendo-o, neste caso, à família”. Com relação à segunda dimensão, é importante frisar que, saindo de suas localidades de origem, a maioria dos espanhóis aportou na capital amazonense trazendo muitas esperanças, mas pouco ou nenhum capital que os abrigassem da fome, da miséria e da indigência.

Os empregos, tão apregoados por um propagandismo exagerado em fins do século XIX, mostraram-se, a partir de 1900, bem mais restritos, em especial pelo volume de população que afluiu para a cidade, fazendo com que a oferta de postos de trabalho diminuísse no contexto urbano mesmo antes de o preço da borracha começar a cair de forma mais dramática no mercado mundial, como veio a ocorrer em 1910. Nas unidades produtoras de borracha, em meio à aspereza da floresta tropical, o recrutamento de trabalhadores ainda continuaria forte até pelo menos 1912, mas dele esquivaram-se muitos estrangeiros, impactados pelas narrativas alarmantes e depreciadoras publicizadas continuamente pela imprensa sobre maus tratos, febres, epidemias, conflitos com índios e ataques de animais, tornando o processo de extração do látex uma aventura perigosa e assustadora. Por tudo isso, apenas parcela menor dos espanhóis entrados no Amazonas trilhou o caminho dos seringais, enquanto a imensa maioria concentrou-se em Manaus, com alguns poucos alojando-se pelas vilas que se haviam expandido pelas calhas dos rios, em direção, principalmente, às áreas produtoras de borracha.7 7 Uma exceção à regra foi a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, cujo empreendimento, utilizou um contingente grande de trabalhadores, na maioria estrangeiros, onde os espanhóis despontavam (HARDMAN,1988).

Fugir dos seringais não significou, para a comunidade espanhola de Manaus, uma vida tranquila e abrigada de problemas, especialmente porque, mesmo nos momentos em que os lucros auferidos pela borracha ainda eram grandes, a capital amazonense foi incapaz de fornecer trabalho, moradia, saúde e educação numa dimensão capaz de atender às expectativas daqueles que a demandavam. Após 1906, quando o mercado mundial de borracha já iniciara sua retração, os salários sofreram baixas sensíveis em todas as atividades, atingindo assim a ampla maioria da comunidade espanhola.8 8 Destacando a capacidade de adaptação dos espanhóis radicados em Manaus, Carmen Nóvoa assevera a preferência dos empregadores pelos trabalhadores estrangeiros, em especial também, pelo fato de o imigrante “aceitar menor remuneração”. (SILVA, 2010, p. 46).

Embora estivessem segmentados, do ponto de vista socioeconômico, a imensa maioria dos espanhóis radicados na cidade fez parte da classe trabalhadora, incorporando-se à sociedade manauara por meio de posições nas oficinas, nas poucas indústrias, no comércio e nas concessionárias dos serviços públicos de água, esgoto, luz, telefone e transportes, além de também atuar no mercado informal e no setor da construção civil. (PINHEIRO; PINHEIRO, 2017PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto; PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Mundos do trabalho na cidade da borracha: trabalhadores, lideranças, associações e greves operárias em Manaus (1880-1930). Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2017.).

É dentro desse contexto, caracterizado pela ausência total de uma legislação que protegesse e desse suporte à vida e à saúde dos grupos mais fragilizados, que podemos entender a criação e a proliferação do mutualismo no seio da classe trabalhadora e das comunidades estrangeiras. Como mencionado, o processo foi geral, atingindo indistintamente as diversas regiões do país, já que, nos anos iniciais do século XX, os trabalhadores nacionais e estrangeiros viam-se privados de direitos mínimos e de regulações do trabalho capazes de lhes assegurar uma melhor condição de existência. Em paralelo, viam-se também alcançados pelo conjunto de ideias sociais, de diferentes matizes, que então passaram a dialogar com os segmentos populares e com a classe operária impulsionando-os a empreender árdua luta no sentido de estabelecer a garantia de alguma regulamentação do trabalho e de melhoria nas condições de vida. Ângela de Castro Gomes salienta que esses anos se configuraram como fundamentais

para a constituição de uma identidade de trabalhador e também o momento inicial das lutas por direitos sociais do trabalho no Brasil. As principais demandas então levantadas, independentemente do tipo de liderança que estivesse na associação de classe e excluindo as questões salariais, eram: carga horária de oito horas de trabalho; a regulamentação do trabalho feminino (com normas que protegessem a gravidez) e dos menores; uma lei de acidentes do trabalho. A resistência patronal foi enorme e quando se faziam acordos, como aconteceu após algumas greves, eles eram muito frágeis e instáveis, uma vez que dependiam basicamente da força das organizações de classe para mantê-los (GOMES, 2002GOMES, Ângela Maria de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002., p. 18).

Um ponto a ser destacado é o de que a suposta preferência e valorização da mão-de-obra estrangeira no Brasil, nos anos iniciais da República, não era condição suficiente para garantir aos estrangeiros uma situação de estabilidade no país. Assim, como bem demonstra Lená Medeiros de Menezes, o envolvimento daqueles com movimentos políticos e reivindicatórios na luta pela melhoria das condições de vida, trabalho e moradia, podiam rapidamente transformar um trabalhador desejável em indesejável, termo a partir do qual, segundo a autora, passaram a ser definidos “os estrangeiros que, por palavras ou ações, voltavam-se contra a ordem política, econômica, moral e social existentes, considerados nocivos à sociedade e perigosos à segurança pública” (MENEZES, 1996MENEZES, Lená Menezes de. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro: EDUERJ, 1996., p. 91).

Todas essas questões geravam apreensão e insegurança no seio das comunidades estrangeiras, muitas delas também carentes de proteção por parte de suas respectivas representações consulares. Em Manaus, um vice-consulado espanhol só foi implantado no início do século XX, funcionando de forma irregular e pouco satisfatória, o que também atuou como força impulsionadora ao associativismo que, deste modo, acabava respondendo aos anseios de proteção e representação por parte dos integrantes da colônia.

Assim como as associações criadas na cidade por cearenses e maranhenses, as primeiras associações de estrangeiros em Manaus datam igualmente do final do século XIX, sendo os portugueses pioneiros nesse processo. Em 1893, foram eles que tomaram a iniciativa para a criação da Sociedade Beneficente Portuguesa do Amazonas, entidade destinada ao acolhimento de enfermos e ao tratamento de saúde na cidade. Seus estatutos a definiam como uma instituição caritativa, que tinha por objetivo atender a seus associados, embora também estivesse aberta ao atendimento de pessoas de outras nacionalidades e de nacionais. (A Caridade, Manaus, 1893).9 9 Como já afirmado no início do artigo, os estudos sobre o associativismo étnico no Amazonas são praticamente inexistentes. Quase nada sabemos sobre o funcionamento das inúmeras associações portuguesas além de suas existências.

Por força dessa iniciativa, o hospital da Beneficente Portuguesa logo ganhou papel de relevo no contexto social amazonense, então marcado pela ocorrência de surtos epidêmicos contínuos a provocar enorme mortandade. Com ele algumas associações espanholas firmaram acordos e convênios, ampliando e assegurando o atendimento de seus associados.

O Centro Español, que se definia como uma Sociedad de Socorro, Instrucción y Recreo foi a primeira experiência associativa dos espanhóis em Manaus. Embora tenha sido criado em 1902, as discussões visando a sua fundação e à definição dos objetivos e do perfil a ser assumido pela agremiação começaram no ano anterior e podiam ser acompanhadas através do jornal La Voz de España, criado em 1901 por membros daquela comunidade em Manaus.10 10 O La Voz de España surgiu no ano de 1901 e, ainda neste ano, interrompeu sua publicação, retornando em outubro de 1905, tornando a desaparecer em 1907. Sua coleção é fragmentária e bastante incompleta, restando dela apenas vinte e um números.

Ambas as iniciativas - associação e periódico - não apenas caminharam juntas, como também fizeram parte das estratégias prioritárias dos processos de mobilização e organização das diversas comunidades estrangeiras estabelecidas na capital amazonense e, embora se estruturassem como instituições diferenciadas do ponto de vista administrativo, tendiam, muitas vezes, a ser animadas pelos mesmos grupos e pessoas de destaque na comunidade e até mesmo funcionaram num único endereço. Foi comum os jornais produzidos pela comunidade precederem as iniciativas associativas, tornando-se de imediato em veículos de divulgação e mobilização daquelas propostas. Por vezes, o processo associativo recorreu diretamente à colaboração da imprensa “nativa” diária, em especial quando esta se mostrava receptiva e aberta à colaboração de expoentes das comunidades estrangeiras.11 11 O conjunto das comunidades diaspóricas radicadas em Manaus no período aqui analisado publicou mais de trinta periódicos, sendo seis deles produzidos por espanhóis, a saber: El Hispano-Amazonense (1901); La Voz da España (1901-1907); Centro Español (1902-1903); La Union (1903); El Español (1903) e El Hispano-Amazonense (1918-1922).

Seja como for, já em seu primeiro número, o La Voz de España conclamou a pequena comunidade espanhola de Manaus a esquecer suas divergências e a se unir com a finalidade de fundar uma associação em prol de seus interesses. Na reunião convocada para debater o assunto, esteve presente grande número de participantes, dentre eles “acreditados negociantes y respetables figuras salientes de nuestra honrada colonia”. Lá estiveram o vice-cônsul da Espanha em Manaus, Manuel Rodrigues Lyra, e os diretores do periódico, Julio Minuesa Merchán e José Diaz. Noticiando em pormenores a reunião, o jornal salientou também o comparecimento em massa de seus compatriotas que, segundo ele, atenderam ao “llamamiento patriótico que por medio de la prensa española se había hecho” (La Voz de España, Manaus, 1901). Já neste número inicial, os editores do periódico apressaram-se em esclarecer a difícil situação da comunidade espanhola na cidade e, desta forma, a justificar a iniciativa do processo associativo:

Existen en Manaus diversas sociedades cada cual perteneciente à su nación; la única que hasta hoy no se ha hecho notar, viviendo en la obscuridad ha sido la española; es tiempo de que esta humilde, se haga representar y diga en voz bien alta: España no ha muerto. España vive! La prueba aquí la tenerla en esta bandera que abrazamos; ella representa la Patria y nosotros sus hijos defensores, aunque que en lojanas tierras no dejamos de … [ilegível] su nombre.

Unámonos, pues, compatriotas, procuremos estrecharnos con lazos irrompibles y consigamos per este medio patentizar que la pequeña colonia española del Amazonas jamás olvida el cariño de la Patria ni tampoco decae so patriotismo en países tan lojanos (La Voz de España, Manaus, 06/01/1901).

Manuel Rodriguez Lira presidiu a reunião, assessorado por José Diaz, que expôs aos presentes a necessidade de se criar uma sociedade beneficente, para ele fundamental, dado o contínuo crescimento alcançado pela comunidade, que então chegava a “dois mil e poucos” espanhóis e, também, por se encontrarem muito distantes de sua terra natal. Tal medida, dizia o periódico, significava para a colônia evitar “que infelices compatriotas vaguen por esas calles implorando la caridad pública y evitar también en la horrorosa miseria y abandonados de todos”. O dono do jornal termina seu discurso afirmando que aquela iniciativa era também uma forma de demonstrar que os espanhóis ‘aunque pobres, pero horados, saben también crear centros de beneficencia para sus compatriotas’ (La Voz de España, Manaus, 27/01/1901).

Ao final da reunião, e após a realização de eleição secreta, foram escolhidos alguns membros da comunidade para compor uma Junta Provisória destinada a administrar a recém-criada associação e a elaborar seus estatutos. Tanto a opção pelo processo indireto de escolha dos membros, quanto o registro do termo distintivo “Don”, a anteceder o nome dos escolhidos12 12 A composição da Junta ficou assim definida: D. Manuel A. Lyra (Presidente); Antônio Martinez Taboas (Vice-presidente); D. Francisco Barroso y Alamo (Tesoureiro); D. Jorge A. Rivas (1o Secretário) e D. Julio Minuesa (2o Secretário); D. Manuel Groba Pampillón (1o Vogal) e D. Pedro Ramirez (2o Vogal). (La Voz da España, nº 4. Manaus, 27 jan. 1901). , denunciam um processo organizativo de viés elitista, traço comum a muitas organizações congêneres do período.

Os estatutos do Centro Español esclareciam que a sociedade pretendia fomentar o espírito de associação entre os membros da comunidade para que, nos momentos de dificuldades, pudessem ajudar-se mutuamente e, assim, fazer “reunir lo ameno y agradable con lo benéfico y provechoso, a fin de fomentar el espíritu de asociación que une los hombres con los sagrados vínculos de fraternidad y armonía, ya sea para instruirse, ya para socorrerse y ayudarse mutuamente” (ESTATUTOS DEL CENTRO ESPAÑOL, 1902, p. 3).

A leitura dos estatutos permite perceber formas diferenciadas de ingresso dos espanhóis no interior dessa agremiação, já que estabeleciam gradações importantes. Havia cinco modalidades de associados, a saber: número, ativo, passivo, transeunte e honorário. Para ser sócio de número, era necessário ser filho da Espanha ou de pais espanhóis ou, então, que pelo menos o pai fosse espanhol. Outro critério para essa admissão era ter a idade mínima de quinze anos e boa conduta, além de ter contribuído para a fundação da sociedade com um mínimo de cinco mil réis. Já o sócio ativo, além de possuir as mesmas características do anterior, ao entrar para a sociedade deveria contribuir com a quantia de vinte mil réis, além do pagamento de mensalidade equivalente a um quarto desse valor. O ingresso precisava ainda ser submetido à aprovação da Junta Diretiva, que deliberaria sobre o pleito em escrutínio secreto. Os sócios transeuntes referiam-se àqueles que, com frequência, precisavam se ausentar da cidade, mas que deveriam regularizar suas mensalidades quando de seus retornos. Os sócios considerados passivos eram aqueles que, não sendo espanhóis, contribuíam “para o engrandecimiento de la Sociedad, ya sea con recursos pecuniarios, ya sea intelectualmente. Estos socios no tendrán voz ni voto en las asambleas generales” (ESTATUTOS DEL CENTRO ESPAÑOL, 1902, p. 5).13 13 A condição de sócio honorário não é definida no estatuto.

Com relação ao funcionamento, direção e administração da sociedade, esta ficaria a cargo de uma Junta Diretiva composta por um presidente, um vice-presidente, um secretário, um vice-secretário, um tesoureiro, um contador, um bibliotecário, seis vogais e cinco suplentes, todos eles eleitos entre os sócios de número e ativos, com idade a partir de vinte anos. Em capítulo especial de seus estatutos, intitulado de Los Socorros, a entidade esclarecia como ocorreriam os procedimentos assistenciais aos sócios, incluindo os que se achassem em indigência. Neste caso, estabelecia-se que:

Art. 28. Queda facultada la Junta Directiva, a dispensar los socorros de que carezcan los Socios indigentes, en caso de enfermedad o muerte y cuando a su juicio y sus fondos lo permitan.

Art. 29. En caso de que la Sociedad pueda desenvolver la Beneficencia, formulará un Reglamento especial, que podrá ser hecho por la Junta Directiva, siempre que lo apruebe la asamblea general. (ESTATUTOS DEL CENTRO ESPAÑOL, 1902, p. 12).

O Centro Español permaneceu ativo pelo menos até 1903, quando então deixou de ser referenciado nos registros documentais da época. Dois anos depois, em 1905, encontramos referência à criação de duas novas associações espanholas, sendo a primeira a Sociedad la Unión Española e a segunda a Sociedad Española de Beneficencia Cervantes. Infelizmente, sobre elas há apenas informações esparsas, o que dificulta sensivelmente uma análise mais acurada de sua abrangência e atuação. Sobre a Sociedad la Unión Española sabe-se que fez publicar nota pelos jornais locais, por onde convocou os membros da colônia para uma reunião solene, que seria realizada no Centro Operário de Manáos. A nota, que vinha assinada pelo secretário daquela associação, continha o seguinte teor:

El objetivo de esta reunión es protestar del… [ilegível] atropello de que fuimos victimas en nuestros derechos de españoles con el nombramiento de un vicecónsul contra nuestra voluntad soberana. Esta sociedad, espera que todos nuestros compatriotas comparecerán a esta reunión para robustecer este acto, con sus presencias y sus firmas, dando así, una prueba de amor a la patria y atestiguar de que en sus venas corre aun la sangre de los héroes del 2 de mayo de 1808. Proveámoslo así, asistiendo a la reunión del domingo a las 3 (Jornal do Comércio, Manaus, 17/06/1905).

Afora essa nota esparsa, não encontramos outros registros documentais que iluminassem os desdobramentos daquela reunião ou mesmo que indicassem a continuidade da própria associação. Situação semelhante ocorreu com a Sociedad Española de Beneficencia Cervantes que, também fundada em 1905, fez circular pelos jornais da cidade a notícia de sua criação e a composição de sua diretoria, ou antes, uma Junta Provisória.14 14 Presidente, Manoel Parada Corbacho; Vice-presidente, Francisco Barroso; 1o Secretário, Joaquim Azpilicueta; Tesoureiro, Manuel Groba Pampillón; Vogais, Angel Perez Caballero, Jesus Rodriguez ... [ilegível], José Perez Lago, Jesus Fernandes e Lucindo ... [ilegível]. (Jornal do Comércio, Manaus, 27 ago. 1905). Embora a nota terminasse prometendo ao público a publicação de novas informações, estas não aparecem novamente na documentação. Seja como for, parece-nos significativo que a reunião convocada pela Sociedad la Unión Española tenha sido programada para ocorrer na sede do Centro Operário de Manaus, instituição recém-criada na cidade pelo pernambucano Alfredo de Vasconcelos Lins e pelo alagoano Manoel Madruga. Por pelo menos dois anos, o Centro animou o debate e a mobilização voltada para a organização dos trabalhadores urbanos na cidade. (PINHEIRO, 2017PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Vozes operárias: Fontes para a história do proletariado amazonense (1890-1930). Rio de Janeiro: Gramma, 2017., p. 93). Tal fato nos permite reforçar tanto a convicção nos vínculos estreitos existentes entre a base da comunidade espanhola estabelecida em Manaus e o mundo do trabalho, quanto o fato de que, na raiz das associações mutuais étnicas, entravam fortemente questões relacionadas aos dilemas vivenciados no âmbito das relações de trabalho.

O processo associativo dos espanhóis de Manaus voltou a se manifestar em 1908, quando então apareceram informações sobre a Sociedad Española de Beneficencia. Manifestou-se inicialmente por meio de uma comissão encarregada de organizar as primeiras reuniões, visando à formação da agremiação15 15 A comissão preparatória foi composta por Joaquim Azpilicueta, Antônio Suarez, José Perez Lugo e Manuel Groba Pampillón. Dias depois, foi anunciada a diretoria da Sociedad, dela fazendo parte: Manoel Parada Corbacho, Presidente; Francisco Barroso, Vice-presidente; Manuel Groba Pampillón, Tesoureiro; Joaquim Azpilicueta, Secretário; José M. Pinero, Contador. Contava ainda com os seguintes vogais: Aurélio Baldo Gomes, Raimundo Fernandez, José Perez Lugo, Leonardo Fernandez, Manuel Fontan Garrido, Antônio Suarez e Vicente Llopis. (Jornal do Comércio, Manaus, 3 nov. 1908) momento em que esta passou a solicitar o comparecimento dos membros da comunidade para uma reunião onde seria eleita uma junta diretiva e outra comissão, desta vez encarregada da redação dos estatutos (Jornal do Comércio, Manaus, 07/11/1908). Alguns meses depois, o mesmo jornal publicava nota informando ter recebido cópia dos seus estatutos:

Recebemos ontem um exemplar dos estatutos da Sociedad Española de Beneficencia, recentemente fundada nesta capital. Segundo o artigo primeiro desse regulamento, é proposito da novel corporação fomentar o espirito de associação entre os espanhóis residentes neste Estado e contribuir para a manutenção dos estreitos vínculos do sentimento espanhol em nosso país, instituindo, para esse fim, duas secções denominadas: proteção e beneficência (Jornal do Comércio, Manaus, 01/05/1909).

A presença de Joaquim Azpilicueta - tipógrafo e importante liderança socialista do período - nos cargos de direção das associações espanholas parece indicar uma tendência das mesmas para uma maior participação de membros da comunidade oriundos dos segmentos populares e da classe trabalhadora, o que, em hipótese alguma, deve ser entendido como um alijamento ou diminuição da representação do segmento empresarial. Com efeito, estes não apenas se projetavam para o interior das mutuais étnicas, como, invariavelmente, as dirigiam. Nelas, atuavam figuras como: Manuel Corbacho, Manuel Groba Pampillón, José Perez Lugo ou Antônio Suarez e Julio Minuesa Merchán, comerciantes estabelecidos na praça de Manaus e que gozavam de forte projeção social dentro e fora da colônia espanhola da cidade.

Plurais em suas dimensões de classe, as agremiações espanholas no Amazonas enfrentaram tensões internas importantes em que interesses de base produziam constantemente confrontações com lideranças conservadoras, tocadas por comerciantes e empresários já plenamente assimilados à elite socioeconômica do Estado. Em vários momentos a imprensa amazonense, incluindo-se aí os jornais produzidos pela colônia espanhola, deu vazão a esse debate de ideias e posições políticas que, com muita frequência, descambava para agressões verbais, xingamentos e ameaças de todo tipo.

Dimensões desse conflito se expressariam mais claramente em meados de 1914, momento em que os espanhóis estavam novamente empenhados em novas tentativas organizacionais, distribuindo panfletos e soltando convocações pelas páginas dos periódicos locais. Dessa intensa mobilização resultou o comparecimento de mais de duzentos espanhóis ao Teatro Alcázar16 16 Em contraste com o afamado e opulento Teatro Amazonas das óperas e árias que deleitavam as elites manauaras, o Alcazar, bem mais modesto, voltou-se desde o início para o entretenimento popular, abrigando funções teatrais itinerantes, de baixo custo e projeções cinematográficas. Desde cedo também, abriu suas portas para as organizações operárias da cidade, que ali faziam suas reuniões e assembleias de maior dimensão e importância. . Ali, em sessão presidida por Joaquim Garrido, Peres Cavalheiro e Fernandes Varella, foi apresentada a proposta de fundação do Centro Socialista de Espanhóis, o que parecia refletir tanto uma perceptível ascensão do movimento operário em Manaus, quanto a percepção, pela ampla base operária da colônia espanhola, do esgotamento do modelo de representação das tradicionais associações diaspóricas, além de ainda indicar uma importante capilaridade dos ideais socialistas no interior da comunidade.

Recebida como ousada, a proposta foi combatida com veemência, à esquerda e à direita, sendo rejeitada até mesmo por Joaquim Azpilicueta, famoso pelo propagandismo dos ideais socialistas entre os trabalhadores amazonenses. Movia-o, por certo, o ideal do internacionalismo da causa operária, sempre avesso ao recorte nacional divisionista. No espectro oposto, argumentava-se que a proposta não apresentava a abrangência requerida para abarcar todos os membros da colônia. Ante à derrota iminente, Fernandez Varela, outra importante liderança operária, propôs um recuo em direção ao modelo associativo tradicional, encaminhando proposta de criação do Centro Español de Socorros Mutuos. (Jornal do Comércio, Manaus, 01 e 10/07/1914).

Prenhe de tensões internas, o associativismo espanhol enfrentaria, de forma recorrente, não o dilema da criação de agremiações, mas o da sua manutenção. Independente do perfil assumido, as associações tendiam a funcionar melhor em articulação com causas pontuais e momentâneas, quando então conseguiam empreender mobilizações de certa envergadura, ampliando o quadro associativo e, por vezes, arrecadando os fundos necessários para a execução de alguma ação programática. Com efeito, essa parece ter sido uma característica do associativismo onde quer que ele tenha se desenvolvido, incluindo-se aí até mesmo o associativismo de explícito viés operário do último quartel do século XIX e primeiro do XX. Não sem razão, Marcel van der Linden, pensando o sindicalismo numa perspectiva global, argumentou que os sindicatos: “eram vistos como expedientes temporários destinados a um fim específico. O fim de um sindicato, portanto, era algo esperado assim que seus objetivos tivessem sido alcançados. Uma vida breve era uma de suas características” (LINDEN, 2013LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do mundo: ensaios para uma história global do trabalho. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013., p. 251).

Em Manaus não foi diferente e as diversas associações criadas no período - mutualistas ou sindicais; operárias ou não - tiveram imensa dificuldade para vencer a efemeridade e, desta forma, manter-se atuante por mais de um, dois ou três anos de existência. Afora os momentos imediatamente posteriores à criação das associações, marcado, por vezes, por euforia e expectativas promissoras, adivinham frequentemente sensações de desânimo e desencanto. A frequência dos associados às assembleias passava então a ser baixa, enquanto a inadimplência nas anuidades subia de forma inversamente proporcional.17 17 Em matéria intitulada “os relapsos da associação”, o jornal Tribuna do Caixeiro, de 1908, queixava-se do problema da inadimplência: “A Associação dos Empregados no Comércio, atualmente vê-se na obrigação de cancelar por falta de pagamento um número bem crescido de sócios relapsos de seu quadro, depois, certamente, de esgotar todas as medidas de tolerância necessárias para fazê-los cumprir o seu dever”. (apud. PINHEIRO, 2017, p. 221). Como tantas outras entidades amazonenses, a Sociedad Española de Socorros Mutuos teve também que lidar com o problema:

Con el objeto de facilitar la administración, se suplica, a todos los señores asociados que están en atraso con sus mensualidades, que tengan la amabilidad de ponerse al corriente hasta el 31 de enero próximo, pues que terminado dicho plazo, se dará de baja a todos los que no hubiesen apagado, conforme queda expresado en el artículo 22 de los estatutos. Así como a contar de la citada fecha, se hará regir para la cobranza el acuerdo de marzo de 1917. (Jornal do Comércio, Manaus, 27/12/1918).

Além das questões econômicas, havia também frequentes crises de legitimidade que, como mencionado, criavam tensões e dissidências entre os associados. Não sendo associações classistas, mas frequentemente assumidas por membros econômica e politicamente mais destacados da colônia, as mutualistas espanholas de Manaus também se prestaram ao favorecimento da projeção social de suas lideranças, repetindo na capital amazonense, um fenômeno já observado em outras localidades do Brasil e do mundo. Assim, com a atenção voltada para a comunidade espanhola estabelecida no Rio de Janeiro, Érica Sarmiento argumenta que, “no início do século XX, já havia uma coletividade galega numerosa e formada por indivíduos que alcançaram um poder socioeconômico e que [desejavam] reconhecimento social”. Para a autora, as associações foram espaços fundamentais para “essa ascensão social”, uma vez que, por meio delas, “os membros da diretoria ganhavam uma visibilidade tanto dentro do coletivo galego como na sociedade brasileira”, podendo, assim, “perfeitamente utilizar as necessidades dos seus patrícios em prol dos interesses individuais” (SARMIENTO, 2014SARMIENTO, Érica. Associativismo espanhol/galego no Rio de Janeiro: Conflitos, visibilidade e lideranças étnicas. In: SOUZA, Fernando et al. (Org.). Portugal e as migrações da Europa do Sul para a América do Sul. Porto, Portugal: CEPESE , 2014, p. 560-576., p. 570).

O mesmo ocorreu com o pequeno grupo de espanhóis que havia chegado ao Amazonas com algum capital ou com os que fizeram fortuna, fosse pelo comércio, pela indústria ou pela exploração de seringais. Para eles, assumir a presidência e o controle das diretorias das associações diaspóricas era uma oportunidade ímpar para ampliar e/ou reforçar seus prestígios e privilégios, num duplo processo de projeção social. De um lado, falando para os membros de sua comunidade de origem, em meio a práticas pontuais de filantropia, tais lideranças ampliavam sua base de apoio e representação, além de também apresentarem-se como mediadores capazes de interceder junto às autoridades públicas para a resolução de problemas que afligiam a comunidade. De outro lado, o processo se invertia, fazendo com que tais dirigentes se apresentassem às autoridades e à sociedade em geral como legítimos representantes da comunidade estrangeira, a quem diziam representar e traduzir seus interesses e expectativas.

Por si só, tais ações não pareciam, verdadeiramente, engendrar problemas internos, e as crises de legitimidade tenderam a emergir apenas quando tais lideranças, projetando seus interesses pessoais como se fossem coletivos, o faziam em maior descompasso com os anseios e demandas das sociedades que diziam representar. Assim, tais lideranças podiam e tendiam a atuar de forma incisiva e contundente em pequenas causas, quando da violência policial à algum patrício, por exemplo, ou denunciando posturas desrespeitosas à Espanha ou à comunidade espanhola veiculadas por algum órgão da imprensa local. No entanto, foi mais difícil seu envolvimento nas causas trabalhistas, mesmo e principalmente quando situações de crise de abastecimento ou disputas salariais levavam a enfrentamentos e greves. Em tais momentos, seja perfilando-se com o patronato, seja omitindo-se em emprestar apoio e solidariedade à base trabalhadora da colônia, a condição de classe tendia a falar mais alto que a identidade étnica e, desta forma, tais lideranças passavam a ser pressionadas e questionadas, podendo, inclusive, inviabilizar-se de todo frente aos associados e à comunidade.

Havia ainda o problema recorrente do uso inadequado - quando não, delituoso - dos fundos associativos, o que, por vezes, assumia dimensão de escândalo, mobilizando os associados para a adoção de medidas punitivas e reparadoras frente aos dirigentes acusados. Exemplar dessa situação foram as denúncias contra Pedro Rodamillans Fontanet18 18 Pedro Rodamilans Fontanet era um pequeno empresário em Manaus, dono da “El Cronómetro: Relojería y joyería”, loja que ficava situada na rua dos Barés, nº 27. (El Hispano-Amazonense, Manaus, 29 jun. 1918). que, em 1918, dirigia a Sociedad Española de Socorros Mutuos.19 19 As motivações para a sua criação foram as mesmas das associações anteriores, cuja preocupação maior era criar mecanismos de apoio e solidariedade em uma terra estrangeira: “El 12 de mayo de 1916 y por iniciativa de un grupo de compatriotas residentes en esta ciudad, se ha llegado a la idea de establecer una Sociedad de Beneficencia para aunar los lazos de amistad y cariño entre los miembros de la Colonia Española a la vez que para dispensarse mutuo socorro cuando la desgracia llame a nuestras puertas y pretenda arrebatar una existencia útil a la Patria y a los suyos”. (SOCIEDAD ESPAÑOLA DE SOCORROS MUTUOS, Manaus, 1923, p. 4)

Contra ele, levantaram-se diversas vozes, que o atacavam tanto pelo uso de práticas arbitrárias contra sócios que lhe faziam oposição, quanto por malversação dos fundos da sociedade, acusando-o ainda de permanecer ilegalmente no cargo de presidente, em atropelo aos estatutos da associação (El Hispano-Amazonense, Manaus, 21/09/1918).

Contra Fontanet levantou-se, por meio de carta que fez publicar nos jornais da cidade, o líder socialista Joaquim Azpilicueta - de grande prestígio no seio da colônia espanhola, e que fora perseguido pelo dirigente da Sociedad. Na denúncia, em tons veementes, Azpilicueta chama o dirigente de ladrão, e deixa transparecer outras tensões que atuavam no interior da comunidade de imigrantes espanhóis da cidade:

Se celebra mañana reunión en la Sociedad en donde abundan los ratones y en cuyo lugar me robaron a mansalva la importancia perteneciente à mi cuota de entrada y 24 recibos de mensualidad. Mi grande satisfacción es que ese dinero ha de servir para ayuda del entierro social del Cuervo de Lérida, presidente de la Sociedad en donde pontifican el señor don Ciego y la señora doña Inconciencia.

¡Nariz! ¡Nariz! y mucho ¡nariz! ¡Ojo! ¡Ojo! y mucho ¡Ojo! con los Ochos contos. Estoy de atalaya (El Hispano-Amazonense, Manaus, 21/12/1918).

Ao mencionar a alcunha Cuervo de Lérida, Azpilicueta que, na imprensa “nativa” amazonense, assinava com o pseudônimo de Navarro de Pamplona, toca na questão, ainda vívida, das nacionalidades plurais que a presença do Estado nacional espanhol tentava sublimar, mas que ainda despertava paixões e sentimentos conflitantes entre muitos “espanhóis”. Na colônia estabelecida em Manaus, a questão se colocava com frequência, embora nem sempre de forma explícita. Assim, subliminar como na nota de Azpilicueta, o tema volta na carta denúncia assinada por outro associado, Máximo Piña Rodrigues, também integrante da direção da entidade:

Traté por mi parte de salvaguardar mi dignidad, pidiendo mi dimisión, pues yo de forma alguna quiero asumir responsabilidades, ocasionada por la antipatriótica administración de un hombre, que tuvo el cinismo de decir en plena asamblea y en presencia de personas extrañas, que su idioma no era el español… (El Hispano-Amazonense, Manaus, 05/10/1918).

Em muitas ocasiões, as críticas à direção da associação e as dissidências geradas entre os espanhóis transcenderam as fronteiras da comunidade para ganhar as páginas dos jornais “nativos”, fazendo com que os conflitos da colônia fossem rapidamente se tornando assunto das rodas de conversa espraiadas pelos cafés e pelas esquinas da cidade. Desta forma, contribuindo para reforçar a pecha de turbulentos atribuída aos espanhóis, o que incomodava sensivelmente não apenas os dirigentes das mutualistas, como também o conjunto dos membros da colônia.

Em carta publicada pelo El Hispano-Amazonense e endereçada aos integrantes da colônia espanhola amazonense, um de seus membros, assumindo o pseudônimo de “Un Compatriota”, conclamava a comunidade a apaziguar os ânimos e dar um fim às divergências e partidarismos que, em sua opinião, os prejudicava e contribuía para a desqualificação dos espanhóis perante a sociedade amazonense.

Hay que parar con la marcha de estas cosas. Nos exponemos á que de esta forma nos tachen de “separatistas”; la prensa local pudiera comentar nuestros hechos, nada favorables para la Colonia. Hay que evitar que esta tendencia partidaria que se ha formado y ver la manera de llegar a la armonía de ambos os elementos para pue nuestra obra pueda continuar ejerciendo su fin benéfico; estrechar más los lazos de nuestra Colonia; no desmoronar lo hecho desde la fundación de la Sociedad y evitar que de esta forma caigan nuestros actos en el ridículo del dominio público.

Nuestro caso de divergencias y partidarismo está bien patente por lo publicado por la prensa local. No podemos esconder que está en forma muy crítica las condiciones sociales de la “Sociedad Española de Socorros Mutuos”, a consecuencia de las pasiones formadas, y no debe comunicar este estado de cosas. Juntémonos compatriotas y consocios en una asamblea, a cambiar ideas, ver, estudiar y discutir, pues todos sabemos que “de la discusión nace la luz” (El Hispano-Amazonense, Manaus, 28/09/1918).

Ao contrário das suas congêneres anteriores, a Sociedad Española de Socorros Mutuos teve existência excepcionalmente duradoura, permanecendo em funcionamento por quase cinquenta anos, sendo extinta apenas em 1966.20 20 De acordo com Carmen Novoa, o prédio onde a associação funcionava sofreu um incêndio o que motivou o encerramento de suas atividades justamente quando completava 50 anos de vida. (SILVA, 2010, p. 46). Sua fundação aconteceu em um momento de acentuada decadência da borracha, demarcando a falência dos serviços na cidade, o fechamento de milhares de postos de trabalho, o desemprego que dele advinha e a deterioração das condições de existência da população que se via ainda agravada pela carestia e pelo conflito mundial. Tais condições exigiam a adoção urgente de medidas que pudessem, de alguma forma, resolver, ou ao menos minorar, o quadro geral de penúrias e carências e isso se traduzia em um novo desafio para as mutuais étnicas da cidade.

Começava também, naquele momento, um processo de inversão no sentido dos deslocamentos, com parte significativa de membros da comunidade espanhola de Manaus buscando retornar a seu país de origem ou seguir, num novo processo migratório, para colônias assentadas em localidades mais prósperas e atrativas. Para a maioria, no entanto, tais caminhos não se configuravam como opções válidas, já que, como deserdados do látex, viram-se jogados de chofre numa situação de penúria e indigência. Para estes, em especial, era chegada a hora de revitalizar o associativismo, acordando-o do sono letárgico que o havia alcançado e, neste sentido, não deixa de ser emblemático que a assembleia de fundação da Sociedad Española de Socorros Mutuos tenha sido presidida por um “homem do povo”, Joaquin Azpilicueta.

Vendo em perspectiva, a inovação trazida pelos estatutos da Sociedad está, justamente, na ênfase que passou a dar ao tema da repatriação. Com efeito, este sempre foi um ponto sensível para as associações de imigrantes, pois, mesmo em momentos de estabilidade econômica, o desejo de retorno à terra natal podia se materializar pelos mais diversos motivos: inadaptação ao novo ambiente, saudades da família, dificuldades para conseguir emprego, doenças, etc. Em momentos de crises econômicas severas, como a que atingiu a Amazônia após a segunda década do século XX, o desejo de retorno tornou-se praticamente obsessivo, fazendo com que os estrangeiros, empobrecidos e sem recursos para arcar com os gastos da viagem de volta, batessem às portas das associações.

Diante de tais demandas, as mutuais étnicas reforçaram sua ação neste quesito, empreendendo esforços para viabilizar o regresso de seus associados acometidos pela miséria e indigência. Em 1923, a Sociedad Española de Socorros Mutuos fez publicar uma brochura que continha, além de seus estatutos, um breve balanço de suas ações, deixando claro que, em Manaus, a prática do repatriamento entre os espanhóis foi bastante corriqueira:

En los siete años de vida que cuenta nuestra Sociedad se ha cumplido con uno regular número de compatriotas asociados faltos de recursos y atacados de dolencias que le imposibilitaban al trabajo en estas regiones. À consejo de facultativos, algunos pocos se han trasladado al Sur de este País, siguiendo el resto, el regreso a la Madre Patria (SOCIEDAD ESPAÑOLA, 1923SOCIEDAD ESPAÑOLA DE SOCORROS MUTUOS. Memoria y Cuentas Generales de La Sociedad Española de Socorros Mutuos. Manaus, s/n. 1923., p. 8).

Em que pesem os argumentos da diretoria da Sociedad, Julio Minuesa Merchán, editor do periódico El Hispano-Amazonense - órgão que se autoproclamava porta-voz da colônia espanhola no Amazonas -, via a ação repatriadora da Sociedad como extremamente tímida e, desta forma, bastante comprometedora da situação dos sócios menos afortunados da colônia. Em artigo intitulado “Colonia Española en Manaus”, Merchán explicitava a tibieza da atuação da diretoria da associação, defendendo a implantação de um sistema de repatriamento que pudesse alcançar todos os espanhóis necessitados, incluindo crianças, idosos e mulheres. Assim, argumentava que a Sociedad agia “A socorro del enfermo, proporcionándole una cama de segunda clase en uno de los hospitales de esta; socorro que solo puede obtenerlo el mayor de 15 años y menor de 51”. Contudo, expunha também suas objeções:

¿Es que el menor de 15 años y mayor de 51 no es español? ¿Es que debemos dejarlos desamparados?, máxime cuando son las edades que necesitan más apoyo…. La mujer que nació en España y que con nosotros lleva la penosa carga de la expatriación ¿no es nuestra hermana? ¿No debemos mirar por ella, mucho más que por nosotros mismos por ser más débil? No seamos egoístas…” (El Hispano-Amazonense, 29/06/1918).

As críticas, cada vez mais cruentas e incisivas, se sucedem pelo jornal da colônia, abalando os alicerces da Sociedad e produzindo dissidências.

No fluxo de tais contradições, ainda em 1918, foi criada uma nova associação, a Sociedad Española Recreativa e de Beneficencia, que passou a receber um número significativo de sócios de sua congênere. Sua primeira Junta Diretiva foi composta de vários membros de “posición social y otros de dinero”, como salientou Julio Minuesa Merchán, proprietário do El Hispano-Amazonense, sem esconder que, dali em diante, seu jornal emprestaria seu apoio incondicional à nova associação.21 21 Compunham a Junta Diretiva: Presidente: Manuel Parada Corbacho; Vice-presidente: Amâncio Rey Gil; 1º Secretário: Jesús Cota Janeiro; 2º Secretário: Aquilino de la Casa; Tesoureiro: Eládio Suarez Pastor; Orador Oficial: Joaquim Azpilicueta; Bibliotecário: José Rodriguez Viñas. Vogais: Manuel Groba Pampillón, José Garcia Melchor, Adriano Ruíz Breval, Manuel Benito Rodriguez, Antonio Rodriguez Pardo, Benito Fernández; Comissão Fiscal: Pablo Novoa, Joaquim Rodriguez, Inocencio Ribas; Comissão Redatora dos Estatutos: Miguel Martin y Romero, Julio Minuesa Merchán e Manuel Benito Rodriguez; Vogais suplentes: Domingo Vara, Ramón Rodríguez Tellez, José Pérez y Pérez, Albino Mourelle, Victorino Mendez Diniz e Manuel Ogando Vidal. El Hispano-Amazonense, Manaus, 27 jul., 1918.

Usando o espaço e o poder que seu jornal lhe propiciava, Merchán, principal articulador da nova sociedade, afirmava que ela seria possuidora de um caráter mais democrático, congregando todos os espanhóis, sem distinção de credo e classe, e que ainda serviria como espaço recreativo, onde os associados poderiam relaxar com suas famílias, além de ali se comemorar as grandes datas do calendário espanhol.

A nova organização trazia novidades, contemplando questões que anteriormente foram alvo de crítica entre os membros da comunidade. De acordo com seus estatutos, poderiam compor os quadros da associação todos os espanhóis, sem distinção de sexo, desde que fossem maiores de quatorze anos. O benefício poderia ainda ser estendido para os estrangeiros casados com espanholas ou que adquirissem carta de naturalização. Ia ainda mais longe, já que também podiam associar-se os filhos “de las Repúblicas Hispano-Americanas; los hebraicos descendentes de la raza española y los hijos del archipiélago filipino” (El Hispano-Amazonense, Manaus, 03/08/1918).

Havia também pontos problemáticos que a associação tentava blindar, principalmente a ação de desafetos políticos. Neste particular, chama a atenção o dispositivo do estatuto que estabelece, de forma bastante imprecisa e subjetiva, que não poderiam ser admitidos como sócios “aquellos que por su carácter díscolo e intrigantes pudieran perturbar la buena armonía, que como decimos antes, es la base principal entre los miembros de esta Institución”. (IDEM)

A nova associação também inovou, ao permitir que mulheres passassem a ser associadas, porém seus estatutos impuseram um condicionante para o usufruto dos benefícios por parte delas: “las mujeres solamente tendrán derechos a los socorros de la Sociedad cuando sus enfermedades sean de origen natural y nunca por motivos de embarazo” (IBIDEM).

Na parte recreativa, a associação se propunha a organizar um time de futebol e “funciones teatrales, genuinamente españolas, veladas literarias y musicales, bailes de sociedad, kermeses, y en fin cuanto cabe en distracciones honestas y distinguidas” (El Hispano-Amazonense, Manaus, 27/07/1918). É também perceptível a preocupação com a educação e com a valorização da língua espanhola, razão pela qual a agremiação comprometeu-se com a criação de cursos gratuitos de primeiro e segundo graus para os sócios e seus familiares, demanda que, todavia, só passou a ser implementada três anos depois.

El día 16 del presente, empezarán a funcionar las aulas nocturnas en el local de esta Sociedad, (calle Instalação, nº 17), para los socios y sus hijos. Fue un buen acuerdo, el cual, dicho sea de paso, se hacía sentir hace tiempo y deseamos, que tanto los señores como los alumnos, tomen asunto con verdadero cariño, con el fin de que, en esa casa, se hable la lengua del inmortal Cervantes (El Hispano-Amazonense, Manaus, 09/04/1921).

Seja como for, a criação da Sociedad Española Recreativa y de Beneficencia em 1918, não significou a extinção de sua congênere, a Sociedad Española de Socorros Mutuos, criada dois anos antes. Na verdade, as duas sociedades conviveram disputando associados durante alguns anos, até que, em 1924, foi proposta a conveniência da união das duas entidades (Jornal do Comércio, Manaus, 18/06/1924)22 22 Contribuiu também para a união das duas associações, a difícil conjuntura experimentada pela comunidade naquele momento. Em 1921, o jornal El Hispano-Amazonense, em artigo relatando reunião da comunidade - onde as duas associações se fizeram presentes - para solicitar ajuda ao rei espanhol para proceder o repatriamento dos necessitados, diz “No nos cansamos en repetir, que nunca hemos visto tantos compatriotas reunidos y tan de común acuerdo en todo como en la actualidad. Ni la más mínima protesta, ni el más leve murmullo de desagrado. Dios permita que la unión que hoy existe, - desgraciadamente para pedir auxilio à nuestros superiores - continúe siempre entre todos nosotros. (El Hispano-Amazonense. Manaus, 26/03/1921). . A unificação das duas entidades, em meados dos anos 1920, parece ter sido o caminho natural para uma comunidade que se via, agora, sensivelmente retraída para algumas poucas centenas de indivíduos23 23 De acordo com Carmen Novoa, o número de espanhóis em Manaus caiu vertiginosamente após 1920, alcançando o patamar de apenas 307 por volta dos anos 1950, reduzindo-se ainda mais radicalmente nos anos 1960, quando a Sociedad Española de Socorros Mutuos foi, enfim, extinta (SILVA, 2010, p. 54-55). . Na Manaus devastada pela decadência da borracha e abandonada pelo capital internacional, a vida pacata e provinciana voltou a ganhar força, fazendo com que o frenesi vertiginoso da “Paris das Selvas”, vivenciado na virada do século XIX para o XX, ficasse apenas como uma lembrança fugidia de tempos idos. A nova fase da capital amazonense, mais dura e cáustica, abriria, no entanto, a possibilidade para a reaproximação dos grupos oligarcas, também eles fragilizados pela crise.

Deixando em Manaus poucas famílias - em geral aquelas que efetivamente “fizeram a América”, acumulando capital e entranhando-se na sociedade local com algum destaque e notoriedade -, a trajetória dos espanhóis seguiu seu rumo no pós-borracha, optando pelo retorno à pátria saudosa, ou por um novo deslocamento em direção a outros eldorados, estivessem esses no Rio de Janeiro, São Paulo, na Argentina ou em qualquer outro lugar onde fosse possível chegar com um sonho na cabeça e uma mala na mão.

Assim, a presença de espanhóis na Manaus dos anos iniciais do século XX foi particularmente importante, uma vez que, partilharam sonhos, expectativas e experiências múltiplas que foram do associativismo a publicação de periódicos, a introdução de novos costumes e valores que se mesclaram na cidade com costumes e valores de outros estrangeiros, dos nativos e também com o dos migrantes nacionais recém-chegados, vindos principalmente do Nordeste, imprimindo novas marcas, novos valores e contribuindo para o complexo caldo cultural da sociedade amazonense. No mundo do trabalho sua presença e atuação foi igualmente importante, sendo preciso reconhecer que o processo associativo foi amplamente favorecido pela atuação incisiva de centenas de trabalhadores anônimos e de um punhado de importantes lideranças socialistas, como Joaquim Azpilicueta e Fernandez Varela, nomes que, desde logo, o conjunto da classe operária amazonense reconheceu e registrou como seu patrimônio.

Referências

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  • WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: HUCITEC/Edusp, 1993.

Notas

  • 1
    Para Marcelo Mac Cord e Cláudio Batalha (2014MAC CORD, Marcelo; BATALHA, Claudio Henrique de Moraes (Orgs). Organizar e proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séculos XIX e XX). Campinas, SP: Editora da Unicamp , 2014., p. 15-16), “alguns desses estudos entenderam as sociedades mutualistas (e até mesmo corporações de ofício) como espaços nos quais a classe trabalhadora construiu e legitimou suas identidades socioculturais na mais longa duração. Outros, críticos dessa primeira vertente, sublinharam as características previdenciárias das entidades de auxílio mútuo da perspectiva da teoria da escolha racional”.
  • 2
    Com relação à emigração espanhola, é importante reconhecer que o tema conta com um número considerável de boas obras, com destaque para: Herbert Klein (1994KLEIN, Herbert S. A imigração espanhola no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré: FAPESP, 1994.); Elda E. Gonzalez Martinez (1999MARTINEZ, Elda Gonzalez. O Brasil como país de destino para os imigrantes espanhóis. In: FAUSTO, Boris (Org). Fazer a América. São Paulo: EDUSP, 1999, p. 239.); Nicolas Sanchez-Albornoz (1988SANCHEZ-ALBORNOZ, Nicolas. Españoles hacia América: la emigración em masa, 1880-1930. Madrid: Alianza Editorial S. A., 1988.); Marília Dalva Cánovas (2009CÁNOVAS, Marília Dalva. Imigrantes espanhóis na pauliceia: trabalho e sociabilidade urbana (1890-1922). São Paulo: Edusp/Fapesp, 2009.), Lúcia Lippi Oliveira (2002), Ismênia de Lima Martins (2009MARTINS, Ismênia de Lima. Italianos, espanhóis e portugueses no quadro da grande imigração no Brasil. In: ARRUDA, José Jobson et al. De colonos a imigrantes: I(E)migração portuguesa para o Brasil. São Paulo: Alameda, 2013.) e Marilia Ferreira Emmi (2013EMMI, Marilia Ferreira. Um século de imigrações internacionais na Amazônia Brasileira (1850-1950). Belém: NAEA, 2013.).
  • 4
    Infelizmente, não foi possível localizar parte da documentação referente a essas sociedades. Entretanto, tivemos acesso a dois de seus estatutos, localizados no Diário Oficial do Estado do Amazonas e no periódico El Hispano Amazonense. Mesmo da associação mais longeva, a Sociedad Española de Socorros Mutuos, somente conseguimos localizar os estatutos.
  • 5
    A crônica esportiva da imprensa amazonense nos informa essa atuação: “As dezesseis e meia horas, no campo Coronel Ramalho, haverá um match de foot-ball entre o terceiro team do Luso Sporting Club e a União Sportiva Hespanhola. (Jornal do Comércio, Manaus, 15 de set., 1918.)
  • 6
    No vértice da pirâmide social, poucos espanhóis, dotados de algum capital, estabeleceram-se como proprietários e comerciantes no abastado comércio de importação e exportação. Outros, em posições intermediárias, abriram pequenos empreendimentos, como mercearias, padarias, armarinhos e lojas de ferragens, enquanto outros ainda se espraiaram pelos setores médios urbanos, ocupando cargos técnicos na burocracia estatal ou atuando como profissionais liberais.
  • 7
    Uma exceção à regra foi a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, cujo empreendimento, utilizou um contingente grande de trabalhadores, na maioria estrangeiros, onde os espanhóis despontavam (HARDMAN,1988HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma: a modernidade na selva. São Paulo, Companhia das Letras, 1988.).
  • 8
    Destacando a capacidade de adaptação dos espanhóis radicados em Manaus, Carmen Nóvoa assevera a preferência dos empregadores pelos trabalhadores estrangeiros, em especial também, pelo fato de o imigrante “aceitar menor remuneração”. (SILVA, 2010SILVA, Carmen Novoa. Um pai chamado Elias. Manaus: Valer , 2010., p. 46).
  • 9
    Como já afirmado no início do artigo, os estudos sobre o associativismo étnico no Amazonas são praticamente inexistentes. Quase nada sabemos sobre o funcionamento das inúmeras associações portuguesas além de suas existências.
  • 10
    O La Voz de España surgiu no ano de 1901 e, ainda neste ano, interrompeu sua publicação, retornando em outubro de 1905, tornando a desaparecer em 1907. Sua coleção é fragmentária e bastante incompleta, restando dela apenas vinte e um números.
  • 11
    O conjunto das comunidades diaspóricas radicadas em Manaus no período aqui analisado publicou mais de trinta periódicos, sendo seis deles produzidos por espanhóis, a saber: El Hispano-Amazonense (1901); La Voz da España (1901-1907); Centro Español (1902-1903); La Union (1903); El Español (1903) e El Hispano-Amazonense (1918-1922).
  • 12
    A composição da Junta ficou assim definida: D. Manuel A. Lyra (Presidente); Antônio Martinez Taboas (Vice-presidente); D. Francisco Barroso y Alamo (Tesoureiro); D. Jorge A. Rivas (1o Secretário) e D. Julio Minuesa (2o Secretário); D. Manuel Groba Pampillón (1o Vogal) e D. Pedro Ramirez (2o Vogal). (La Voz da España, nº 4. Manaus, 27 jan. 1901).
  • 13
    A condição de sócio honorário não é definida no estatuto.
  • 14
    Presidente, Manoel Parada Corbacho; Vice-presidente, Francisco Barroso; 1o Secretário, Joaquim Azpilicueta; Tesoureiro, Manuel Groba Pampillón; Vogais, Angel Perez Caballero, Jesus Rodriguez ... [ilegível], José Perez Lago, Jesus Fernandes e Lucindo ... [ilegível]. (Jornal do Comércio, Manaus, 27 ago. 1905).
  • 15
    A comissão preparatória foi composta por Joaquim Azpilicueta, Antônio Suarez, José Perez Lugo e Manuel Groba Pampillón. Dias depois, foi anunciada a diretoria da Sociedad, dela fazendo parte: Manoel Parada Corbacho, Presidente; Francisco Barroso, Vice-presidente; Manuel Groba Pampillón, Tesoureiro; Joaquim Azpilicueta, Secretário; José M. Pinero, Contador. Contava ainda com os seguintes vogais: Aurélio Baldo Gomes, Raimundo Fernandez, José Perez Lugo, Leonardo Fernandez, Manuel Fontan Garrido, Antônio Suarez e Vicente Llopis. (Jornal do Comércio, Manaus, 3 nov. 1908)
  • 16
    Em contraste com o afamado e opulento Teatro Amazonas das óperas e árias que deleitavam as elites manauaras, o Alcazar, bem mais modesto, voltou-se desde o início para o entretenimento popular, abrigando funções teatrais itinerantes, de baixo custo e projeções cinematográficas. Desde cedo também, abriu suas portas para as organizações operárias da cidade, que ali faziam suas reuniões e assembleias de maior dimensão e importância.
  • 17
    Em matéria intitulada “os relapsos da associação”, o jornal Tribuna do Caixeiro, de 1908, queixava-se do problema da inadimplência: “A Associação dos Empregados no Comércio, atualmente vê-se na obrigação de cancelar por falta de pagamento um número bem crescido de sócios relapsos de seu quadro, depois, certamente, de esgotar todas as medidas de tolerância necessárias para fazê-los cumprir o seu dever”. (apud. PINHEIRO, 2017PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Vozes operárias: Fontes para a história do proletariado amazonense (1890-1930). Rio de Janeiro: Gramma, 2017., p. 221).
  • 18
    Pedro Rodamilans Fontanet era um pequeno empresário em Manaus, dono da “El Cronómetro: Relojería y joyería”, loja que ficava situada na rua dos Barés, nº 27. (El Hispano-Amazonense, Manaus, 29 jun. 1918).
  • 19
    As motivações para a sua criação foram as mesmas das associações anteriores, cuja preocupação maior era criar mecanismos de apoio e solidariedade em uma terra estrangeira: “El 12 de mayo de 1916 y por iniciativa de un grupo de compatriotas residentes en esta ciudad, se ha llegado a la idea de establecer una Sociedad de Beneficencia para aunar los lazos de amistad y cariño entre los miembros de la Colonia Española a la vez que para dispensarse mutuo socorro cuando la desgracia llame a nuestras puertas y pretenda arrebatar una existencia útil a la Patria y a los suyos”. (SOCIEDAD ESPAÑOLA DE SOCORROS MUTUOS, Manaus, 1923SOCIEDAD ESPAÑOLA DE SOCORROS MUTUOS. Memoria y Cuentas Generales de La Sociedad Española de Socorros Mutuos. Manaus, s/n. 1923., p. 4)
  • 20
    De acordo com Carmen Novoa, o prédio onde a associação funcionava sofreu um incêndio o que motivou o encerramento de suas atividades justamente quando completava 50 anos de vida. (SILVA, 2010SILVA, Carmen Novoa. Um pai chamado Elias. Manaus: Valer , 2010., p. 46).
  • 21
    Compunham a Junta Diretiva: Presidente: Manuel Parada Corbacho; Vice-presidente: Amâncio Rey Gil; 1º Secretário: Jesús Cota Janeiro; 2º Secretário: Aquilino de la Casa; Tesoureiro: Eládio Suarez Pastor; Orador Oficial: Joaquim Azpilicueta; Bibliotecário: José Rodriguez Viñas. Vogais: Manuel Groba Pampillón, José Garcia Melchor, Adriano Ruíz Breval, Manuel Benito Rodriguez, Antonio Rodriguez Pardo, Benito Fernández; Comissão Fiscal: Pablo Novoa, Joaquim Rodriguez, Inocencio Ribas; Comissão Redatora dos Estatutos: Miguel Martin y Romero, Julio Minuesa Merchán e Manuel Benito Rodriguez; Vogais suplentes: Domingo Vara, Ramón Rodríguez Tellez, José Pérez y Pérez, Albino Mourelle, Victorino Mendez Diniz e Manuel Ogando Vidal. El Hispano-Amazonense, Manaus, 27 jul., 1918.
  • 22
    Contribuiu também para a união das duas associações, a difícil conjuntura experimentada pela comunidade naquele momento. Em 1921, o jornal El Hispano-Amazonense, em artigo relatando reunião da comunidade - onde as duas associações se fizeram presentes - para solicitar ajuda ao rei espanhol para proceder o repatriamento dos necessitados, diz “No nos cansamos en repetir, que nunca hemos visto tantos compatriotas reunidos y tan de común acuerdo en todo como en la actualidad. Ni la más mínima protesta, ni el más leve murmullo de desagrado. Dios permita que la unión que hoy existe, - desgraciadamente para pedir auxilio à nuestros superiores - continúe siempre entre todos nosotros. (El Hispano-Amazonense. Manaus, 26/03/1921).
  • 23
    De acordo com Carmen Novoa, o número de espanhóis em Manaus caiu vertiginosamente após 1920, alcançando o patamar de apenas 307 por volta dos anos 1950, reduzindo-se ainda mais radicalmente nos anos 1960, quando a Sociedad Española de Socorros Mutuos foi, enfim, extinta (SILVA, 2010SILVA, Carmen Novoa. Um pai chamado Elias. Manaus: Valer , 2010., p. 54-55).

Notas

  • 3
    Os números disponíveis são, todavia, imprecisos e oscilam de acordo com os registros documentais e autores a que se recorra. Assim, enquanto para o jornal La Voz de España havia cerca de “dois mil e poucos” espanhóis em Manaus, para o médico sanitarista Hermenegildo de Campos, este número oscilava entre 1.400 a 1.500 em 1907. Já Carmen Novoa Silva utiliza cifra maior, vendo na cidade a presença aproximada de 3.000 espanhóis. La Voz de España, nº 2. Manaus, 13 jan. 1901; (CAMPOS, 1988CAMPOS, Hermenegildo. Climatologia médica de Manaus. 2ª ed. Manaus: ACA, 1988., p. 101; SILVA, 2010SILVA, Carmen Novoa. Um pai chamado Elias. Manaus: Valer , 2010., p. 54).

Declaração de financiamento

  • A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento do CNPq (Proc. 308826/2015-9).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2019
  • Aceito
    20 Abr 2020
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